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 Solange Galvão

 

Resumo

O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar uma abordagem possível dos gêneros textuais nas turmas da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto selecionamos um tema comum, o desemprego, o qual será abordado em três gêneros distintos: o poema, a reportagem e a charge.

 

Palavras-chave: Comparação; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Gêneros textuais; Língua Portuguesa; Projeto de Ensino.

 

Introdução

 

O objetivo deste artigo é relatar a experiência de estágio de 60h da disciplina Metodologia de Ensino do Português II, sendo 50h direcionadas à observação de aulas e 10h à regência, enfatizada neste trabalho, na qual aplicamos uma sequência de ensino ao 3º termo D da EJA – Educação de Jovens e Adultos.

Para trabalhar com esse perfil de alunos, selecionamos uma Escola Estadual localizada no Bairro do Rio Pequeno - Município de São Paulo, submetida à jurisdição da Diretoria de Ensino Centro-oeste. Acompanhamos as aulas de Língua Portuguesa do professor ‘D’, que leciona em escolas públicas do Estado de São Paulo há mais de 20 anos.

Simultaneamente às observações de aula, elaboramos um Projeto de 10h, constituído por quatro etapas: 1ª) contextualização temática e reconhecimento dos gêneros textuais; 2ª) comparação entre os gêneros; 3ª) aplicação dos conhecimentos sobre os gêneros e 4ª) correção coletiva e comentários.

Optamos pela abordagem dos gêneros textuais devido aos fatores que caracterizam o ensino na EJA: o perfil e a necessidade dos alunos, as exigências dos documentos oficiais e o tempo restrito. Consideramos o plano de aulas do professor e, para tanto, incluímos conceitos que seriam abordados no decorrer do semestre, entre eles, interpretação e leitura crítica de textos.

Após a contextualização temática, os alunos identificaram as características dos gêneros poema, reportagem e charge, associando estas às respectivas práticas sociais e aos meios de veiculação, e observaram como cada gênero abordou o mesmo tema: o “desemprego”.

Foi necessário alterar a dinâmica prevista no Projeto no decorrer das aulas, pois, conforme o comentário do professor “D”, “é preciso considerar o ritmo de aprendizagem dos alunos”. No entanto, foi possível abordar todos os conceitos linguísticos programados. Para alcançar o engajamento dos estudantes, criamos algumas condições comuns necessárias, na tentativa de tornar a interação agradável e produtiva.

Nas últimas aulas, os alunos responderam um questionário dissertativo que foi corrigido na sala, assim, puderam tirar dúvidas e expor opiniões sobre os tópicos apresentados. Após verificar a produção dos estudantes, observamos que a aplicação desse tipo de questões é um meio eficiente de avaliar a compreensão dos textos. É preciso, porém, que o professor esteja atento à elaboração de questões que estimulem a reflexão dos alunos as quais devem ser formuladas de modo a permitir que os estudantes exponham os conceitos internalizados de forma que não ocorra apenas a identificação de informações nos textos.

 

1  O contexto escolar

 

1.1  A escola

 

O estágio foi realizado em uma Escola Estadual localizada no Bairro Rio Pequeno. O corpo docente é constituído por 20 professores, os quais lecionam para cerca de 700 estudantes do Ensino Fundamental II – de 5º a 9º ano – manhã e tarde, e do Ensino Médio – 1º, 2º e 3º termos da EJA, que cursam o Ensino Médio em três semestres. A maioria dos estudantes reside nos Bairros Rio Pequeno e Vila Dalva, muitos na comunidade São Remo, próxima à Universidade de São Paulo.

A estrutura física da escola é agradável. As salas são amplas, organizadas e identificadas por série. Estão disponíveis uma biblioteca, uma sala de estudos e um laboratório de informática, utilizados em algumas atividades. Na sala dos professores, foram encontrados cartazes sobre algumas atividades que ocorreriam naquele 2º semestre, como a 2ª fase da 8º Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas, em 15.09.2012.

O professor falou para os alunos do 3o termo sobre a possibilidade de ingressar na universidade por meio do ProUni – Programa Universidade para Todos ou do Sisu – Sistema de Seleção Unificada, que utilizam a nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no Vestibular. Os alunos fizeram perguntas sobre os cursos oferecidos, ressaltando a dificuldade para conseguir emprego. Poucos jovens mostraram interesse em fazer provas de vestibulares.

 

1.2  O material didático

 

O livro didático utilizado faz parte da Coleção Linguagem e Movimento, Vol. 1, 2 e 3, de Izeti Fragata e Cortez Minchillo, distribuída aos alunos do Ensino Médio. O livro é constituído por vários gêneros textuais, como poemas, cartas, imagens e trechos de jornais e revistas, contextualizados de acordo com as normas estabelecidas pelo PNLD - Programa Nacional do Livro Didático. Para o docente acompanhado, a presença dos gêneros no material didático não implica mudança na maneira como os conceitos linguísticos são abordados em sala. Segundo o docente, “esse trabalho de transformação é função do professor”.

Em complemento, são oferecidas apostilas organizadas por uma equipe de professores os quais compõem a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP. A disciplina Língua Portuguesa faz parte da área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Esse material não foi utilizado nas aulas observadas.

O professor comentou que o material didático serve como referência, mas as aulas da EJA são preparadas de acordo com o desempenho das turmas e o tempo disponível. A metodologia de ensino do docente comporta a utilização de materiais paradidáticos, da lousa e do improviso para esclarecer as dificuldades dos alunos.

 

1.3 A linguagem na documentação escolar

 

Com referência à documentação da disciplina de Língua Portuguesa, tivemos acesso ao Planejamento Anual do professor. Quanto ao conteúdo programático, no 1º termo, os tópicos trabalhados em aula são letra, fonema, sílaba, tonicidade, acentuação, ortografia, pontuação e redação (narração, descrição e dissertação); no 2º termo - morfologia, concordância e regência verbal, crase, classe de palavras e redação e no 3º termo - a linguagem figurada (denotação e conotação), revisão de ortografia, pontuação e crase.

Atividades extracurriculares e passeios que beneficiam o aprendizado, como a visita ao Museu da Língua Portuguesa, fazem parte do planejamento, porém, nas turmas da EJA, o professor opta por adequar tais atividades à disponibilidade dos alunos durante o semestre.

 

1.4 O professor

 

O professor acompanhado é formado em Letras, com habilitações em Português e lnglês, e pós-graduado em Língua Portuguesa por meio do convênio firmado entre a Universidade de Campinas (UNICAMP) e a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP).

“D” leciona em escolas públicas há 23 anos. Observando as aulas, notamos que o docente renova sua metodologia a cada semestre, resistindo à apatia que a rotina da profissão permite, em especial, nas escolas públicas nas quais, muitas vezes, os recursos são escassos. A experiência do professor é notável, pois contorna de maneira eficiente as mais diversificadas situações que ocorrem no ambiente escolar.

O docente descreveu uma trajetória de superação de obstáculos em anos de trabalho na escola pública. Afirmou gostar de tal rotina “apesar da existência de alguns problemas”. Segundo ele, “em todas as profissões há pontos negativos e positivos, dar aulas não seria diferente”. Sobre a EJA, disse que, com o passar do tempo, aprendeu a entender as diferentes realidades, individualidades e histórias de vida dos alunos.

Para os estudantes da EJA, a motivação e a inclusão são imprescindíveis. Geralmente, exercem outras atividades diárias, logo, o cansaço e o acúmulo de tarefas resultam em alta taxa de evasão escolar; assim, mantê-los na escola faz parte da tarefa do docente.

Durante as aulas, ‘D’ propôs atividades de gramática com base em artigos jornalísticos e falou sobre como ser bem sucedido em provas de concursos públicos e no ENEM. Além disso, manteve bom relacionamento com os alunos, incentivando-os a permanecer no curso.

 

1.5  O perfil dos alunos da EJA

 

Em cada turma acompanhada havia por volta de 38 alunos matriculados, sendo que estavam presentes entre 20 e 25 na primeira aula do estágio. Observamos as aulas das turmas 1ºE, 1ºF, 2ºC, 2ºD, 2ºE e 3ºD. Segundo a coordenadora pedagógica, a justificativa por haver menos salas de 3º termo é a evasão que ocorre no decorrer dos semestres. Não há reprovação por ausência, logo, as faltas são recorrentes. Essa é uma das dificuldades enfrentadas pelo professor, pois é necessário modificar o cronograma de atividades para não prejudicar alguns alunos.

Na entrevista feita com alunos do 1º termo, foi dito que retomar os estudos é essencial para cumprir as exigências do mercado de trabalho. Os alunos interromperam as atividades escolares, anteriormente, por motivos diversos: muitas mulheres deixaram a escola após o parto; alguns alunos declararam não gostar de estudar; outros precisavam auxiliar no sustento familiar.

Segundo o professor, dificilmente alunos da EJA estudam em ambiente extraescolar, portanto, não é produtivo aplicar atividades para serem realizadas em outro local. ‘D’ evita apresentar filmes longos nas aulas, pois muitos alunos, cansados, pedem para ir para casa.

Quanto ao conhecimento linguístico, os estudantes do 1º termo não demonstram domínio da Língua Portuguesa na modalidade escrita, apresentando problemas relacionados à leitura, à interpretação e à elaboração de textos; os do 3o termo leem com mais fluência, mas demonstram dificuldade de compreensão.

 

1.6 Objetos ensinados e tarefas realizadas

 

Durante o estágio, acompanhamos as aulas de gramática e de interpretação de textos no 1o, 2º e 3o termos. Notamos a reconfiguração do objeto de ensino e das atividades de acordo com a duração do curso da EJA, porém, sem redução do conteúdo.

Os alunos do 3o termo estudaram o gênero Artigo de Opinião, abordado na prova do SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - 2012. As turmas da EJA não foram avaliadas, mas o professor decidiu apresentar um exemplo do gênero, utilizando o Editorial Universidade para Todos (Anexo I), do Caderno Opinião, publicado na Folha On-line, em 03.09.2012, que distribuiu impresso aos alunos. Antes da leitura, justificou a escolha e discutiu com os estudantes o tema do texto. Explicou a função do Caderno de Opinião no jornal e a estrutura do gênero, conforme as informações seguintes, retiradas da lousa:

    •        Contextualização da questão centra
    •        Posicionamento do autor
    •        Argumentos para sustentar a posição assumida
    •        Consideração de posição contrária e antecipação de possíveis argumentos
    •        Possibilidades de negociação
    •        Conclusão


Para finalizar, explicou a diferença entre ‘opinião’ e ‘argumento’. Os alunos realizaram uma atividade cujo objetivo era identificar as características do gênero.

Nas aulas do 1º termo, o estudo da gramática normativa foi predominante: exposição seguida por exercícios adaptados e correções. O professor explicou as três conjugações verbais, terminadas em -ar, -er e -ir e entregou uma tabela aos alunos (Anexo II). O verbo ‘bisar’ chamou a atenção por não fazer parte da linguagem coloquial, causando estranhamento.

Os alunos do 1ºF estudaram a Ortografia Oficial. O professor falou sobre fonética para explicar o motivo da existência de palavras com som de ‘z’ que são grafadas com ‘s’.  Em seguida, comentou as regras para distinguir palavras grafadas com ‘s’ ou ‘z’ e com ‘s’ ou ‘ç’. Os alunos não conheciam o sentido do verbo ‘ascender’, logo, confundiram-se com o verbo ‘acender’.

Nas salas do 2º termo, foi analisado o artigo Paralímpico? Haja bobagem e submissão! (Anexo III), do Prof. Pasquale Cipro Neto, publicado em 06.07.2012, no Caderno Cotidiano. Trata-se do uso de prefixos gregos, com base na adaptação da palavra ‘paraolímpico’ para ‘paralímpico’ com o objetivo de aproximar a grafia da palavra e o nome do Comitê Internacional Paralympic. ‘D’ distribuiu cópias do texto aos alunos e explicou a formação das palavras por meio de prefixos gregos e latinos. Comentou, também, o novo acordo ortográfico, referindo-se ao uso do hífen em palavras como ‘infraestrutura’ e ‘pós-graduação’.

 

1.7  Instrumentos didáticos e gestos profissionais

 

Nas aulas observadas, a institucionalização discursiva dos saberes abordada por Schneuwly (2011) ocorreu por meio da exposição oral e da topicalização dos conceitos. O professor utilizou a lousa e o giz como instrumentos didáticos, além de jornais e artigos disponíveis na Internet.

Um gesto didático marcante do docente foi o estímulo à motivação dos alunos, mostrando a eles a importância da interpretação de textos em muitas interações comunicativas. Segundo ‘D’, o conhecimento linguístico refinado torna os estudantes flexíveis e adaptáveis às diversas situações. A memória didática também foi um gesto frequentemente utilizado. ‘D’ iniciou as aulas lembrando o que havia sido comentado na aula anterior ou corrigindo atividades.

Para auxiliar no controle de frequência, recolhia os trabalhos no final das aulas e os entregava nas aulas seguintes para conclusão. Apesar de parecer um gesto autoritário, essa é uma atitude necessária, pois é uma forma de incentivar a presença dos alunos nas aulas. O professor recorreu, também, ao gesto de inclusão. Muitas vezes, perguntou quais alunos tinham atividades ou avaliações pendentes. Para ele, esse tipo de preocupação evita a evasão escolar.

Com relação ao gesto de regulação da aprendizagem, com base nos estudos de Schneuwly (2011), foi possível observar a predominância de atividades elaboradas durante as aulas, valendo nota. O professor corrigiu todos os exercícios e, durante as correções, solicitou a participação dos alunos. Após a correção das avaliações, o professor conversava com os estudantes para esclarecer dúvidas pendentes. Para o docente, a atividade produzida em aula é a mais eficiente forma de avaliação da EJA, pois estimula a participação e auxilia no controle da frequência. Em todas as salas, os estudantes comentavam não poder faltar devido aos trabalhos elaborados em sala e à quantidade de “matéria passada na lousa”.

 

2  A elaboração do Projeto de Ensino

 

2.1 Justificativa

 

A principal característica que define a EJA é a heterogeneidade das turmas. Alguns estudantes saíram da escola recentemente; outros, não estudam há anos. Como reflexo da interrupção dos estudos, a maioria demonstra dificuldade para compreender e interpretar textos. A aluna A. do 3º termo, por exemplo, relatou que, quando retomou os estudos após tê-los interrompido há seis anos, teve dificuldade para lembrar o conteúdo abordado no Ensino Fundamental, e que isso, inicialmente, foi desestimulante.

Geralmente, os alunos voltam à escola para concluir o Ensino Médio buscando um emprego ou melhores posições no mercado de trabalho. Nas aulas, o professor demonstrou preocupação e tentou incentivá-los. ‘D’ ressaltou a importância da leitura crítica e da boa redação para fazer provas de concurso e participar de processos seletivos. Essa metodologia parece mercadológica, isto é, direcionada apenas ao mercado de trabalho, contudo, é uma atitude motivadora no caso das turmas da EJA.

Observando as turmas, percebemos a dificuldade dos alunos ao relacionar textos e inferir ideias; por essa razão, selecionamos como objeto desta sequência de ensino o estudo dos gêneros textuais mais presentes em avaliações. As sugestões apresentadas nos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e o Médio também contribuíram para a escolha deste Projeto:

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, os quais geram usos sociais que os determinam (BRASIL, 1998, p.21).

 

Durante o estágio, notamos que o trabalho com gêneros textuais na EJA é um desafio para o professor, logo, nesta experiência didática, buscamos auxiliar o docente, trazendo ideias sobre como aperfeiçoar a leitura crítica dos alunos, com base nos estudos de Bakhtin (1953/1997):

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN 1953/1997, p. 279).

 

Para a elaboração da sequência de ensino, consideramos, também, os estudos de Dolz e Schneuwly (2004). Segundo os autores, a introdução de um gênero na sala de aula depende de uma decisão didática, que precisa considerar os objetivos da aprendizagem. São três os aspectos relevantes para tal opção: o conhecimento e as referências dos alunos sobre os gêneros utilizados, suas capacidades de aprendizagem e os objetivos de ensino do professor.

Durante a aplicação do Projeto, os alunos do 3º D relacionaram três gêneros distintos, comparando a forma como cada texto abordou o tema “desemprego”. As atividades foram aplicadas em 10 aulas, nas quais os alunos tiveram contato com as principais características dos gêneros poema, reportagem e charge.

 

2.2 Planejamento geral

 

Na EJA, o docente tem como objetivo ensinar o conteúdo programático e avaliar o nível de assimilação dos alunos para, dessa forma, estimular o interesse pelo conhecimento, considerando as deficiências e competências destes. Na primeira fase da aplicação do Projeto, os alunos analisaram as características dos gêneros, relacionando-as ao conhecimento prévio da turma; em seguida, os estudantes associaram tais gêneros às respectivas práticas sociais e ao meio de veiculação em questão, a revista. Na fase seguinte, compararam a maneira como cada texto aborda o tema “desemprego”.

Nas primeiras aulas, criamos um contexto de compartilhamento de experiências, buscando o engajamento dos alunos e a construção de um conhecimento coletivo. Foram consideradas opiniões, vivências, informações e estatísticas. No momento seguinte, discutimos o conceito de gêneros do discurso e as características deste. Foi feita uma análise comparativa, buscando observar diferentes pontos de vista sobre o mesmo objeto temático, na tentativa de construir uma visão crítica sobre o assunto e de alcançar uma leitura mais aprofundada dos textos.

Por fim, conduzimos a atenção dos alunos aos aspectos linguísticos, evidenciando o trabalho de Língua Portuguesa. Percorremos uma trajetória de aprendizagem utilizando o recurso da memória didática, reiterando em certa aula o texto abordado em aula anterior para avaliar se houve, realmente, a compreensão deste.

 

2.3 Descrição das Fases do Projeto

 

Atividades da 1ª Fase: contextualização temática e reconhecimento dos gêneros textuais

1ª aula: inserção no contexto temático e discussão sobre os resultados do desemprego com base no relato de experiências e na exposição de opiniões dos alunos.

2ª aula: apresentação do objetivo geral do Projeto Didático, justificando a escolha do tema e dos gêneros utilizados; reconhecimento dos gêneros por meio da presentificaçãodos objetos de ensino e da leitura compartilhada dos textos, destacando as principais características de cada gênero. Nesta aula, dá-se ênfase à funcionalidade dos gêneros no contexto de suas práticas sociais, utilizando como instrumentos didáticos a exposição oral, a lousa e o giz. 

3ª e 4ª aulaṣ: recuperação dos conceitos apresentados na aula anterior por meio da memória didática; institucionalização de saberes; fracionamento dos tópicos em suas dimensões constitutivas e análise linguística dos textos que compõem cada gênero.

Nestas aulas, serão abordadas as funções da linguagem, com base nos estudos do linguista russo Roman Osipovich Jakobson (2007): função emotiva, referencial, poética, fática, metalinguística e conativa. Como tarefa, os alunos identificarão, individualmente, os elementos dos gêneros, relacionando o poema Emprego (Anexo IV), de Ferréz, e a reportagem Brasil dividido (Anexo V), de Ottoni Fernandes. Verificarão a função social de cada texto, considerando a respectiva esfera.

 

Atividades da 2ª Fase comparação entre gêneros

5ª e 6ª aulas: Para os estudos bakhtinianos, os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades: as escolares, as religiosas, as profissionais, as políticas, as pessoais, as midiáticas, as publicitárias, as digitais, entre outras. Para o autor, os enunciados não podem ser produzidos fora das esferas de ação, o que significa que os gêneros são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera. Com base nessa reflexão, os alunos discutirão as possíveis intenções da esfera jornalística revista, destacando a função social desta e do jornal, além de mudanças que ocorreram nesses veículos midiáticos após o surgimento da Internet.

O gênero reportagem será recuperado por meio da memória didática e comparado à charge Indicador de desemprego (Anexo VI). Como atividade, os alunos comentarão a esfera de circulação dos textos, as características desta e a maneira como cada gênero aborda o tema.  Destacam-se, também, os aspectos relacionados ao estilo dos gêneros, isto é, à utilização de recursos linguísticos.

 

Atividades da 3ª Fase: aplicação dos conhecimentos sobre os gêneros

Esta fase será destinada à avaliação dos resultados das leituras anteriores. A regulação da aprendizagem proposta no Projeto em questão não altera as avaliações previstas pelo professor. As atividades feitas em sala de aula e a produção dos alunos serão entregues ao docente. 

          7ª e 8ª aulas: construção de uma tabela na lousa com as principais características dos três gêneros; aplicação de um questionário com perguntas dissertativas; seleção de um dos textos discutidos em aula, que será comentado pelos alunos considerando a função social do gênero e a esfera de circulação deste, justificando tal escolha.

 

Atividades da 4ª Fase: correção coletiva e comentários gerais

Os alunos receberão os questionários corrigidos, que serão comentados pela estagiária. A correção coletiva é uma forma de compartilhar conhecimento e esclarecer eventuais dúvidas. Serão apontados aspectos positivos e negativos das respostas.

 

3  Aplicação do Projeto

 

3.1   Considerações Gerais

 

Este Projeto foi aplicado à turma do 3º D, durante cinco semanas, sempre em duas aulas consecutivas. Antes de iniciar a regência, solicitamos a opinião do professor sobre a adequação da nossa sequência de ensino, pois ‘D’ acompanha os alunos desde o 1º termo, logo, conhece o ritmo de aprendizagem da turma. O docente comentou que o estudo sobre os gêneros é essencial para a formação acadêmica e profissional dos estudantes, pois o conhecimento sobre a diversidade de textos auxilia na formação de leitores críticos, que desenvolverão competências como interpretação e compreensão de textos.

A experiência de ser responsável pela organização das aulas foi enriquecedora. Além de elaborar o Projeto, foi preciso estabelecer condições de interação com os alunos. Para tanto, contamos com a convivência construída durante o estágio de observação de aulas e com a presença do professor, uma vez que a relação entre ele e os alunos era de respeito e admiração mútua. Conhecer a dinâmica da sala foi essencial para a criação de algumas condições comuns de construção de conhecimento na interação em sala de aula. Sobre essa interação, Marcuschi (2007) diz que “uma base comum é um sine qua non para tudo o que viermos a fazer com o outro – desde as atividades conjuntas mais gerais até as mais simples e estreitas ações conjuntas”.

Durante a regência foi possível avaliar, efetivamente, a dificuldade que o professor enfrenta para administrar o tempo, os recursos disponíveis na escola e a dificuldade de aprendizado dos alunos. Notamos que o trabalho docente requer experiências que vão além do desenvolvimento de um Projeto organizado, com base nos documentos oficiais sobre o ensino de Língua Portuguesa. Após tal organização é preciso criar uma situação de aprendizado real, atrativa e eficaz.

A sala de aula é uma situação de comunicação na qual é necessário haver concentração, dedicação e engajamento tanto do professor quanto dos alunos. A maneira mais eficiente de alcançar resultados positivos com os alunos da EJA é a empatia. A interação é essencial para a relação entre ensino e aprendizagem. Caso o aprendizado não esteja ocorrendo conforme o planejado é necessário adaptar a metodologia de ensino, explicar o conceito de outra maneira e reformular os exemplos com base nas experiências dos alunos.

As aulas podem não ocorrer conforme previsto no plano de aula da disciplina, logo, cabe ao professor conseguir lidar com situações imprevistas. A experiência mostrou-nos que, na EJA, ser professor é saber conduzir os alunos a um objetivo definido, utilizando os instrumentos didáticos que estiverem disponíveis no momento. Quanto aos gestos didáticos, destacamos a “escolarização” dos conceitos, que os torna acessíveis, sem redução, e a aplicação destes na sala de aula em um tempo limitado.

 

3.2 A regência

 

Durante as aulas, foi necessário improvisar ações sincronizadas às reações e ao comportamento dos alunos. Alcançamos o engajamento necessário para o ensino dos gêneros textuais partindo do tema “desemprego”. Para obter resultados positivos, inicialmente, observamos o perfil da turma para tornar o contexto da aula o mais próximo possível da realidade dos estudantes.

No decorrer da regência, observamos que o professor precisa ter a habilidade de prever as dúvidas e os problemas que surgem durante as aulas já que tais situações de aprendizagem são únicas. Por exemplo, preparamos uma apresentação em Power Point para a primeira aula, mas os recursos de mídia não estavam disponíveis, então, utilizamos o giz, a lousa, os textos e a exposição oral. A experiência de conhecer as dificuldades da turma é um diferencial do trabalho do professor ‘D’, que comentou: “há coisas que o professor só aprende na sala de aula, com o passar do tempo”.

Um aspecto que pode ser destacado como positivo na avaliação deste Projeto é a organização. Cada aula ocorreu em 45 minutos; então, tentamos estabelecer uma sequência comum, composta por introdução, desenvolvimento e conclusão, com o intuito de administrar o tempo do encontro, no total de 90 minutos cada.

Os conceitos foram topicalizados na lousa e serviram como base para recordar estudos anteriores. Além disso, anotávamos os exemplos citados pelos alunos. Tal gesto didático permitiu que mantivéssemos o foco em assuntos relevantes para a aula em questão e a retomada dos tópicos após as digressões. Foi necessário intervir muitas vezes direcionando a atenção dos estudantes aos aspectos linguísticos dos textos, concernentes à disciplina Língua Portuguesa, uma vez que, envolvidos pelo tema, estes fizeram muitas inserções relacionadas somente ao assunto. Apesar desse risco de foco unicamente no assunto, optar pelo Projeto temático foi produtivo, pois alcançamos o objetivo inicial, o engajamento e a participação dos alunos, e o final, o ensino e a aprendizagem das principais características dos gêneros.

Na primeira aula, os estudantes compartilharam experiências durante uma discussão. O aluno L. A., 24 anos, foi o primeiro a comentar, descrevendo sua experiência profissional e a dificuldade enfrentada para entrar no mercado de trabalho formal. Disse que voltou a frequentar a escola com o intuito de conseguir um novo emprego. Atualmente, trabalha como motoboy, sem registro em carteira profissional. Tal relato foi uma oportunidade para apresentar à sala a reportagem Brasil Dividido (2004), que trazia informações sobre o mercado de trabalho formal e o informal da época.

Iniciamos a leitura do texto por meio das imagens, isto é, pela linguagem não-verbal, que é parte constitutiva do gênero em questão. A imagem presente no texto descrevia a disposição de bancas do comércio informal no Largo da Batata, em Pinheiros – São Paulo, em 2004. Utilizando o par dialógico pergunta-resposta, fundamental para a organização conversacional, segundo Gomes-Santos; Almeida (2009), fizemos uma leitura da foto presente na reportagem. Vejamos a seguir a reconstituição de um trecho do diálogo que ocorreu entre a estagiária e dois alunos:

Professora: gente, com base nessa imagem, vocês podem me dizer sobre o que fala este texto?

Aluno 1: sobre barraca de camelô, professora.

Aluno 2: é sobre produtos genéricos, professora (risos) [o aluno estava falando sobre venda de produtos falsificados – pirataria de produtos]

Professora: é isso mesmo, [nome do Aluno 1], o texto fala sobre os camelôs. O texto discute a convivência entre o trabalho formal e o informal.

Aluno 2: claro né professora? tá difícil arrumar emprego, os caras têm que comer.

 

Os alunos foram convidados a analisar a composição do título (a cor, a fonte e a disposição destas refletem o que diz o título da reportagem, por intermédio da linguagem não-verbal). Acrescentamos que, no gênero em questão, é possível encontrar gráficos e tabelas que refletem os dados descritos. Na sequência, fizemos a leitura do texto e verificamos que grande parte do assunto havia sido abordada durante a análise das imagens. Observamos que a interação é importante para que o professor avalie o momento certo de avançar na explicação do conteúdo.

Antes da discussão sobre o tema, comentamos a esfera de circulação em questão – a revista – e a função social do gênero reportagem, com base nos conceitos abordados por Bakhtin. Explicamos que os veículos midiáticos não são neutros uma vez que a enunciação (fala/escrita) é produzida com o objetivo de construir a posição do enunciador diante de um determinado fato. Verificamos que, ao transmitir as informações, os meios de comunicação demonstram, implícita ou explicitamente, um ponto de vista sobre o que está sendo informado, com intenção de persuadir o leitor. Vejamos a reconstituição de outro trecho de diálogo entre a estagiária e duas alunas:

Professora: pessoal, vocês já perceberam que cada revista tem um público específico, há revista para jovens, para adultos. Há revista de economia, revista acadêmica...

Aluna 1: revista de fofoca, professora. Gosto de saber da vida os artistas.

Aluna 2: eu gosto de ver o que vai passar na novela. Tô perdendo a novela por causa da aula, professora.

Professora: então vocês já sabem qual tipo de revista precisam ler para saber sobre um assunto específico né?

 

O diálogo reconstituído encadeou a apresentação de uma charge que ilustra os diferentes públicos possíveis de uma mesma esfera de atividade, no caso, o jornal.

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 Fonte: http://revistamacondo.wordpress.com/category/_literatoon/page/2/, acessado em setembro de 2012.

 

Após finalizarmos o estudo sobre as esferas, retornamos ao reconhecimento de algumas características constitutivas do gênero reportagem. Na lousa, elaboramos a lista apresentada a seguir e, como tarefa, os alunos identificaram as características no texto.

Gênero Reportagem

Observar a biografia básica do autor

Destacar a data de veiculação e a esfera de circulação da reportagem

Descrever a função social do gênero

Analisar a função do título e do subtítulo

Observar a função da linguagem não-verbal

Interpretar a argumentação do autor - presença de dados de fontes como o Ipea e o IBGE, que reforçam o ponto de vista do autor

Descrever a ideia central presente no texto

 

Comentamos a relevância de compreender as características dos gêneros textuais para fazer uma leitura crítica dos textos. Os alunos anotaram o conteúdo da lousa para retomá-lo na aula seguinte, na qual seria feita a comparação entre o gênero reportagem e o gênero lírico.

Nas aulas seguintes, comparamos o texto Brasil dividido e o texto Emprego. Uma aluna comentou nunca ter visto o tema “desemprego” ser abordado em um poema. Citamos as diversas possibilidades de intercâmbio entre os gêneros. Conversamos sobre a possibilidade de a poesia abordar temas incomuns. Retornamos, então, ao poema Emprego. Para tanto, colocamos na lousa algumas questões às quais os alunos deveriam atentar-se:

Qual a ideia central do poema?

Quais marcas linguísticas revelam o posicionamento do eu lírico no poema?

Quais os recursos linguísticos presentes no gênero lírico que podem ser identificados no texto?

Quais as principais diferenças entre os textos Emprego e Brasil Dividido?

 

Os alunos fizeram uma leitura coletiva do poema. Ao final, pareciam comovidos e permaneceram em silêncio. Perguntamos o motivo do impacto que a leitura causou e por que a leitura do poema os comoveu mais que a leitura da reportagem. Uma aluna respondeu: “esse texto conta uma história triste, professora”. Partimos das impressões dos alunos para explicar as Funções da Linguagem abordadas por Jakobson (2007). Nesta aula, destacamos as marcas linguísticas do poema que refletem o uso das Funções, as quais causam diversos efeitos no leitor. Colocamos na lousa as seguintes informações:

Funções da Linguagem

Função emotiva: enfatiza o sentimento do emissor, ressaltando suas emoções.  Podemos encontrar no texto marcas linguísticas da 1ª pessoa do singular. Função presente em artigos de opinião. 

Função referencial: enfatiza o contexto em questão, destacando a informação. Podemos encontrar no texto marcas linguísticas de 1ª pessoa do plural. Essa função é predominantemente em textos jornalisticos que buscam transmitir informaçãoes.

Função poética: enfatiza o canal, ou seja, as características constitutivas da poesia. A poesia é o foco da mensagem.

Função metalinguística: enfatiza o código, ou seja, a linguagem utilizada para transmitir a mensagem.

Função conativa: enfatiza a manutenção do contato com o receptor.

 

e explicamos:

Essas funções podem coexistir em um único texto, mas, muitas vezes, uma delas é predominante. A comoção gerada durante a leitura do poema foi provocada pela presença de uma dessas funções: a emotiva. No caso do texto Brasil Dividido, houve predominância da função referencial, enquanto, no texto Emprego, destacam-se as funções poética e emotiva. [Reconstituição aproximada de um trecho da explicação da estagiária, com base em anotações sobre a regência].

 

Uma das alunas replicou, dizendo:

Poesia é difícil, mas é bonito professora. Algumas músicas parecem poesia. Muito bonito. Mas sobre desemprego eu nunca vi. [Reconstituição aproximada do comentário de uma aluna, com base em anotações sobre a regência].

 

Partimos, então, para as principais características da poesia, que já havia sido estudada em semestres anteriores. Os alunos citaram o ritmo, os versos e as figuras de linguagem. Como tarefa, em duplas, eles identificaram no texto Emprego as marcas linguísticas que justificavam o uso da função emotiva e da função poética. Inicialmente, tiveram dificuldade. Acompanhamos a atividade desenvolvida durante a aula, esclarecendo as dúvidas.

Nas duas aulas seguintes, retomamos as esferas de atividade antes de introduzir em nossos estudos o gênero charge com o texto Indicador de desemprego. Lembramos algumas características dos gêneros apresentados nas aulas anteriores por meio da memória didática. Tal recurso, além de útil para o ensino e a aprendizagem, é um meio de inclusão, pois retoma o que aconteceu nas aulas anteriores mantendo os alunos que não estiveram presentes informados sobre o assunto.

Colocamos na lousa duas listas com as características dos gêneros estudados anteriormente e uma terceira para ser complementada durante a aula. Discutimos a relevância da linguagem não-verbal para o gênero charge. Além disso, identificamos no texto o humor e a ironia que são características constitutivas do gênero. Em Indicador de desemprego, a personagem Mafalda relaciona o “dedo indicador” e o “indicador de desemprego”. Assim, constatamos que o desemprego pode ser tratado não apenas de maneira informativa/referencial.

Como tarefa, após descrevermos as características principais dos três gêneros, os alunos formaram duplas para reler os textos anteriores e discutir as características composicionais de cada gênero. Sugerimos que fizessem a seguinte atividade:

           Com base nos textos estudados e nas tabelas construídas, escrevam um breve comentário:

Quanto às características principais

Quanto à esfera de circulação

Quanto às funções da linguagem

Quanto ao tema

 

3.3  Avaliação das atividades produzidas pelos alunos

 

Na última fase do Projeto, os alunos responderam questões dissertativas. Selecionamos um trabalho produzido para fazer algumas considerações sobre os resultados obtidos durante a aplicação do Projeto. As questões 01 a 06 foram objetivas, logo, as respostas foram semelhantes. Optamos, então, pelas Questões 07 e 08, que foram opinativas e possibilitaram uma melhor avaliação sobre a compreensão do tema:

7. Escreva com suas palavras a ideia central de cada texto e descreva a relação existente entre elas.

8. Qual dos textos você mais gostou? A qual gênero ele pertence? Justifique sua escolha com base nos estudos sobre os gêneros textuais.

 

A questão 07 tinha como objetivo a análise, a leitura e a compreensão da ideia central do texto. Nosso objetivo foi alcançado, pois a maioria dos alunos fez interpretações adequadas.

Vejamos o que respondeu um dos alunos (Anexo VII):

Questão 7

R: A ideia central do texto Brasil dividido consiste na porcentagem de brasileiros que exercem algum tipo de atividade remunerada informal, seja por opção própria ou por opção de seus empregadores, e nas implicações disso para o país. No texto Emprego, o eu lírico “conta-nos” a trajetória de mais um “chefe de família” que sem uma fonte de renda e sem condições financeiras para cuidar da própria saúde chega ao fim de sua vida. O texto Indicador de desemprego satiriza a relação entre o índice indicador de desemprego e o gesto que é normalmente utilizado para demitir funcionários, também faz referência à demissão em grande quantidade.

 

Vejamos também a resposta à questão 08, apresentada a seguir:

Questão 8

R: Gostei mais do texto Brasil dividido, que se apresenta em gênero jornalístico. No texto, o autor descreve a situação de informalidade no trabalho, apresentando dados estatísticos, características de um texto jornalístico, que torna a descrição mais confiável e aborda diferentes razões que justificam essa informalidade assim como as implicações desta para o país, sendo assim um texto completo. [grifos destacados pela estagiária].

 

As duas últimas aulas foram reservadas para discutir a correção da atividade com os alunos. Entregamos os questionários nos quais foram feitos apontamentos referentes aos aspectos gramaticais e à compreensão dos gêneros. Fizemos um comentário geral sobre o que era esperado das respostas e selecionamos alguns trechos para corrigir coletivamente, sem identificar os estudantes.

Comentamos, por exemplo, a resposta da questão 08 citada. Explicamos que o uso da expressão “gênero jornalístico” é muito abrangente, pois pode referir-se a uma reportagem, a um artigo de opinião, a um editorial e cada um desses “tipos” de texto tem características próprias e funções específicas, como vimos na charge durante o estudo das esferas. Dessa forma, o mais adequado seria dizer que o texto Brasil dividido é representante do gênero reportagem e faz parte da esfera jornalística. Quando o aluno utilizou a expressão “descrição mais confiável”, mostrou ter compreendido a função dos argumentos presentes no texto.

Falamos, também, sobre a utilização da expressão “texto completo” na justificativa da escolha da reportagem para a resposta à Questão 08. Explicamos que tal expressão pode não ser adequada, já que, assim como a reportagem, os demais gêneros também são completos, cada um a sua maneira. Lembramos que todos os gêneros têm uma função social específica e que não há hierarquia entre eles. Esse foi o esclarecimento geral com o qual finalizamos nossos comentários, complementado que cabe ao leitor crítico compreender as funções dos gêneros para tornar a leitura mais aprofundada, tentando perceber os diversos níveis de linguagem, como o uso da norma culta e da língua coloquial, a relação entre a linguagem verbal e a não-verbal, a presença dos aspectos semânticos e os elementos de composição textual.

 

4  Abordando as funções sociais dos gêneros na sala de aula

 

No Projeto aplicado, tentamos relacionar os textos aos contextos sociais dos quais os alunos fazem parte. Os estudos bakhtinianos sobre os Gêneros do Discurso mostram o quanto tal atitude é complexa. Segundo o autor, os gêneros estabelecem uma interconexão entre a linguagem e a vida social. Em um dos Capítulos da obra Estética da Criação Verbal, Bakhtin afirma que os Gêneros do Discurso são tipos de enunciados “relativamente estáveis”, caracterizados por “conteúdo temático”, “construção composicional” e “estilo”. Vejamos sobre o que trata cada uma dessas características:

      Conteúdo temático: é o domínio de sentido de que se ocupa o gênero. No Projeto, utilizamos textos que abordam a discussão sobre o desemprego/emprego.

       Construção composicional: é o modo de organizar a estrutura do texto, considerando o tempo, o espaço e a relação de interlocução. A construção composicional também está relacionada à contextualização, logo, é a responsável pela função social que o texto exerce.   

      Ato estilístico: é a seleção de meios linguísticos, ou seja, abrange os estudos lexicais, gramaticais, norma padrão e linguagem coloquial, figuras de linguagem e de pensamento, entre outros aspectos.

 

No decorrer das aulas, tentamos mostrar aos alunos que cada gênero tem uma forma específica; que, na reportagem, os argumentos são utilizados para tornar o texto verídico e fundamentar o ponto de vista do autor, de maneira aparentemente imparcial enquanto, no poema, ocorre a descrição de um caso particular, utilizando recursos literários; já na charge, são utilizados, também, o humor e a ironia.

O estudo dos gêneros auxilia os alunos na leitura e na compreensão dos textos. Tentamos mostrar que, assim como a realidade é diversa e mutável, os gêneros são incontáveis e passíveis de mudança. Dessa forma, novos contextos sociais de comunicação implicarão o surgimento de novos gêneros.

Abordamos, também, o estudo das esferas de atividade de cada gênero, relacionando os textos às respectivas funções sociais que exercem na realidade dos alunos. Entender a diversidade dos gêneros é compreender as várias faces da realidade em que vivemos.  No caso da EJA, a relação entre a aprendizagem e a realidade é motivadora, pois os estudantes levam às salas de aula diferentes vivências, formando turmas com perfis heterogêneos.

O período de regência nos fez perceber a possibilidade de aplicação de inúmeras abordagens sobre os gêneros na sala de aula. Inicialmente, é necessário avaliar a turma e adequar os conceitos ao perfil dos alunos, selecionando a melhor forma de apresentar a circulação desses gêneros no contexto escolar, de maneira eficaz. O docente deve criar situações nas quais os alunos possam entrar em contato com os textos, conhecer as características destes e aprofundar o conhecimento sobre as funções sociais.

Dependendo do perfil da turma, o docente pode trabalhar com os gêneros escritos ou orais, primários ou secundários. Os gêneros primários são os mais próximos e espontâneos, relacionados ao contexto imediato. Já os gêneros secundários são mais abordados nas salas de aula por serem elaborados e exigirem contextualização e conhecimento prévio dos alunos.

Outra abordagem possível é o estudo de gêneros híbridos, comuns em provas de vestibular ou em anúncios publicitários. A seguir, temos o exemplo de uma imagem presente na obra Os melhores poemas de José Paulo Paes, seleção de Davi Arrigucci Jr., na qual a placa de trânsito teve seu sentido ampliado ao campo da literatura, possibilitando outras interpretações:

image002 

Fonte: http://acasadevidro.com/2010/06/21/o-pao-dividido-homenagem-a-jose-paulo-paes/, acessado em setembro de 2012.

 

No exemplo, a seguir, foram relacionados dois gêneros, uma receita e um poema:

image003

Fonte: http://temperodevo.blogspot.com.br/2013/03/imagine-que-loucura-ser-feliz-todos-os.html, acessado em setembro de 2012.

 

Em nossa sequência didática, optamos por trabalhar com a comparação entre gêneros distintos partindo de um eixo temático, e alcançamos bons resultados. Esta experiência com o estudo dos gêneros é um exemplo de inúmeras possibilidades de abordagem e adequação de um tema complexo às turmas da EJA. Para tanto, selecionamos como plano de fundo uma metodologia de ensino fundamentada na implantação de uma base (tema) comum, com o intuito de construir conhecimento coletivo. 

 

Considerações Finais

 

Finalizamos este artigo demonstrando grande admiração pelo trabalho docente. Durante a regência, pude conviver com profissionais que não inventam um modelo de aluno ideal, ao contrário, interagem com o aluno real, com suas deficiências e competências, como se este fosse uma rocha bruta a ser lapidada.

Observamos como as dificuldades são enfrentadas, diariamente, na escola pública, por professores que tentam transformar um contexto árido em um espaço fértil, reflexivo, utilizando gestos e instrumentos didáticos simples, que podem transformar a vida de muitos estudantes.

Acompanhamos a determinação e a vontade de aprender dos alunos da EJA e a coragem destes para retornar à sala de aula com o objetivo de enfrentar a defasagem do ensino e disputar um lugar melhor no espaço competitivo que é o mercado de trabalho. Durante algumas aulas, acrescentamos informações sobre os gêneros textuais, contribuindo para que aqueles estudantes pudessem construir seu percurso como leitores críticos e, consequentemente, buscando conquistar melhores oportunidades.

                A relação com o docente foi permeada por respeito e admiração. No período que estivemos juntos na sala de aula, vi que o professor é um profissional exemplar e incentivador. Nossa convivência fez-me compreender que, para lecionar, é preciso gostar da atividade docente e investir nela. Com a passagem do tempo, virá o acúmulo de experiências positivas.

Fui aluna da rede pública de ensino durante toda minha vida escolar e agradeço a oportunidade de poder voltar à sala de aula com um novo olhar: o de professora.
Ao finalizar este artigo, concluirei, também, mais um ciclo da minha vida acadêmica, a Licenciatura, sabendo que daquele lugar problemático e desacreditado sairão alguns alunos que poderão construir sua própria trajetória, alcançando resultados que pareciam inatingíveis.

 

Referências

ARIGUCCI Jr., D. Os melhores poemas de José Paulo Paes. p.129. São Paulo: Global, 1998.

BAKHTIN, M. M. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo. Martins Fontes: 2003.

FIORIN, J. L. Os gêneros do discurso. In: Introdução ao pensamento de Bakhtin.
São Paulo. Ática: 2006.

Linguagem em (Dis)curso / Universidade do Sul de Santa Catarina. v.1, nº1 Tubarão. Periódicos. Quadrimestral. ISSN 1518-7632. Santa Catarina. Ed. Unisul: 2000.

GOMES-SANTOS, S. N; ALMEIDA, P. S. Pergunta-respota: como o par dialógico constrói uma aula de alfabetização. RBLA, v.9, nº1, p.147, Belo Horizonte, 2009.

JAKOBSON, R. Linguística e Poética. In Linguísica e Comunicação. Traduzido por BLIKSTEIN, I. FFLCH/ECA – USP. São Paulo. Ed. Cultrix: 2003/2007.

MARCUSCHI, L. A. Atos de referenciação na interação face a face. In Cognição, Linguagem e Práticas Interacionais. p.104 a 123. Rio de Janeiro. Lucerna: 2007.

SCHNEUWLY, B. L’objet enseigné. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés em classe de français – Le travail de I’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordonnée relative. Rennes, FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Capítulo II – O trabalho docente. Tradução de Sandoval Nonato Gomes-Santos. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2011 [Uso restrito].

 

Sites

Escola Estadual Prof. Daniel Paulo Verano Pontes://www.eedanielveranopontes.net/parceiros/U3JXOgNyAzc=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VG4KYQZuVGA=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VGMDYg5vCTlaN1E7DzgAP1IgVjIGIQVmDDxRagpxADsHPAVzBmVVIg==!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&;">http://www.eedanielveranopontes.net/parceiros/U3JXOgNyAzc=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VG4KYQZuVGA=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VGMDYg5vCTlaN1E7DzgAP1IgVjIGIQVmDDxRagpxADsHPAVzBmVVIg==!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&

PCN + Ensino Médio – Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf

Apostilas do MEC para a EJA: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&;view=article&id=13536%3Amateriais-didaticos&catid=194%3Asecad-educacao-continuada&Itemid=913

Emprego e Trabalho. Coleção Cadernos de EJA. Caderno do Aluno. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/03_cd_al.pdf

 

Solange dos Santos Galvão

Bacharelado em Língua Portuguesa e Linguística (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, Brasil, 2012). Licenciatura em Língua Portuguesa (Faculdade de Educação/USP, 2012). Analista Sociocultural com experiência no desenvolvimento de cursos da área de Língua Portuguesa (Centro de Formação dos Servidores/Iamspe, 2013). Instrutora do Curso Dicas Úteis de Língua Portuguesa (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, 2013).

 

Anexos

Anexo I - Editorial Universidade para Todos, Caderno Opinião. In: Folha on-line, publicado em 03.09.2012, às 03h30min.

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1147413-editorial-universidades-para todos.shtml

 

Anexo II - Lista de Verbos aplicada pelo Professor de Língua Portuguesa.

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Anexo III - NETO, Pasquale Cipro. Paralímpico? Haja bobagem e submissão! In: Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, 06.07.2012.

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Anexo IV - FERRÉZ. Emprego. In: Revista Caros Amigos. Ano 6. Nº 71/2003.

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Anexo V - FERNANDES Jr., Ottoni Fernandes. Brasil dividido, In: Revista Desafios do Desenvolvimento. Ano 1. Nº 4/2004.

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Anexo VI - Quino. Indicador de desemprego. In: Emprego e Trabalho. Coleção Cadernos de EJA. Caderno do Aluno.  P. 6

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Anexo VII - Atividade produzida por um dos alunos, comentada no artigo.

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Anexo VIII - Questionário. Atividades aplicadas aos alunos.

Nome:_____________________________________Série:________________

Professor:_________________________________Disciplina:______________

ATIVIDADES: Abordagem temática sobre os gêneros textuais na EJA: comparação entre poema, reportagem e charge.

Gêneros Utilizados: Emprego, Brasil dividido e Indicador de Desemprego.

As questões serão feitas durante a aula, individualmente, e deverão ser entregues ao professor. 

1.Cada texto analisado nas aulas anteriores representa um gênero textual. Quais foram os gêneros abordados e quais as principais características de cada um deles?

2.Em qual esfera os textos foram veiculados? Comente a função social da esfera?

3.A linguagem não verbal faz parte da composição desses gêneros? Faça uma leitura das imagens, relacionando-as aos textos.

4.Os títulos são componentes dos gêneros textuais? Comente-os (incluir subtítulo e legenda).

5.Considerando os conceitos de Jakobson sobre as funções da linguagem, qual a função predominante em cada gênero estudado nas aulas anteriores? Justifique sua resposta.

6.Qual é o aspecto linguístico recorrente no poema Emprego? Qual efeito essa recorrência produz na leitura do texto?

7.Escreva com suas palavras a ideia central de cada texto e descreva a relação existente entre elas.

8.Qual dos textos você mais gostou? A qual gênero ele pertence? Justifique sua escolha com base no que estudamos sobre os gêneros textuais.

5ª e 6ª aulas:Para os estudos bakhtinianos, os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades: as escolares, as religiosas, as profissionais, as políticas, as pessoais, as midiáticas, as publicitárias, as digitais, entre outras. Para o autor, os enunciados não podem ser produzidos fora das esferas de ação, o que significa que os gêneros são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera. Com base nessa reflexão, os alunos discutirão as possíveis intenções da esfera jornalística revista, destacando a função social desta e do jornal, além de mudanças que ocorreram nesses veículos midiáticos após o surgimento da Internet.

 


Beatriz Brito Carneiro

 

Resumo

O presente artigo apresenta os resultados da implementação de uma sequência didática aos alunos do 2º ano do Ensino Médio. Durante a regência foi aplicado um Projeto de regência baseado na relação costruída entre a Literatura, representada pelo conto “A Cartomante”, de Machado de Assis, e o Gênero HQ, com o objetivo de mostrar aos alunos como tal gênero pode ser represtativo no processo de ensino-aprendizagem.

 

Palavras-chave: Contos; Ensino Médio; Gênero HQs; Sequência Didática.

 

Introdução

 

          Este artigo tem o objetivo de analisar os modos pelos quais a conjunção de múltiplos meios de ensino pode auxiliar uma aula de literatura e proporcionar uma experiência mais diversificada e abrangente aos alunos. Para tanto, escolhemos as Histórias em Quadrinhos (HQs) como instrumento principal para o estudo do conto “A Cartomante”, de Machado de Assis, em uma turma do 2º ano do Ensino Médio.

Selecionamos como objeto de estudo as relações existentes entre a arte sequencial da HQ, a adaptação do conto nesse formato e o próprio conto escrito, de modo a entendermos como os elementos deste último podem ser apreendidos, desenvolvidos e reconstruídos em um tipo de mídia tão diverso como as histórias em quadrinhos.

É de extrema importância salientar que o uso de HQs baseadas em obras literárias não deve ter a intenção de substituir a leitura do livro original. Por mais que a introdução dessa vertente tenha a possibilidade de atrair a pronta atenção de jovens leitores, ela deve ser capaz tanto de provocar o interesse do leitor pelo enredo e pelas características da obra original quanto de fazer com que tal leitor estabeleça comparações e contrastes entre o original e as soluções propostas pela HQ. Esse movimento deve ser conduzido pelo professor, disponibilizando ferramentas para leitura e pontuando argumentos necessários à análise do processo.

Para ilustrar esse projeto com maior consistência, são descritas, na primeira parte desse artigo, as características da linguagem no ambiente escolar no qual ocorreu o estágio, em relação ao espaço físico, à documentação e à interação entre os grupos da instituição de ensino.

Na segunda seção, são analisadas as práticas de ensino observadas em sala de aula, para que, na terceira parte, estudemos a implementação do gênero HQ nas aulas de literatura do Ensino Médio.

 

1  Sobre o contexto escolar

 

1.1   A escola

 

              O Estágio de Metodologia do Ensino do Português II foi realizado em uma escola pública da zona sul de São Paulo, no bairro de Santo Amaro. A escola oferece aulas apenas para o Ensino Médio.

A escolha dessa escola foi motivada, principalmente, por termos concluído os dois últimos anos do Ensino Médio nessa instituição, em 2003 e 2004 e, também, por termos sido muito bem recebidos durante a realização do estágio de Metodologia do Ensino do Português I, no semestre anterior.  Assistimos às aulas de uma professora de português que trabalha há anos nessa escola. Em 2003, ela foi nossa professora de português na instituição, durante o 2º ano do Ensino Médio. As aulas acompanhadas durante o estágio são de duas turmas do 2º ano: o 2ºM e o 2ºN. Com exceção deles, todas as outras turmas do período vespertino são do 1º ano.

Os alunos têm, em média, entre dezesseis e dezessete anos e, no geral, participam das atividades propostas. Nota-se que eles são bem menos agitados que os alunos do 1º ano (série que acompanhamos no estágio de MELP I), e o comportamento dos discentes varia entre a quase total apatia adolescente e o engajamento participativo nas aulas.

A sala na qual assistimos às aulas de português é espaçosa, como todas as salas da escola, mas não está entre as maiores. Mesmo tendo aulas de português em sistema de salas ambiente, estas duas turmas não possuem uma sala fixa. Os alunos trabalham na sala 3 às segundas e quintas-feiras, enquanto, às sextas-feiras, devem subir longas escadas que levam ao 2º andar para assistir aulas na sala 12. Como consequência, a professora precisa carregar uma pilha de livros para cerca de 30 alunos de uma sala para outra, já que todo o material fica guardado somente no andar inferior da escola.

Cada uma das salas é composta por uma lousa grande e um armário alto e cinza. Uma das paredes tem grandes janelas gradeadas cujos batentes ficam cheios de papeis de bala e folhas amassadas, arremessados pelos alunos. As cortinas são brancas, um tanto quanto encardidas e não suficientes para tampar a luz forte do sol da tarde. Bem iluminadas pela luz natural, as salas também contam com muitas lâmpadas e dois ventiladores de teto. Apesar de a toda a escola ser pintada de azul e branco, as paredes das salas de aula estão decoradas com um tom claro de bege do meio da parede para baixo e de branco na parte superior. As cadeiras e mesas brancas com detalhes em verde estão organizadas em cinco fileiras com uma média de oito carteiras cada. O tamanho da mesa da professora equivale ao tamanho de duas mesas de alunos e fica no canto esquerdo da sala, perto da lousa.

Normalmente, ao término das aulas, a professora pede que os alunos não saiam sem antes organizarem as carteiras. Isso é necessário não só para efeito de arrumação geral da sala, mas porque é comum a docente fazer atividades as quais exigem que as carteiras estejam agrupadas em grupos ou em duplas.

 

1.2  A linguagem no contexto escolar


1.2.1  No espaço físico

 

Como foi dito anteriormente, o sistema de salas da escola é ambiente, no qual o professor mantém-se na mesma sala durante todo o período e são os alunos que devem locomover-se pela escola na troca de aulas. Desse modo, é de se esperar que a sala contenha elementos que remetam à matéria a qual será estudada no respectivo ambiente. De acordo com o Dicionário Interativo da Educação Brasileira[1], da Agência Educa Brasil, as salas ambiente têm o objetivo de provocar a interação dos alunos com os recursos e materiais pedagógicos disponibilizados, para ampliar suas relações com o que aprendem na escola. Ademais, os materiais expostos na sala devem contribuir para ilustrar e enriquecer o conhecimento.  No entanto, não há materiais e trabalhos expostos nas salas usadas pela professora, uma vez que até mesmo ela tem que trocar de local semanalmente. Seria complicado expor trabalhos em uma sala e dar aulas em outra.

Há, de fato, textos distribuídos em murais, mas não nas salas de aulas. Grande parte desses textos visa oferecer aos alunos a maior quantidade de informações que a escola julga ser interessante para eles, além de avisá-los sobre o que devem ou não fazer no ambiente escolar. Tais avisos ficam principalmente no pátio e são de vários tipos, formas, assuntos e tamanhos.

Além de cartazes informativos, com detalhes sobre os horários de aulas, e um aviso pedindo que os alunos passem o intervalo somente no pátio, vimos outros cartazes interessantes. Estes trazem oportunidades de estágio em empresas, vagas em escolas técnicas e um cartaz sobre a Universidade de São Paulo, destacando que esta também (e principalmente) oferece acesso aos alunos de escolas públicas e que eles devem buscar mais informações sobre os programas de inclusão da universidade.

É comum que haja também cartazes comprometidos em estabelecer uma ponte de comunicação entre os professores, a direção e os alunos. Desse modo, observamos uma folha que lista os horários das aulas de educação física, no período noturno, com o nome dos professores responsáveis e as respectivas turmas.

De todos os cartazes, os que mais chamaram a atenção foram duas pequenas folhas de sulfite penduradas lado a lado, em um mural perto da lanchonete da escola. Nelas, havia duas fotos muito antigas da escola nas quais vemos alunos posando para a tradicional fotografia escolar. É uma turma somente de meninas e outra somente de meninos. As fotos são de 1957 e mostram alunos que devem estar com, aproximadamente, 70 anos de idade. Tais imagens nos fez refletir sobre como os tempos mudaram nos últimos 50 anos.

Por fim, há três cartazes que tomam grande parte da última seção do mural, os quais apresentam os horários das aulas de todas as turmas dos primeiros, segundos e terceiros anos, nos três períodos.

Na sala de espera que antecede a direção e na sala dos professores, encontramos quadros com as fotos das turmas de formandos de 2006, 2008 e 2009; do outro lado, temos uma profusão de trabalhos de alunos. Esses trabalhos, feitos em cartolina, imitam vitrais coloridos produzidos com papel celofane. A cada semana, há uma exposição dos melhores trabalhos de determinada matéria.

Encontramos muitas práticas de letramento na sala dos professores. Estas, no entanto, são raramente vistas pelos alunos. Os murais estão cobertos por cartazes, avisos, horários, cartões de serviços e, nas mesas da sala, há revistas, materiais e folhetos.

 

1.2.2  Na documentação e na interação escolar

 

O Plano de Gestão 2007 da instituição prevê que os alunos possam desenvolver suas habilidades de expressão por meio das atividades realizadas em sala de aula. Por serem alunos de Ensino Médio, prestes a entrarem no mercado de trabalho e a utilizarem o aprendizado no mundo exterior, é exigido um foco especial no desenvolvimento da capacidade de comunicação e expressão destes, tornando-os indivíduos mais independentes e cientes de sua responsabilidade na sociedade.

Sabemos, porém, que o desenvolvimento de habilidades de comunicação e expressão não ocorre somente no contexto da sala de aula, por ocasião de uma dada atividade. A interação entre os alunos é profícua em várias instâncias, uma vez que a escola configura-se, muitas vezes, como o palco principal da vida social dos alunos. Eles conversam bastante, escutam música no celular, leem livros (os previstos pela matéria e outros de sua escolha), jogam cartas no intervalo, fazem desenhos em portfólios, frequentam a biblioteca, praticam esportes na quadra, entre outras atividades. As turmas acompanhadas, no entanto, apresentam algumas diferenças no que se refere ao uso da linguagem na interação - o 2ºN é uma sala um pouco mais participativa, a qual gosta de fazer conhecer sua opinião sobre os assuntos discutidos em sala de aula. O 2ºM, por sua vez, é uma turma mais apática e, às vezes, quase não se nota conversa na sala.

Além dos textos circulando nos murais, também há as atividades de leitura e escrita praticadas durante as aulas. A professora promove várias oportunidades para que os alunos participem das aulas por meio de debates, exposições orais e, até mesmo, recitais de poemas. Em algumas aulas, eles debateram a situação de jovens durante gravidez na adolescência e também declamaram o poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Naquele momento, lembramos com certa nostalgia de quando, em nossa época, fomos incumbidos de recitar uma das estrofes: 

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi. ●

 

2 Trabalho docente e Projeto Didático

 

2.1  O estágio e o trabalho docente

 

Embora o estágio de Metodologia do Ensino de Português II tenha sido realizado na mesma instituição escolar que o estágio anterior, preferimos acompanhar professora e turmas diferentes, de modo a ter uma experiência mais variada do contexto escolar. Para tanto, acompanhamos uma professora que leciona apenas para os segundos anos do Ensino Médio, no período vespertino. A observação das aulas foi feita às segundas e às sextas-feiras, com o 2ºM e o 2ºN. O 2ºN tem aulas duplas nos citados dias, enquanto o 2ºM tem uma aula na segunda e duas na sexta. Isso tornou possível o acompanhamento de boa parte das sequências didáticas implementadas pela professora em sala de aula. Quaisquer lacunas sobre o conteúdo e práticas eram preenchidas tanto por depoimentos da docente (antes de começar cada aula, ela costumava informar-nos o que pretendia ensinar aos alunos naquele dia, além de dar detalhes sobre aulas passadas) quanto pelos comentários da turma, relembrando o que foi feito em outros dias.

Esse diálogo que conseguimos estabelecer com a docente foi, deveras, importante para a realização do estágio e a criação do Projeto a ser implementado. A professora costumava aceitar opiniões e discutir sobre quais métodos deveria aplicar e como abordar certo conteúdo. Mesmo na fase de observação, aceitou que participássemos de algumas aulas, dando-nos a oportunidade de expressar opiniões e discutir ideias relevantes com os alunos em aulas de debate, por exemplo. Isso foi essencial para o estreitamento das nossas relações, facilitando a implementação do Projeto.

No que se refere às contribuições para o andamento da aula, sugerimos que a professora trabalhasse a obra “Iracema”, de José de Alencar, com a ajuda visual de uma edição em quadrinhos do mesmo romance. Pensando nos desdobramentos que tal atividade poderia ter em nosso próprio Projeto de regência - que também aborda HQs - tivemos a chance de ver a reação dos alunos a esse tipo de material e a familiaridade que tinham com o gênero.

As turmas do segundo ano eram bem tranquilas e não apresentavam casos graves de mau comportamento. Quando bem direcionados, demonstravam bons resultados nas atividades propostas pela professora. Esta, por sua vez, variava a metodologia das aulas, aplicando os conteúdos de diversas maneiras: textos, vídeos, jogos, recitação, entre outros.

Em algumas aulas, a docente, previamente, arrumava as carteiras em grupos de quatro ou cinco alunos ou as organizava em fileiras de duplas; quando os alunos entravam na sala, percebiam que fariam alguma atividade diferente naquele dia. Alguns pareciam gostar da nova organização, outros reclamavam por estarem “mais uma vez” saindo da configuração tradicional, na qual ficavam sentados em fileiras, copiando a matéria. A maneira pela qual os gestos da professora eram realizados em sala de aula será detalhada no item a seguir.

 

2.1.1  Os objetos de ensino

 

Era notório perceber que o objeto de ensino o qual subsidiava o Projeto Didático Global das aulas de português era o discursivo. De fato, desde o começo do estágio, os alunos estudaram aspectos da Literatura Brasileira e Portuguesa, cobrindo as escolas romântica, realista, naturalista, parnasiana e simbolista. As sequências didáticas realizadas pela professora circunscreviam os aspectos literários em praticamente todas as aulas. Não observamos nenhuma aula na qual o foco principal estivesse em algum aspecto gramatical ou ortográfico da língua, por exemplo. Assim, mesmo ainda estando no segundo ano, a professora tinha a preocupação de expor os alunos a maior quantidade de obras literárias possível, principalmente, àquelas exigidas nos vestibulares de universidades como a USP e a UNICAMP.

Nas primeiras semanas do estágio, os alunos estavam aprendendo os aspectos do Romantismo. A professora criou relações entre a obra “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, e o enredo de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, que foi explicitado por meio de uma adaptação cinematográfica da obra, do diretor Baz Luhrmann, com os atores Leonardo DiCaprio e Claire Danes. Posteriormente, os alunos assistiram ao filme, “Juno”, de Jason Reitman, sobre gravidez na adolescência, que serviu para iniciar a discussão sobre a composição das obras românticas e fazer com que os alunos refletissem sobre as características do Romantismo no romance português e sobre como o ideário de amor romântico poderia ser contrastado e comparado com as peças cinematográficas. Além disso, houve um produtivo debate sobre responsabilidade, adolescência e gravidez precoce em sala de aula; os alunos tiveram a oportunidade de expressar opiniões sobre o assunto e discutir os diversos pontos de vista.

Para estudar a fase indianista do Romantismo brasileiro, houve a organização de um recital do poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Os alunos ensaiaram, entre descompassos e risadas, a declamação do poema, em grupos de meninas e meninos. Infelizmente, tais ensaios não saíram das paredes da sala de aula; eles não mostraram a atividade para o resto da escola, como a professora havia pensado em fazer inicialmente.

Com o intuito de abordar todas as obras importantes do Romantismo brasileiro e português, a professora fazia com que os alunos copiassem nos cadernos os resumos dos livros os quais não teriam tempo de conhecer e analisar profundamente em sala de aula. Os discentes ficavam em duplas copiando os resumos de um livro didático; os que concluíam a atividade recebiam visto no caderno.

Entre as leituras, as cópias e os filmes assistidos, os alunos tinham que responder algumas questões sobre a escola literária a qual estavam estudando e apresentá-las a professora, no caderno.

 

2.1.2  Os gestos didáticos

 

A professora promovia diversas atividades para variar o aprendizado das obras literárias. Para tanto, havia a leitura de alguns trechos, a transmissão de filmes e a posterior produção de relatórios e de discussões em sala de aula. É interessante notar, no entanto, que a maneira pela qual as aulas eram dadas variava de um modo mais inovador, por exemplo, a realização de jogos no estilo de perguntas e respostas sobre a matéria; também aplicava o método mais tradicional - cópia de resumos do livro diretamente para o caderno.

A presentificação da matéria era bem explícita, uma vez que a professora sempre colocava, no canto da lousa, todos os pontos que seriam analisados na aula do dia, além de comunicá-los oralmente sobre as atividades propostas.

Os gestos didáticos utilizados pela docente apresentavam caráter multimodal e diversificado, algo que auxiliava os alunos a entenderam a matéria por meio de diferentes meios: o livro, a imagem e o som.  A obra “Iracema” foi apresentada aos alunos, primeiramente, em forma de quadrinhos, para que estes tivessem a imagem como auxílio para a compreensão do enredo.

A leitura da obra em sala de aula foi feita por meio de áudio, em que os alunos ouviam a estória e depois discutiam seus pontos principais. Esse movimento foi essencial para a elementarização do conteúdo, descrita por Schneuwly (2000) como “a evidenciação das dimensões essenciais do objeto, que fazem dele um objeto de estudo, guiando a construção mesma da aprendizagem”.[2]

Além disso, havia forte institucionalização do conteúdo, já que tudo que os alunos aprendiam seria cobrado no Provão realizado bimestralmente. A regulação ocorria por meio de constantes vistos, das provas específicas da disciplina, das correções e dos elogios feitos em sala de aula. Existiam, também, momentos de explicação direta, nos quais a professora explicava a matéria e as características das obras para os alunos, como em uma palestra; nessas aulas, havia pouca discussão e alguns alunos pareciam apáticos e desanimados.

 

2.1.3  Os instrumentos didáticos

 

As aulas eram equipadas com giz e lousa, além dos livros didáticos que os alunos utilizavam para copiar a matéria. Além disso, a professora, frequentemente, utilizava a sala de projeção para a transmissão de filmes, de som e mostrar figuras que ilustram as obras ensinadas.

Para os instrumentos didáticos de caráter discursivo, havia a explicação oral, a discussão em forma de debate, em algumas aulas, a leitura de textos e o par pergunta-resposta, abordado por Gomes-Santos (2009). Este último só era realizado com eficiência quando a professora prometia recompensar os alunos com pontos de participação.

 

2.1.4  As tarefas

 

As tarefas eram numerosas e variadas nas aulas de português. Quando introduzido um novo tópico, os alunos deviam responder um conjunto de perguntas a respeito deste, que eram “vistadas” no caderno. Havia a cópia de textos diretamente dos livros, a produção de relatórios dos filmes, pesquisas sobre livros que não foram profundamente estudados em sala de aula, recitais de poemas, debates, entre outros.


2.2  O Projeto Didático “A Literatura nas páginas das HQs”

 

A escolha do trabalho com HQs foi motivada pela vontade de tornar as aulas de Língua Portuguesa mais atrativas para os alunos, acessando uma área de suas vidas - as histórias em quadrinhos - que poderia ser interessante e útil para o aprendizado de literatura. Gênero considerado um tanto quanto relegado pela academia, o estudo das HQs sofreu muita resistência em seus primórdios, na década de 70. “Eles [intelectuais da época] simplesmente não os consideravam dignos de atenção (...) afirmando que as histórias em quadrinhos definitivamente não pertenciam ao meio acadêmico”, de acordo com Vergueiro[3]. Atualmente, presente como gênero passível de estudos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a HQ configura-se como uma oportunidade real de aproximar os alunos do estudo de obras literárias brasileiras que parecem, a princípio, um conjunto de frases, palavras e ideias que não pertencem ao mundo destes; e que, infelizmente, são linguisticamente estranhas a eles.

Por meio das HQs e das imagens fixas, pretendemos fazer com que os alunos estivessem mais estimulados a conhecer a obra de grandes escritores da literatura brasileira, como Machado de Assis. A ideia não estava em apenas ler a obra adaptada em forma de quadrinhos, mas incitar a curiosidade de procurar e conhecer a obra escrita; comparar e contrastar as diferenças de linguagem entre elas e fazer com que produzissem seu próprio quadrinho, tendo a obra literária estudada como pano de fundo.

 

3  A Implementação do Projeto de Ensino

 

A sequência didática elaborada previa que o gênero HQ fosse trabalhado de maneira extensiva e qualitativa, isto é, que deixasse sua tradicional função de simples ilustração de exercícios sobre figuras de linguagem em livros didáticos de português e se configurasse no principal objeto de estudo das aulas. Além disso, era interessante que os alunos compreendessem as HQs como um gênero textual tão capacitado para o ensino/aprendizado em sala de aula como a dissertação ou a argumentação, por exemplo.

Por mais que alguns considerem que as histórias em quadrinhos são uma espécie de leitura fácil e descompromissada, a intenção era enfatizar a riqueza de práticas discursivas presentes no gênero e as maneiras pelas quais os significados poderiam ser transpostos, compartilhados e enriquecidos na junção entre o texto e a imagem em uma sequência com quadros.

Para a implementação do Projeto, escolhemos trabalhar com o 2ºN, tanto por questões de disponibilidade de horário quanto por achar que eles seriam mais convidativos para o Projeto.

 

1ª Fase (2 aulas)

Nesta 1ª fase do Projeto, os alunos conheceriam o gênero HQs e suas vertentes. Temendo que a aula ficasse excessivamente expositiva e cansativa, preparamos atividades dependentes da participação dos alunos para a construção dos significados. Essa aula foi dada na sala de projeção, espaço com uma televisão de 42 polegadas fixada na parede e um aparelho de DVD. Do outro lado, havia uma lousa grande que cobria grande parte da parede. A sala tinha várias cadeiras avulsas, sem carteiras individuais, contando somente com duas mesas grandes e redondas, além da mesa da professora.

As salas da escola são ambiente e cada turma sabe para que local deve se dirigir em cada horário. O 2ºN, turma escolhida para a implementação do Projeto, estava chegando na sala 3, no andar abaixo da sala de projeção. Enquanto arrumavamos os aparelhos e organizavamos as carteiras, a professora disponibilizou-se para conduzir os alunos até a sala de projeção. Essa era a primeira aula deles na segunda-feira e o movimento de troca de salas consumiu tempo precioso da aula; demorou cerca de 10 minutos para que todos chegassem e estivessem acomodados nas carteiras.

Organizamos as cadeiras de modo que ficassem sentados de costas para a televisão, encarando a lousa do outro lado; isto era necessário porque pretendiamos explicar e transmitir orientações gerais sobre o Projeto e sobre o que deveriam fazer nas aulas. Antes de iniciar, a professora fez a chamada e apresentou-nos à sala, agora como a “professora” que iria desenvolver um Projeto sobre quadrinhos. Por mais que os alunos já me conhecessem por causa das observações de aula que realizadas por quase três meses, foi muito significativa minha reapresentação como professora para eles. Isso fez com que a aula parecesse mais importante e que os alunos prestassem mais atenção. Não era apenas a “aula da estagiária”. Claro, o índice de atenção foi reforçado quando os alunos foram avisados que também seriam avaliados pelas atividades realizadas naquelas aulas. Comunicamos aos alunos a natureza do Projeto e iniciamos uma discussão sobre o que eram HQs na opinião deles; perguntamos se já haviam lido esse tipo de texto. Muitos balançaram a cabeça, afirmativamente, como se estivessemos fazendo uma pergunta óbvia; uma das alunas disse: “É impossível ninguém ter lido uma história em quadrinhos!”.

Definimos as HQs como a arte sequencial, de acordo com Eisner[4], e pedimos que os alunos virassem para o outro lado da sala, de frente para a televisão. Julgamos que a mudança de posição fosse benéfica para que saíssem da posição estática de meros observadores da aula.

A sequente definição e exemplificação do gênero ocorreu por meio do par pergunta-resposta. A ideia era acessar os conhecimentos dos alunos sobre as histórias em quadrinhos que conheciam, de acordo com os slides que eram mostrados. Essa parte da aula foi feita com uma apresentação de slides os quais relacionavam os quadrinhos às primeiras pinturas rupestres e egípcias, além de mostrar outras vertentes das HQs, tais como o cartum, a charge, a caricatura, as tiras, as graphic novels e as próprias histórias em quadrinhos (HQ é o nome dado ao macro-gênero que contém o subgrupo de histórias em quadrinhos).

Os slides mostravam primeiro a definição da vertente e depois um exemplo. Apesar de tentar fugir desta ordem de exposição, achei difícil estabelecer as diferenças entre os tipos de texto sem que os alunos conseguissem defini-los antes. Portanto, para diminuir o efeito unilateral de  definição-exemplificação, perguntava antes se os alunos sabiam o que era uma charge, por exemplo, depois mostrava a definição (que era lida em voz alta por um dos alunos) e fechava a explicação com a projeção de um exemplo.

Na segunda parte da aula, os alunos deveriam aplicar o conhecimento do gênero e de suas vertentes por meio da análise de materiais. Para tanto, a sala foi dividida em grupos de 4 a 5 alunos e cada um deles tinha a tarefa de analisar uma tira, um gibi, uma graphic novel, uma história em quadrinhos, um cartum, uma charge e uma caricatura. Para direcionar o estudo do material, cada grupo recebeu a ficha de estudo a seguir:

 

Ficha de Estudo

    1.Que tipo de HQ é esta?

_____________________________________________________________________

    2.Quais características do material analisado confirmam a resposta da pergunta acima?

_____________________________________________________________________

   3.Que mensagem está sendo transmitida pelo material? Explique.

_____________________________________________________________________

 

Não havia previsto o problema que causou a resposta à última pergunta para os grupos que analisavam HQs muito longas, tais como livros com várias histórias em quadrinhos ou graphic novels. Seria impossível supor que os alunos soubessem do que se tratava a história sem tê-la lido completamente. Nestes casos, alguns alunos interpretaram o conteúdo pela capa ou escolheram uma tira qualquer para ser analisada.

Após a análise, os alunos deveriam escolher um porta-voz para descrever o material analisado. Foi um pouco difícil fazer com que eles falassem e muitos só concordaram com a condição de não precisarem levantar de suas carteiras. Ao final da aula, recolhemos as fichas de estudo e os materiais analisados. A docente estava todo tempo observando, além de auxiliar-nos no controle dos alunos e na distribuição das fichas e dos materiais.

 

2ª Fase (2 aulas)

A 2ª fase, também na sala de projeção, começou acessando a memória didática dos alunos. Como a implementação era feita em duas aulas, semanalmente, tinhamos que relembrá-los sobre o que tinham estudado na semana anterior. De modo a recordar as definições, foram projetados alguns exemplos de HQs com alternativas abaixo; os alunos deveriam dizer que tipo de HQ era aquela e apontar quais elementos no material indicavam a tal escolha.

Na sequência, a aula foi focada nos elementos físicos das HQs. Da mesma maneira que é importante que o alunos saibam como um texto literário é organizado formalmente (com narrador, personagens, tempo, espaço etc.), era fundamental que conhecem os elementos componentes de uma HQ, afinal, a sequência didática previa que houvesse produção dos alunos. Desse modo, conheceram os elementos internos dos quadrinhos — diversos tipos de balões de fala e elementos visuais que auxiliam na construção do sentindo.

Para que a definição dos elementos fosse feita de modo menos direto e mais lúdico, mostramos algumas cenas do filme “Scott Pilgrim versus O Mundo” (2010), adaptação ao cinema de uma graphic novel escrita pelo canadense Bryan Lee O’Malley. Por ser baseado em quadrinhos, o filme - que também é uma arte sequencial, por assim dizer - conjuga uma série de elementos existentes nas HQs: cenas diferentes aparecendo ao mesmo tempo na tela, separadas por uma divisão em quadros; o uso de onomatopeias para caracterizar algum som ouvido no filme (o “ding dong” da campainha, por exemplo); metáforas visuais que traduzem algum sentimento dos personagens (pequenos corações que emanam do beijo de um casal apaixonado ou uma lâmpada acesa no topo da cabeça para representar uma ideia). Após a projeção dessas cenas ocorreu uma discussão geral sobre os elementos identificados.

Compondo os elementos dos quadrinhos, existe uma série de balões de fala que servem propósitos específicos. Para que a aula não se tornasse mera listagem desses elementos, propomos uma diferente experiência visual para os alunos: foram preparados, em papelão, os principais balões das HQs (de diálogo, de pensamento, de sussurro, de grito/emissão eletrônica, de fala coletiva, além do recordatório, elemento que representa as intromissões do narrador na história) para que os alunos tivessem uma real visualização do material e pudessem interagir com ele. Esses balões eram mostrados aos alunos, que discutiam o seu uso e, depois, analisavam um exemplo destes nos slides.

Depois de terem estudado a fundo tais elementos, os alunos deveriam agrupar-se e criar o que denominamos “Tirinha Viva”; deveriam desenvolver uma tirinha com, no máximo, quatro quadros cujos personagens seriam eles mesmos. Um dos estudantes serviria como narrador e, usando os balões de papelão, posicionaria cada um deles próximo à cabeça do personagem, indicando seu tipo de fala (pensamento, sussurro etc).

A atividade pretendia tanto avaliar o entendimento dos alunos a respeito dos elementos das HQs quanto desenvolver a capacidade de expressão oral e criatividade. Isso funcionou muito bem com alguns grupos que fizeram tirinhas bem criativas e algumas até com humor. No entanto, outros grupos não quiseram vir até a frente da sala para mostrar o trabalho. Infelizmente, não contavamos com tal reação e transparecemos visível desapontamento (principalmente por ter passado tanto tempo preparando os balões em papelão). Nem mesmo o estímulo da professora e dos outros colegas que já haviam apresentado serviram para fazê-los apresentar o trabalho. No fim, o sinal da próxima aula tocou e todos foram embora.

 

3ª Fase (2 aulas)

A escolha de trabalhar HQs com essa turma não foi aleatória. Isso ocorreu porque eles já haviam lido a obra Iracema em quadrinhos e estudado algumas tirinhas no 1º semestre. Ainda sim, para harmonizar o Projeto com o currículo previsto pela docente, incluímos a adaptação em quadrinhos do conto A Cartomante, de Machado de Assis. Tal obra e o conto Noite de Almirante, do mesmo autor, já estava na grade de obras a serem estudadas pelos alunos. A professora gentilmente cedeu as aulas que seriam destinadas ao estudo de A Cartomante para que fosse possível a implementação do Projeto.

Durante as discussões sobre como os conteúdos deveriam ser aplicados, a professora sugeriu que os alunos tivessem contato, primeiramente, com a obra em HQ e, depois, com o conto escrito por Machado. Todavia, houve um problema com as salas de projeção: era apenas uma sala para vários estagiários ávidos em implementar seus Projetos. Portanto, durante as duas semanas seguintes, não pude utilizar a sala para mostrar aos alunos as imagens da HQ. Por esse motivo, resolvemos inverter a ordem prevista e trabalhamos, primeiro, a leitura do conto escrito com os alunos.

Felizmente, o livro didático que eles utilizavam continha uma versão conto. Subimos com os quase 30 exemplares da sala dos professores até o andar da sala de português. Nessa aula, os alunos leriam o conto em voz alta e, a cada trecho importante, a leitura seria pausada para dar lugar a algum comentário relevante sobre o enredo. A ideia era que, ao final dessa fase, os alunos conseguissem identificar o narrador, o foco narrativo, o espaço, o tempo, os personagens e o enredo da obra.

Ao primeiro contato, alguns alunos reclamaram que o texto era muito longo. De fato, passamos as duas aulas lendo o conto e tivemos que tentar manter o interesse dos alunos pelo enredo por meio de um estilo um tanto quanto folhetinesco, atiçando sua curiosidade pelas “cenas dos próximos capítulos”. Durante a leitura e comentários, ressaltamos a ironia intrínseca na escrita machadiana, além de pedir que os alunos relacionassem as características de um triângulo amoroso no século XIX com os de hoje em dia. O adultério, o papel da mulher na sociedade e a punição com a morte para os amantes foram largamente discutidos.

Percebemos que o engajamento dos alunos ao Projeto seria muito maior se notas ou pontos positivos fossem atribuídos à participação destes, por isso, a professora solicitou que, na aula seguinte (que não era uma aula do projeto), os alunos trouxessem folhetos de cartomantes e videntes que encontrassem nas ruas e, quem o fizesse, ganharia o tão sonhado ponto positivo.

Nessa aula, pedimos que os alunos fizessem duplas para dar início à produção de suas próprias tirinhas; deveriam escolher um trecho do conto A Cartomante e, primeiramente, escrever um roteiro de como produziriam uma tira baseada no trecho - quais personagens seriam desenhados, quais balões de fala seriam utilizados, como os quadros seriam organizados. A professora pediu que preparassem, para a semana seguinte, o primeiro rascunho da tirinha, para que fosse avaliada e devolvida aos alunos.

 

4ª Fase (2 aulas)

Esta fase seria a apresentação da adaptação do conto A Cartomante em quadrinhos. Escolhemos uma edição que reúne várias obras da literatura brasileira adaptadas para este gênero[5]. Como não foi possível o uso da sala de projeção, várias cópias da HQ tiveram que ser impressas para os alunos. Conseguimos nove cópias que foram distribuídas para grupos de três a quatro alunos.

Como os alunos já haviam lido o conto original, julguei que o entendimento dessa aula seria mais fácil. De fato, a leitura do quadrinho foi mais fluída, pois já havia um propósito bem definido: a aula era a junção dos conhecimentos adquiridos sobre o gênero com a obra de Machado de Assis.

Assim, cada grupo ficou responsável pela leitura de certo número de quadros e fomos criando relações entre a obra original e a adaptação; discutimos como a HQ representava o conto de Machado de Assis pela disposição dos quadros, pelo uso ou não das cores, pelos traços dos desenhos, pela revelação de informações-chave nas imagens que só seriam mostradas mais tarde no conto ou descobertas pela interpretação de seus elementos contextuais, por exemplo, não há lugar no texto que informa o espaço em que ocorre a história; temos a informação apenas de ruas características desse lugar como a Rua dos Barbonos, a Rua da Glória e a Rua da Guarda Velha. O leitor atento conseguirá intuir que se trata do Rio de Janeiro, principalmente, por ser um conto de Machado de Assis. No entanto, não é de se supor que alguém que nunca ouviu falar do “Bruxo do Cosme Velho” saiba distinguir o espaço. A HQ resolve esta questão de uma maneira simples, oferecendo-nos uma panorâmica da cidade em que ocorre o conto, informando o nome, a época e um cartão postal do lugar.[6]

Algumas das questões propostas para discussão foram estas:

   1.  Que tipo de HQ é esta?

   2.  As imagens da HQ são parecidas com as que você imaginou quando leu o conto?

   3.  Você acha que a escolha das cores influencia a interpretação do conto?

   4.  Que tipo de balão é predominante? Por quê?

   5.  Se você pudesse incluir balões de fala/diálogos nos últimos 5 quadros, como escreveria?

 

Para a última questão, pedimos que os alunos fizessem duplas e escrevessem em uma folha o diálogo que imaginavam estar acontecendo nas cenas. A adaptação em quadrinhos mostra a sequência final do assassinato de Camilo por Vilela, personagens do conto, apenas com imagens. Essa tornou-se, então, uma interessante oportunidade para que os alunos usassem a capacidade criativa para incluir falas nos quadros, quando achassem necessário. Alguns foram bem dramáticos nas falas; outros usaram a segunda pessoa do discurso para emular o registro da época;  muitos até desenharam os balões que usariam em cada fala.[7]

 

5ª Fase (2 aulas)

Nessa fase final do Projeto, recolhemos as tiras produzidas pelos alunos. Havia uma variedade grande de modelos e estilos de tiras sobre um trecho do conto. Desde o princípio, deixamos claro para os alunos que não precisavam ser especialistas em desenho para criar a sua tirinha, mas que fossem criativos na reprodução da história de Machado de Assis nesse diferente tipo de mídia.

Como as aulas tiveram caráter semanal e, entre a última aula e a aula da entrega dos trabalhos houve um feriado prolongado, alguns alunos não trouxeram os trabalhos prontos ou esqueceram que deveriam entregar a segunda versão da tirinha. Os trabalhos entregues eram a primeira versão, uma vez que não tivemos tempo para refazer os quadros; alguns escreveram exatamente o que estava escrito no conto; outros foram além do conteúdo e recriaram o enredo, às vezes, com humor, característica tão marcante nas histórias em quadrinhos.

A professora pediu que avaliassemos os trabalhos de acordo com nossos critérios, de modo que ela pudesse atribuir nota para os alunos. Solicitou que eu usassemos os termos ‘Excelente’, ‘Ótimo’, ‘Bom’ e ‘Regular’ para classificar as atividades. A avaliação não pressupunha a desconsideração do trabalho se o aluno não soubesse desenhar ou ilustrar uma cena em um quadro; no entanto, aqueles que demonstraram um cuidado especial, tanto com o desenho quanto com o texto, foram devidamente elogiados - aqueles que foram além do texto de Machado e recriaram, readaptaram e, livremente, parodiaram o conto, alcançando maior expressividade e liberdade em relação à obra, que era o desejado por este Projeto. A intenção era que eles reinterpretassem o texto a sua maneira, tendo, no original, a fonte para a construção de novas ideias e estabelecimento de novos sentidos e relações.

Durante a aula, os trabalhos foram socializados. Os alunos tiveram um tempo para ler e analisar o trabalho de cada um dos seus colegas, apontando suas preferências, compartilhando ideias e algumas risadas. Ao mesmo tempo, eu passavamos pela sala e mostravamos a eles como ocorriam as relações criadas entre a tirinha produzida e o conto.

 

4  Avaliação da implementação

 

Considero que o Projeto merecia uma quantidade maior de horas para ser melhor implementado. As primeiras aulas, que apresentaram uma riqueza de elementos de análise por intermédio da exposição do gênero, poderiam ter sido mais longas, para que os alunos pudessem ficar mais familiarizados com as vertentes das HQs e, consequentemente, produzissem não apenas tirinhas, mas charges, cartums e caricaturas. Desse modo, o processo de relações encontrado entre o conto e sua reprodução em HQ seria mais profícuo, possibilitando aos alunos sua própria criação narrativa.

A fase em que os alunos deveriam criar uma “tira-viva” também poderia ser estendida para abordar aspectos mais profundos da oralidade, contribuindo para o desenvolvimento expressivo dos alunos. De acordo com Ramos (2006), a HQ é um gênero estritamente ligado aos aspectos orais uma vez que é possível identificar elementos comuns à oralidade como turno, tópico, par adjacente e marcador[8].

Infelizmente, algumas escolhas tiveram que ser feitas e as atividades não foram estendidas a fim de não causar prejuízo à sequência proposta e às aulas regulares da docente. Por mais que algumas fases merecessem maior extensão, julgo que as atividades propostas foram fundamentais para fazer com que os alunos reconhecessem o gênero de modo estrutural, tirando deste a alcunha de leitura para diversão e transformando-o em leitura para o conhecimento, para o aprendizado.

Apesar de poucos alunos terem feito a tarefa com as tiras, provavelmente por falta da institucionalização do conteúdo e por ser uma atividade produzida com a professora estagiária, avaliamos as produções positivamente porque estas fizeram com que os alunos pensassem o enredo e reelaborassem o conto de um modo particular e criativo.

 

5  Considerações Finais

 

A experiência do estágio de Metodologia do Ensino de Português II foi gratificante em diversos sentidos: a possibilidade de voltar para meu ambiente escolar antigo e trabalhar com minha ex-professora; ter contato com a realidade das escolas, estando agora do lado oposto da sala, como docente; e implementar um Projeto de caráter tão diferente e criativo.

Além disso, a ajuda e apoio da professora para discutir as melhores possibilidades de implementação foram aspectos essenciais para que o Projeto fosse bem sucedido. Para que a sequência didática com HQs seja aplicada em uma sala de aula, pressupõe-se que a escola tenha aparelhos de projeção disponíveis e que o professor esteja comprometido em compreender as características de um gênero que pode ser largamente usado na escola de modo a fomentar a discussão, a relação, a expressão e a criatividade ao estudar temas comuns ao currículo da Língua Portuguesa.

 

Referências

ASSIS, M. A Cartomante. Adaptação: André Dib. Desenhos: Kléber Sales. In: Domínio Público: Literatura Brasileira em Quadrinhos. São Paulo: DLC, 2008.

GOMES-SANTOS, S. N.; ALMEIDA, P. S. Pergunta-resposta: como o par dialógico constroi uma aula na alfabetização. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v.9, nº1, p.133-149. Belo Horizonte: UFMG-FALE, 2009.

MENDONÇA, M. R. S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2005.  p.194-207.

RAMOS, P. É possível ensinar oralidade usando histórias em quadrinhos?. In: Revista Intercâmbio, volume XV. São Paulo: LAEL/PUC-SP, ISSN 1806-275X, 2006.

________. Histórias em quadrinhos: um novo objeto de estudos. In: Estudos Linguísticos XXXV.  p. 574-1586, 2006.

 

Site

Dicionário Educativo de Educação Brasileira: Disponível em http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=62 . Acessado em 03.04.2011, às 17h54.

 

Beatriz Brito Carneiro

Professora Assistente de Pós-Graduação no Departamento de Espanhol e Português da Universidade do Arizona (UA, EUA, 2013). Mestranda no Programa de Língua Inglesa e Linguística no Departamento de Inglês da Universidade do Arizona (UA, EUA, 2013). Capes-Fulbright Foreign Language Teaching Assistant (Universidade do Arizona, EUA, 2012-2013). Bacharel e Licenciada em Letras - Português/Inglês pela Universidade de São Paulo (FFLCH e FE-USP, Brasil, 2011). Experiência em Linguística Aplicada, Ensino e Aquisição de Segunda Língua, Ensino de Inglês, Português e Espanhol como Língua Estrangeira.


Anexos

Anexo I - Conto de Machado de Assis, adaptado, utilizado em sala de aula.

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Anexo II - Conto em HQ.

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Anexo III - HQs produzidas por alunos.

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Anexo III – Histórias produzida por alunos

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[1]Definição encontrada em http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=62. Acessado em 03.04.2011, às 17:54.  

[2] SCHNEUWLY, 2000, p. 23 apud ALMEIDA, P. S., 2009, p.136.

[3] VERGUEIRO, 2005, p. 17 apud RAMOS, 2006, p. 1576.

[4] EISNER, 1999 apud MENDONÇA, 2005, p.194.

[5] ASSIS, M. ‘A Cartomante’. Adaptação de André Dib / Desenhos: Kléber Sales In: Domínio Público. Literatura Brasileira em Quadrinhos. São Paulo: DLC, 2008.

[6] Ver Anexo I

[7] Ver Anexo II e IIa

[8] Ramos, 2006.

 


Heloisa Gonçalves Jordão
 


Resumo


O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar a maneira como o gênero texto instrucional é recebido e produzido por turmas do final do 1º ciclo da educação básica, ou seja, o ciclo da alfabetização, do qual fazem parte tanto os alunos alfabetizados quanto os não-alfabetizados.

 

Palavras-chave: Alfabetização; Brincadeiras; Educação Básica; Gênero Textos Instrucionais; Regras de Jogo.

 

 

Introdução


Este trabalho se propõe a analisar como o gênero ‘textos instrucionais’ é recebido e produzido por turmas do final do 1º ciclo[1] da educação básica, ou seja, o ciclo da alfabetização. Para tanto, contaremos com a seguinte organização do trabalho: i) Caracterização do contexto escolar onde a pesquisa foi realizada, ii) Como e porque o trabalho com textos instrucionais e iii) Descrição e avaliação da proposta didática aplicada.

Temos como pressupostos teóricos os trabalhos de Kleiman (1995) e de Lerner (2002) sobre as práticas de leitura e escrita na escola, bem como as contribuições de Schneuwly e Dolz (2004) que expõem, de forma clara, como deve ser organizada uma sequência didática em torno de um gênero textual, compreendendo-o como uma ferramenta fundamental para o trabalho docente.

Elegemos trabalhar com o ano final do ciclo de alfabetização por ser uma etapa da escolarização que carrega uma característica peculiar: encontrarmos alunos que já dominam a escrita convencional e alunos em processo de alfabetização reunidos nesse estágio da educação básica; por conta disso, a escolha do gênero a ser trabalhado em sala de aula e a metodologia utilizada tornam-se tarefas que já são, por natureza, complexas, ainda mais delicadas.

Toda a descrição a seguir parte das reflexões realizadas no curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II, ministrada pelo Prof. Dr. Sandoval Nonato Gomes-Santos. A observação de aulas de Língua Portuguesa e a posterior elaboração e aplicação de uma sequência didática compõe o estágio obrigatório do programa de licenciatura da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

 

1   Sobre o contexto escolar

 

          A unidade escolar na qual foi realizado o estágio pertence à rede de ensino do município de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo. A rede conta com 23 escolas de Ensino Fundamental que, originalmente, integravam a rede estadual e passaram pelo processo de municipalização durante a década de 80. A rede municipal, bem como a maioria dos sistemas de ensino brasileiros adotou a organização do ensino em ciclos como medida contra a repetência e a evasão escolar. Outra medida incorporada pela rede foi a implementação do Ensino Fundamental de nove anos que passou a vigorar desde 2006/2007.

A escola municipal de Ensino Fundamental, lócus deste trabalho, não destoa do perfil geral da rede. Conta com, aproximadamente, 1.200 alunos matriculados no Ensino Fundamental, distribuídos em três turnos em uma infraestrutura com dez salas de aula. A média de alunos por classe é de 35 alunos. No período noturno, as salas são ocupadas pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). A escola conta, ainda, com uma sala de informática e uma pequena biblioteca que, atualmente, não funciona devido à ausência de profissional responsável pela organização e controle do acervo.

 

1.1 A sala de aula


          A turma é composta por 35 alunos matriculados. Geralmente, estes estão organizados em fileiras individuais. Em termos de recursos pedagógicos, a sala conta com lousa, giz, cartazes, alguns jogos educativos e um baú de leitura, com histórias em quadrinhos e narrativas diversas.

 A professora acompanhada leciona há 25 anos; é formada em pedagogia e cursou pós-graduação em educação especial. A classe é bastante tranqüila; a faixa etária predominante é de oito anos. Um aluno de 10 anos frequenta as aulas como “ouvinte”: na realidade, o aluno está matriculado em uma série acima, entretanto, como ainda não está alfabetizado, a coordenação pedagógica da escola achou necessário que assistisse às aulas no 3º ano para que pudesse acompanhar o desenvolvimento da turma.

 

1.2  Descrição dos componentes didáticos das práticas de ensino-aprendizagem


Em relação aos objetos de ensino e às práticas de linguagem observados nas aulas de Língua Portuguesa acompanhadas, durante as primeiras semanas de estágio, foi possível observar que a professora privilegia momentos de leitura e escrita. Seus objetos principais são, portanto, discursivos.

É frequente a solicitação de pesquisas sobre algum tema (acontecimentos ou personagens históricos, p.e.); a professora solicita que os alunos leiam a pesquisa em voz alta e, quando o aluno recusa-se a ler, ela pede que este relate à sala o que aprendeu ao realizar a pesquisa.

Quanto aos gêneros trabalhados em sala, a professora privilegia contos e poesias. Eles realizam um Projeto de reescrita de contos, a partir da leitura de diferentes versões. Essas reescritas são registradas em um caderno reservado para este fim, guardado em sala de aula. [2].

Já em relação aos gestos profissionais e os instrumentos didáticos, foi perceptível o controle da sala por parte da professora. A maioria dos alunos executa as tarefas conforme as orientações da docente. A fim de acompanhar melhor o trabalho, solicitamos o “semanário”, documento que serve de registro para o planejamento das atividades pedagógicas. A professora disse que, como não era cobrado de forma sistemática pela coordenação da escola, fazia apenas algumas anotações pessoais[3]. Quando questionada sobre atividades diferenciadas para os alunos ainda não-alfabetizados, disse que não há necessidade, pois estes frequentam aulas de reforço e que a matéria deve prosseguir conforme o programa de conteúdos estipulado para o 3º ano.

 

2  Sobre textos instrucionais: regras de jogos e brincadeiras


Os domínios sociais de comunicação são divididos de acordo com seus aspectos tipológicos. Schneuwly e Dolz (2004) listam cinco aspectos: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. Textos de instruções e prescrições enquadram-se nessa última tipologia, descrever ações”, por haver uma espécie de regulação mútua de comportamentos.

De acordo com Kaufman (1995), os textos instrucionais são aqueles cuja função é regular e indicam formas de agir; eles descrevem etapas as quais devem ser seguidas para que se consiga fazer algo como preparar uma torta, instalar um eletrodoméstico ou realizar a manutenção de um automóvel. Como os demais gêneros textuais, os textos instrucionais apresentam tema, modo composicional e estilo específicos: numerais que indicam as quantidades ou ordenação de ações, abreviaturas, verbos no infinitivo ou imperativo, ilustrações etc.

Dentre a gama de textos instrucionais que podemos encontrar na sociedade, elegemos as “regras de jogos e brincadeiras” como textos adequados para o trabalho com alunos do 3º ano, pois: i) sua estrutura é composta por frases curtas muitas vezes numeradas, facilitando a leitura e a escrita por parte de alunos em fase de alfabetização; ii) é muito fácil que os alunos compreendam a função social desse gênero, pois, mesmo ao ser didatizado em sala de aula, ainda é possível manter suas características praticamente intactas.

Os textos previstos para a sequência didática, de certa forma, já fazem parte do repertório linguístico do aluno. Dentro dela, também estão previstos momentos nos quais os alunos colocam em prática o que está sendo descrito nas regras; assim, a função social e a prática escolar da língua escrita não serão apresentadas aos alunos de forma descontextualizada ou fragmentada.

 

2.1 O Projeto de Ensino


           O Projeto de Ensino foi elaborado de acordo com o esquema apresentado por Schnewly e Dolz (2004). O tempo previsto, inicialmente, era de 27 horas-aula, entretanto, para mantermos o tempo previamente acordado com a professora da sala, não conseguimos trabalhar um texto previsto e os exercícios a ele relacionados; segue um quadro-resumo descritivo das atividades efetivamente realizadas:


AULA

OBJETIVO

DESCRIÇÃO

1 e 2

Apresentação da situação

Comunicativa

Para que são escritas regras de brincadeiras? Quem pode escrever? Pra quem são escritas?

3 e 4

PRODUÇÃO INICIAL

Os alunos são convidados a escreverem as regras de suas brincadeiras favoritas

5 e 6

Leitura e análise da estrutura

Texto: Amarelinha – leitura individual, coletiva e análise de aspectos estruturais.

7 e 8

Leitura aplicada

Alguns irão jogar amarelinha, enquanto um grupo supervisiona se os colegas estão respeitando as regras

9 e 10

Ortografia e alfabetização

Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na sequência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos)

11 e 12

Ortografia e alfabetização

Entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor).

13 e 14

Leitura e análise da estrutura

Texto: Passa-anel: leitura individual, coletiva e análise de aspectos estruturais. (comparando ao 1º texto trabalhado)

15 e 16

Leitura aplicada

Serão formados grupos de cinco crianças para realizar a brincadeira Passa Anel de acordo com as regras. O professor orientará a leitura e participação

17 e 18

Ortografia e alfabetização

 Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na sequência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos)

19 e 20

Ortografia e alfabetização

Entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor).

21, 22, e 23

Análise de texto produzido por colega da turma. (leitura e análise da estrutura)

Análise coletiva de duas produções de texto realizadas por colegas da classe[4](pega-pega). Escrita das regras da brincadeira realizando as correções necessárias.

24 e 25

PRODUÇÃO FINAL

Os alunos receberão as escritas iniciais e as reescreverão com foco nos aspectos trabalhados nas atividades realizadas durante os módulos.

26 e 27

Fechamento das atividades

No pátio, realizaremos duas das brincadeiras escritas pelos alunos (de acordo com as regras descritas)


A apresentação da situação visa expor aos alunos um Projeto de comunicação que será realizado “verdadeiramente” na produção final. No caso da sequência didática em questão, foi apresentado um problema de comunicação a ser resolvido: como explicar as regras de uma brincadeira que você gosta muito a um colega? Feito o questionamento, os alunos foram convidados a começar a pensar no formato da produção, quem leria esse texto e que linguagem deveria utilizar.

A segunda etapa consiste na primeira produção. De acordo com os especialistas, se a situação comunicativa é bem definida na apresentação da situação, todos os alunos são capazes de realizar, oralmente ou por escrito, um texto do gênero que lhes foi solicitado. Essa produção tem como objetivo orientar o professor, visto que este irá, de certa forma, mostrar o que os alunos já sabem, o que precisam melhorar e, especialmente, o que eles precisam conhecer. Assim, a sequência começa pela definição de o que é preciso trabalhar; o professor deve arquivar essas produções para que sirvam como instrumento de comparação quando os alunos realizarem a produção final. Dessa forma, será possível avaliar em quais pontos os módulos conseguiram sanar as dificuldades apresentadas inicialmente pelos alunos. Para ilustrar a teoria aqui explicitada vamos observar a produção inicial de dois alunos em “níveis de escrita” distintos:

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Figura 1 - Produção inicial de aluno não-alfabetizado – J. V.[5]

Transcrição: “Pular-corda. Pular corda e muito fácil você podi usar um corda pequena e uma grande é muito legal. Você pega uma corda e os amigos vão pulando você faz uma fila cada um tem que esperar sua vez ai sim pode brincar.”


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Figura 2 - Produção inicial de aluna alfabetizada - M. V.

Transcrição: “Amarelinha bular para joca a bera e bula aiquei que becar a betra itapro amico”

Por meio da análise dessas duas produções iniciais é possível que o professor obtenha diversas informações, por exemplo, se, nos módulos, deverá preocupar-se com atividades que visem à correspondência entre fonemas e grafemas devido às trocas de consoantes realizadas pelos alunos que ainda não dominam a escrita convencional. Já em relação à produção da criança alfabetizada é interessante notar que a aluna tem internalizado como devem ser os procedimentos da brincadeira, entretanto, mostra dificuldades para ordená-los em um texto escrito, pois, provavelmente, nunca leu ou foi solicitada a escrever esse tipo de texto; todavia, aprende as regras das brincadeiras por observar a atitude dos colegas enquanto brincam ou por eles terem explicado oralmente. É interessante notar como a aluna preocupa-se em dizer as qualidades da brincadeira, como se estivesse conversando com um colega, buscando persuadi-lo a participar desta. Esse tipo de recurso linguístico foi muito utilizado nas produções iniciais.

Como foi dito, iniciamos o desenvolvimento dos módulos a partir do diagnóstico inicial dos problemas comunicativos que devem ser trabalhados. Schneuwly e Dolz propõem que as atividades e os exercícios devem compor um arsenal bem diversificado, que relacionem, intimamente, a leitura e a escrita. Os autores sugerem três grandes grupos norteadores: i) Atividades de observação e de análise de textos que podem ser realizadas a partir de um texto completo ou parte dele; ii) Tarefas simplificadas de produção que impõem limites aos alunos e minimizam problemas de linguagem os quais, habitualmente, devem ser trabalhados simultaneamente e iii) A elaboração de uma linguagem comum com o intuito de construir um vocabulário próprio, de caráter mais técnico, da análise linguística para a resolução de problemas de ordem notacional e gramatical.

A partir da tabela descritiva exposta, é possível observar a organização em espiral: as atividades foram trabalhadas em quatro eixos – partindo, dentro de cada um deles, do mais simples ao mais complexo. Das 19 horas-aula destinadas aos módulos temos a seguinte distribuição:


Atividades destinadas à leitura e à análise da estrutura de “texto bem escrito” – 4 horas-aula

O texto foi fornecido pela professora. As atividades visavam à ampliação de repertório e a escrita de um quadro contendo as características do gênero; tal quadro é o que podemos chamar de instrumento de capitalização das aquisições: uma forma de organizar a linguagem técnica a partir da construção progressiva de conhecimentos sobre o gênero (favorece uma atitude reflexiva). Durante o desenvolvimento das aulas de leitura e de análise da estrutura, fomos criando uma tabela com as características principais do gênero. Ao final da aula 14 tínhamos a seguinte listagem:

Para escrevermos regras de jogos e brincadeiras:

     Nome da brincadeira ou jogo;

     Número de participantes;

     Idade para poder jogar;

     Pode ter desenho ou não;

     Coisas que podem ser feitas;

     Coisas que não podem ser feitas;

      Objetivo.

Figura 3 – Quadro de aquisições sobre o gênero


Atividades de leitura aplicada – 4 horas-aula como um laboratório

Os alunos testavam a real aplicabilidade das regras ao tentarem realizar as brincadeiras, exatamente, da maneira como as regras foram escritas. Esse tipo de atividade foi desempenhado com participação intensa de todos os alunos: enquanto um grupo lia, outro grupo executava. No decorrer da brincadeira, percebiam que algumas regras não estavam claras e precisavam ser reformuladas, então, voltávamos para a sala a fim de incrementar a escrita do texto.


Atividades que visavam o trabalho com aspectos notacionais e alfabetização - 8 horas-aula

Essas atividades estão incluídas no que os autores chamam de tarefas simplificadas, por exemplo, inserir uma parte que falta em um dado texto. Embora não seja o objetivo principal, por usar nessas atividades os mesmos textos trabalhados em leitura e análise da estrutura, estes também colaboram para o incremento da linguagem própria do gênero. O exemplo a seguir mostra como esse tipo de atividade foi realizado; a grade de palavras na parte de baixo da folha constava apenas nas atividades entregues para alunos em processo de alfabetização, dessa forma, eles poderiam consultar tal grade no momento de realizar a tarefa, como um suporte para que com o domínio de apenas algumas relações grafema/fonema pudessem completar o texto:

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 Figura 4 – Atividade simplificada para aluno J.V.

Três horas-aula

Destinas à leitura, à análise e à revisão de textos produzidos pelos próprios alunos. Das quatro tarefas a eles solicitadas durante os módulos, este foi, sem dúvida, o tipo de atividade mais desafiador; foi a primeira vez que foram convidados a utilizar os conhecimentos a respeito do gênero “regras de brincadeiras” conquistados durante as últimas aulas.

Em primeiro lugar, foi realizada uma leitura individual com os dois textos; depois, ocorreu a leitura em voz alta pela professora. Então, alguns alunos começaram manifestar-se a respeito dos erros de ortografia e do uso de palavras inadequadas (por exemplo, o uso do termo “etc.”). Após os primeiros comentários, a professora solicitou que os alunos recorressem ao quadro que foi sendo construído no decorrer das atividades. Juntos, analisamos, de acordo com o quadro, o que estava faltando a cada um daqueles textos. Feito o exercício os alunos reescreveram as regras da brincadeira “pega-pega”. Ex: (observe como o aluno ficou “preso” a sequência estabelecida na tabela construída pela sala).

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Figura 5 – Atividade do aluno N.C.


Para finalizar a sequência solicitamos a produção final. Entregamos aos alunos suas produções iniciais para que analisassem se cumpriam a função comunicativa de uma regra. Fizemos algumas observações gerais e, a partir delas, com o apoio do quadro que já havíamos construído, os alunos iniciaram a escrita. A seguir, utilizaremos as produções iniciais e as produções finais para realizarmos a análise e a avaliação da sequencia didática descrita.

 

3 Considerações sobre o Projeto implementado


Dentro da sequência didática apresentada, procuramos realizar percursos variados em função das capacidades e dificuldades, considerando que, no mesmo grupo, convivem alunos com escrita convencional e alunos que ainda não foram alfabetizados, trabalhando esse aspecto de forma a enriquecer a aula. Para que tal processo seja eficaz, Schneuwly e Dolz salientam alguns passos importantes que devem ser observados pelo professor: i) Analisar as produções dos alunos; ii) Escolher as atividades indispensáveis; iii) Prever e elaborar, para casos de insucesso, um trabalho mais profundo e intervenções diferenciadas; iv) Vários itinerários são possíveis, entretanto, a ordem dos módulos não é aleatória (certas atividades apresentam uma base para a realização de outras).

Durante todo o desenvolvimento da observação e da aplicação da sequencia didática, como geração de dados, utilizamos as anotações em caderno de campo e, com a autorização da professora, foi possível recolher as atividades desenvolvidas pelos alunos. Não fizemos nenhum tipo de gravação audiovisual. Com dados dessa natureza em mãos, a melhor maneira de analisarmos os pontos positivos e negativos do Projeto Didático desenvolvido é a comparação das escritas iniciais com as finais. Para tanto, elegemos três alunos com níveis de escrita distintos:

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Figura 6 - Aluno L.S. alfabetizado – produção inicial

Transcrição: Zérinho

Duas pessoas tem que girar a corda e a outra que vai pular entra dentro, primeiro tem que passar por baixo, se a pessoa conseguir ela vai para a segunda etapa a segunda etapa ela tem que entrar pular uma vez e sair de dentro, depois pula duas vezes se errar começa tudo de novo”

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Figura 7 - Aluno L.S. alfabetizado – produção final 

Transcrição: Zérinho

Participantes: de 3 à 10

Idade: de 5 à 20 anos.

1 - Duas pessoas tem que girar a corda.

2 - Uma pessoa tem que passar por baixo da corda

3 - Depois tem que entrar dentro da corda pular um e sair depois tem que entrar pular duas vezes e depois sair e vai indo até pular cinco vezes.

4 - Quem não conseguir pular tem que começar tudo de novo

Objetivo: Ganha quem conseguir pular cinco vezes.


Ao compararmos as duas escritas do aluno L.S., observamos que, embora na primeira produção já apresentasse linguagem apropriada ao tipo de texto, o estudante preocupou-se em utilizar “estruturas em forma de tópicos” iniciadas pelos que são necessários à organização e à regulação da brincadeira como número de participantes e idade adequada.

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Figura 8 - Aluna C. L. alfabetizada – escrita inicial

Transcrição: “Pula-corda. Pula-corda é uma bricadeira muito legal porque quando a corda bate você tenque pula.

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Figura 9 - Aluna C.L. alfabetizada – escrita final

Transcrição: Pula-corda

Numero de participantes: 1 de cada vez

Idade para porder jogar: de 6 pra cima

É assim primeiro você faz uma fila e depois ver quem vai bater de um lado e vai bater do outro e lês comesão a bate e quando a corda chegar e baicha a criança tem que pula, mas se ela cair ela devera pasar a vez.

Obegetivo: Pular sem cair.

            A aluna organizou e detalhou melhor as regras da brincadeira na produção final; observou o uso de termos próprios do gênero como “participantes”, “um de cada vez”, “passar a vez”, “objetivo”, uso de verbos no imperativo e no infinitivo etc. Embora a estrutura de tópicos, bem como alguns aspectos da linguagem, possa ser aprimorada, é nítido o avanço entre as produções da aluna.

            Analisaremos, agora, a escrita de um aluno não-alfabetizado:

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Figura 10 – Aluno J.B. não-alfabetizado

Podemos deduzir da escrita do aluno J.B. que, ao ser solicitado a corrigir a escrita das regras de “pega-pega”, iniciou seu trabalho copiando o quadro que a sala formulou para servir de guia para a escrita de textos deste gênero. Depois, tentou iniciar os tópicos “nome da brincadeira” e “participantes”.[6] Infelizmente, esse tipo de resultado é bastante comum nas classes nas quais estão concentrados alunos que ainda não dominam o código escrito e alunos com leitura e escrita fluentes. Dada a problemática desse cenário, o professor não consegue contemplar as dificuldades de cada um.

Acrescentando à heterogeneidade a enorme quantidade de alunos (38 neste caso), podemos transformar o trabalho docente em uma missão verdadeiramente heróica. Muitos alunos com dificuldades na alfabetização tornam-se verdadeiros “copistas”: sentam-se, abrem seus cadernos e copiam tudo da lousa ou de outro suporte. Muitas vezes, o aluno tem o caderno repleto de atividades, mas nenhuma delas fez sentido em sua construção das habilidades de leitura e escrita.

 

Considerações Finais

 

            Conforme pode ser observado, a partir das atividades expostas neste trabalho, a sequência didática implementada funcionou de maneira muito satisfatória quando pensamos nos alunos que já escrevem convencionalmente.

           Os alunos ainda não alfabetizados demonstraram interesse e participaram, especialmente, das atividades que classificamos como “atividades de leitura aplicada” ora tentando ler para compreender as regras de brincadeiras desconhecidas, ora ouvindo as instruções de colegas que já sabem ler com fluência.

        O trabalho com os alunos sem escrita/leitura convencionais surtiria melhores resultados se dispuséssemos de mais tempo para desenvolvermos outros módulos de forma a contemplar todas as suas necessidades comunicativas. Entretanto, de maneira geral, todas as atividades propostas foram bem aceitas. A situação comunicativa foi clara: os alunos sabiam o porquê estavam lendo e para quê estavam escrevendo; perceberam que não é fácil ditar ou escrever regras e que existe uma linguagem e uma organização textuais específicas.

            O gênero escolhido faz parte da realidade linguística, cultural e social das crianças. Embora tenham sido retirados da sua realidade concreta – a qual ocorre espontaneamente sem a interferência de um adulto/professor – ainda conservou suas peculiaridades e fins sociais.

               Finalizamos com as palavras de ROJO:

No campo da compreensão e da leitura – decorrente da formação do leitor – trata-se mais de despertar a réplica ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia dos signos, que de ensinar o aluno a reconhecer, localizar e repetir os significados dos textos – no dizer de Marcuschi (1996), exercícios de “copiação” ao invés de compreensão.

 

Referências


KAUFMAN, A. M.; RODRIGUEZ, M. E. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artmed, 1995.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura – teoria e prática. Campinas, SP. 1995.

LERNER, D. Ler e escrever na escola: O real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed. 2002.

SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras. 2004.

THOMAZI, A.R.G. Práticas de leitura na escola: entre a formação humana e a formação escolar. In: COELHO, M. I. de M.; COSTA, A. E. B. (Orgs.). A educação e a formação humana: tensões e desafios na contemporaneidade. Porto Alegre: Artmed, 2009.

ROJO, R. A concepção do leitor e produtor de textos nos PCN´s: Ler é melhor que estudar. In: M. T. A. Freitas; S. R. Costa (Orgs.) Leitura e Escrita na Formação de Professores, p.31-52. São Paulo: Musa/UFJF/INEP-COMPED.

 

Heloisa Gonçalves Jordão

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP na área de Linguagem e Educação. Bacharel em Letras Português/Espanhol pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Durante a graduação, desenvolveu trabalho de pesquisa na área de Filologia Românica (DLCV). Atualmente desenvolve pesquisa voltada às práticas de ensino-aprendizagem de língua e à circulação e o ensino de gêneros textuais em sala de aula. Atuou como tutora do curso a distância de Especialização em Gestão do Currículo oferecido pela Rede São Paulo de Formação Docente (SEESP-USP).

 

Anexo I

Sequência de ensino com 25 aulas

Gênero: Textos instrucionais.

Público alvo: 3º ano do Ensino Fundamental I – final do ciclo de alfabetização.

Duração aproximada do episódio: 27 horas-aula.


Aulas 1 e 2: Apresentação da situação e conversa com os alunos sobre as brincadeiras prediletas - “Como ensinar um colega a brincar?”; escrita inicial – “escreva como brincar/participar de sua brincadeira favorita”.


Aulas 3 e 4: Módulos. Leitura e análise da estrutura: leitura, em duplas, de texto com regras de jogo conhecido (Amarelinha); leitura realizada pelo professor; levantamento de aspectos peculiares a estrutura do texto.

 Idade: a partir de 5 anos.

Texto 2: Amarelinha (para não-alfabetizados)

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Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:

1.     Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:

2.     Cada jogador precisa de uma _____________.

3.     Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .

4.     Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.

5.     Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)

6.     A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

 Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.

 

PESSOA

NÚMERO

DESENHO

CASA

JOGADOR

AMARELINHA

CÉU

PEDRINHA

PARTICIPANTES

 

Texto 2: Amarelinha (para alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:

1.  Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:

2.  Cada jogador precisa de uma _____________.

3.  Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .

4.  Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.

5.  Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)

6.  A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.


Aulas 5 e 6: Leitura aplicada. Será selecionado um grupo de cinco crianças para jogar amarelinha no pátio. Os demais alunos estarão com as regras em mãos, observando se os colegas respeitam as etapas pré-estabelecidas e se elas funcionam adequadamente.


Aulas 7 e 8: Ortografia e alfabetização. Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na seqüência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos); entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor os alunos).

Texto 2: Amarelinha (para não-alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:
1.    Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:
2.    Cada jogador precisa de uma _____________.
3.    Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .
4.    Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.
5.    Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)
6.    A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.

PÉ    PESSOA    NÚMERO    DESENHO    CASA
JOGADOR    AMARELINHA    CÉU    PEDRINHA    PARTICIPANTES

Texto 2: Amarelinha (para alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:
1.    Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:
2.    Cada jogador precisa de uma _____________.
3.    Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .
4.    Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.
5.    Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)
6.    A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.


Aulas 9 e 10: Leitura aplicada. Entrega de regra de brincadeira não citada/pouco conhecida (passa-anel); análise da estrutura do texto (comparando ao texto anterior).

Texto 3: Passa-anel

Idade: a partir de 4 anos.

Participantes: no mínimo 5 crianças.

Organização:

O primeiro passo é decidir quem será o “passador”. Ele deve esconder o anel (ou outro objeto pequeno) entre as mãos fechadas;

Os jogadores ficam um ao lado do outro com as palmas das mãos encostadas.

Hora da Brincadeira:

Quem esconde o anel deverá passar as suas mãos no meio das mãos de cada um dos participantes, deixando cair o anel na mão de uma delas, sem que ninguém perceba.

No final o “passador” pergunta a um jogador que ficou com as mãos vazias, se ele sabe quem está com o anel.

Se a pessoa acertar, será o novo “passador”, se errar receberá um castigo.

O “passador” repete a pergunta, quem acertar se encarregará de passar o anel.


Aulas 11 e 12: Leitura aplicada. Serão formados grupos de cinco crianças para realizar a brincadeira passa-anel de acordo com as regras. O professor orientará a leitura e participação.


Aulas 13 e 14: Ortografia e alfabetização. Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na seqüência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos); entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor os alunos).

Texto 4: Passa-anel (para não-alfabetizados)

Idade: a partir de 4 anos.

Participantes: no mínimo 5 ___________.

Organização:

O primeiro passo é decidir quem será o “____________”. Ele deve esconder o __________ (ou outro objeto pequeno) entre as mãos fechadas;

Os _________ ficam um ao lado do outro com as palmas das mãos encostadas.

Hora da Brincadeira:

Quem esconde o anel deverá passar as suas __________ no meio das mãos de cada um dos ___________, deixando cair o anel na mão de uma delas, sem que ninguém perceba.

No final o “passador” pergunta a um jogador que ficou com as mãos vazias, se ele sabe quem está com o anel.


Aulas 15 e 16:

Análise coletiva de duas escritas realizadas no inicio da seqüência por alunos.

Texto 5

Texto escrito por aluno 1: PEGA PEGA

Tem que tirar 2 ou 1 quen sair por utimo ele tem que pegar outra pessoa se ele pegar aoquem ta com ele etc...

Texto escrito por aluno 2: PEGA-PEGA

Primeiro iscolher o pegador e escolher o piqui. Depois o pegador temta pegar o colega. Quamdo pega o colega está com ele e começa di novo.


Aulas 17 e 18: Descrição oral em sala das regras da brincadeira: esconde-esconde; realização da brincadeira no pátio.


Aulas 19 e 20: Leitura realizada pelo professor de regra da brincadeira: esconde-esconde. Escrita individual das regras da brincadeira esconde-esconde.

Texto 6

Esconde-esconde e pique-esconde.

Jogadores: 3 ou mais.

Onde brincar: em um espaço amplo que tenha possíveis “esconderijos”.

Regras:
Um jogador é escolhido para “bater cara” (fazer a contagem do tempo). Ele deve fechar os olhos e, rosto virado para uma parede ou um poste (o “pique”), começar a contar o tempo (determinado antes do início do jogo).

Enquanto ele conta, os outros devem se esconder. Assim que termina, ele sai à procura dos amigos. Quando encontra um jogador, grita seu nome e corre para o pique, onde deve bater três vezes, gritando: "Fulano, 1, 2, 3". Para se salvar, o jogador encontrado deve ser rápido o suficiente para chegar ao pique primeiro. Se não conseguir, está fora da jogada.

Os escondidos não precisam esperar serem encontrados para tentar se salvar.
Se perceberem que o pegador está afastado, podem arriscar sair do esconderijo e correr para o pique, grintando também "Fulano, 1, 2, 3".

A brincadeira pode durar minutos ou horas, dependendo de quão bons são os esconderijos e de quantas crianças estão participando. O último a ser pego faz o papel de pegador na próxima rodada.


Aulas 21 e 22: Correção da escrita da aula anterior por um colega da sala.


Aulas 23 e 24: Escrita final. Os alunos receberão as escritas iniciais e as reescreverão observando os aspectos observados nas atividades realizadas durante os módulos.


Aulas 25 e 26: Fechamento. No pátio realizaremos duas das brincadeiras escritas pelos alunos (de acordo com as regras descritas).

Observação: Nas aulas de análise da estrutura (aulas: 3 e 4, 9 e 10) será elaborado um quadro de características do gênero a fim de orientar as escritas subsequentes).

Fonte dos textos: http://criancas.hsw.uol.com.br

 


 


Amadeu Rodrigues Lauton

 

Resumo

A intenção deste artigo é apresentar o estágio de regência de aulas de Língua Portuguesa na turma do segundo ano B do Ensino Médio no contexto de uma escola pública localizada na periferia da região Leste do Estado de São Paulo. O estágio teve como objeto de ensino a produção do gênero textual “crítica de cinema” partindo da perspectiva linguístico-discursiva bakhtiniana. A escolha desse objeto decorreu, em parte, devido ao interesse da turma em comentar filmes durante o estágio de observação e, principalmente, à dificuldade desta em produzir o texto argumentativo. Nesse sentido, o uso do gesto profissional “par pergunta-resposta” possibilitou-nos diagnosticar o conhecimento prévio dos alunos em relação ao texto argumentativo e instigar a reflexão sobre as condições de produção da crítica de cinema. Apesar disso, fez-se necessário a intervenção da docente para que parte da turma realizasse a atividade, o que exigiu, para a implementação do Projeto, a ampliação do tempo previsto de 10 horas para 15 horas. Assim, devido à resistência dos alunos com relação à produção escrita, estabelecemos uma possível hipótese para explicar tal problemática: a resistência constituiu-se em função da concepção de escrita dos alunos. Após confirmar e tecer uma reflexão sobre a noção de escrita como redação, cujo comando é a nota, verificamos que tal resistência configurou-se como resposta a uma prática escolar distante do contexto histórico-cultural em que os discentes estão inseridos.

 

Palavras-Chave: Comando; Condições de Produção; Nota; Redação; Texto Argumentativo.

 

Introdução


Neste artigo, temos o objetivo de refletir sobre os resultados da implementação de um Projeto de Ensino de produção do texto argumentativo “crítica de cinema” em uma escola estadual da periferia da região Leste do Estado de São Paulo. Para tanto, escolhemos o 2º ano B do Ensino Médio, devido às dificuldades encontradas quanto à produção do texto argumentativo. Como base para o ensino da escrita do texto argumentativo, tomamos a perspectiva discursiva bakhtiniana.

Antes de implementar o Projeto, contextualizamos a escola na qual realizamos o estágio de observação e regência, procurando compreender o trabalho docente e o modo como são utilizados os instrumentos didáticos com o objetivo de produzir condições favoráveis para que o aluno possa interagir com o objeto de ensino e transformar seu modo de falar, fazer e pensar.

Após conhecermos os instrumentos didáticos utilizados, adentramos a segunda parte do artigo, justificando a opção pelo objeto ensinado e descrevendo tal Projeto a partir dos citados instrumentos para, finalmente, descrevermos, na terceira parte do artigo, a implementação deste, refletindo sobre os desafios enfrentados e escolhendo, como tema, a resistência dos alunos à produção escrita do texto argumentativo.

 

1  O contexto escolar

1.1  A escola

 

Assistimos às aulas de Português de uma professora que leciona há mais de trinta anos na mesma escola. 

O estágio de observação foi feito na Escola Estadual Campos[1], localizada na periferia da região Leste do Estado de São Paulo, a qual oferece o Ensino Fundamental II e o Médio. O motivo da escolha dessa escola deve-se ao fato de conhecer uma docente com a qual desenvolvemos um profícuo diálogo sobre o ensino de língua materna e ao corpo administrativo ter sido muito receptível.

As salas nas quais assistimos às aulas são pequenas, compostas por uma lousa verde localizada perante cinco fileiras de carteiras verdes claras, distribuídas em oito carteiras e cadeiras de cores beges. A mesa da professora fica no canto esquerdo da sala, enquanto, no lado direito, há uma pequena lousa a qual não é usada pela professora, somente pelos alunos, que escrevem recados destinados as outras turmas, além de apreciarem escrever seus nomes naquele espaço.


1.2 A linguagem no contexto escolar


1.2.1 No espaço físico

 

Ao entrar na escola, surpreendemo-nos com a presença de muitos murais, porém com baixa quantidade de textos. Os murais mais significativos, que nos chamaram a atenção, enfeitam as paredes com fotografias organizadas historicamente, desde a década de 60 até a primeira década do século XXI, em um espaço que dá acesso aos corredores da escola. As fotografias mostram vários eventos como trabalhos escolares, projetos, olimpíadas, folclore e mostra cultural.

Ao percorrermos um dos corredores, que dá acesso às salas de aula, notamos a presença de mais um mural com quatro cartazes afixados. No primeiro deles, havia um enunciado do físico alemão Albert Einstein, que dizia “Tenha em mente que tudo que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações. Receba essa herança, honre-a acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos”. No segundo cartaz, o aviso “alunos, valorizem sua escola” chamava a atenção para a importância da preservação do uso do uniforme. O terceiro cartaz alertava para a entrega de objetos de valor encontrados fosse feita somente à direção do colégio. Ao deslocarmo-nos para o fundo desse corredor, defrontamo-nos com uma porta com a inscrição “sala de vídeo” e várias fotografias de atores/atrizes famosos, representantes do cinema “hollywoodiano”.

Logo adiante, encontramos uma sala de informática com computadores modernos usados constantemente pelos alunos. Em uma das paredes, havia um cartaz preto contendo as regras gerais de uso do local.

Dessa forma podemos dizer que a pequena quantidade de textos presentes no espaço físico reflete a ausência de projetos realizados na escola, assim, embora o projeto político-pedagógico faça uma breve menção a um projeto de leitura e escrita, não há concretização deste. 

 

1.2.2   Na documentação escolar

 

Ao observarmos a configuração da linguagem no projeto político-pedagógico da escola, encontramos somente uma referência ao Ensino Médio. Existe um grave problema no aporte teórico que sustenta o ensino de Língua Portuguesa, pois os documentos mesclam a concepção de língua que surgiu nos documentos oficiais da década de 1970, como “instrumento de comunicação”, e a concepção mais recente. Isso é criticado na atividade acadêmica pelos pesquisadores de ensino de língua materna, relacionados aos estudos da Análise do Discurso de linha francesa sobre as “condições de produção e recepção”.

Notamos que, ao serem colocadas lado a lado no texto sem considerar o contexto sócio-histórico no qual foram produzidas, tais concepções refletem a incoerência do projeto e o desconhecimento dos produtores deste em relação aos referidos conceitos. Uma das críticas da docente é, justamente, a confusão produzida pela presença de noções provenientes de fundamentos teóricos distintos também no Caderno do Professor.

 

1.2.3   Na interação escolar

 

Geralmente, os alunos se reúnem em grupos e conversam sobre assuntos que não fazem parte da aula. Alguns utilizam também o celular.

Os alunos sempre procuram a professora para tirar dúvidas e entregar trabalhos fora da sala de aula.  Ficou claro o interesse que ela tinha de integrar os alunos às aulas ao aproximar-se deles por meio do constante uso multifuncional do par dialógico pergunta-resposta, assim, a professora conseguia manter a atenção, perguntando sobre o conteúdo para motivar a participação. Vejamos um exemplo:

Quem está conversando é porque sabe, portanto, “Luciana[2], qual é o sentido de brevidade da vida no contexto do ultra-romantismo?

 

A professora também buscava despertar a curiosidade dos discentes desafiando-os a sair da posição de sujeito passivo diante dos enunciados. 

 

1.2.4   O estágio

 

O estágio de observação ocorreu entre o início de agosto e o início de novembro. Nesse período, acompanhamos o trabalho da professora Sofia[3] em turmas do 2º ano do Ensino Médio, observando o modo como ela pratica os gestos didáticos na configuração de seu objeto de ensino. Além da observação das aulas, as interações com a docente mostraram-se imprescindíveis, pois o outro só se revela por meio do seu discurso, isto é, não é possível conhecê-lo a priori.


1.2.5   A professora

 

A professora Sofia relatou que cursou Letras na Universidade Mogi das Cruzes, de 1972 a 1975. O que a levou a escolha desse curso foi a exigência do curso de inglês em seu antigo trabalho de secretária, em uma empresa privada, como podemos observar no trecho a seguir:

Não foi possível aprender falar bem o inglês, [pois] seria necessário realizar outros cursos e acabei me apaixonando pelo curso de português.

 

Dessa forma, o interesse pela Língua Portuguesa a conduziu, primeiramente, à docência no Supletivo de uma escola particular, em 1976, e, posteriormente, à escola da Prefeitura de São Paulo, em 1978. Esse trabalho foi interrompido de 1979 a 1983, para que pudesse cuidar dos filhos recém-nascidos. A professora retornou à atividade em 1984, dedicando-se ao ensino em uma escola pública estadual e, no ano seguinte, em uma escola da prefeitura. Desde esse período não interrompeu mais o trabalho no estado.
Na prefeitura, já se aposentou.

Outro aspecto que influenciou a decisão pelo trabalho docente foi ter recebido no âmbito familiar “uma educação conservadora”. Ela é contra a obediência aos princípios não submetidos ao crivo da reflexão e, por isso, seu intuito é desenvolver condições favoráveis ao pensamento crítico nas aulas.

Nesse contexto, a docente não foi indiferente a nossa posição de estagiário, pois solicitou a participação na configuração do objeto de ensino. Assim, nossa aproximação, resultado das entrevistas, possibilitou que pudéssemos compartilhar e entender a razão do valor atribuído à interação, refletido no modo como a professora lida com os instrumentos didáticos.

 

1.2.6   O objeto ensinado

 

Observando as aulas da professora, verificamos a ênfase no objeto de ensino de natureza textual e temática. A escolha desse objeto foi determinada por meio do par dialógico pergunta-resposta, que nos levou a diagnosticar o gosto dos alunos pela leitura de textos narrativos como Harry Potter, Percy Jackson e Senhor dos Anéis. Assim, pudemos motivá-los a falar sobre tais narrativas, atividade feita com euforia pelos alunos.

Ao perceber que os estudantes já tinham certo domínio linguístico da estrutura narrativa, a docente definiu como objeto de ensino um conto fantástico gótico, de Álvares de Azevedo, escritor da literatura romântica brasileira. Partindo do interesse dos alunos pela temática da magia, do macabro e da morte, a professora escolheu um fragmento do conto intitulado O velho, da obra Noite na Taverna, com a intenção de torná-los conscientes e reflexivos sobre a capacidade linguística de narrar.

Para tanto, discorreu sobre os efeitos de sentidos produzidos pelo uso de recursos linguísticos típicos da atividade literária, como a metáfora, a personificação e a presença da figura do narrador em primeira pessoa na construção do conto, relacionando-os ao contexto histórico do romantismo do século XIX.

 

1.2.7   As práticas de linguagem

 

Como observamos no item anterior, o uso do gesto didático par dialógico pergunta-resposta possibilitou que os alunos desenvolvessem a reflexão linguística sobre o conto O velho, priorizando a análise com o objetivo de demonstrar o funcionamento do texto literário. Após, faz uma leitura do conto em voz alta com os alunos:

Professora: quem é o narrador do conto?

Alunos: o velho

Professora: temos, então, o narrador em primeira pessoa. Então, por que o narrador está em primeira pessoa?

[Os alunos não responderam] 

Professora: porque visa criar um sentido de subjetividade, de valorização da expressão do individuo, própria do romantismo.

 

Em outra aula, observamos o seguinte trecho:

Aluno: por que o autor fala tanto da natureza?

Professora: na verdade, uma característica do romantismo era a linguagem conotativa

Aluno: não entendi professora

Professora: como o sujeito quer exprimir seu mundo interior e a linguagem literal não dá conta, ele utiliza imagens da natureza para expressar o que sente, ou seja, metáforas que expressam uma grande multiplicidade de sentidos.

 

Notamos, portanto, que o eixo de reflexão sobressai na prática de linguagem, pois os alunos não fizeram uma leitura individual do conto. Essa leitura do texto integral foi solicitada pela docente como atividade extraclasse.

 

1.3   Os gestos didáticos

 

Como vimos no item anterior, ao usar o par dialógico pergunta-resposta a professora cria condições favoráveis para a reflexão e o aperfeiçoamento da capacidade linguística de narrar dos alunos, resultando em possibilidades de aprendizagem, o que torna as aulas interativas.

Ao iniciar os primeiros dias de aula, a docente presentificou o objeto de ensino: “No bimestre passado, nós trabalhamos literatura brasileira. Mais precisamente, as gerações românticas”, concentrando quase toda a atenção dos alunos na lousa. Havia conversas paralelas, por isso, ela utilizava o par dialógico pergunta-resposta: “Vocês se lembram quais eram as gerações românticas que mencionamos no bimestre passado?”. Os alunos responderam: “A primeira geração, a segunda e terceira”. Com essa forma de chamar a atenção dos alunos para o objeto de ensino, a docente, além de conseguir a concentração dos alunos no objeto, alcançava a participação e a interação destes.

Essa dinâmica interativa nas aulas era resultado do uso do par pergunta-resposta, que possibilitava a participação dos alunos na configuração do objeto de ensino, o Romantismo, e a topicalização deste na lousa. A professora decompôs o objeto em dimensões: 1ª fase - nacionalismo no mundo inteiro, inclusive no Brasil; 2ª fase - ultra-romantismo e 3ª fase - Condoreirismo.

Após revelar as dimensões do objeto, por meio da memória didática, retomou trechos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. A professora disse: “Certo, em qual época ocorreu o romantismo?”. Um dos alunos respondeu: “Na Segunda Guerra Mundial”. A professora discordou: “Não, isso já é no século XX. Vamos nos situar no século XIX. Ao recuperar a memória didática dos alunos, fazendo-os recordar o bimestre anterior, ela explica que abordará a Segunda Fase Romântica.

Pudemos notar que os gestos não estão separados entre si, ao contrário, aparecem simultaneamente. Observamos que, ao perguntar aos alunos sobre o objeto ensinado no bimestre anterior, a professora recupera a memória didática da turma, criando o ambiente o qual favorecerá o processo de ensino-aprendizagem do objeto.  Além disso, a docente utiliza o importante gesto didático par dialógico pergunta-resposta, que se sobressai em relação aos outros, pois possibilita a interação dos alunos com o objeto e, consequentemente, a reflexão, o que demonstra a experiência pedagógica da profissional.

 

1.3.1   Os instrumentos didáticos

 

Para propiciar a criação de um ambiente favorável para a transformação do objeto de ensino, a professora utilizou instrumentos de ordem material, como giz e lousa, além de fazer a leitura do conto fantástico gótico O velho, de Álvares de Azevedo, e comentários sobre o Romantismo.

O fato de a docente valorizar o gesto didático par pergunta-resposta, como foi observado no item anterior, resulta na valorização restrita da lousa como instrumento de cópia do material didático, a qual foi utilizada somente para presentificar o objeto e para resolver as dificuldades dos alunos. Ao contrário de uma aula na qual a professora utiliza como instrumentos principais a lousa e exposição oral, configurando um ensino conservador, a docente em questão conseguiu tornar as aulas interativas e construir um espaço possível de transformação do objeto de ensino.

 

1.3.2   Tarefas

 

A professora tinha a intenção de ampliar a reflexão sobre linguagem literária e, para isso, enfatizou aos alunos que o sentido das palavras desconhecidas do conto deveria ser procurado no dicionário, não só em função do contexto sócio-histórico do Romantismo, mas da natureza da linguagem “conotativa” do conto gótico romântico. Em outra aula, os alunos leram um fragmento do conto, com o sentido dicionarizado.

A docente percebeu problemas na compreensão do conto, pois os alunos consideravam, primeiramente, a opinião. Então, a professora falou sobre o significado da presença do narrador em primeira pessoa e o posicionamento sócio-ideológico deste, além de comentar o uso da metáfora e da personificação no contexto do Romantismo para a produção de sentidos. 

 

2  O Projeto de Ensino


2.1  Opções e justificativas

 

Conforme comentamos na primeira parte deste artigo, durante as aulas de observação do trabalho docente os alunos manifestaram muito interesse por filmes.

Ao observarmos a forte participação da maioria dos alunos no ensino de um objeto de ordem temática e textual, como o conto gótico de Álvares de Azevedo, verificamos que a relação estabelecida pela docente entre o tema do conto e alguns filmes chamou a atenção dos alunos, os quais demonstraram interesse em contar os enredos dos filmes.

           Alguns trouxeram romances que deram origem a filmes para a sala de aula, demonstrando ter intimidade com o texto narrativo. Por isso, um Projeto em torno da produção de um texto narrativo seria, possivelmente, mais receptível. Todavia, devido ao distanciamento e às dificuldades graves em reconhecer e produzir um artigo de opinião, solicitado na prova do SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, fomos conduzidos a trabalhar com o texto argumentativo.

A docente foi favorável à proposta e disse que “um projeto em torno da produção de um texto argumentativo seria muito importante, [pois ela mesma] já estava pensando em ensiná-los a produzir uma resenha crítica de filmes ou livros”, portanto, a escolha do objeto de ensino “crítica de cinema”, ao mesmo tempo nos aproximaria do referencial dos alunos e possibilitaria o desenvolvimento da condição de produtor de textos, favorecendo o posicionamento crítico a partir do diálogo com os discursos que circulam socialmente.

Além disso, a escolha desse objeto pode ser justificada por uma perspectiva linguístico-discursiva bakhtiniana, na qual o gênero discursivo é caracterizado pelo “[...] conteúdo temático, o estilo, a construção composicional [que] estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação” (BAKHTIN, 2010, p.262).  Segundo o autor, os gêneros textuais são a forma natural pela qual usamos a língua para nos comunicar, dessa forma, tomar como objeto de ensino-aprendizagem o gênero “crítica de cinema” seria ampliar a competência dos alunos, possibilitando a inserção destes em outros contextos sociais.

 

2.1.1   Descrevendo o objeto de ensino

 

Nosso objeto de ensino é definido em função das condições e finalidades da esfera jornalística das revistas e dos jornais, direcionada ao público leitor adulto, de letramento elevado, como o jornal Folha de São Paulo e as revistas Isto é e Época, sendo o objeto de ensino um gênero secundário produzido em uma esfera de comunicação cultural complexa.

Para Bakhtin, o gênero é um tipo de enunciado “relativamente estável”, ou seja, é definido em função da esfera social de produção, o que pode provocar nos gêneros possíveis alterações resultantes de mudanças sociais e históricas da esfera. O autor afirma, ainda, que o gênero apresenta certa estabilidade a qual nos possibilita reconhecê-lo e compreendê-lo na situação de interação, e isso ocorre devido às características compartilhadas pelos textos pertencentes a tal gênero; o tema consiste em informar e opinar ao público leitor sobre filmes que estão cartaz, buscando convencê-lo a assistir ou não, opinião esta cujo critério principal pode ser o diretor, o ator/atriz principal, os efeitos especiais, estruturando as informações no texto; o estilo é constituído pelo uso de adjetivos e comparações das produções anteriores ou atuação do ator/atriz e pela escolha de um registro linguístico adequado às condições de produção, que, nesse caso, é o registro culto da língua.

Foi importante desenvolver, com os alunos, a reflexão tanto sobre as características quanto sobre as condições de produção, uma vez que os argumentos são usados em função do esquema da interação verbal, ou seja, em função do público leitor e da situação de comunicação.

Comentamos com os alunos a construção da imagem do autor da crítica deixando claro que, para o crítico posicionar-se contra ou a favor com relação a uma obra cinematográfica, são necessários conhecimentos sistematizados sobre o assunto; o conhecimento sobre os dêiticos, por exemplo, é importante para situar o leitor: o ano de produção, o lugar no qual foi produzido e os sujeitos que o produziram, além de conhecimento sobre a atuação dos atores.

Nesse ponto, chamamos a atenção dos alunos para o fato de que quanto maior o conhecimento sobre o filme ou outros filmes relacionados com seus produtores ou atuação dos atores maior será o poder de persuasão da crítica, uma vez que “[a]lguns diretores e atores, pelo sucesso de outros trabalhos, atraem a atenção para seus filmes” (BERBARE, 2002, p.48).

Observamos, conforme as palavras da autora citada, que o motivo da atração para os filmes conduz o autor a constituir um conhecimento sofisticado sobre os produtores e atores e as condições de produção do gênero, uma vez que todas as características que o definem, como o tema, o estilo e a composição, dentro de uma perspectiva bakhtiniana, concorrem para a persuasão do texto.

O leitor busca a crítica sobre um filme para verificar se vale à pena assisti-lo ou não, confiando nos conhecimentos do especialista e em sua imagem. Além desses aspectos, também é considerada a adequação do registro linguístico ao público receptor e ao meio de circulação do gênero, pois seu Ethos (ou sua credibilidade) poderá ser prejudicado, enfraquecendo a qualidade argumentativa do texto caso a esfera na qual circula o gênero não for considerada em sua produção. No caso de nosso objeto de ensino, destacamos que este circula em uma esfera jornalística cujo público leitor prestigia a variedade culta da língua.

 

2.1.2   Os dispositivos ou instrumentos didáticos

 

Como o conhecimento dos instrumentos didáticos possibilita nossa intervenção na aprendizagem dos alunos de um objeto a ser ensinado, baseamo-nos em uma tabela elaborada pelo professor da FE-USP, Gomes-Santos, para a elaboração de Projetos de Ensino em torno da produção do texto argumentativo, ao orientar-nos na elaboração deste Projeto utilizando tabelas, definido, segundo o professor “[...] por um conjunto de atividades escolares sequenciadas e articuladas em torno de um objeto de ensino central (e objetos subordinados) e um objetivo didático geral (e objetivos específicos)”.

          Assim, para visualizarmos o esqueleto geral de nosso Projeto, segue a tabela cujo modelo foi fornecido pelo docente citado:

 

FASES/ ATIVIDADES

 AULAS

 GESTOS

DIDÁTICOS

   INSTRUMENTOS

DIDÁTICOS

TAREFA

I

Situação inicial, produção inicial e bjetivo específico: diagnosticar o nível de conhecimento dos alunos sobre o texto argumentativo.

06

Exposição oral e uso do par pergunta-resposta sobre filmes. Produção diagnóstica de um comentário (instrumento de regulação do ponto de vista docente)

 

Instrumento de ordem material como filmes, que os alunos levariam para presentificação do tema a ser discutido.

Na primeira aula, aos alunos, seria solicitado trazer um filme dentre os que mais gostavam.

Discussão oral em grupo de 4 alunos sobre o motivo do interesse pelo filme escolhido e produção de um comentário.

Trazerem críticas publicadas na revista “Época” ou “Isto é” ou jornal “Folha de São Paulo” para próxima fase.

II

Objetivo específico: leitura para identificação das características do texto.

 

02

Presentificação (críticas de cinema de esferas sociais da comunicação diversas)

Instrumento de ordem material e discursiva (corpus dos textos para leitura)

Leitura das críticas de cinema para levantar suas características (tema, estilo e composição do gênero)

III

Objetivo específico:reflexão sobre as condições de produção do texto.

 

03

Institucionalização do gênero e estabelecimento da esfera de circulação e do público leitor.

Mesmo corpus para leitura.

Leitura para refletir sobre o gênero crítica a partir do perfil do público leitor do jornal ou revista na qual circula.

IV

Objetivo geral: produção do gênero textual

 

01

Instrumento de regulação: produção da crítica de cinema.

-------------------

Produção da crítica de cinema pelos alunos.

V

Objetivo geral:produção final

atividade de leitura e reflexão a partir da avaliação para revisão e reescrita do próprio texto pelos alunos.

01

Avaliação da produção escrita dos alunos para a revisão e reescrita.

 -----------------

Leitura, revisão e reescrita dos textos pelos alunos.


Temos, então, uma sequência de aulas distribuídas em cinco fases, constituindo um processo no qual cada fase complementa a anterior. Dessa forma, descreveremos a configuração e o lugar do objeto de ensino na relação com os instrumentos e as atividades/tarefas em cada fase do Projeto de Ensino.

 

1ª fase do Projeto

Como podemos ver na tabela citada, teremos como objeto de ensino a produção escrita de um comentário, que, do ponto de vista docente, tem a função de instrumento de regulação, cujo objetivo é diagnosticar o grau de conhecimento dos alunos em relação ao texto argumentativo. Em relação à produção do comentário pelo aluno, esse objeto constitui-se como tarefa.


 2ª fase do Projeto

Teremos como objeto de ensino a leitura de críticas de cinema, que será inserido na cena didática como um instrumento de ordem material/discursiva e como um gesto didático de presentificação, o qual será topicalizado em seus componentes como estilo, tema e composição na tarefa.


 3ª fase do Projeto

O objeto de ensino será a reflexão sobre o “funcionamento” da crítica de cinema, partindo das condições de produção. Como gesto de ensino, ele é institucionalizado e constitui-se como tarefa de reflexão sobre a língua.


 4ª fase do Projeto

Teremos o objeto de ensino central de nosso Projeto a produção escrita de uma crítica de cinema. Tal atividade tem a função de instrumento de regulação, do ponto de vista docente e função de tarefa, do ponto de vista do aluno.


5ª fase do Projeto

Objeto de ensino “crítica de cinema” torna-se um gesto didático de avaliação, de tarefa, de leitura e de revisão do texto. Isso significa que tal objeto pode ser definido com base no objetivo do professor. Como nosso intuito neste Projeto é a produção do texto argumentativo “crítica de cinema”, a produção do comentário, a leitura e a reflexão aparecem como objetos subordinados.


3  Descrevendo o processo de implementação do Projeto

 

        Como vimos na segunda parte deste artigo, a aplicação do Projeto de Ensino está prevista para 13 aulas, distribuídas em cinco fases. Podemos ver na tabela 1 citada anteriormente que o objetivo deste Projeto é a produção escrita do gênero textual “crítica de cinema”, para possibilitar a aprendizagem e o desenvolvimento da capacidade linguística e argumentativa dos alunos.  Esse objetivo está de acordo com a didática de língua abordada por Schneuwly e Dolz (2010), que desenvolveram uma pesquisa em torno do ensino sobre o gênero textual, agrupando e organizando os tais gêneros em uma tabela a qual reflete as capacidades linguísticas predominantes como narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.

Dessa forma, a implementação do nosso Projeto teve o objetivo de desenvolver e ampliar a capacidade dos alunos de produzir textos escritos argumentativos com base no gênero textual “crítica de cinema”, pois o “[...] emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, ou [tipos relativamente estáveis de enunciados: os gêneros do discurso] proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2010, p.261-262). Isso demonstra que, de acordo com tal perspectiva, não é possível pensar o texto argumentativo em si, mas a partir de sua configuração de gênero textual em “cada campo da atividade humana”. 

Para atuar sobre a capacidade de escrita argumentativa dos alunos, elaboramos o Projeto de Ensino estruturado na tabela presente na segunda parte deste artigo, fazendo as devidas alterações conforme as necessidades dos alunos e as condições estruturais do regimento escolar.

É necessário fazer uma ressalva antes de iniciarmos a descrição da implementação de nosso Projeto. Apesar de termos realizado o estágio de regência em 15 aulas, inicialmente, devido aos compromissos com o cronograma, o docente combinou conosco a realização do Projeto em 10 aulas; isso nos levou a reorganizá-lo, porém, na 9ª aula, a professora forneceu-nos mais tempo, devido às dificuldades de alguns alunos para escrever os textos.

Na situação inicial, como instrumento de ordem material, trouxemos diversos filmes para a presentificação do tema a ser discutido, o que atraiu a atenção dos alunos.  Em seguida, para mobilizar a interação com o objeto em pauta, utilizamos o gesto didático par dialógico pergunta-resposta, questionando: “Alguém já assistiu a algum dentre esses filmes?”. A pergunta provocou vários comentários sobre os filmes dos quais os alunos mais gostavam.

Após uma breve discussão entre os discentes, solicitamos que formassem grupos de quatro pessoas e justificassem aos colegas a escolha de um dos filmes, considerado o mais interessante. Cada um teria oito minutos para falar, pois era importante que todos participassem. Dissemos que a discussão era importante, já que a reflexão prévia os auxiliaria na produção do comentário na aula seguinte.

Na segunda aula, os alunos produziram um comentário sobre a questão: “Por que é interessante assistir a esse filme que escolhi?”. Para tanto, instruímos os alunos a pensarem em alguém conhecido, como pai, mãe, irmão ou amigo (a) e escrever um comentário com base no perfil desse leitor. Assim, a atividade poderia aproximar-se da situação real de uso da linguagem pelos alunos.

Apesar de termos destacado a função do interlocutor para a produção do comentário, nosso objetivo específico, naquele momento, ao solicitar tal produção, consistia em diagnosticar o conhecimento dos estudantes sobre o texto argumentativo; saber se escreviam um texto argumentativo ou narrativo, uma vez que é relevante a percepção dessa diferença para escrever a crítica de cinema.

Após recolhermos o comentário dos alunos, surpreendemo-nos com a restrita quantidade de produções. Dos 30 alunos presentes nas aulas, apenas 10 entregaram o texto e, ao avaliar as produções, diagnosticamos uma reduzida variação na capacidade argumentativa expressa. Do total de 10 textos, apenas um narrava o filme sem nenhum propósito argumentativo expresso; em dois, a narração ainda predominava sobre a argumentação embrionária que ocorreu no final do texto; em sete, a argumentação era refletida pelo uso de operadores argumentativos.

Na terceira aula, fizemos uma breve avaliação com cada aluno sobre seu texto, levantando os pontos positivos e os que poderiam ser melhorados, aproveitando para perguntar para os que produziram textos curtos se o que havia sido escrito era o suficiente para informar e convencer o destinatário, gerando dúvidas. Essa aula teve o objetivo de aproximar os alunos do objeto.

Enquanto essa produção consistia em uma tarefa do ponto de vista dos alunos, do ponto de vista docente era um instrumento de regulação para diagnosticar a capacidade linguística de argumentar. Por isso, começamos o primeiro módulo da sequência didática com duas aulas (quarta/quinta aulas) sobre o tópico “operadores argumentativos”, com a intenção de fazê-los reconhecer e refletir sobre a configuração do texto argumentativo pelo uso dos operadores.

Para possibilitar a interação dos alunos com esse tópico decorrente da elementarização do objeto de ensino específico “comentário” foi utilizado o gesto pergunta-resposta, possibilitando a construção coletiva de um texto argumentativo. Nesse ponto, devemos ressaltar que o objeto de ensino principal era a crítica de cinema, portanto, o comentário tornou-se um objeto subordinado. Assim, deduzimos que os operadores decorrem da elementarização do objeto principal, apesar de ainda não ter sido institucionalizado para os alunos, uma vez que nosso objetivo era ensiná-los, primeiramente, o uso destes com a intenção de conduzi-los à construção do conceito.

A aula consistiu em presentificar na lousa, utilizando o giz, o seguinte enunciado: “João é um bom candidato”; em seguida, solicitamos que pensassem no contexto do Departamento de Recursos Humanos de uma empresa na qual o entrevistador, durante a seleção para uma vaga de psicólogo, produz esse enunciado cujo destinatário é o gerente. Perguntamos aos alunos:

Professor: por que ela disse que João é o melhor candidato?

Aluno 1: ele era psicólogo do presidente da república

Aluno 2: ele já foi entrevistado no programa do Silvio Santos

Aluno 3: ele é formado em psicologia em uma Universidade estrangeira

Aluno 4: ele tem 20 anos de experiência de trabalho em uma empresa alemã

  

Após criar uma enumeração na lousa, fizemos perguntas sobre quais palavras poderiam relacionar tai enunciados e possibilitar ao leitor do texto a conclusão de tal afirmação. Na medida em que respondiam, reescrevíamos o texto na lousa com os operadores argumentativos adequados, aproveitando para definir, oralmente, o conceito de “operadores argumentativos” e expandir o conhecimento sobre os diversos operadores, comentando os efeitos de sentidos e marcando a posição do autor em relação à do interlocutor no discurso.

Em seguida, perguntamos se os argumentos enumerados convenceriam o gerente de que João mereceria a vaga de emprego. Os alunos responderam que sim. Após essa resposta, dissemos que tal texto argumentativo poderia ser considerado um currículo, cujo objetivo é enumerar cursos e tempo de experiência na profissão para convencer o entrevistador de Recursos Humanos de uma empresa de que o candidato é qualificado para o emprego.

Na sexta e sétima aulas, recuperamos o conteúdo por meio da memória didática, perguntando sobre os temas abordados nas aulas anteriores, destacando o tópico da argumentação; perguntamos se a imagem de atores ou jogadores, reproduzindo propagandas que circulam na mídia, consistia em um argumento forte para convencer determinado público a comprar produtos anunciados. Todos concordaram:

Professor: Por que a imagem convence? 

Aluno 1: É marketing

Aluno 2: Tá ligado a um jogador jogar bem e ser o herói do time, ficando famoso, daí os torcedores acreditam nele

Professor: Portanto, o sucesso e o reconhecimento pelos meios de comunicação de massa resultam em confiança e valor na pessoa que fala, certo? O produto adquire a credibilidade da pessoa?

 

Com a concordância dos alunos, reforçamos que essa credibilidade é um forte argumento para convencer o público, continuando as conclusões:

Professor: assim também ocorre em relação à atuação ou direção em/de outros filmes de atores ou diretores? Contribui para atrair a atenção ou não do público para tais filmes a serem julgados no Oscar?

            Lembramos que um filme é julgado por especialistas em cinema a partir de critérios como o diretor, a atuação dos atores principais e os efeitos especiais etc.

Em seguida, para o reconhecimento da crítica de cinema, dissemos que verificaríamos a validade das questões na leitura de críticas de cinema e que levantaríamos as características, iniciando pelo critério principal escolhido pelo autor do texto para julgar o filme, observando como as informações são organizadas a partir dessa escolha:

Professor: Vocês recordam que vimos que no Oscar um filme é julgado a partir de critérios como diretor, atuação do ator/atriz principal, efeitos especiais? Enfim, assim também ocorre na crítica de cinema que vocês estão lendo. O autor não julga o filme a partir do uso da primeira pessoa, dizendo “Eu acho que...”, mas sim a partir da escolha de um desses critérios, o que atribui um sentido mais objetivo ao texto, ao escrevê-lo na terceira pessoa.

           Solicitamos a eles que lessem e depois dissessem qual era o critério escolhido pelo autor para a apreciação do filme. Após comentarmos essa característica, fizemos uma leitura compartilhada de duas críticas: a primeira, presente em uma revista direcionada ao público jovem, cujo registro linguístico era o informal; a segunda, presente em uma revista direcionada ao público adulto “culto”. Depois disso, perguntamos sobre o motivo da diferença entre os registros linguísticos.

Além disso, questionamos: “Para quem era escrito o primeiro texto? E o segundo?”. Um aluno respondeu: “o primeiro é para jovens”. Por isso, interrogamos se a escolha da gíria como registro linguístico está relacionada ao tipo de público. Os alunos concordaram que é o tipo de público quem define o registro a ser utilizado.

Para que ficasse claro qual seria o público receptor da segunda crítica lida, dissemos que o texto era publicado em uma grande revista, a Isto é, cujo público leitor era constituído por adultos de classe social cujo poder aquisitivo é alto, com formação universitária, portanto, preza pela norma culta, enquanto a primeira crítica era de uma revista destinada ao público adolescente feminino, cujo registro linguístico é o informal.

No final dessa aula, entregamos um modelo de ficha técnica (Anexo I) elaborada para a regência, sobre um filme, e uma ficha técnica com questões a serem respondidas por cada aluno, a qual tinha como objetivo a produção de uma pesquisa. Tal atividade levantaria informações sobre o filme, as quais seriam usadas para a produção da crítica de cinema, aliadas aos produtos das reflexões feitas nas aulas e ao comentário produzido.

Um aspecto para o qual chamamos a atenção dos alunos foi a importância da pesquisa. Além de satisfazer uma exigência própria da crítica de cinema, que consiste em informar sobre filmes que estão em cartaz, a pesquisa está relacionada com a credibilidade do autor, uma vez que este é especialista em cinema.

Na oitava e nona aulas, os alunos que trouxeram a ficha técnica produziriam o referido gênero textual. Porém, antes de iniciarmos a produção da crítica, recuperamos as características por meio da memória didática e insistimos que a escrita seria publicada em uma revista de cinema, a qual teria como leitores os professores, os alunos, os funcionários e os pais. Dessa forma, ao escrever, os alunos deveriam considerar a imagem desse público e criar uma imagem própria, buscando informá-lo e convencê-lo a assistir ao filme. Sendo assim, procuramos estabelecer, como comando para a produção escrita dos alunos, um fator de ordem social.

Munidos de material, constituído pela ficha técnica e pelo comentário, apenas 10 alunos escreveram a crítica de cinema na primeira dessas aulas; na segunda, solicitamos uma comparação entre a crítica e o comentário em relação ao uso da primeira e da terceira pessoa; perguntamos, também, qual o sentido que queriam produzir para a recepção pública do texto e se na produção inicial haviam pensado sobre o assunto.

Observamos, com os alunos, a forma como o primeiro texto produzia um efeito de sentido de uma opinião pessoal, ou seja, era mais subjetivo devido à presença da marca da primeira pessoa; já os usos dos critérios para a apreciação do filme e as pesquisas realizadas possibilitaram certo distanciamento de uma opinião, levando os estudantes à reflexão, o que resultou em um efeito de sentido mais objetivo.

Nas 10ª e 11ª aulas, para iniciarmos o processo de revisão do texto e a reflexão sobre a prática verbal dos alunos, solicitamos que lessem os trabalhos dos colegas, utilizando os conhecimentos desenvolvidos nos módulos da sequência didática. Serviram como critérios para a avaliação o bom uso dos conectores argumentativos, a escolha de um critério para julgamento do filme e a adequação à variedade culta da língua. Além disso, deveriam verificar se o colega escreveu considerando o público leitor da revista na qual o texto seria publicado. Dos 30 alunos, apenas 13 realizaram a tarefa e, destes, apenas dois não fizeram nenhuma atividade anterior, mas puderam contribuir com a atividade de leitura do texto do colega.

O planejamento para a décima segunda e décima terceira aulas, que seriam as duas últimas do Projeto, consistiu em revisar os textos, considerando o comentário escrito pelo colega e os critérios de avaliação em função do contexto de circulação do citado texto e do público leitor. Porém, como a maioria dos alunos estava ausente, somente dois dos 10 realizaram tal tarefa. Essa relação pode ser mais bem visualizada na tabela 1, que será detalhada no próximo item deste artigo. Devido ao problema de ausências, a professora cedeu-nos mais duas aulas, porém um aluno realizou somente a leitura de seu texto.

 

3.1    O problema do estatuto da escrita na prática escolar

 

Na implementação de nosso Projeto didático, do total de 30 alunos, 20 apresentaram certa resistência às atividades escritas, o que levou a docente a intervir em nossa aula de regência, expondo a todos que, se não fizessem a “redação”, não obteriam nota. Essa intervenção aconteceu após a produção dos comentários pelos dez alunos, como é mostrado na tabela 1, que será explicada a seguir:

 

 

 

                                   

Alunos

Comentário

do Filme Escolhido

Preparação da Ficha Técnica

Produção de Crítica de Cinema

Comentário (leitura e crítica de colega)

Reescrita com Revisão

Total de Atividades Entregues

1

Be

X

X

X

 

X

4

2

Bi

X

X

X

 

 

3

3

Bru

 

X

X

 

 

2

4

Brun

 

 

X

 

 

1

5

Gab

 

 

X

 

 

1

6

Gb

 

 

X

X

 

2

7

Kt

 

X

 

X

 

3

8

Kl

 

X

X

X

*leitura

3

9

Kn

X

X

X

 

 

3

10

Lar

X

X

X

X

 

4

11

Lars

X

X

X

 

 

3

12

Le

 

X

X

 

 

2

13

Let

X

X

X

X

X

5

14

Luc

 

 

X

X

 

2

15

Lui

 

X

X

X

 

3

16

Lu

 

X

X*

X

 

3

17

Mar

X

 

 

 

 

1

18

Mat

 

 

 

X

 

1

19

Mic

X

X

X

X

 

4

20

Pa

X

X

X

X

 

4

21

Pam

 

X

X

X

 

3

22

Tal

X

X

X

 

 

3

23

Vit

 

 

 

X

 

1

Legenda:

< melhores desempenhos nas críticas; realizaram as três atividades básicas (três primeiras) do projeto, facilitando o acompanhamento da aprendizagem individual.

<fizeram cópias (plágios integrais e/ou parciais de críticas veiculadas na internet); alunos não fizeram em sala, tendo  de fazer em casa.

< não realizaram pelo menos uma das três primeiras atividades, o que implicou no desempenho da crítica final.

< exceção: não realizou pelo menos uma das três primeiras atividades (grupo roxo), no entanto, apresentou desempenho excepcional.

 

Tabela 1/ Alunos e Controle de Atividades (Produções)[4]

Tal problemática exige uma breve explanação, antes de levantarmos uma possível hipótese para essa resistência à escrita. Ao observarmos a tabela, notamos que, de um total de 23 alunos que produziram textos, os nove alunos que produziram o comentário, a ficha técnica e a crítica foram os que apresentaram o melhor desempenho em relação às características do gênero “crítica de cinema” quando comparados aos demais, que apresentam um desempenho abaixo do esperado.

Apenas um deles, grifado em azul na tabela, teve um desempenho satisfatório. Quatro das críticas grifadas em vermelho na tabela são cópias integrais ou parciais de críticas veiculadas na internet (plágio). Dessa forma, podemos concluir que houve resistência à escrita e, ao mesmo tempo, a realização de tarefas em função da nota.

A docente chamou nossa atenção para a qualidade dos textos de alguns desse grupo, logo, a resistência dos outros ocorreu devido à grande dificuldade de escrever, o que, possivelmente, levou alguns a copiar os textos pela necessidade da nota. Cabe aqui uma questão: por que os alunos apresentam dificuldades para escrever? Será que essa dificuldade seria uma resistência a nossa prática de regência em sala de aula?

Antes de atribuir uma possível hipótese para explicar essa resistência, vamos tecer uma breve reflexão para responder a segunda pergunta, sobre um possível problema apresentado na aplicação de nosso Projeto de Ensino. Pode ser que tenhamos nos concentrado mais na quantidade de atividades para possibilitar a aprendizagem do texto argumentativo do que no processo; as atividades podem ter sido muitas para um tempo restrito e, consequentemente, isso resultaria em menos tempo para trabalhar o processo de escrita do aluno o que poderia contribuir para tal resistência, distanciando o aluno da compreensão de sua escrita como um processo.

Partindo de tal reflexão, conduzimos nosso Projeto para o estudo do gênero textual. Para produzir um gênero, é exigida uma sequência de atividades organizadas em torno da produção. Para tanto, é necessário um relativo tempo considerando as dificuldades dos alunos.

Apesar de termos encontrado resistência por parte da maioria dos estudantes e levantarmos uma possível hipótese para explicar tal resistência à escrita, nos pareceu evidente a noção de escrita presente, principalmente, no discurso de alguns alunos que integravam o grupo dos 20 discentes como mostram os comentários a seguir:

Aluno 1: professor, eu escrevo muito mal, está cheio de erros

Aluno 2: professor, não consigo escrever, pois não estou inspirado

 

Além disso, podemos visualizar na tabela 1 citada o modo como os alunos foram motivados a escrever, por meio da atribuição de nota, o que reduz a escrita a um produto; na perspectiva da maioria deles, era uma avaliação imposta que seria julgada pela docente por meio dos critérios ‘certo’ ou ‘errado’.

Percebemos que nos discursos dos alunos mencionados, está subjacente uma concepção de linguagem como expressão do pensamento, a qual define o texto como “um produto-lógico-do-pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor senão “captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel passivo” (KOCH, 2008, p.10).

Nesse contexto, para que o aluno escreva um bom texto é necessária a aquisição de um conjunto de regras lógicas prescritas pela gramática normativa, estruturando e formando a expressão. Por isso, o “bem falar” e o “bem escrever” remetem ao domínio da gramática da variedade culta, que, ao excluir da Língua Portuguesa as outras variedades, consideradas como “erradas”, as quais “devem” ser submetidas ao crivo daquela, desvaloriza o conhecimento prévio dos alunos.

Podemos perceber que a noção de escrita dos educandos remete à de “redação” que, segundo Gomes-Santos, está “associada à ideia de clareza, de precisão, o ato de escrever como ato de expor/argumentar. A tarefa recorrente consiste na produção da dissertação, gênero escrito por excelência da tradição textual da escola, tanto no Brasil como em outros contextos culturais” (GOMES-SANTOS, 2010, p.448). Para o autor, essa é uma concepção de escrita construída sócio-historicamente, que ainda se impõe sobre os alunos na esfera escolar, contradizendo a diversidade de variedades linguísticas e sócio-culturais que forma os discentes.

Interpretando Geraldi (2008), o aluno é considerado um sujeito que, caso não consiga se expressar é porque não pensa; dessa forma, a produção escrita do aluno seria avaliada em termos de recepção da “língua” culta, e, caso não aprenda, esse fato está relacionado aos problemas de ordem psicológica e não os de didática da língua.

Contrariamente à concepção de escrita normativa como um produto acabado, considerada classificatória porque é avaliada segundo a dicotomia do ‘certo’ e do ‘errado’, a qual está distante do mundo dos alunos e da vivencia linguística destes, para dar voz aos estudantes e possibilitar que assumam a condição de autoria na produção de textos pensamos a linguagem a partir do aporte teórico do círculo de Bakhtin:

[...] o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 2009, p.116).

 

Isso significa que toda produção textual escrita é constituída com base em um diálogo do autor de um texto com os textos que circulam nas esferas sociais, isto é, todo texto é constituído a partir de um posicionamento sócio-valorativo, refletindo e refratando determinado contexto sócio-histórico, o que torna questionável qualquer perspectiva que se crê neutra diante de um objeto.

Por essa razão, neste Projeto, visamos favorecer o posicionamento do aluno diante do texto e procuramos representar um interlocutor possível, orientando os alunos a conscientizar-se e refletir sobre os mecanismos responsáveis pela construção de sentidos dos textos, para que o aluno tenha direito à palavra e possa ser inserido nas grandes esferas da comunicação cultural complexas.

Percebemos que o texto não deve ser pensado em si mesmo, pois a relação do sujeito com o objeto é mediada pelo outro, por isso, a produção do texto do aluno deve levá-lo em conta. Esse outro não é apenas o leitor ou o público leitor do texto, mas “O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera são construídas deduções interiores, apreciações etc”.

Quanto mais aculturado for o indivíduo, mais o auditório em questão se aproximará do auditório médio da criação ideológica. Em todo caso, “o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem-definidas” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 2009, p.117).

Sendo assim, ao orientarmos o discente a focar o olhar sobre seu próprio texto e assumir a condição de interlocutor/leitor, provocando certo distanciamento, acreditamos que estávamos promovendo tanto uma interação com esse auditório interior quanto com a imagem de seu leitor, ou seja, uma reflexão sobre sua própria produção verbal escrita e o ato de avaliar os próprios recursos linguísticos empregados e seus efeitos de sentidos na leitura dos textos em sala de aula.

Aliás, é o ato de pensar sobre sua própria prática linguística em relação ao outro que o leva à percepção das dificuldades. Isso exigiu nossa intervenção, criando instrumentos didáticos adequados ao enfrentamento destas com a intenção de superá-las e, para isso, selecionamos atividades e tarefas que incentivam a aprendizagem da escrita dos alunos.

Para que esse objetivo fosse cumprido, era relevante a participação do outro, pois, à luz dos questionamentos produzidos na leitura de seu texto pelos colegas e por nós, o aluno poderia instigar sua reflexão, revisando-o e percebendo que o desenvolvimento de sua competência discursiva deriva de “um processo interpessoal (social) para um processo intrapessoal (individual) [...]” (CAVALCANTI, 2005, p.192).

Além disso, essa prática de retorno à própria escrita possibilita “[...] transformações [que] são fundamentais para o processo de desenvolvimento de [suas] funções psicológicas superiores, [ou seja, da percepção, memória, e pensamento] e interessam, particularmente, ao contexto escolar, pois este lida com formas culturais que precisam ser internalizadas” (CAVALCANTI, 2005, p.192) como os conhecimentos linguísticos necessários para a produção dos gêneros textuais secundários ou complexos, vinculados a uma esfera de comunicação cultural complexa, exigindo o trabalho de construir um Projeto de Ensino para levar os alunos a sistematizarem os conhecimentos necessários para a produção escrita.

 

Considerações Finais

 

Finalmente, ao refletir sobre o processo de implementação do nosso Projeto de Ensino e sobre os possíveis motivos da resistência à escrita por grande maioria dos alunos, verificamos ser grande a quantidade de pesquisa em relação a esse objeto, reflexo de um problema de ordem sócio-histórico-cultural que envolve diversos motivos para serem explicados nos limites deste artigo.

No entanto, nossa pretensão foi elaborar uma tentativa de promover a reflexão em torno de nossa experiência inicial de docente de Língua Portuguesa. Acreditando no poder heurístico da teoria, assumimos que a visão que o sujeito tem do objeto (a escrita) não sendo direta constitui-se a partir de outras palavras, ou seja, está rodeada de outras palavras (FIORIN, 2010, p.19),

Assim, o discurso da escrita como redação que os alunos demonstram corresponde à noção de sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações (KOCH, 2008, p.9), impedindo-os de perceber que o texto é um “produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), 2009, p.16). Por isso, a partir da concepção de linguagem que abordamos, tentamos conduzir o aluno a assumir a condição de produtor de textos ao estabelecer comandos para a produção destes, como o contexto de circulação e o interlocutor.

Sendo assim, nosso Projeto de Ensino constituiu-se como uma resposta à prática tradicional de escrita construída sócio-historicamente na esfera escolar, presente nos discursos dos alunos, mas que, pouco a pouco, vem sendo questionada por uma concepção de linguagem a qual leva em conta a interlocução e o contexto social para produção de efeitos de sentido. Por isso, para contribuir com a reflexão linguística a partir dessa perspectiva e socializar a prática escrita dos alunos, criamos o Projeto com o objetivo de produzir críticas de cinema para serem publicadas em uma revista do gênero, destinada a um público leitor diversificado, acreditando que a motivação para a produção está na própria recepção do texto e não na nota conquistada pela produção deste.

 

Referências

BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

BAKHTIN, M. (Volochínov). A interação verbal. In: Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2009.

BERBARE, A. P. Crítica de cinema: caracterização do gênero para projetos de produção escrita na escola. In: LOPES-ROSSI, M. A. (Org.) Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. Taubaté: SP, Cabral, 2002.

BRITO, L. P. L. Em Terra de Surdos-Mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares). In: GERALDI, J. W. (Org.) O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 2006.

DOLZ, J. M.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as idéias linguísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Parábola Editorial, 2010.

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

GERALDI, J. W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI, J. W. (Org.) O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 2006.

GOMES-SANTOS, S. N. A escrita nas formas do trabalho docente. In: Educação e Pesquisa (USP. Impresso), v 36, p.445-457, 2010.

KOCH, I. V; ELIAS, V. M. Leitura, Texto e Sentido. In: Ler e Compreender os Sentidos do Texto. São Paulo: Contexto, 2008.


Site

CAVALCANTI, L. S. Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de Geografia. In: Cad. Cedes, Campinas, v. 25, nº 66, p.185-207, maio/ago. 2005. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br

 

Amadeu Rodrigues Lauton

Bacharel e licenciado em Letras (Português) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP, Brasil, 2013).

 

Anexo I - Modelo de Ficha Técnica para pesquisa por parte dos alunos


Ficha Técnica do Filme

Nome do(a) Aluno(a): _____________________________________________

Perguntas iniciais (gerais de cada critério de julgamento sobre o filme):

1. Qual o nome do filme no Brasil?

     2. Qual é o nome original, país, data, tempo de duração e classificação do filme?

     (Se escrito no meio do texto deve estar entre parênteses).

     3. Qual é a data e local de lançamento do filme no Brasil?

4. Quem é o diretor?

5. Qual é o elenco principal?


Para o início da parte do texto que aprecia o filme, a crítica propriamente dita, é necessário definir os critérios escolhidos para a análise, começando o texto pelo principal. De acordo com os dados analisados, esses critérios baseiam-se em enredo, diretor e ator(es) principal (is).


Perguntas mais detalhadas (específicas de cada critério e outras informações relevantes)


As perguntas a serem respondidas sobre esses aspectos são:


1. Diretor

1.1 Quais são os filmes já dirigidos por ele?

1.2 É um diretor premiado?

1.3 É possível uma comparação com outro nome de peso do meio cinematográfico?

1.4 Como o diretor tratou o tema do filme? (qualidade do filme)

1.5 Como trabalhou com o roteiro?

 

2. Elenco

2.1 Quem são os atores destacados?

2.2 Quem interpreta o protagonista?

2.3 Algumas característica importantes do ator (atriz) principal, premiação, outros trabalhos de sucesso?

 

3. Enredo

3.1 De que se trata o filme?

3.2 É uma trama comum (aconteceria no nosso mundo)?

 

Com esse roteiro, acreditamos estar colaborando com a produção de críticas de cinema por todos os alunos, compondo, assim, uma revista de cinema que será lida por todos os colegas da escola ou pelos pais e amigos.

 

 


[1] Para manter a discrição da escola atribuiu-se um nome fictício a esta.

[2] Pseudônimo atribuído à aluna.

[3] Pseudônimo atribuído à professora.

[4] Como nas notas anteriores, para manter a discrição os alunos são identificados por letras de seu nome.


Manuella Miki Souza Araújo

 

Resumo

Este artigo tem como objetivo descrever e analisar a aplicação de um Projeto de Ensino baseado na abordagem do gênero artigo de opinião, relacionando-o a alguns textos do gênero literário, tendo como “plano de fundo” o tema “preconceito racial” e a discussão sobre ideologias relacionadas ao contexto histórico e à participação de negros na sociedade. Tal sequência de ensino foi aplicada aos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental.

 

Palavras-chave: África; Consciência Negra; Gênero Texto de Opinião; Literatura Africana; Preconceito.

 

Introdução

            A proposta deste trabalho é descrever e analisar as atividades de estágio da disciplina Metodologia do Ensino de Português (MELP II), focando, sobretudo, na regência desenvolvida acerca do chamado “gênero de opinião”.

            Inicialmente, serão descritos elementos pertinentes ao contexto escolar que acolheu este estágio, tais como a escola, a professora e os alunos. A seguir, passaremos pela apresentação de dados acerca das aulas de observação, para, então, nos determos com mais vagar na análise das atividades de regência/intervenção didática. Para isso, será necessária uma reflexão sobre o conceito do gênero texto de opinião. Durante a realização do Projeto, recorremos às definições presentes nos Cadernos do Estado de São Paulo [1] (Rede do Saber), às sistematizações da docente responsável pela turma e aos pressupostos teóricos da estudiosa Rosângela Hammes Rodrigues[2].


1  Sobre o contexto escolar


1.1  A escola

 

A escola estadual que recebeu o estágio é localizada no bairro Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo. Atende turmas de 8º ano do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio pela manhã; no período da tarde, recebe apenas alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental, e, durante a noite, apenas o Ensino Médio.

No pátio, sempre há material nos murais, sobretudo com propagandas e notícias relacionadas ao vestibular, aos cursos técnicos ou aos cursos de línguas. Nesse espaço, também são expostos trabalhos de alunos, provenientes de aulas de arte, por exemplo.

 

1.2   A sala de aula

 

As duas salas nas quais realizamos o estágio – vizinhas uma da outra – são simples. Há apenas carteiras e lousas.  Havia pouco material de escrito no recinto: raras cartolinas utilizadas em algum trabalho de Língua Portuguesa, nas quais eram resumidas as características das figuras de linguagem, por exemplo.

A professora manifestou o desejo de disponibilizar revistas, quadrinhos e livros em um espaço da sala, mas a ideia ainda não foi implementada. A docente reclamou do fato de a biblioteca nunca funcionar.

 

1.2.1    A professora

 

A professora Luciana[3] tem 26 anos e é formada em Letras, com habilitações em português e inglês, em uma universidade privada. Trabalha na rede estadual há cinco anos e ministra aulas em outra escola de Ensino Fundamental II, em um bairro vizinho. Aos sábados, frequenta o English in campus, curso de extensão universitária oferecido pela FFCLH-USP. A docente foi bastante receptiva ao estágio, procurando assessorar e acompanhar nosso percurso com prontidão e simpatia, tão logo a coordenação da escola encaminhou-nos às aulas de Língua Portuguesa.

 

1.2.2  Os alunos

 

O estágio foi realizado nas turmas B e C do 8º ano, no período matutino. As duas salas comportam, aproximadamente, 38 alunos cada. A turma do 8º C é um pouco mais agitada que a B, mas, de modo geral, a maior parte dos alunos parece ter uma leitura fluida e satisfatória, conforme percebemos durante as atividades de leitura em voz alta dos artigos e poemas que a professora apresentou.

Embora a escrita da maioria dos estudantes seja permeada por marcas de oralidade e por alguns desvios ortográficos, ao mesmo tempo usam expressões próprias de textos escritos formais – demonstrando que têm acesso a diferentes registros, embora ainda não os dominem com segurança.

Não estamos hierarquizando os registros de fala e escrita, priorizando as manifestações formais, mas, devido ao fato de o objeto de intervenção didática ser o gênero artigo de opinião, que se aproxima bastante da composição dissertativa, percebemos certa confusão no manejo de uma expressão mais formal dentre os alunos.  Como poderemos ver nos resultados obtidos nas tarefas da intervenção didática do estágio, uma grande barreira para a compreensão dos exercícios foi o uso de qualquer vocábulo fora de seu uso cotidiano.

Embora muitos professores reclamem da indisciplina como sendo um fator que prejudica as atividades em sala de aula, constatamos que o 8ºC, supostamente a turma mais “bagunceira”, assimilava os conteúdos e executava as tarefas com maior eficiência, aderindo mais facilmente às propostas docentes. Foi essa turma, também, a mais receptiva às minhas atividades de regência, vindo pedir auxílio e tirar dúvidas com menor resistência.

 

1.3  Descrição dos componentes didáticos das práticas de ensino-aprendizagem


1.3.1   Objetos de ensino e as práticas de linguagem

 

A seguir, seguem elencados os temas das aulas de observação, ministradas pela professora Luciana*.

 Aulas de observação no 8ºB

DATA

NÚMERO DE AULAS

CONTEÚDO

21.09.2009

1

Figuras de linguagem / Parágrafos argumentativos

23.09.2009

2

Parágrafos argumentativos / Prova surpresa

28.09.2009

1

Parágrafos argumentativos – produção

30.09.2009

2

Texto de opinião – produção

05.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

14.10.2009

2

Orações subordinadas adverbiais

19.10.2009

1

Texto de opinião

23.10.2009

2

Gênero perfil / Texto informativo-opinativo

Ficha de organização

28.10.2009

2

Ficha de organização

30.10.2009

1

Seções de jornal e revista / Gênero perfil

04.11.2009

2

Texto de opinião – produção

06.11.2009

1

Texto de opinião

09.11.2009

1

Texto informativo-opinativo

25.11.2009

1

Visto nos cadernos

27.11.2009

1

Visto nos cadernos

 

Aulas de observação no 8ºC

DATA

NÚMERO DE AULAS

CONTEÚDO

21.09.2009

2

Figuras de linguagem / Texto informativo-opinativo

23.09.2009

1

Parágrafos argumentativos

28.09.2009

2

Parágrafos argumentativos

30.09.2009

1

Texto de opinião – produção

05.10.2009

2

Filme Juno (temas polêmicos)

07.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

14.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

19.10.2009

2

Texto de opinião

23.10.2009

2

Texto informativo-opinativo / Ficha de organização

28.10.2009

1

Ficha de organização

30.10.2009

2

Ficha de organização / Seções de jornal e revista

04.11.2009

1

Texto de opinião – produção

06.11.2009

2

Texto de opinião

09.11.2009

2

Texto de opinião

13.11.2009

1

Filme “Duelo de titãs” (sobre o racismo)

25.11.2009

1

Visto nos cadernos

27.11.2009

1

Visto nos cadernos

30.11.2009

2

Texto informativo (“Pesquisando profissões”)

 

1.3.2  Os gestos profissionais e os instrumentos didáticos

 

A professora Luciana* baseia-se nos Cadernos de Língua Portuguesa do estado de São Paulo, mas não se prende exclusivamente a eles. Além de artigos de revista e internet, a docente também recorre ao livro Português: linguagens, de autoria de William Cereja e Thereza Magalhães.[4]

De modo geral, a professora faz uso dos recursos disponíveis, como giz, lousa, cópias, sala de vídeo, e mídia impressa e digital.  Na maioria das vezes, o andamento da aula tem a estrutura explicação-resolução de exercícios-correção. Suas aulas não foram fragmentadas, na medida em que havia uma sequência na abordagem e no andamento dos assuntos, na maior parte das vezes respeitando o tempo de produção dos alunos.

O gesto mais evidente da professora é o recurso à rememoração de atividades já feitas as quais possam relacionar-se com o tema estudado. Outra prática costumeira é ler em voz alta as instruções escritas no quadro negro.

 

1.3.3    As formas do trabalho escolar, as atividades e tarefas

 

Muitas vezes, a professora permite o trabalho em grupos (sobretudo em duplas) quando os textos são distribuídos. A professora proporciona aos alunos a oportunidade de ajudarem-se durante a compreensão do texto, disponibilizando poucas fotocópias, uma vez que a cota permitida pela escola é limitada.  Os alunos trabalham mais com material escrito, mas há espaço para discussões orais, embora, durante o estágio, o primeiro tenha sido predominante.

Os alunos mostraram estar acostumados com os vistos valendo pontos de participação. Também procuram sempre auxílio individual, indo à mesa da docente tirar dúvidas e mostrar os resultados.

  

2  Um Projeto para o gênero Texto de Opinião


2.1  Sobre o gênero texto de opinião

 

Para a aplicação das atividades de regência durante o estágio da disciplina Metodologia do Português II, houve um acordo com a professora de que deveria ser tratado o gênero texto de opinião. O 8ºB e o 8ºC já vinham estudando tema há alguns meses, pois se tratava de um tópico previsto no segundo volume do Caderno do Estado de São Paulo (Rede do Saber). Além disso, a docente Luciana*, responsável pelas duas turmas citadas, desejava continuar trabalhando com o assunto uma vez que ele seria cobrado na prova do SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, a ser realizada no final do último bimestre letivo.

O gênero texto de opinião havia sido abordado pela professora em várias aulas observadas durante o estágio e, por isso, seguimos as instruções que a docente apresentou aos alunos durante esse período. Ao mesmo tempo em que era, de certo modo, confortável abordar um assunto já conhecido pelos alunos, ficamos preocupados com o fato de lidar com a continuidade de uma matéria a qual não acompanhamos a introdução e boa parte do desenvolvimento, já em curso há, pelo menos, três meses antes do estágio.

O próprio conceito de gênero texto de opinião é problemático por ser muito “genérico” - no mau sentido - podendo designar vários tipos de textos diferentes, ou seja, é um gênero que precisa de especificidade. O citado termo é adotado nos Cadernos do Estado de São Paulo. Veja, por exemplo, a introdução do volume 3, do 8º ano, p.08, a seguinte expressão:

Um objetivo a ser alcançado no semestre seria reconhecer, em situação discursiva, elementos organizacionais e estruturais caracterizadores da tipologia ‘argumentar’ e do gênero texto de opinião[5].

 

Na página seguinte, elencam-se o “gênero texto de opinião” e a “tipologia argumentativa” como assuntos a serem trabalhados no penúltimo bimestre letivo.

Como procuramos mostrar, parece haver um problema no manejo do conceito de “texto de opinião” enquanto gênero, na medida em que, em certos momentos, ele é empregado como se designasse algo específico, e, outras vezes, como se fosse um gênero maior que abarcasse vários outros subgêneros.

Na página 30 do Caderno do Professor (vol.3), está prevista uma atividade de “reescrita do texto de opinião”, a qual designa um manifesto que os alunos deveriam escrever para a direção da escola, tentando-a convencer a mudar os planos referentes à formatura do 8ª ano (em uma situação simulada).

No volume 1 do Caderno do Estado, por sua vez, o texto de opinião não é abordado como um termo específico, podendo se relacionar a vários outros gêneros. Ao abordar o tema da violência em uma letra de música, em uma crônica e em uma imagem, procura-se mostrar que um assunto pode ser abordado em diferentes tipos de textos, mas, dependendo da intenção e do efeito almejado, é necessário escolher um gênero e não outro.

Observe a instrução do Caderno do Aluno, p.17, vol.1:

Após as discussões sobre a coletânea de textos aqui apresentada, é preciso que vocês se posicionem formalmente sobre o tema comum a eles, considerando o que realmente aprenderam. [...] Certamente vocês notaram que o tema é abordado em diferentes gêneros textuais, mas que, por ser polêmico, “obriga” os autores a tomar uma posição sobre as controvérsias resultantes. Quem toma uma posição a defende com argumentos. Assim como os autores, é o que vocês farão nessa sequência de atividades: assumir um ponto de vista sobre o tema e defendê-lo, usando argumentos para convencer seus interlocutores.[6]

 

Apesar de todas as tentativas de aproximar o aluno de textos reais, distanciando estes dos chamados gêneros escolarizados, a falta de clareza da noção de gênero ou mesmo uma definição esclarecedora do termo “gênero de opinião” faz com que a produção final do aluno caia na dissertação escolar.  Ao falar sobre “tipologia argumentativa”, com seus esquemas de estruturação de argumentos, voltamos, no fim das contas, à dissertação. Por mais que no Caderno do Estado sejam abordados alguns elementos sociodiscursivos, tais como a noção de seção, o autor, o veículo de publicação e o perfil do leitor, a discussão sobre esses aspectos fica em segundo plano, concentrando-se na produção escrita do aluno: uma clássica dissertação escolar.

Rosângela Hammes Rodrigues cita o termo “texto de opinião” em seu estudo “O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita”[7]. Segundo a estudiosa, o texto de opinião, juntamente à carta do leitor, ao editorial e à resenha fariam parte do que a autora denomina “agrupamento do argumentar”[8]. Nesse estudo, Rosângela chama a atenção para o fato de que o gênero artigo é, muitas vezes, utilizado sem muita especificidade, nomeando diferentes gêneros textuais. Este faria parte do que a autora chama de gêneros opinativos (na área jornalística), que englobaria editoriais, artigos, resenhas e cartas[9].

A partir dessa observação de Rodrigues, podemos perceber que o texto de opinião refere-se a um conjunto de gêneros e não a um gênero único. No decorrer dos volumes 1, 2 e 3 do Caderno do Estado de São Paulo são abordados os gêneros debate, resenha, carta de leitor etc, mas de maneira confusa, fazendo com que o aluno preocupe-se mais em “dissertar” e menos em compreender as especificidades e implicações desses diferentes gêneros na sociedade. Dessa forma, o que fica para o aluno são os esquemas da “tipologia argumentativa”: o material propõe situações polêmicas nas quais o aluno poderia manifestar sua opinião, mas não propõe possibilidades de vivência que se desgarrem das simulações:

A abordagem de assuntos controversos, estratégia usada para o exercício da dissertação escolar — em que muitas vezes o resultado se resume ao elenco de argumentos a favor ou contra determinado assunto, em que o texto final carece de feições genéricas, de engajamento enunciativo, ou seja, trata-se de um gênero escolarizado —, assume outra dimensão quando são criadas as condições de produção para que o aluno se posicione discursivamente[10].

 

Segundo Rodrigues, a criação de um jornal na escola geraria condições para o aluno posicionar-se, efetivamente, como autor[11], assumindo uma voz social que, por sua vez, seria replicada por leitores reais, indo além da leitura do professor realizada no âmbito da sala de aula. Assim, haveria uma verdadeira significação do assunto para os discentes, na medida em que propiciaria a democratização de um lugar social de escritor, cuja voz, geralmente, é dada apenas às classes hegemônicas[12]. A abordagem de gêneros puramente escolarizados conduz ao “letramento funcional”[13], no qual o estudante comporta-se de maneira passiva, geralmente, como espectador e não como interlocutor real.[14]

Nas aulas observadas durante o estágio, o texto de opinião foi tratado nas seguintes datas: 21.09.2009, 23.09.2009, 28.09.2009, 30.09.2009, 05.10.2009, 14.10.2009, 23.10.2009, 28.10.2009, 30.10.2009, 04.11.2009, 06.11.2009, 09.11.2009 e 13.11.2009. Então, podemos dizer que, em 13 ocasiões, o assunto foi cobrado, assim como na regência, excluindo a já citada prova do SARESP.

A seguir será elaborado um resumo de algumas sistematizações da professora Luciana*, que podem ajudar a compreender a maneira como o texto de opinião foi ensinado nas aulas:


Aulas de 21.09.2009: “Escrevendo parágrafos argumentativos”. Os alunos leem o texto informativo-opinativo Narguilé, a nova fronteira do tabagismo

Fonte: http:www.brasilwiki.com.br.noticia.php?id_noticia=6849. 


Aulas de 23.09.2009 e 28.09.2009 - (continuação): “Produção de parágrafos argumentativos”. Nessas aulas, os alunos produzem os textos. Sistematização fornecida pela docente na lousa:

1ª parte: Parágrafo introdutório: apresente o tema ao leitor, expressando marcas de sua opinião.

2ª parte: Parágrafo de desenvolvimento do tema: vocês devem escrever um motivo ou uma razão que explique a opinião que tem sobre o tema (um argumento por parágrafo), observar se o argumento escolhido é coerente com a posição definida sobre o tema.


Aulas de 30.09.2009: Finalização do texto de opinião.


Aulas de 05.10.2009: Exibição do filme Juno, sobre gravidez na adolescência. Os alunos só assistem. Não há discussão.


Aulas de 14.10.2009: A professora propõe um roteiro de perguntas a respeito de artigos que debatem o racismo: O racismo como consequência, de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, publicado no Jornal Folha de São Paulo, de 18.11.2006; e O tempo não para, de Mary Del Priore, publicado no Jornal Folha de São Paulo, de 18.11.2006:

1. O que compreenderam?

2. tema

3. autores

4. onde foram publicados?

5. perceberam o nome da seção dos textos?

6. este dado ajuda “coerentemente seu percurso identificando facilmente os   temas discutidos nele?”


Aulas de 23.10.2009 e 28.10.2009: Foram lidos os textos jornalísticos publicados na Revista da Semana: A nova lei do divórcio e a felicidade, de Maria Berenice Dias, e Criança, rica ou pobre, não pode trabalhar, de Hélio Bicudo. Com base nesses textos, a professora pediu para que os alunos completassem a seguinte tabela, retirada do Caderno do Estado:

                                                                  Ficha de Organização

Informações técnicas

Título, subtítulo, autor

1º parágrafo

Tema, crítica

2º parágrafo

O autor continua seu raciocínio em defesa de seu ponto de vista

3º parágrafo

Como argumento para dar continuidade à lógica de sua defesa, ele utiliza...

4º parágrafo

No último parágrafo o autor...

Conclusões a que o autor pode chegar

No final do texto, o leitor pode ser levado a questionar...


Aulas de 30.10.2009: A professora distribui textos de revistas e jornais e pede que os alunos indiquem em qual possível seção estes teriam sido publicados. A docente rasurou os nomes das seções propositalmente, para que os alunos pudessem descobri-las.


Aulas de 04.11.2009: “Produzindo um artigo de opinião”. A docente propõe uma tabela a qual os alunos devem preencher com argumentos favoráveis e contrários ao tema  “O Brasil é um país racista?”.

 

SIM

NÃO

 

 


Aulas de 06.11.2009: A professora distribui, novamente, os textos de Priore e Guimarães e, com base nestes, os alunos devem preencher a tabela apresentada na aula anterior. Durante a aula, a professora pergunta:

Exercícios: Leiam as questões a seguir e se posicionem diante do tema:

* Qual dos textos apresentou argumentos mais convincentes?

* Com qual dos textos vocês se identificaram mais? Na sua opinião, qual dos autores tem mais razão?

* Antes de ler os textos, vocês já tinham opinião formada sobre o tema “Racismo no Brasil”? Qual?

* Vocês mantiveram suas opiniões ou as modificaram, influenciados pela leitura?

* Como a leitura dos textos contribuiu para que vocês ampliassem seu modo de compreender o tema?

[As questões foram extraídas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo, 8º ano, v.2]


Aulas de 09.11.2009: Perguntas. A professora distribui cópias de texto retiradas da revista Veja. Na lousa, registra a seguinte instrução: “Leiam a matéria especial da Veja chamada “Quem cheira mata”, de 28.10.2009”. Também é proposto o texto “Saber ciências, direito de todos”, de autoria de Luiz Carlos Menezes (agosto/2009, www.ne.org.br).

1. Qual é a função do gênero artigo de opinião?

2. Este tipo de gênero é publicado em quais veículos de comunicação?

3. A organização do discurso está escrito geralmente em que pessoa, 1ª ou 3ª?

[As perguntas são retiradas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo].

 

Os alunos também copiam o seguinte texto, para responder outras questões pertinentes ao uso das aspas no texto de opinião:

Na hora de comprar jornais e revistas você logo pensa na banca da esquina, certo? Não necessariamente. Nos últimos anos, a modernização do negócio levou algumas bancas a trocar velhos quiosques de alumínio por outro espaço — as lojas.

Uma das mais antigas do país, a revistaria Di Donato, fundada em 1988, na rua Fradique Coutinho, também em Pinheiros, abriu as portas após reforma de um ponto de família. Hoje, o dono, Victor Antonio Di Donato, não tem do que reclamar [...] “Não dá para ficar rico, mas consigo pagar minhas contas, as dos outros dois sócios e ainda manter um empregado’, afirma Di Donato. Segundo ele, numa revistaria o cliente se sente à vontade para ficar mais tempo e, assim, acaba gastando”. (WANDICK, D. A banca revista. Revista Exame).

1)        Em sua opinião, qual é o objetivo de o texto citar entre aspas o que o Sr. Di Donato disse?

a)        comprovar as vantagens da revistaria com um depoimento de quem entende do negócio.

b)        Demonstrar que quem é dono de revistaria jamais consegue enriquecer.

c)        Explicar o motivo de as antigas bancas de jornais e revistas estarem falindo.

d)        Incentivar os leitores a comprar sempre em antigas bancas de jornais por serem mais confiáveis.

 

Aula do dia 13.11.2009: Filme Duelo de Titãs, sobre o racismo. Não há uma discussão sobre o filme. Serve apenas como repertório para a Semana de Consciência Negra.


 Como é possível observar no resumo das aulas, a professora aborda, conforme prevê o Caderno do Estado, elementos sociodiscursivos pertinentes à ideia de gênero, como a noção de autoria, lugar de publicação, a compreensão do que é uma seção dentro de uma revista ou jornal. No entanto, se resume a um exercício de localização de elementos, não partindo muitas vezes para uma seleção, compreensão e interpretação do aluno.

 

2.2    Descrevendo o Projeto de Ensino

 

Como dissemos em algumas passagens deste artigo, a professora cujo trabalho acompanhamos propôs que, no estágio, ocorresse a continuidade dos estudos acerca do gênero texto de opinião com os alunos, sobretudo porque este seria um tema exigido pela avaliação do SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, que aconteceria no final do bimestre (novembro/2009).

O terceiro volume do Caderno do Estado de São Paulo sugeria a política como o tema a ser trabalhado em textos de opinião, em debates e manifestos. No entanto, como a matéria estava atrasada e a produção que o SARESP exigia seria escrita, e não oral, a professora achou melhor abandonar o tema sobre política, por considerá-lo pouco interessante no momento para os alunos, e incentivar as produções escritas, deixando o debate oral para outra ocasião.

Já havíamos montado o corpus para o tema sobre política quando a docente pediu que trabalhássemos a questão do “Dia da Consciência Negra”, solicitado pela coordenação da escola. Dessa forma, eu trabalharia com um tópico de Língua Portuguesa que os alunos já conheciam, porém, acrescentando um novo tema polêmico. O Projeto proposto foi o seguinte:

 

Objeto: Trabalho com o gênero texto de opinião

Tema: A imagem do negro na sociedade brasileira – uma discussão no mês da Consciência Negra.

 

Dados gerais sobre o contexto do Estágio

Escola: Estadual, localizada na zona oeste da cidade de São Paulo

Série: 8º ano – turmas B e C

Professora: Luciana*

Previsão de período do estágio: de 21.9.2009 até, aproximadamente, 25.11.2009

 

II  Sobre o Projeto de Ensino

2.1  Objeto de ensino da intervenção: gênero texto de opinião

2.2  Práticas de linguagem: leitura, escrita e oralidade

2.3  Série: 8º ano

2.4  Total de horas da intervenção: 6h em cada turma (12h no total)

2.5  Dias da semana e turnos da intervenção: segundas, quartas e sextas-feiras,
no período matutino

2.6  Instrumentos (materiais) didáticos: cópias, giz e lousa

2.7  Textos selecionados para a intervenção:

GUIMARÃES, A. S. A. O racismo como conseqüência. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

  • PRIORE, M. D. O tempo não para. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

  • Tirinha da Mafalda, de Quino.

    • Texto ‘Diminuem as manifestações de preconceito “assumido” entre brasileiros’. Folha de São Paulo.
    • Texto ‘”TV vive momento de reconstrução da inserção do negro”, diz Lázaro Ramos’. Folha de São Paulo.
    • “O embondeiro que sonhava pássaros”, conto do moçambicano Mia Couto.

 

           2.2.1  Pressupostos

 

Entre os temas trabalhados, surgiram, na aula do dia 19.10.2009, dois artigos opinativos que questionavam se era possível existir racismo no Brasil hoje em dia. Levando em conta que os alunos já haviam sido inseridos no contexto dos textos de opinião, e que era desejo da professora que esse objeto fosse tratado devido às atividades de comemoração do Dia de Consciência Negra (20.11), iniciamos uma sequência didática resgatando o tema; para tanto, partimos dos textos sobre racismo já trabalhados pela docente em aulas anteriores (memória didática), de forma a introduzir alguns novos textos do gênero para auxiliar na discussão e na reflexão sobre a imagem do negro no Brasil atual, tendo em vista uma produção escrita final que os alunos produziriam: um texto do gênero em questão.

A sequência previa um trabalho desenvolvido durante aproximadamente seis aulas em cada uma das duas turmas observadas:

 

2.2.2   Cronograma


Atividade da Aula 1:

Introdução: a estagiária explica o objetivo da atividade e comenta, brevemente, o Dia da Consciência Negra (recurso oral)

Recuperação oral dos textos sobre racismo trabalhados pela professora em 19.10.2009: “O racismo como conseqüência”, de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, e “O tempo não pára”, de Mary Del Priore.

Atividade de compreensão utilizando a tirinha de Mafalda, de Quino, acerca do racismo e comentários sobre o discurso politicamente correto sobre o assunto.

Discussão oral, buscando relacionar a HQ com as abordagens dos textos de Priore e Guimarães.

Material usado: cópias da HQ de Mafalda.


Atividades da Aula 2:

Leitura em voz alta feita pela sala do texto jornalístico “Diminuem as manifestações de preconceito “assumido” entre brasileiros”, publicado também pela Folha de São Paulo.

Proposta de pequeno roteiro de exercícios escritos que exploram a construção da opinião no texto.

Material usado: cópias do artigo jornalístico.


Atividades da Aula 3:

Leitura em voz alta (feita pela professora) do artigo “TV vive momento de reconstrução da inserção do negro, diz Lázaro Ramos”. Os alunos acompanham a leitura com cópias distribuídas.

Discussão: perguntar aos alunos quais foram as passagens do texto que mais chamaram a atenção.

Atividade de compreensão do texto (oral): como os argumentos contra e a favor, relacionados ao assunto, são distribuídos no texto.

Material usado: cópias do artigo jornalístico.


Atividades da Aula 4:

Breve retomada do gênero de opinião, trazendo exemplos dos textos sobre preconceito já trabalhados.
Proposta de produção de texto do gênero artigo opinativo, com o tema “A imagem do negro no Brasil atual”

Material usado: giz e lousa.


Atividades da Aula 5:

Parte da aula será ocupada pela tarefa de término da produção de texto. A estagiária esclarecerá as dúvidas dos alunos e, posteriormente, analisará redações deste.

Atividade extra: leitura do conto “O embondeiro que sonhava pássaros”, do autor moçambicano Mia Couto. O texto explora a intolerância racial nos territórios portugueses na África. A estagiária lerá o texto para os alunos para que conheçam um pouco sobre a literatura africana em Língua Portuguesa e vejam os temas “racismo” e “imagem do negro” tratados literariamente. Essa atividade foi sugerida pela docente.

Material usado: cópia do conto


Atividades da Aula 6:

Discussão oral de trechos tirados das produções textuais dos alunos. Dependendo do andamento das aulas, a atividade com o texto literário, citada na aula cinco, poderá ser deslocada esse momento. A estagiária será responsável por providenciar as fotocópias usadas.

Material usado: cópias com excertos selecionados.


         O tempo previsto para a regência foi prejudicado pelos feriados. Por essa razão, os alunos não tiveram a oportunidade de reescrever suas produções.


3  A intervenção didática


3.1  Descrevendo as práticas de intervenção

 

Inicialmente, pretendia recuperar, durante a regência, os textos de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, “O racismo como consequência”, e de Mary Del Priore, “O tempo não pára”. Isso seria feito na 1ª aula, no entanto, a professora Luciana* procurou adiantar essa tarefa em uma aula dela, prevendo que introduziríamos o tema “Consciência Negra”; isso ocorreu, também, devido ao tempo restrito, pois já era final de semestre.

Dessa forma, os textos já trabalhados em 14.10.2009 foram retomados pela professora em 06.11.2009, quando ela propôs o seguinte roteiro de perguntas, já citado neste trabalho:

Exercícios: Leiam as questões a seguir e se posicionem diante do tema:

* Qual dos textos apresentou argumentos mais convincentes?

* Com qual dos textos vocês se identificaram mais? Na sua opinião, qual dos autores tem mais razão?

* Antes de ler os textos, vocês já tinham opinião formada sobre o tema “Racismo no Brasil”? Qual?

* Vocês mantiveram suas opiniões ou as modificaram, influenciados pela leitura?

* Como a leitura dos textos contribuiu para que vocês ampliassem seu modo de compreender o tema?

[As questões foram extraídas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo, 8º ano, v.2]

 

Em 13.11.2009, iniciamos a regência, primeiro no 8ºB. Fizemos uma introdução sobre o significado do feriado da Consciência Negra, procurando verificar quais eram os conhecimentos dos alunos sobre a data. Tentamos estimulá-los com perguntas como “Por que se comemora o dia de Consciência Negra?” e “Por que a data escolhida foi 20 de novembro?”. Percebemos que os alunos confundiam 13 de maio com 20 de novembro e que, a maioria deles não conhecia a história de Zumbi. Perguntamos se não é estranho um evento como a resistência de Palmares ter pouco espaço nos livros didáticos. Pareceu interessar-lhes o potencial “épico” de Zumbi. Comentamos que está havendo um movimento de revisão da história, das artes e da literatura no Brasil, que está incluindo as manifestações afro-brasileiras nos currículos universitários e nas escolas. O tema das cotas no vestibular emergiu nos comentários.

Procuramos lembrar-lhes que as atividades do estágio estavam vinculadas aos textos de Priore e Guimarães utilizados pela docente e que, também, era uma resposta ao pedido da coordenação de desenvolvimento de estudos sobre o feriado de 20 de novembro. Esperava, com isso, mostrar-lhes que não se tratava de uma regência que interessava somente aos interesses burocráticos do estágio.

A seguir, propomos como atividade inicial, algumas perguntas relacionadas a uma tirinha da personagem Mafalda, do argentino Quino[15]. A tarefa tinha como objetivo dar continuidade à introdução do tema e fazer com que os estudantes estivessem preparados para o estudo sobre o texto jornalístico a ser trabalhado na sequência, uma vez que o tema “preconceito velado” aparece tanto na tira de Mafalda quanto na reportagem. Os alunos participaram sem problemas, respondendo às perguntas.

A mesma aula foi ministrada para o 8ºC naquele dia. Depois da introdução sobre o sentido do feriado e do exercício com a tira de Mafalda, os alunos terminaram de ver o filme Duelo de Titãs, sobre uma história de racismo nos Estados Unidos, uma vez que tinham mais uma aula; tal atividade não estava na programação da regência, mas foi preparada pela professora Luciana* para complementar.

Ainda em 13.11.2009, tivemos mais uma aula com no 8ºB. Lemos em voz alta o texto “Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros”[16], publicado pela Folha de São Paulo. Tal texto dava sequência ao tema “preconceito velado contra os negros”, aludido na tirinha de Mafalda. Visto que a professora pediu que o produto final da sequência de intervenção didática fosse um “texto de opinião”, sugerimos que lessem o texto, selecionassem trechos julgados interessantes e os copiassem no caderno; isso poderia servir como citação nos textos que produziriam posteriormente. A intenção dessa atividade era verificar se os estudantes saberiam citar (diferenciar sua voz e a voz do outro, ou se apropriar desta) e quais seriam os critérios de seleção no texto; dependendo do recorte e do uso que se daria a ele, poderíamos entender o posicionamento do aluno perante o texto.

Em 16.11.2009, avançamos com o 8ºB na leitura do texto jornalístico “’TV vive momento de reconstrução da inserção do negro’, diz Lázaro Ramos”, também publicado pela Folha de São Paulo. A intenção dessa leitura era aumentar o repertório dos alunos sobre o tema e direcioná-los, aos poucos, para o tema da produção de texto final: a imagem do negro na mídia. Reparem que partimos dos textos de Priore e Guimarães, que tratavam da existência do racismo no Brasil, para a tirinha e um segundo texto os quais já delimitavam mais o tema, tratando do “racismo velado”, para, por fim, abordar a representação do negro na mídia.

Como ressalta Rosângela H. Rodrigues[17], “a divisão entre jornalismo informativo e opinativo é uma classificação de caráter teórico-metodológico”, na medida em que não existe reportagem puramente objetiva (isto é, sem marcas de opinião). Para Rodrigues, “A sua escolha, seu lugar no jornal já são atos de avaliação”[18]. Por isso, trabalhamos com um texto que não era explicitamente opinativo como um editorial ou artigo de debate. Quando o repórter privilegia certas falas de entrevistados em detrimento de outras (por mais que não as omita), de certa forma indica uma tendência particular em encarar um assunto. Nessas escolhas, ainda que implicitamente, está marcada uma ideologia.[19], e desenvolver com os alunos essa percepção é um trabalho complexo. Na avaliação do Projeto mais adiante comentaremos os resultados da atividade.

O mesmo texto foi lido pelos alunos do 8ºC. Antes de partir para um rascunho de seus textos de opinião, os alunos foram estimulados a citar personalidades negras das quais se lembravam (na mídia, nos esportes etc).

Em 23.11.2009, o tempo da aula foi destinado ao seguimento da produção do texto de opinião sobre a imagem dos negros na mídia. Vale ressaltar que a última aula havia ocorrido em 16.11.2009; nesse intervalo, houve feriados e o adiamento da prova do SARESP, portanto, alguns estudantes demoraram um pouco para recuperar o ritmo de estudos.

Tentamos recorrer à rememoração de nossas atividades, dos pressupostos do texto de opinião (aqui, veremos, deveria ter sido mais elucidado) no gênero dissertação e escrevemos na lousa mais uma vez as orientações:

Finalização da redação

Tema: A imagem do negro na mídia na música, em filmes, em novelas, nos esportes ou em comerciais

Vocês fizeram o rascunho em dia 16.11.2013. O texto deve ter aproximadamente 15 linhas e estar de acordo com o gênero opinativo.

A versão final deve ser entregue.

 

No 8ºC, a tarefa foi semelhante; no entanto, a sala envolveu-se mais prontamente à tarefa, não sendo necessário que levássemos muito tempo com a rememoração das atividades anteriores e da proposta de texto a ser produzido. A turma participou ativamente, pedindo auxílio e tirando dúvidas com a estagiária. Como haviam aulas “dobradas” nesse dia, no fim das aulas lemos dois contos do angolano Ondjaki; apesar do objeto literário não articular-se facilmente com o gênero texto de opinião em uma sequência de aulas tão curta, trabalhamos com os alunos a pedido da professora para que estes tivessem algum contato com uma produção literária sobre os negros.

Como havia marcas de oralidade na escrita de Ondjaki, visto que o narrador é uma criança, procuramos salientar tal característica (informalidade) para os alunos, trabalhando esse texto literário em contraste com o do gênero dissertativo (formal). Ressaltamos a presença de marcadores conversacionais na obra Os da minha rua como “tipo” e “que que”; dissemos aos alunos que essas expressões podem ser utilizadas na escrita, mas que não cabem em todas as ocasiões. O conto O bigode do professor de geografia exibia palavrões os quais fizemos questão de ler para mostrar que a escrita literária permite diversos usos, dependendo das necessidades da narrativa.

Inicialmente, havíamos selecionado o conto O embondeiro que sonhava pássaros, do moçambicano Mia Couto. No entanto, acabamos substituindo-o pelas narrativas de Ondjaki, que tratavam da adolescência em Angola; as preocupações do protagonista, um garoto com idade similar a dos alunos, poderia ser interessante para a classe, pois pretendíamos abordar os preconceitos contra o continente africano.

Antes de ler os textos, perguntamos à sala qual era a primeira imagem que lembravam quando alguém dizia “África” ou “africano”. Esperávamos ouvir falar em zebras, guerras, AIDS; e, de fato, isso ocorreu. Muitos achavam que o continente africano era um país; desenhamos um mapa na lousa, mostrando Brasil, Angola, Moçambique e Portugal, ou seja, alguns países que falam a Língua Portuguesa; foi uma surpresa para eles saber que, em alguns países da África, fala-se a mesma língua que no Brasil[20].

Lemos As primas do Bruno Viola[21], conto sobre os primeiros flertes de um menino em Luanda; s saias jeans, o refrigerante Fanta e a presença de indianos em uma festinha infantil mostram um cotidiano muito próximo ao brasileiro, desmitificando que nos países africanos só há tribos vestidas de peles. De modo geral, os alunos envolveram-se mais com esse conto, bastante divertido. Na sequência, lemos O bigode do professor de geografia, no qual é narrado o cotidiano em uma escola angolana.

No 8ºB somente conseguimos dar essa aula sobre os contos de Ondjaki em 25.11.2009. Os alunos pareciam ter aproveitado. Nas duas ocasiões, divulgamos o e-mail e a página de Ondjaki na internet. Com essa atividade, pretendemos mostrar que os autores de literatura não são apenas “pessoas que já morreram”, como muitos pensavam.

Infelizmente, a regência teve que ser terminada nesse ponto. Nas aulas seguintes, os alunos já estavam fazendo as provas finais e muitos começavam a faltar em massa nas aulas de fim de ano. Com isso, ficou faltando mais uma aula importante que pretendíamos dar: uma resposta às produções dos alunos, propondo-lhes a reescrita.

As aulas de intervenção ministradas foram:

 

8ª ano B

8ª ano C

13.11.2009

13.11.2009

13.11.2009

16.11.2009

16.11.2009

16.11.2009

23.11.2009

23.11.2009

25.11.2009

23.11.2009

Total: 5 aulas

Total: 5 aulas

 

3.2    Considerações sobre o Projeto implementado

 

Sobretudo no início da regência foi bastante importante o auxílio da professora Luciana*, que acompanhou-nos tentando mostrar para a sala que a atividade da regência tinha ligação com o cronograma da disciplina de Língua Portuguesa do bimestre. Seu poder de atribuir nota parece ser um emblema que legitima o processo, inclusive cobrado pelos alunos; tudo o que fazem deve ter um visto que confira, ao menos, um ponto de participação na nota. Eles cobraram isso a todo o momento.

Acostumados a ministrar aulas em cursinhos, sentimos grande diferença em uma sala de aula de Ensino Fundamental; e não atribuímos isso apenas à indisciplina dos alunos. Percebemos que temos pouca potência vocal para trabalhar no ritmo deles; aos poucos, conforme a regência avançava e eles iam aceitando a presença da estagiária em substituição à presença da professora, nossa confiança foi aumentando, ou eles entraram em meu ritmo, que era diferente do da docente Luciana*. Mesmo nos cursinhos, esse elo com o aluno é trabalhado ao longo do tempo e a aula inicial é importante para estabelecer pactos de ambas as partes.

 

3.2.1    Resultados das atividades

 

Faremos, então, algumas observações pontuais acerca dos resultados de alguns exercícios aplicados e dos textos produzidos pelos alunos.

Ao trabalhar com os exercícios baseados na tirinha de Mafalda[22] e ao auxiliar nas dúvidas dos alunos, percebemos que estes sentem necessidade de enunciados absolutamente transparentes; qualquer vocabulário que esteja fora de uso cotidiano provoca pânico. Não foi nossa intenção escrever enunciados “rebuscados”, e julgamos que é, também, tarefa do professor de Língua Portuguesa o incremento do vocabulário dos alunos, o que deve ser feito gradualmente ao longo do processo. Talvez o fato de a professora ter o hábito de parafrasear oralmente os enunciados escritos na lousa tenha tornado-se uma espécie de “vício” antes de executarem as tarefas.

Na questão 1, perguntamos se o ato da personagem era coerente com sua fala, uma vez que havia uma ambiguidade entre eles. Por não entenderem o termo “coerente”, vimos, nas respostas dos alunos, que haviam compreendido, na tirinha, o contraste entre atitude e discurso, mas respondiam apenas “Sim, são coerentes”. Muitos entenderam um sentido oposto no vocábulo apresentado; porém, a justificativa revelava que a sala, em geral, havia percebido o conflito na personagem.

Algo similar aconteceu na questão 6, na qual perguntamos se o que predominava no Brasil era o preconceito explícito ou o preconceito velado; eles desconheciam esses adjetivos. Conforme os alunos tiravam as dúvidas, creio que esse problema foi resolvido ali mesmo na orientação, enquanto revelam as respostas produzidas. Todavia, o comando da questão exigia que justificassem sua resposta, o que não aconteceu; muitas vezes as respostas foram: “Predomina o preconceito explícito, na cara” ou “Há mais preconceito escondido, dissimulado”.

Já na questão 3, esse problema aconteceu por falha da estagiária. Elaboramos o seguinte comando: “Ela tem consciência de que seu comportamento contradiz suas palavras?”. Em algumas respostas, também predominou o “sim” ou “não”; porém, no enunciado, não havíamos solicitado justificativa.

Por fim, na questão 5 os alunos deveriam descrever como era a aparência das bonecas e bonecos quando eram crianças e por que eles acreditavam que tais brinquedos eram dessa maneira. Em alguns casos, vimos que os alunos falavam sobre a própria aparência. Não sei se o enunciado estava mal formulado ou se foi desatenção por parte deles, ao ler a questão:

Enunciado criado pelo estagiário: Quando você era criança, como costumava ser a aparência física (cabelo, cor dos olhos e da pele etc) de suas bonecas ou daquelas pertencentes aos seus amigos?

 

Finalmente, ainda sobre a aplicação de exercícios referentes a essa tirinha, houve um único caso de interpretação dúbia, mas como o julgamos interessante, passo a comentá-lo:

Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com seu discurso sobre racismo? Comente.

 

Uma aluna leu o trecho “é coerente com seu discurso sobre racismo?” interpretando o pronome possessivo de maneira ambígua, pensando que se referia à sua própria opinião (da aluna); e ela estava certa. O enunciado deveria ter sido escrito da seguinte forma, para evitar ambiguidades:

Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com o discurso que ela expressa sobre racismo?”[ou mesmo ter substituído o pronome “seu” por “dela”].

 

A partir daqui, comentaremos o trabalho de leitura com os textos jornalísticos Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros[23] e TV vive momento de reconstrução da inserção do negro, diz Lázaro Ramos”[24], ambos publicados na Folha de São Paulo. Ao lermos o primeiro texto em voz alta, um aluno incomodou-se muito com o seguinte trecho:

Trecho do texto analisado: Segundo o Datafolha, quanto maior a escolaridade, menor a manifestação de preconceito. Entre a população com nível superior, apenas 5% concordam que negros só sabem fazer bem música e esporte. Entre os que não passaram do fundamental, a proporção é de 31%.

 

O aluno havia entendido a passagem como uma afirmação com a qual o repórter concordava, e ofendeu-se. Procuramos explicar que o recurso do autor era justamente o contrário; que, na verdade, o jornalista tinha consciência de que um juízo segundo o qual os negros seriam capazes de participar apenas de atividades como esportes e música é uma manifestação de preconceito. Como a sala havia entendido isso, espontaneamente, ajudaram-me a convencer o estudante.

Porém, quando propomos que selecionassem trechos do texto para serem usados no futuro texto de opinião a ser produzido, percebemos que muitos escolheram o seguinte excerto como manifestação do discurso de elogio ao mérito pessoal:

Trecho mais selecionado: Os pretos se sentem mais discriminados, mas são eles também os que mais acreditam no esforço pessoal. “Somos uma sociedade que tem optado por não marcar o sentimento da vida a partir da raça", diz ela, citando o dado de que 71% dos pretos concordam que, se um pobre trabalhar duro, melhorará de vida. Entre brancos, o percentual é de 67%.

 

No citado trecho, uma antropóloga da UFRJ apresentava tal informação como um retrocesso na questão da consciência histórica quanto ao papel do negro no Brasil. O discurso do mérito individual desconsidera todo um passado de escravidão e exclusão social, depositando a responsabilidade unicamente no sujeito. Tentamos trabalhar isso com a sala, perguntando se o texto dizia que os negros eram mais esforçados, e eles confirmaram. Insistimos, tentando explicar o contexto descrito, mas a professora reafirmou a posição dos alunos, elogiando o mérito individual como saída para os negros.

Como ela era uma autoridade maior na sala e havia trabalhado esse juízo ao longo do ano com a turma, encerramos a discussão no momento. Já havíamos visto um texto da revisa Veja que a docente usou na avaliação dos alunos o qual ia ao encontra dessa mesma idéia; em conversas posteriores com a professora, vimos que esta, realmente, defende tal ponto de vista, portanto, seria necessário mais tempo para trabalhar essa “sutileza” ideológica e, devido à ausência de tempo, tivemos que dar sequência ao cronograma.

Para não me estender demais, passaremos a comentar os resultados dos textos produzidos pelos alunos[25]. Alguns deles utilizaram os trechos selecionados na reportagem citada. Porém, houve muitos problemas no que tange ao manejo da citação; eles não compreenderam a função das aspas para demonstrar a distinção entre a própria voz e aquela enunciada pelo outro, dessa forma, incorporavam a opinião alheia sem distingui-la de sua própria opinião. Até mesmo citações são difíceis para eles, que não aprenderam satisfatoriamente a fazer paráfrases. O ensino de paráfrases e de citações seria um bom conteúdo a ser abordado com aqueles alunos. Como estavam aprendendo o gênero texto de opinião há meses, acreditávamos que tais tópicos haviam sido assimilados.

Além disso, dada a própria definição oscilante do texto de opinião, que ora se aproxima do texto informativo, ora do texto dissertativo e de outros mais, vários alunos acabaram por compor perfis/biografias de personalidades negras na TV, fugindo da proposta que era avaliar a imagem do negro na mídia. Recursos biográficos poderiam ser usados desde que com a finalidade de ilustrar um ponto de vista; assim, mais um ponto propício a ser trabalhado se revelou.

Outra dificuldade discente diz respeito à delimitação do tema. A proposta foi discorrer sobre a imagem/representação do negro na mídia e algumas redações acabavam sendo “generalizantes”, atendo-se ao racismo de modo geral. Também percebemos, ao ler os textos, que o conceito de introdução em um texto para eles não estava satisfatoriamente sedimentada; muitos dos pedidos de orientação durante a composição do texto foi nesse sentido. Por fim, o uso acentuado de marcas de oralidade (pronomes, gírias etc) mesclava-se aos vocábulos que indicavam a tentativa de fazer um texto formal.

Vale ressaltar que, em diversas produções, o que era interpretado pelos alunos como uma possível imagem positiva do negro na televisão era o poder aquisitivo. Rodrigues[26] lembra que, ao discutir as produções dos alunos, os problemas não se reduzem a deficiências ortográficas e gramaticais, mas também ao aprofundamento de percepções acerca das ideologias ali embutidas.

Todo esse potencial de discussões a ser trabalhado, infelizmente, foi atrapalhado por diversos contratempos como a proximidade do fechamento do ano letivo, os feriados, a gripe suína, a pequena duração do estágio e a pouca experiência da estagiária. O “saldo” final da aplicação deste Projeto foi perceber tais questões, de modo a considerá-las em uma futura experiência em sala de aula.

 

Considerações Finais

 

O estudo de gêneros pretende legar à escola um incremento, que se abre à “unidade real da comunicação discursiva”[27], ou seja, aos textos de autêntico uso nas circulações sociais, e não apenas aos textos “escolarizados”, criados esquematicamente para o aprendizado. Todavia, a instituição escolar ainda compreende a “tipologia argumentativa” como um sinônimo do texto dissertativo tradicional: seu discurso é moderno, mas sua finalidade é conservadora.

O gênero “dissertação” foi combatido como um emblema dos textos “escolarizados”, distantes das práticas correntes no cotidiano social[28], mas as provas tradicionais, como a do SARESP e as dos vestibulares, acabam por priorizá-lo em suas avaliações. Conforme ressalta Rodrigues, assim como o aluno deve aprender gêneros de uso corrente para seu sucesso social, deve também aprender gêneros escolarizados (tais como a dissertação), para ser bem sucedido na escola[29]. O domínio de diferentes registros é que garante o letramento ativo.

O trabalho com o gênero texto de opinião é bastante complicado, dada a sua falta de especificidade. Isso nos mostra que o trabalho do professor de Língua Portuguesa não deve ater-se apenas aos aspectos gramaticais e ortográficos, pois a abordagem de temas polêmicos, favorecida por esse gênero, exige, também, o trabalho com as ideologias implicadas nas produções, tarefa esta que exige um longo e incessante processo; a oportunidade de reescrita dos textos pelos alunos proporcionaria a ocasião para discutir tais problemas.

 

Referências

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens, 8ª ano, Atual Editora.

COUTO, M. O embondeiro que sonhava pássaros. In: Cada Homem é uma Raça: estórias. Lisboa: Caminho, 2008.

GOIS, A. Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros. Folha de São Paulo, de 23.11.2008.

MATTOS, L. “‘TV vive momento de reconstrução da inserção do negro’, diz Lázaro Ramos”. Folha de São Paulo, de 23.11.2008.

ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007.

RODRIGUES, R. H. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In: ROJO, R. (Org.) A prática de linguagem em sala de aula: Praticando os PCNs. São Paulo: Educ. Mercado de Letras, 2002, p. 207-220.

SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Caderno do Professor - Língua Portuguesa – 8º ano do Ensino Fundamental – 1º, 2º e 3º bimestres. São Paulo: SE, 2009.

 

Sites

GUIMARÃES, A. S. A. O racismo como consequência. Folha de São Paulo, de 18.11.2006. Versão on-line.

PRIORE, M. Del. O tempo não para. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

QUINO. Tirinha/Mafalda. Disponível em http:..mafalda.dreamers.com.tirasusanita.s02.gif

 

Manuella Miki Souza Araujo

Bacharelado e licenciatura plena em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Em 2013, concluiu a dissertação de mestrado em Literatura Brasileira pelo DLCV-FFLCH-USP, intitulada “O fragmento romântico em O poema do frade”, na qual analisa os fundamentos teóricos do não-acabamento formal na poética de Álvares de Azevedo. Entre 2004 e 2009, foi professora voluntária de gramática e literatura em Língua Portuguesa no Cursinho Comunitário Pré-Universitário Gauss, em Atibaia-SP. Atualmente, é professora da rede estadual de ensino na cidade de São Paulo 

 

Anexos

 

Anexo I - Texto para introdução sobre o Dia da Consciência Negra.

 

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de Novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.

A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Apesar das várias dúvidas levantadas quanto ao caráter de Zumbi nos últimos anos (comprovou-se, por exemplo, que ele mantinha escravos particulares) o Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte forçado de africanos para o solo brasileiro (1594).

Algumas entidades como o Movimento Negro (o maior do gênero no país) organizam palestras e eventos educativos, visando principalmente crianças negras. Procura-se evitar o desenvolvimento do auto-preconceito, ou seja, da inferiorização perante a sociedade.

Outros temas debatidos pela comunidade negra e que ganham evidência neste dia são: inserção do negro no mercado de trabalho, cotas universitárias, se há discriminação por parte da polícia, identificação de etnias, moda e beleza negra, etc.

O dia é celebrado desde a década de 1960, embora só tenha ampliado seus eventos nos últimos anos; até então, o movimento negro precisava se contentar com o dia 13 de Maio, Abolição da Escravatura – comemoração que tem sido rejeitada por enfatizar muitas vezes a "generosidade" da princesa Isabel, ou seja, ser uma celebração da atitude de uma branca.

A semana dentro da qual está o dia 20 de novembro também recebe o nome de Semana da Consciência Negra.

 

Dados estatísticos

Segundo o IBGE, no Brasil os negros são correspondentes a 5% da população. Os chamados "pardos", no entanto, que são mestiços de negros com europeus ou índios, chegam a um número próximo da metade da população.

Entre a população negra jovem (especificamente no segmento de 15 a 17 anos), 36,3% cursaram ou cursam o ensino médio; entre os brancos, a parcela é de 60%. Entre aqueles que têm até 24 anos, 57,2% dos brancos haviam atingido o ensino superior, contra apenas 18,4% dos negros.

O rendimento médio da população branca no Brasil é de R$ 812,00; já a dos negros é de R$ 409,00. Entre a parcela de 1% dos mais ricos do país, 86% são brancos.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Consci%C3%AAncia_Negra

 

Anexo II - Texto usado para discutir o racismo.

GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. O racismo como conseqüência. Folha de São Paulo, de18.11.2006

Em 1998, Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant se perguntavam, em famoso libelo contra o imperialismo cultural norte-americano: "Quando será publicado um livro intitulado "O Brasil Racista", segundo o modelo da obra com o título cientificamente inqualificável, "La France Raciste", de um sociólogo mais atento às expectativas do campo jornalístico do que às complexidades da realidade?" Igual desafio me coloca a Folha.

Eu respondo sim, somos um país racista, se por racismo entendermos a disseminação no nosso cotidiano de práticas de discriminação e de atitudes preconceituosas que atingem prioritariamente os pardos, os mestiços e os pretos. Práticas que diminuem as oportunidades dos negros de competir em condições de igualdade com pessoas mais claras em quase todos os âmbitos da vida social que resultam em poder ou riqueza.

Do mesmo modo, até recentemente era difícil achar uma face negra na TV brasileira, em comerciais ou em programas de entretenimento ou informação. Casos de violência policial contra negros eram comuns, como o era a detenção de negros por suspeição ou a proibição de usarem o elevador social em edifícios residenciais.

A presença de negros nas universidades, como professores ou alunos, continua muito abaixo da proporção de negros em nossa população. Para culminar, o descaso dos poderes públicos para com os bairros periféricos ou as regiões mais pobres do país torna ainda mais sofríveis os indicadores sociais relativos a pretos e pardos.

As desigualdades raciais, ou seja, os diferenciais de renda, saúde, emprego, educação etc. entre brancos, de um lado, e pretos e pardos, de outro, são gritantes e estão muito bem documentadas. A julgar pelos resultados, portanto, somos racistas. E esse é o modo como, no mundo atual, a sociologia e as instituições internacionais definem o racismo. Não é pelas intenções, pelas doutrinas ou pela consciência racial, mas pelo resultado de uma miríade de ações e omissões.

Como funciona o nosso "racismo como conseqüência"? Desde os anos de 1940 o sabemos. Não classificamos por raça, mas por cor. Não acreditamos em grupos de descendência chamados "raças". Os nossos "grupos de cor" são abertos, podem se alterar de geração a geração, podem conviver com certa mobilidade individual. São classes, no sentido weberiano. Temos e cultivamos, portanto, classes de cor.

Mas, apesar de fronteiras incertas para o olhar europeu, não há dúvidas de que pessoas e famílias no Brasil pertencem a classes de cor bem determinadas, se fixarmos um momento no tempo. "Cores" são tão socialmente construídas quanto as "raças" e delas derivadas.

Discriminamos abertamente as pessoas por classe de cor ou de renda, por local de nascimento ou aparência física etc. Todas essas discriminações são feitas em muito boa consciência porque não acreditamos em "raças".

Não creio, entretanto, que nosso racismo seja pior, como querem alguns militantes, porque mais difícil de ser combatido e revertido. Nos últimos dez anos, melhorou o respeito aos direitos individuais, e a representação de demandas coletivas se revigorou no Brasil. Reconhecemos o nosso racismo. Isso levou a uma sensível mudança de atitude, políticas novas estão sendo testadas.

Como explicar de outro modo a implantação de ações afirmativas ou programas de inclusão social em tantas universidades públicas; a contratação de artistas e jornalistas negros pelos meios de comunicação; a criminalização da discriminação; a diminuição das arbitrariedades policiais contra os negros; o reconhecimento das terras quilombolas etc.?

Tudo isso, porém, não podia ser feito sem que um movimento social poderoso se organizasse em torno da reivindicação de igualdade racial contando com a solidariedade internacional. Um "imperialismo cultural" de conseqüências republicanas e democráticas, eu diria.

Alguns temem que as "classes de cor" se tornem "raças" pela força da lei, ou seja, pelas políticas de inclusão social e racial. Espero que se dê algo bem diferente: se eficientes, essas políticas podem dissolver o racismo que subsiste sob as classes de cor.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, 57, Ph.D em sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison, é professor titular do Departamento de Sociologia da USP. É autor, entre outras obras, de "Racismo e Anti-Racismo no Brasil" e "Classes, Raças e Democracia"


Anexo III - Texto utilizado para discutir o racismo. O Brasil é um país racista? NÃO

 

O tempo não pára

A PALAVRA "raça" surgiu nos finais do século 15 para designar as famílias reinantes na Europa. Sinônimo de linhagem, demorou 200 anos para ganhar outro sentido: grupo que se diferenciava por um conjunto de caracteres hereditários.

Em Portugal, no século 18, não constava dos dicionários, embora os descendentes de judeus, considerados gente de "raça infecta", fossem proibidos de ter acesso a cargos públicos. Estatutos, denominados "de pureza de sangue", foram depois estendidos a ciganos, indígenas e afrodescendentes e tinham a ver com a desigualdade assentada na religião.

É no século 19, com Gobineau, autor de "Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas", que a noção de raça, associada às características físicas e a um passado comum, ganhou força. Dicionarizada nos anos 30, a palavra "racista" vai se referir à teoria da hierarquia das raças, que pregava a necessidade de preservar a raça superior de todo cruzamento e o seu direito de dominar as outras. "Mein Kampf" foi o evangelho do racismo.

No século 19, despontou uma disciplina encarregada de estudar o problema. A antropologia designava, então, a arte de avaliar a cor da pele, medir crânios e definir raças. Debate antigo agitava a área: a origem da espécie humana seria única ou múltipla?

Foi recusando a heterogeneidade das "raças" humanas que seus fundadores se deram um problema para pensar: se a humanidade era una, como identificar, classificar e justificar a variedade dos modos de vida dos grupos humanos? Hierarquizando as culturas, justificando as invasões coloniais e valorizando o racismo, muitos pioneiros acabaram dividindo o mundo entre "civilizados e primitivos".

No Brasil, tais concepções chegaram tarde. A simples introdução da categoria "cor" nos censos do império gerou protestos, e apenas aos finais do século é que intelectuais brasileiros se interessaram pelo tema. Ante a questão da mistura étnica que marcou a nossa formação, o que fazer?

Nina Rodrigues e Silvio Romero buscaram mapear as contribuições da "raça negra" a nossa formação. E muitos intelectuais inverteram as interpretações que previam a "degeneração da raça" como resultado da mestiçagem, apostando, ao contrário, que, graças à imigração européia, o branqueamento seria a solução.

Se essas conclusões fortaleceram preconceitos num momento em que os últimos escravos estavam sendo libertados, elas não estabeleceram fronteiras raciais nítidas entre as pessoas, pois valorizavam a própria miscigenação como uma forma eficiente de convívio e branqueamento.

Há décadas, o debate sobre "raças" ficou para trás, substituído pelo das culturas, como conjunto de comportamentos e valores comuns. Houve um duplo movimento: a afirmação da importância do fator cultural como fonte de diferença e conflito e a desconstrução da noção de cultura como algo coerente, inalterado pelo tempo.

Aparentemente contraditórias, essas afirmações introduziram questões muito distantes de "se há racismo ou não". Elas perguntam em que medida defender minorias ajuda a perpetuar uma diferença que não está longe da idéia de raça, dando suporte ao etnocentrismo. Ou questionam se o reconhecimento de identidades culturais é compatível com os princípios de igualdade e liberdade, que são os das modernas democracias.

A sociedade brasileira está em plena transformação. Não somos racistas, mas, sim, fazedores de preconceitos. Alimentamos intolerâncias. Nisso, não diferimos de congêneres de outros países. Estranhamos o "outro" diferente na cor, na religião, na condição econômica. Olhamos com desconfiança quem não é "como nós".

Ora, as ciências humanas ensinam que os indivíduos criam convenções e representações que dão sentido a sua existência. Criando-as, eles podem revisá-las e fazê-las evoluir, o que justifica a grande mudança que vivemos.

O foco nas diferenças encarnadas nas minorias ajuda a passar em silêncio uma característica das sociedades de massa: a grande uniformidade dos modos de vida. "Nós", como os "outros", temos, hoje, mais coisas em comum do que diferenças. Nesse contexto, falar em racismo seria voltar ao século 19. E, como diz o poeta -e o historiador- "o tempo não pára".

Mary Lucy Murray Del Priore, Doutora em história social pela USP com pós-doutorado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França), é historiadora e autora, entre outras obras, de "História das Mulheres no Brasil" (Prêmio Casa Grande e Senzala de 1998).

 

Anexo IV - Exercício proposto na abertura da regência.

Leia atentamente a tirinha abaixo e responda:

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Fonte: http://mafalda.dreamers.com.tirasusanita.s02.gif 

1)Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com seu discurso sobre racismo? Comente.

2)A fala de Susanita é favorável ou contrária à discriminação racial? Por quê?

3)Ela tem consciência de que seu comportamento contradiz suas palavras?

4)A ação final de Susanita, de querer lavar o dedo após tocar o boneco negro, indica que tipo de sentimentos ou posicionamento por parte da menina?

5)Quando você era criança, como costumava ser a aparência física (cabelo, cor dos olhos e da pele, etc.) de suas bonecas ou a daquelas pertencentes a seus/suas amigo(as)?

6)Você acha que, na sociedade brasileira, predominam manifestações de racismo explícito ou de racismo velado? Justifique.

 

Anexo V - Texto utilizado na intervenção didática.

Diminuem manifestações de preconceito e racismo "assumido" entre brasileiros

Seja por mero pudor ou realmente por uma questão de consciência, os brasileiros, hoje, se mostram menos preconceituosos do que há 13 anos. Ao repetir neste ano perguntas feitas em 1995, o Datafolha identificou que caiu significativamente o grau de concordância da população com frases como "negro bom é negro de alma branca" ou "se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem".

O que não mudou de lá para cá foi a constatação, aparentemente contraditória, de que o brasileiro reconhece o preconceito no outro, mas não em si mesmo. Ou, como já definiu a historiadora da USP Lilia Moritz Schwarcz, "todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados".

Para 91% dos entrevistados, os brancos têm preconceito de cor em relação aos negros. No entanto, quando a pergunta é pessoal, só 3% (excluindo aqui os autodeclarados pretos) admitiram ter preconceito.

Foi igualmente alto (63%) o percentual de entrevistados que afirmaram que negros têm preconceito em relação a brancos, mas somente 7% (excluindo os brancos) dizem ter, eles mesmos, algum preconceito.

Também caiu (de 22% para 16%) a proporção de brasileiros que se sentiram discriminados por sua cor. Esse percentual, no entanto, chega a 41% entre autodeclarados pretos.

Para Schwarcz, o que mudou de 1995 para 2008 foi a popularização do discurso politicamente correto. Ela, no entanto, demonstra algum ceticismo com relação ao menor percentual de concordância com afirmações preconceituosas.

"As coisas mudaram, mas nem tanto. As pessoas reagem mais às frases preconceituosas, como se já estivessem vacinadas. É positivo ver que há maior consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam cada vez mais o preconceito para o outro. 'Eles são, mas eu não'."

Também historiador, Manolo Florentino, da UFRJ, tem opinião semelhante. "O que cresceu foi sobretudo o pudor. Para tanto deve ter colaborado, em alguma medida, a disseminação da praga politicamente correta. Se for este o caso, estaremos mais uma vez frente à constatação de que nosso racismo é envergonhado, que, afora casos patológicos, o brasileiro só expressa seu preconceito racial através de carta anônima."

 

Constrangimento

 

O sociólogo Marcos Chor Maio, da Fiocruz, faz leitura mais otimista. O fato de os brasileiros só admitirem preconceito nos outros - o que pode ser visto como hipocrisia-, para ele, é um valor: "As pessoas têm vergonha de parecerem racistas, cria-se um constrangimento enorme. Isso é ótimo".

Fulvia Rosemberg, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e coordenadora do programa de bolsas da Fundação Ford, vê na ampliação do debate sobre a questão racial, provocado principalmente pela discussão das cotas em universidades, uma das causas para a queda do preconceito.

"Isso não acirrou a oposição branco/negro e parece ter desenvolvido maior  consciência e atenção às relações raciais."

A socióloga Fernanda Carvalho, do Ibase e uma das coordenadoras do movimento Diálogos Contra o Racismo, concorda: "Não deixamos de ser um país com forte racismo, mas evoluímos. Não se discutia tanto a questão do negro. Hoje, as pessoas estão compreendendo melhor o tema e têm mais consciência de que o preconceito é um valor negativo".

Yvonne Maggie, antropóloga da UFRJ, tem opinião diferente sobre o racismo no país.

"Os pretos se sentem mais discriminados, mas são eles também os que mais acreditam no esforço pessoal. Somos uma sociedade que tem optado por não marcar o sentimento da vida a partir da raça", diz ela, citando o dado de que 71% dos pretos concordam que, se um pobre trabalhar duro, melhorará de vida. Entre brancos, o percentual é de 67%.

Maggie diz também que o aumento da escolaridade nos últimos anos deve ter contribuído para a queda no preconceito. "Pode até ser que o debate sobre raça tenha influenciado, mas não é possível concluir isso com base na pesquisa. O que temos de concreto nesses últimos anos foi que houve uma melhoria radical do sistema educacional no Brasil", diz a antropóloga.

Segundo o Datafolha, quanto maior a escolaridade, menor a manifestação de preconceito. Entre a população com nível superior, apenas 5% concordam que negros só sabem fazer bem música e esporte. Entre os que não passaram do fundamental, a proporção é de 31%.

A idade do entrevistado também influencia. Entre os que têm 41 anos ou mais, 27% concordam com a frase sobre negros na música e esporte. Entre os mais jovens (16 a 25), a proporção cai pela metade: 13%.

Antônio Gois. Folha de São Paulo, no Rio.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u470648.shtml


Anexo VI - Texto proposto na regência.

"TV vive momento de reconstrução da inserção do negro", diz Lázaro Ramos

Na televisão, a pequena Taís Araújo via Xuxa, linda, loira e rainha dos baixinhos. Todas as suas amigas do colégio particular, onde era a única negra, aderiram à moda Chitãozinho e Xororó e cortaram os cabelos lisos no estilo "mullet", comprido atrás e repicado em cima.

"Fui cortar o meu também, amor. Fiquei igual a um poodle", conta Taís, rindo, ao se referir aos seus cabelos crespos.

A atriz, que completa 30 anos na próxima terça, leva no bom humor, mas admite que "são coisas muito pesadas para uma criança". "Meus pais e meu colégio me deram segurança suficiente para eu poder hoje brincar com isso, que é muito sério. Era impossível me identificar com os ídolos da televisão."

De fato, um estudo aponta que, desde o início da teledramaturgia brasileira até a adolescência de Taís, os negros, quando apareciam, não eram os heróis. O livro e documentário "Negação do Brasil" (2000), de Joel Zito Araújo, mostram que interpretavam principalmente empregados domésticos, escravos e criminosos.

Nos últimos anos, acredita Taís, meninas e meninos negros passaram a ter referências positivas na TV. E seu nome está ligado à mudança. Ela foi a primeira mocinha negra em uma novela majoritariamente feita por atores brancos ("Da Cor do Pecado", 2004). "Quando me chamaram, pensei: "Meu Deus, como isso é importante para a sociedade! Se a Globo aceita, o Brasil vai aceitar."

Se Taís se tornou a princesa negra da TV, Lázaro Ramos é o príncipe. Formado no Bando de Teatro Olodum, grupo de atores negros de Salvador, o ator, 30, só teve papel de protagonista desde que chegou à TV.

Para ele, a televisão vive um "momento de reconstrução na questão da inserção do negro. "Há novelas com muitos atores negros, mas que falam da violência, e há negros nos papéis de médico, gay..." Mas ressalta que sua carreira "é exceção". "A TV vem mudando muito lentamente e ainda não foi tão esperta quanto a publicidade, que já percebeu que o negro é consumidor e quer se ver refletido."

Para ele, "é preciso parar com esse negócio de tratar negro como ator negro". "O personagem de Fábio Assunção [mocinho da novela "Negócio da China", afastado por problemas pessoais após esta entrevista] poderia ser feito pelo Rocco Pitanga. Eu, no começo da carreira, fiz testes e consegui papéis variados, como o surfista de "Carandiru" e o garoto de "O Homem que Copiava". Agora que sou famoso, recebo convites com a rubrica "ator negro". [Devem falar:] "Ah, tem esse cara aí que é negro e é bom ator."

A sociedade brasileira se mostra dividida ao analisar a representação do negro na TV. Enquanto 31% dizem que os negros aparecem da forma como realmente vivem, 27% acham que são retratados de forma mais positiva do que vivem na realidade e 33%, de forma mais negativa.

Para Milton Gonçalves, 74, que sempre lutou por personagens fora dos estereótipos e criou polêmica ao aceitar seu atual papel de político corrupto em "A Favorita", até hoje "o negro aparece na TV só para dar uma cor local". "É como a TV americana, que põe um apresentador branco, um negro, um latino e um asiático."

Ele avalia que a TV "está estagnada". "Os protagonistas de Taís e Lázaro são conquistas, mas nada que tenha alterado. Com é que o fato de eu fazer um corrupto ainda causa irritação? Por que não podemos ser vilões?"

Joel Zito Araújo também acha "uma bobagem" discutir se o negro pode ou não interpretar vilões. "Minha crítica é a ausência de atores negros em papéis positivos. E os negros ainda continuam naquela cota de sempre de 10% do elenco."

Para o cineasta, "a televisão piora a realidade do negro, que ainda é raramente incorporado. Para equilibrar um peso enorme da representação histórica, a TV deveria até retratar o negro de forma mais positiva porque certamente tem o papel de transformar a realidade".

Ruth de Souza, primeira protagonista negra da teledramaturgia, em "A Cabana do Pai Tomás" (1969/70), novela sobre escravos, resume a questão com a sabedoria de quem chegou aos 87 anos, mais de 60 de uma carreira com consagrados papéis: "A TV conta histórias, e o negro tem que participar normalmente, como de todos os segmentos da sociedade".

Laura Mattos, Folha de S. Paulo.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u470652.shtml


Anexo VII - Texto proposto na atividade final da regência.

As primas do Bruno Viola
para o Bruno Ferraz

As festas na casa do Bruno Viola tinham sempre muitos bolos e salgados, música bem alta, boa jantarada tipo feijoada ou churrasco, e muita, muita gasosa. Mas nós, os rapazes da rua Fernão Mendes Pinto, gostávamos mesmo era das primas do Bruno. O Bruno Viola tinha umas primas muito bonitas.

Uma tinha o cabelo assim bem liso e loiro, vinha do Bairro Azul com umas saias bem curtas que todo mundo queria dançar slow com ela. Primeiro era o Bruno que, mesmo sendo primo, sempre gostava de dançar apertado com as primas dele. Lembro até hoje: os cabelos dela cheiravam a um amaciador de abacate que uma pessoa no meio da dança até quase que ficava nas nuvens. Esse cheiro se misturava com o perfume que era o mesmo que a mãe dela usava. A camisa era preta e branca às riscas com um ursinho mesmo em cima da mama esquerda dela. A saia era jeans azul pré-lavado que nessa época estava na moda. O Bruno já tinha dançado com ela, o Tibas também. Era a minha vez e eles ficaram cheios de inveja porque puseram aquela música do Eros Ramazzotti que durava onze minutos.

O meu nariz perdia-se entre o pescoço suado dela e os cabelos loiros, compridos. Às vezes é só assim, um gajo apanha esse slow bem comprido que dá tempo de falar bué com a dama. Todos a olharem para mim na minha sorte demorada, até as pernas já me doíam do cansaço de estar a dançar tão devagarinho com a prima do Bairro Azul.

Outras primas também estavam na festa: a Filipa, que era da nossa idade; a Eunice, mulata linda e cambaia, que tinha vindo do Sumbe; e a Lara, que era um pouco mais velha, já tinha as mamas grandes como as mulheres adultas, também já punha perfume de mais-velha, e era uma moça que tinha viajado muito, acho eu, porque tava toda hora a falar de Paris. Então foi isso: enquanto eu dançava a música do Eros Ramazzotti, a Lara olhou para mim com um olhar bem estranho. Eu fechei os olhos, dei um beijinho disfarçado no pescoço da prima do Bruno. Um sabor salgado me ficou na boca e eu gostei.

A música acabou, abri os olhos. A prima do Bairro Azul sorriu para mim, mas eu duvidei que aquilo significasse alguma coisa. Ela tava muito doce no sorriso dela, mas acho que ela gostava mesmo era do Tibas. Fui buscar uma gasosa, era uma fanta daquelas bem cor de laranja que até inchava a língua. A música tinha parado, estavam nos preparativos do «parabéns a você». Vi a Lara olhar de novo para mim.

O Pequeno, um miúdo também da minha rua, é que imitava muito bem a voz da Lara. Era uma voz diferente, para uma rapariga, difícil mesmo de imitar ou de explicar. Mas pode-se dizer que era uma voz grossa, muito grossa e rouca. E o Pequeno imitava assim a Lara: «ó pá, eu já fui a Paris, pá, vocês conhecem Paris?». Ele fazia a voz grossa e a malta toda ria, não era preciso dizer nada, todo mundo imaginava a pessoa que falava assim.

A Lara olhava para mim, eu olhava para a Filipa, e o Tibas falava com a prima do Bairro Azul. A Filipa, irmã da Lara, era muito bonita, e até na rua diziam que eu e ela tínhamos de namorar mas isso ainda nunca tinha acontecido. Mas, sim, eu achava a Filipa muito bonita, tinha uma pele escura tipo indiana dos filmes que muitos rapazes da minha rua ficavam atrapalhados a olhar para ela. Começaram a cantar os parabéns. Todo mundo olhava para o centro da mesa onde estava o bolo horroroso e cheio daquele glacê adocicado que enjoa. Eu ouvi a voz, lá longe, do outro lado, perto da bomba de água e da bananeira, a chamar o meu nome. Ouvi mesmo bem, mas fingi que não era comigo.

A voz continuava. Era uma voz grossa tipo um instrumento de tocar jazz. Primeiro baixinho, só dum coro. Depois, naquela parte que se canta «hoje é dia de festa, cantam as nossas almas», e todo mundo já grita bem alto, a Lara me ameaçou com a voz dela:

– Vem cá, não tás a ouvir?

Tive que ir.

A bomba de água disparou, fez um barulho esquisito. A Lara tava sentada numas escadas que já tinham sido invadidas por trepadeiras enormes. Fez-me sinal com a mão para eu me sentar perto dela. Tinha as pernas meio abertas como fazem os rapazes, sentada uma posição que a minha avó Agnette me disse que as meninas nunca se deviam sentar. E falou-me com a voz grossa:

– Anda cá, senta-te aqui perto de mim.

Eu olhei lá para dentro, não consegui ver ninguém. Tava escuro e o lugar só cheirava à trepadeira e ao perfume pesado da Lara. Ela apertou-me no braço, quando eu ia sentar, e sentou-me no colo dela. Não falou nada, ficou só a respirar perto da minha cara. Tinha também um suor molhado no pescoço.

– Dá-me um beijo na boca... – ficou a olhar para mim com uma cara quieta. – Com a língua também.

Puseram música de novo, uma música bem animada, que nós chamávamos de «alice stein», mas que era na verdade uma música dos Kassav. Eu transpirava, aquela já era uma situação muito séria, a Lara era muito assanhada, até diziam que ela já tinha feito malcriado com rapazes mais velhos. Estava bem atrapalhado eu, ela me segurava no braço com força.

– Dá-me lá um linguado – ela disse com a voz mais rouca e a fechar os olhos.

Uma pessoa quando é criança às vezes não sabe que é bom ter medo e deixar certas coisas acontecerem. Não sei como seria o tal «linguado», mas tive medo que a Lara, com a voz dela e as mamas grandes e os perfumes franceses, tive medo que a Lara me beijasse de um modo que eu nem sabia bem qual era.

A mãe do Bruno me chamou para eu comer o bolo horroroso com glacê e eu gritei logo acusando o lugar:

– Tou aqui, tia Luna.

O Tibas e a prima do Bairro Azul vieram com um pires e uma fatia enorme que eu tive mesmo que comer. Muita gente se aproximou das escadas das trepadeiras. A Lara sentou-se de outra maneira, endireitou o vestido e o cabelo. Do meu pires tirava pedaços de bolo que comia muito devagar, e chupava os dedos cheios de glacê branco sem parar de olhar a minha boca.

O Bruno Viola tinha primas muito bonitas e uma prima com uma voz muito grossa, como se fosse um instrumento de tocar jazz

Fonte: http://www.kazukuta.com/ondjaki/os_da_minha_rua.html


Anexo VIII - Produções dos alunos - Textos de opinião [escrita original dos alunos]

1) B.M.V.R.A – nº8

(sem título)

Negros nunca tem privilégio na televisão.

Vemos nos comerciais muito racismo, porque há crianças brancas e um só negro nos comerciais infantis, todos são assim.

Como por exemplo nos comerciais da Parmalat aonde aparecem bastante crianças e apenas um negro. Isso é muita injustiça porque não poderia ter vários negro e apenas um só branco? Porque as pessoas tem muito preconceito contra os negro

O outro item que é interessante que os preconceitos já começam desde quando são pequenos, por que na televisão você não vê uma criança negra apresentadora ou apresentador.

As pessoas tem que mudar, parar de ser preconceituosos, porque todos tem uma parente negro na família e não sabem.

 

2) E.T.S.– nº10, 8ªC

“Negros na TV”

Atualmente as participação dos negros em novelas estão cendo mais freqüentes em relação a decadas atrás quando o racismo não era escondido como hoje em dia.

Na novela “Caras e bocas” mostra histórias de racismo uma fala da historia de uma menina de dez anos cuja ela e a mãe são negras e o sonho dessa menina e ser famosa e estar na TV ela fez um teste para um comercial de sorvete mas não foi escolhida por supostamente “não ter aspecto físico adequado” essa foi a disculpa para a mãe a filha, perdendo para uma garota loira de olhos azuis.

Na novela mesmo mostra uma realidade hoje vivida por trás das cameras por muitos negro e negras que querem ter um espaço na midia.

 

3)  F.O.G. – nº13, 8ªC

"A imagem do negro no futebal"

No futebol tinha um jogador chamado Betão que jogava no corinthians, onde era discriminado em quase todos os jogos.

Chegou um dia em que o Betão chamou o time dele e falou: “vamos fazer um cartaz dizendo não ao racismo”, e então em todos os jogos em que ele ia jogar, levantava o cartaz.

Mas sempre tinha um jogador que o xingava, mas teve uma proposta da Europa para ele jogar no Hamburgo. Lá Betão começou a bem, ninguém o discriminava porque a lei na Europa é rigida.

Lá ele teve uma careira muito boa, e falou que ficou mais feliz na Europa que no Brasil.

O Betão ajudou o esporte a dizer “não ao racismo”.

Fim!

  

4) G. – nº17, 8ªC.

“Filmes: A imagem dos negros”

A imagem dos negros na maioria dos filmes é negativa pois os papeis são de ladrões, mendigos, empregados e sempre com roupas velhas e rasgadas, e os brancos a maioria todos riquinhos, com casas enormes, bem vestidos, jois, etc.

Existem filmes que até passam uma boa imagem em relação aos negros, mas há outros que mostram muito preconceito. Se você for alugar um filme sobre a escravidão, seja ele novo ou bem antigo, você vai ver que tem muitos negros, a maioria, mas são escravos, e os poucos brancos que participam são os lideres.

 

5) I.A.G. – nº18, 8ªC

“O negro”

A imagem do negro na mídia sobre o Pelé que foi um dos negros na mídia, demonstrando para muitas pessoas sendo discriminados pela sua cor. Pelé consseguiu alcançar ser um dos melhores jogadores de futebol e também é respeitado pela mídia. Ele é um negro que já conseguiu trazer muitos troféus, porque eu acho na minha opinião que isso corajou, encentivou muitas pessoas negras que principalmente os negros que são mais discriminados pela mídia. Que todos podem chegar em algum lugar bom como muitas pessoas brancas conseguem chegar em algum lugar bom os negros também conseguem. Como muitos brancos as vezes dizem que o negro não pode ser um bom jogador ou outra coisa. Eu concordo pelo Pelé ser negro incentivar muitas pessoas que Eu acho na minha opinião que Ele deu muitos Exemplos não só para os negros é para os brancos que eles podem também fazer qualquer coisa.

 

6) I.O.V.F.– nº12, 8ªB.

“Negros nos esportes”

Os negros nos esportes tem uma imagem muito reconhecida e bem susedida com vitorias espetaculares e recordes como por exemplo pele fez mais de mil gols no futebol, Bolt o homem mais rapido do mundo, Maikon Jordan um dos melhores do mundo, Hamilton um corredor (piloto) de Formula 1, Daiane dos Santos ex melhor do mundo na ginástica, Marta melhor jogadora do mundo. Esses são esesões porque se esforsarão muito, ainda não são muito reconhecidos em alguns esportes como tenis e golfe porque são esportes muito caros para pessoas ricas. Mas a esportes com igualdade como basquete, futebol, volei, natação, atletismo.

 

7) J.L.F. nº14, 8ªB

 “Filmes”

É muito comum achar presidiarios negros  em filmes como por exemplo em: Velozes e Furiosos.

No filme Diamante de Sangue há negros bons e outros ruins so que a maior parte são ruins e sem coração, porque matam muita gente no filme.

No filme Crepúsculo há um negro que faz o papel de um lobo sanguinário ruim.

Não há muito filme com negros heróis, neste momento não me recordo de nenhum, mas com vilões são vários filmes como disse nos parágrafos acima.


8) J.L. A.– nº15, 8ªB

“Consiência Negra”

Bom quando vamos tratar desse assunto temos materiais, a internet, livros e muitos outros, também sabemos que um dos homens que lutaram para que a “escravidão” acabasse foi o Zumbi dos Palmares, isso há muitos anos atrás, o ato de bravura dele faz com que no dia da “Consiência Negra” ele seja lembrado e são feitas homenagens para ele por que para muitos e principalmente para os negros isso não pode ser esquecido.

Já nos dias atuais que vivemos a mídia tenta melhorar a imagem no negro para esconder o preconceito, hoje em dia poucos naõ saõ racistas, mas eu acho isso muito desumano por que idependente de cor, raça ou horigem somos todos seres humanos e tem que haver respeito uns para com os outros mas no mundo que vivemos isso é praticamente impossível acontecer.

Analisando bem, mesmo com tudo isto o negro enfrenta e se destaca nos esportes, nas novelas por que eu já assisti e achei muito boa a atuação deles, Thaís Araujo e Lázaro Ramos são exemplo disso, e tem muitos atores negros e atletas que se destacam e os brancos que são racistas querendo ou naõ  tem que adimirar e ver até a onde a força de vontade os levou.

O Brasil é um país muito racista em muitas áreas, tanto profissional como social, de uns tempos pra cá aumentou demais mas há muitos exemplos de vida.

 

9) K.D.S. – nº22, 8ªC

“A imagem do negro na mídia”

No esporte os negros aparecem mais porque na corrida os que tem mais é jamaicano e Africano porque eles tem mais condicionamento físico mais que, os brancos nos jornais na televisão aparece que um negro ganhou.

No filme do Michael Jackson fala dele que na vida ele sofreu muito sendo negro e ele foi um negro considerado o rei do pop cantando as suas músicas negras conquistando negros e brancos crianças e adolescentes o negro que fez mais sucesso.

Na novela escrava isaura os negros são bastante reconhecidos porque fala de antigamente do preconceito racial porque eles são bem falados sendo violentados.

 

10) K.D.S. – nº18, 8ªB.

“A imagem do negro na televisão”

A participação dos negros nas novelas são muito boa porque muitos negros tem papel em novelas muito bons como por exemplo: Tahis Araujo em (“Viver a vida”) ela faz um papel de uma modelo muito rica e famosa.

 

11) M.O.G. – nº24, 8ªB

“Comercial Assolan”

Há alguns tempos atrás a empresa de esponjas de aço Assolan, fizeram um comercial sobre o produto com vários bêbes negros com perucas de esponjas de aços.

O que dava a entender que o negro tinha o cabelo duro.

Isso foi debatido e avaliado como preconceito fazendo com que o comercial fosse cortado da TV.

Eu por exemplo já vi crianças na escola, chamando uma outra criança negra de “cabelo de Assolan”, “seu cabelo é tão duro que sua mãe corta ele para lavar a louça”
e etc.

Quem olhava o comercial não via esse preconceito pois era algo tão “fofo, bonitinho” que eles nem se quer perceberam isso.

Pois bem será que o negro só vai aparecer na mídia em forma preconceituosa?

Esperamos para ver a evolução da imagem negra na televisão.

 

12) M.T.C. – nº25, 8ªB

“filmes”

A imagem dos negros nos filmes é retratada muitas vezes como o vilão o empregado e etc. Os negros só são papel principal nos filmes quando, o filme é sobre negros, em outros tipos de filme o negro faz o papel de pobre.

Na minha opinião os filmes brasileiros atuais tem muito mais negros do que antigamente mesmo assim não é protagonista do filme. Outro dia passou na televisão que do total do elenco em filmes e novelas tem que ter 10% de negros, na minha opinião essas cotas almentam o preconceito , mas por outro lado traz a oportunidade para os negros mostrarem o seu talento.

 

13)  N. P. – nº28, 8ªC

“A imagem do negro na mídia”

Os negro, hoje é um tema relativamente falado, na mídia não é diferente.

Antigamente os negros não tinha chance era só em papeis ruins ladrões, drogados, empregado domestico, escravos etc... O papel principal era sempre para atores Branco, loiros, olhos claros, classe alta, mais hoje em dia é diferente há muitos negros como protagonista dos teatro, filmes, novela, eles conseguiram seu lugar (direito) no mundo da mídia mostrando que eles tem o mesmo direito que os brancos.

Mas nem sempre foi assim, os negros era injustamente descriminado, quando apareciam na TV eram uma polemica enorme mas o mundo esta evoluindo dando lugar para o negro.

 

14) S. – nº33, 8ªC

“O Negro hoje em dia”

Hoje o negro, há liberdade de conviver como branco, como assim:

Bom, eles podem comer junto ao branco, trabalham junto ao branco, estudam e fazem muitas coisas juntos. Hoje eles até mesmo namoram, ficam noivos, casam e ficam com muitos filhos.

Isso é uma sensação de liberdade entre eles e isso é muito bom e um alivío. Que continuem assim para sempre.

Única coisa que hoje ainda não melhorou é o racismo, eles são discriminados, maltrados em sentido verbal e emocional e conserteza isso é uma sensação de desprezo humilhação.

Bom, enfim quero que isso melhor, e nao só eu todo o Brasil quer que melhore a relação contra os negros.

 

15) T.H.S.C. – nº42, 8ªB

(sem título)

É comum achar negros em presídios em filme: como Velozes e Furiosos, mas os negros quando trabalham para Filmes, eles quase sempre são bandidos ou escravos, tudo de ruim.

Mas também alguns trabalham como bom negro, no filme: Diamante de sangue, mas mesmo assim, no filme há mais negros ruins, do que os negros bons.

Até no filme Crepúsculo há um negro que faz um papel de lobo sanguinário ruim.

Não há muitos filmes, que os negros são bons, heróicos. Mas já em novelas como CSI Miami, eles tem negros muitos bom.

 

16) T.M.F. – nº35, 8ªC

“Escondido ou não o preconceito racial não é bom!”

É cada vez mais evidente, rostinhos negros na TV, mas eu não acho que seja o suficiente para provar que ainda não tenha preconceito com pessoas negras.

As coisas estão mudando, mas nem tanto. As pessoas reagem mais as frases preconceituosas, como se já estivessem vacinados. É positivo ver que há maior consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam mais o preconceito “Eles são, mas eu não!

O sociólogo Marcos Chor Maio, da Fiocruz, faz a leitura mais otimista. O fato de os brasileiros admitirem preconceito nos outros – o que pode ser visto como hipocrisia para ele, é um valor. “As pessoas tem vergonha de parecerem racista cria-se um constrangimento enorme. Isso é ótimo.

Mas, por exemplo em gravações de novelas ou filmes, o caso que complica é justamente o preconceito escondido quando se grava novelas com alguém preconceituoso junto com os atore, ele justamente por tentar esconde-lo se passa uma frieza, e o ator negro vai tirar a conclusão que seu colega de trabalho não te vê como um colega de trabalho, mas sim como um objeto a ser lidado entre as gravações: esse tipo de preconceito não esperado faz com que a vitima do preconceito ache melhor que assuma seu preconceito.

 

Texto para introdução sobre o Dia da Consciência Negra.

 Caroline Seixas

 

Resumo

Este artigo apresenta a descrição e a análise de uma sequência didática elaborada para alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública da Grande São Paulo. Os objetos de ensino aplicados no Projeto foram técnicas de leitura e os argumentos do gênero “artigo de opinião”. Buscamos observar a aplicação da sequência didática a partir das atividades realizadas pelos alunos e da participação destes em aula.

 

Palavras-chave: Argumentação, Ensino de português; Estágio Supervisionado; Leitura.

 

Introdução

 

Pelo presente artigo, pretendemos descrever e analisar as atividades desenvolvidas a título de estágio supervisionado da disciplina de Metodologia do Ensino de Português II (MELP II). Para tanto, foram realizadas cinquenta horas de observação de aulas de português, em turmas do terceiro ano do Ensino Médio, em uma escola pública na Grande São Paulo, além da elaboração e da aplicação de um Projeto de Ensino cujo objeto foi a leitura e a argumentação textual.

O objetivo do trabalho foi, a partir das observações feitas inicialmente, elaborar um Projeto de Ensino voltado ao contexto em que se realizou o estágio e, ao final, analisar as atividades desenvolvidas.

 

 1  Caracterização global do contexto escolar

 

O estágio foi realizado com o professor Pedro[1] nas turmas do 3º ano do Ensino Médio do período noturno, em uma escola estadual localizada em um bairro periférico do município de Osasco, região metropolitana de São Paulo. As informações descritas a respeito do mestre foram colhidas por meio de conversas ocasionais durante os HTPCs[2]. Pedro é professor há vinte e cinco anos e trabalha na rede pública estadual desde 1996. Perto da aposentadoria, Pedro afirma estar, atualmente, um pouco cansado de lecionar, e acredita já ter “cumprido sua missão de professor” durante os diversos anos dedicados ao ensino da Língua Portuguesa. Hoje, trabalha apenas no período noturno na escola onde ocorreu o estágio, dando 20 aulas semanais para todas as cinco turmas do 3º ano do Ensino Médio, contudo, diz já ter feito até “tripla jornada” durante a carreira docente, o que significa lecionar no período matutino, vespertino e noturno em um mesmo dia, com a intenção de compensar o baixo salário.

O professor prefere trabalhar com os alunos do 3º ano do Ensino Médio por serem mais maduros e preocuparem-se com o aprendizado da língua pela proximidade dos exames vestibulares e para se prepararem para o mercado de trabalho. Pedro trabalha apenas com as últimas turmas do Ensino Médio há cerca de cinco anos. No entanto, é justamente com elas que acredita ser mais difícil ensinar literatura, pois, segundo ele, os alunos não demonstram muito interesse: “O que eles querem mesmo é aprender a escrever, por literatura eles não se interessam muito[3], afirma. Aparentemente, Pedro ainda não conseguiu mostrar aos seus alunos que, na literatura, encontramos rico acervo para enriquecer nossa escrita, não só no que se refere aos aspectos linguísticos, mas em relação ao patrimônio cultural, à visão crítica da realidade e à capacidade criativa.

Ao observar a documentação escolar, nota-se que o planejamento enviado aos órgãos responsáveis faz referência direta à proposta oficial da Secretaria Estadual da Educação, podendo, inclusive, ser caracterizado como uma paráfrase do texto oficial. A proposta fala sobre regras para a norma padrão da língua e também para os enunciados que circulam no cotidiano, podendo ser classificada como uma postura normativa dos padrões para o ensino da língua materna. O conceito de letramento aparece descrito como a variedade de gêneros que uma pessoa conhece e são propostos alguns gêneros específicos para serem trabalhados com o Ensino Fundamental II (6º a 9º anos ou 5ª a 8ª séries). Para o Ensino Médio, observamos que a proposta de ensino é dividida em três campos de estudo:

 

I) linguagem e sociedade: propõe uma análise externa da linguagem e da literatura, focada em sua dimensão social;

II) leitura e expressão escrita: trata das características dos gêneros a partir do lugar do receptor na materialidade escrita. Os gêneros são definidos como acontecimentos sociais nos quais interagem suas características marcantes, as quais são definidas como elementos sociais;

III) funcionamento da linguagem: recomenda a análise interna da língua e da literatura como realidades;

IV) produção e compreensão oral: neste ponto, o texto oficial não faz nenhuma recomendação como proposta de trabalho, mas apresenta uma paráfrase do nome do campo de estudo.

 

Na escola em questão não existe o costume de trabalhar projetos interdisciplinares ou temáticos. Cada professor é responsável pelo conteúdo ministrado em sala de aula, podendo ou não ser utilizado o material didático oferecido pelo Governo do Estado. As avaliações também ficam a critério de cada docente, porém 4,0 pontos (do total de 10,0) da média de todas as matérias são compostos com a nota de uma prova interdisciplinar, o chamado “provão”, na qual estão presentes questões de todas as disciplinas.

Ao observarmos como as práticas de letramento configuram-se no ambiente escolar, vimos que não há uma homogeneidade nesse sentido. Os muros da escola, por exemplo, são brancos, sem desenhos ou grafites, contando apenas com a placa que nomeia a escola. Andando pelo pátio (onde os alunos se concentram no período anterior ao início das aulas e durante os intervalos), observamos poucos cartazes concentrados em uma área específica, na qual existe uma espécie de pequeno palco. Nesses cartazes temos uma propaganda de excursão para o parque de diversões Playcenter, um anúncio convidando os alunos a estagiarem no setor público por intermédio da FUNDAP, uma propaganda sobre o ensino técnico estadual e um cartaz feito à mão, informando da obrigatoriedade do uso da camiseta do uniforme escolar e do porte da carteirinha da escola, sem a qual, segundo consta, os alunos não podem entrar.

Os corredores das salas de aulas, por sua vez, não possuem qualquer cartaz, anúncio ou aviso, tendo apenas os números de cada sala pintados em tamanho grande acima das portas. A sala dos professores tem as paredes mais preenchidas da escola. Nela observamos cartazes escritos à mão com os horários de todas as turmas de todos os períodos; um cartaz, também escrito à mão, com os horários em que representantes de uma escola de informática passariam nas salas de aula; um grande relógio de ponteiros; dois computadores com acesso à internet; uma grande televisão, em geral, ligada em jornais ou novelas; diversos armários de uso dos professores, nos quais encontramos o nome de cada professor, além de adesivos de bichos, desenhos e um escudo de time de futebol; um cartaz impresso atentando os professores à manutenção da ordem no ambiente de trabalho; um grande anúncio da APEOESP[4] (manifestando indignação com relação ao último aumento salarial anunciado pelo governo do Estado). Ainda na sala dos professores, existem livros diversos (material didático de disciplinas diversas fornecido pela secretaria estadual, alguns exemplares de Iracema, de José de Alencar, materiais para o ensino de inglês, entre outros) em caixas nos cantos da sala.

As salas de aula também são variadas em relação à configuração das práticas de letramento. Todas as salas possuem duas lousas, contudo, apenas uma é utilizada pelos professores. A outra (que fica numa parede lateral) geralmente é pichada com nomes e recados, além de ser utilizada para exposição de trabalhos. Na sala do 3ºB, por exemplo, encontramos, na lousa lateral, cartazes escritos à mão, com regras normativas de uso da vírgula, porém não foi trabalho realizado pelo professor Pedro, mas pelos alunos de outro período. As carteiras dos alunos também apresentam pichações diversas. Em algumas salas de aula também está disposto um cartaz impresso em folha sulfite, com informações acerca da excursão ao parque Playcenter.

No que diz respeito à interação na escola, observamos que os professores e os alunos interagem juntos apenas durante o período em que estão na sala de aula, com exceção de dois professores que comparecem no colégio aos sábados de manhã para jogar futebol informalmente com alguns alunos. Em geral, durante o período em que não estão na sala, os alunos interagem conversando em pequenos grupos, além de ouvirem músicas e falarem ao celular. Durante o período entre as aulas, alguns alunos concentram-se nos corredores, onde interagem com os colegas de outras turmas. Entre si, os professores aparentam interagir de maneira harmoniosa. Assim também acontece na relação entre os professores e os demais funcionários da escola. Todos se concentram na sala dos professores ou no refeitório, no qual podem apreciar uma refeição servida antes de cada turno.

  

2   A observação

 

Os alunos em geral eram bastante jovens. Não foram encontrados alunos que aparentassem ter idade acima da média dos demais. As turmas podem ser classificadas como tranquilas, sem grandes problemas de indisciplina, com exceção do uso insistente do celular durante as aulas, em geral, para tocar música em alto volume, o que não desgasta o professor Pedro que, muitas vezes, não se posiciona contrariamente em relação a isso.

Os estudantes mostram-se dispostos a realizar as atividades propostas pelo docente, tirando dúvidas e participando, mesmo com os celulares ligados (às vezes tocando duas músicas diferentes ao mesmo tempo).

O professor, por sua vez, apresenta um semblante cansado, apesar de manter uma relação próxima com os alunos, que o cumprimentam com apertos de mão calorosos e com gestualidades marcadamente “adolescentes”. Os alunos aparentam gostar das aulas de Pedro e o professor aparenta se esforçar para manter com eles uma relação harmoniosa. Quanto aos colegas de trabalho, o docente também mantém uma boa relação, fazendo comentários engraçados e irônicos durante as reuniões de HTPC.

 

2.1    A sequência didática observada

 

No que se refere à sequência didática do professor Pedro, observada durante o estágio, a princípio destacamos que todas as horas, tanto de observação quanto de regência, serão realizadas às sextas-feiras, fato importante já que é caracterizador da escolha dos tópicos de ensino pelo professor.

Às sextas-feiras, é observada na escola, tanto por parte dos alunos, quanto de alguns docentes, uma conduta de ausência marcante. Tal fato gera um contexto especial nesse dia da semana, no qual observamos salas de aulas com poucos alunos. Dificilmente são ministradas todas as cinco aulas previstas, tendo em vista que os professores “adiantam” aulas dos colegas que faltaram e todos são dispensados mais cedo. Notou-se que tal conduta parece estar “internalizada” e banalizada tanto nos professores, quanto nos alunos, bem como na administração escolar; todos já esperam por ela a cada sexta-feira e estranham quando o turno não acaba mais cedo.

Na sequência didática bimestral do professor Pedro não é aplicada prova, tendo em vista que os alunos já realizam, a cada bimestre, uma prova interdisciplinar, denominada provão, a qual determina parte da nota de todas as matérias. O restante da nota de língua portuguesa dos alunos de Pedro é composto por exercícios dados no fim de toda aula: os alunos devem resolvê-los em uma folha à parte e entregar para o professor. Pedro afirma que alguns desses exercícios são apenas “vistados” (marcados com o visto do professor na folha e contabilizados para nota pela única razão de terem sido feitos), enquanto outros são efetivamente corrigidos. Assim, durante todas as aulas observadas, foram feitos exercícios a serem entregues no fim de cada aula como parte da composição da nota final do bimestre.

As aulas tinham, em geral, uma entrada ortográfica e eram desenvolvidas em torno da elaboração do exercício para nota, antecedido pela exposição oral do professor sobre o tópico gramatical em questão. Em razão de serem turmas menores às sextas-feiras, o professor acompanhava quase individualmente a produção dos alunos que, aos poucos, conforme acabavam o exercício, levavam a folha na carteira do professor, que lia e conversava com cada aluno sobre sua produção. Alguns alunos, contudo, copiavam as respostas de algum colega e entregavam ao professor no fim da aula, quando não era possível ler e comentar, em razão do tempo.

Depois de algumas semanas de observação, os alunos acostumaram-se com a minha presença na sala de aula e chegaram, inclusive, a procurar-me para tirar dúvidas, individualmente, sobre os exercícios. Esse foi um determinante para a escolha da sala de aula para a qual foi destinada a regência: a turma escolhida foi o 3º ano do Ensino Médio B. Os objetos de ensino observados durante o estágio foram:

AULA

TÓPICO ORTOGRÁFICO

TAREFA[5]

1

Acentuação

Elaborar uma lista de palavras paroxítonas, terminadas em   – l, que, necessariamente, sejam acentuadas.

2

Crase

Re-escrever uma lista de frases passando para o feminino, adequando os termos que passarem a necessitar de crase.

3

acentuação gráfica

Formar dez frases com os verbos reter e convir na terceira pessoa do singular no presente do indicativo.

4

Grafia

Elaborar uma lista de palavras adjetivas terminadas em –z.

5

Grafia

Passar para o plural uma lista de dez palavras terminadas em –ão.

6

acentuação gráfica

Re-escrever uma lista de frases das quais foram omitidos os acentos gráficos, adequando a ortografia.

7

acentuação gráfica

Elaborar uma lista de palavras paroxítonas, terminadas em   –r, que, necessariamente, sejam acentuadas.

8

acentuação gráfica

Colocar acentos em uma lista de palavras.

9

morfemas gramaticais

Elaborar uma lista de palavras iniciadas pelo prefixo re-, observando a nova ortografia oficial.

10

--

Apresentação de filme: O Alienista

TABELA 1: Objetos de ensino da sequência[6]

As aulas foram aplicadas de duas formas diferentes: na primeira, o professor permanecia em sala de aula durante todo o tempo desta, por não haver necessidade de “adiantar” aula em alguma outra turma; na segunda, para as turmas nas quais era necessário “adiantar” aula, o professor adentrava, passava a descrição da tarefa na lousa, se necessário, dava alguma orientação oral e retornava para outra sala. A turma com a aula “adiantada” ficava muito tempo sozinha, pois o professor retornava apenas no fim da aula para recolher as folhas com a tarefa solicitada.

Dessa forma, observamos que a sequência das aulas do professor Pedro tem como objetivo esclarecer alguns tópicos ortográficos julgados relevantes pelo docente, já que, segundo ele, seus alunos apresentam muitas dúvidas na hora de escrever. Os demais tópicos referentes ao currículo de Língua Portuguesa são tratados nos demais dias, já que os alunos dos terceiros anos têm quatro aulas de português por semana, incluindo as chamadas aulas de apoio.

 

2.2   Os gestos e os instrumentos didáticos

 

O professor Pedro, ao adentrar a sala de aula, cumprimenta os alunos que, aos poucos, começam a sentar-se, acalmando a euforia que sentem no intervalo entre as aulas. Como já mencionado, Pedro mantém uma relação próxima com seus alunos. Observamos muitas vezes que, depois de entrar, o professor ficava alguns minutos conversando sobre futebol com eles; chegou a perguntar como estava a irmã de uma aluna, para quem lecionou no passado, fez piadas e não gastou tempo com sermões e broncas. Os alunos, por sua vez, aparentavam estar à vontade na presença do professor, também fazendo piadas, rindo e tocando música no celular.

Na sequência observada nos terceiros anos, o professor faz uso da lousa e giz como instrumento material, com o objetivo de escrever as tarefas a serem realizadas durante a aula, bem como para dar exemplos dos tópicos ortográficos, tratados como objeto de ensino.

A organização geral da aula de Pedro pode ser resumida da seguinte forma: o professor, após adentrar, cumprimentar os alunos e fazer a chamada, escreve na lousa a tarefa do dia, avisa sempre que é para nota, lê a tarefa anotada e dá um exemplo do que espera. Caso haja alguma dúvida, o professor a sana oralmente e depois aguarda sentado em sua cadeira os alunos terminarem a tarefa e a levarem até lá. Aos poucos, os alunos vão terminando e entregando a tarefa ao professor que a lê na presença do aluno e comenta o que for necessário. Algumas vezes, o professor solicita que o aluno corrija alguma imperfeição na tarefa. Quando finalizam a atividade, os alunos conversam e ouvem música no celular.

O professor afirma que trabalha apenas com pequenos tópicos ortográficos nas aulas de sexta-feira porque são menos frequentadas pelos alunos e também porque, com tais atividades, é possível “adiantar” aula quando necessário.

Em relação aos gestos didáticos do docente, o mais importante e com papel fundamental em sua sequência, sem dúvidas, é a formulação de tarefas. É o gesto mais recorrente e central nas aulas observadas, tanto no que se refere ao planejamento pedagógico do professor, como também em seu método de avaliação, já descrito anteriormente. Além de formular tarefas, Pedro também utiliza a elementarização como gesto didático, quando, após apresentar as atividades a serem desenvolvidas em aula, cita exemplos e trata do tópico gramatical em questão.

  

3  O Projeto de Ensino

 

Para a elaboração do Projeto de Ensino para aplicação na atividade de regência constituinte do estágio supervisionado, foram observadas as turmas a fim de constatar algum fenômeno específico que pudesse ser trabalhado com o objetivo de complementar a formação dos alunos. O professor Pedro disse que eu seria livre para escolher o tema com o qual quisesse trabalhar. As observações evidenciaram a ausência do trabalho com textos durante a sequência observada, o que se constitui um problema para o tratamento dos tópicos gramaticais escolhidos pelo professor que, muitas vezes, lançou os conceitos relacionados à acentuação e à grafia das palavras de maneira dispersa, sem relação entre as aulas.

Neste artigo, o texto é concebido conforme o conceito abordado por Koch  (2007, p.26), como:

[...] um lugar de interação de sujeitos sociais que, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos. E, ainda, que esses sujeitos – ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes oferece – constroem objetos-de-discursoe propostas de sentido, por meio de ações lingüísticas e sociocognitivas. A esta concepção subjaz, necessariamente, a idéia de que há, em todo e qualquer texto, uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis pela mobilização do contexto sociocognitivo no interior do qual se movem os atores sociais.

Dessa forma, foram escolhidos para serem utilizados na sequência dois artigos de opinião com o objetivo de desenvolver com os alunos conceitos de análise textual, bem como estratégias de leitura e, também, para que conduzissem reflexões acerca da ideologia contida nas opiniões expressas pelos textos, questão inevitável tratando-se de artigos de opinião.

A turma escolhida para a aplicação da regência de ensino foi o 3º ano do Ensino Médio B, uma turma na qual acreditei estar mais à vontade com os alunos que se dirigiam até mim para tirar dúvidas durante o período de observação, estavam sempre atentos às orientações do professor e se dedicavam às atividades propostas em aula. Foi, então, elaborada para esses alunos uma sequência didática que tratou da leitura e análise de estratégias de argumentação dos artigos de opinião: Pensamentos quase póstumos, de Luciano Huck e Pensamentos de um “correria”, de Ferréz[7], publicados em 2007 no jornal Folha de São Paulo, na ocasião em que o relógio do apresentador foi roubado.

Esses textos foram escolhidos por poderem conduzir duas perspectivas distintas sobre um mesmo fato: o roubo do relógio do apresentador “global”, que originou o primeiro artigo, Pensamentos quase póstumos, expressando os sentimentos da vítima e uma análise da questão social em foco; e segundo texto, Pensamentos de um “correria”, o qual é claramente uma resposta ao primeiro, publicado no mesmo veículo de comunicação, apresentando outra perspectiva em relação a muitos dos argumentos que sustentaram a opinião de Huck. Além disso, também analisamos algumas opiniões publicadas na internet, por meio de outro gênero textual, o comentário, as quais ilustram um pouco a repercussão midiática do caso à época dos fatos.

A elaboração do Projeto de Ensino foi feita em grupo durante as aulas de MELP II, por integrantes que tinham em comum a elaboração de sua regência a partir das práticas de leitura e análise de artigos de opinião. O grupo reuniu-se com o objetivo de pensar um Projeto de Ensino que pudesse ser aplicado nos diferentes contextos em que se realizaram os estágios supervisionados de cada um dos integrantes, possibilitando a intervenção de ideias distintas que, unidas, formaram quase a totalidade das atividades que foram planejadas para nosso Projeto de Ensino e efetivamente aplicadas na regência.

É preciso considerar, ao escolher o trabalho com os gêneros textuais no ensino de língua materna, que tais gêneros, ao assumir a forma escolar, como afirma Schneuwly (2006), passam a ter uma constituição diferente daquela que tinham nas demais agências sociais, estando, ainda, intrinsecamente relacionados a elas. Assim, ao analisarmos os artigos de opinião em sala de aula, foi preciso, em primeiro lugar, situar as “agências sociais” nas quais encontramos tal gênero, e considerar que seu uso como objeto de ensino vai necessariamente modificar nosso olhar em relação a ele. Este será lido não mais como a expressão de uma opinião selecionada para a publicação em um jornal de grande circulação nacional, mas como um objeto selecionado para ser analisado dentro do contexto de aula de língua materna. A análise, portanto, será voltada para a forma do artigo, para os elementos constituintes do gênero e, também, para o movimento argumentativo utilizado pelos autores.

 

3.1   Aula 1

 

Podemos dizer que a primeira aula começou antes mesmo do início oficial já que, na aula anterior, o professor anunciou aos alunos do 3ºB que, a partir das próximas aulas, quem assumiria a turma seria eu, por um tempo específico. Aproveitei a ocasião para apresentar o Projeto aos alunos e estimulá-los a comparecer já que notei no período de observação que o alunado variava por sexta-feira ser um dia atípico na escola, como já foi comentado. Falei que pretendia trabalhar com textos que tratavam do tema “violência urbana” e que aprenderíamos técnicas de argumentação. Percebi que os alunos se interessaram pelo tema, fazendo questões e demonstrando gosto pela proposta.

Na primeira aula, apresentei-me aos alunos que não estavam presentes na conversa que tivemos anteriormente e fizemos um breve resumo do que pretendia para aquelas aulas de regência. Iniciamos nossa conversa pedindo aos alunos que refletissem sobre dois conceitos importantes para nosso trabalho: desigualdade social e violência. Perguntamos a eles o que entendiam por esses dois conceitos e, depois, passamos na lousa conceitos trazidos de um dicionário e de um livro de geografia. Questionamos se conseguiam perceber naqueles dois conceitos uma relação de causa e consequência e, para isso, conversamos sobre o que é tal relação.

Nessa primeira aula, ainda não chegamos a trabalhar com nenhum dos textos que seriam utilizados como corpus principal do Projeto de Ensino, o que só aconteceu algumas aulas depois. O que pretendíamos era preparar o repertório teórico dos alunos para as discussões a serem feitas posteriormente.

Ao final da primeira aula, chegamos a falar sobre a relação entre a moral e a violência. Explicamos para os alunos o que é um conceito moral, comentando sua individualidade e relatividade em relação à cultura e à sociedade. Em certo momento, um dos alunos disse que a violência poderia ser evitada caso os bandidos resolvessem parar de “fazer o mal” e começassem a trabalhar, em vez de roubar. Esse momento, mesmo não planejado no Projeto inicial para aquela aula, foi interessante já que os alunos tiveram contato com uma perspectiva diferente em relação ao tema da violência e da desigualdade social.

É preciso considerar, para compreender bem como se relacionam os dois fenômenos, que é a própria estrutura social que cria a segregação social e boa parte da violência. A moral, nesse caso, aparece na minoria dos crimes, a maior parte deles poderia ser resolvida com bons programas de combate ao desemprego, com educação de qualidade e menor corrupção política em todas as esferas do setor público.

Percebemos que os alunos prestaram bastante atenção nas conversas que tivemos naquela aula. O professor Pedro permaneceu sentado, sem interferir na conversa ou participar da atividade. Deixamos como recomendação de leitura, para os que gostaram, o livro O que é ideologia, da professora Marilena Chaui, um texto que trata do tema da discussão final da aula, o qual apresenta linguagem didática e pode ser encontrado na internet, para download, em um site que recomendei.

Utilizamos como instrumentos materiais, nessa aula, apenas a lousa e o giz, além de a exposição oral. Como gesto didático, pode ser destacado o par dialógico pergunta-resposta.

 

3.2 Aula 2

 

Nesta segunda aula, relembramos os alunos sobre o que havia sido discutido na última aula e percebemos que a maioria dos que estavam presentes tinha assistido à aula anterior. Perguntamos se alguém tinha “baixado” o livro recomendado e apenas uma aluna disse ‘sim’. Gostaria que mais alunos tivessem procurado a referência bibliográfica, mas fiquei satisfeita com uma aluna ter se interessado, além de acreditar que, no futuro, os demais terão oportunidade para fazê-lo, o que não aconteceria se não tivéssemos recomendado a leitura.

Essa aula foi centrada na elaboração de um diagrama em teia, partindo dos temas discutidos na aula anterior. Um diagrama em teia consiste na elaboração de um diagrama a partir de ideias que forem surgindo em relação a um tema principal. Escrevemos no centro da lousa os fenômenos discutidos na aula anterior (desigualdade social e violência) e perguntamos aos docentes:

Estagiária: O que vocês pensam quando ouvem falar disso? Se vocês fossem escrever um texto cujo tema fosse esses fenômenos, do que vocês falariam? Quando vocês ouvem falar disso pela mídia, quais são as informações recebidas?

 

Assim, aos poucos os alunos falaram o que iam lembrando a respeito dos outros momentos em que tiveram contato com discursos os quais comentavam sobre os fenômenos que estávamos discutindo. Surgiram palavras como: miséria, política, drogas, sistema prisional, luxo, orgulho, entre outras que infelizmente não é possível lembrar e que não foram anotadas. De acordo com o comentário dos alunos foi criada a figura 1 demonstrada a seguir:

 

image001

FIGURA 1: exemplo de diagrama em teia

 

O objetivo dessa atividade foi observar como um mesmo tema pode ser discutido por meio de perspectivas diversas e, às vezes, até antagônicas. Os alunos disseram que a aula estava semelhante à aula de filosofia e não a de português. Aproveitamos a oportunidade para explicar a eles a importante relação entre linguagem e pensamento, momento não previsto na elaboração inicial da sequência.

Nessa aula, destacou-se o uso da lousa e do giz, além da exposição oral como instrumentos didáticos, e do par pergunta-resposta como gesto didático, embora também tenha sido formulada, como tarefa, a elaboração coletiva do diagrama em teia, e tenha sido utilizada a memória didática no início da aula. Ao final desta, trocamos experiências sobre casos de violência vividos por eles, por mim e pelo professor.

 

3.3 Aula 3

 

Nesta aula, notamos que os alunos estavam agitados e demoramos um pouco para conseguir que eles prestassem atenção, sendo necessária a intervenção do professor Pedro. Após esse pequeno problema no início da aula, relembramos as discussões das aulas anteriores e começamos a analisar os títulos dos textos com os quais lidaríamos nas aulas seguintes.

Em primeiro lugar refletimos sobre o título Pensamentos quase póstumos que foi escrito na lousa. Conversamos sobre o significado da palavra ‘póstumos’, que alguns estudantes não conheciam e, em seguida, analisamos a atenuação provocada pelo uso de “quase”. Também falamos sobre o que provavelmente o autor quis dizer com essa ideia de pensamentos de uma pessoa que quase morreu, mas não morreu. Em seguida, conversamos acerca do título Pensamentos de um “correria”, com certa dificuldade em definir o que seria este “correria”, ao qual o autor referia-se. Notamos que os alunos demonstraram bastante interesse quando começamos a tratar de um universo cultural mais próximo da realidade deles, aproximação esta feita por intermédio da linguagem.

Após conversarmos sobre os títulos de cada um dos textos, tentamos já esboçar alguma diferença de perspectiva que, posteriormente, encontraríamos em relação às opiniões ali expressas. Fiquei satisfeita com o resultado dessa aula, pois acredito que eles chegaram a um ponto importante da reflexão que já vínhamos construindo desde a primeira aula; conseguiram perceber, apenas pelo título, a diferença de perspectiva entre os textos e lembraram as discussões feitas anteriormente. Comentamos que eles poderiam encontrar os textos a serem trabalhados na internet. Como instrumento material, utilizamos a lousa, o giz e a exposição oral; como gesto didático, destacou-se o uso do par pergunta-reposta e da memória didática.

 

3.4  Aula 4

 

Iniciamos a aula perguntando aos alunos se alguém tinha lido os textos cujos títulos analisamos na aula anterior e todos responderam que ‘não’. Fizemos um pequeno comentário a respeito, mas não alongamos a conversa já que, posteriormente, estudaríamos os textos. Para essa aula, solicitamos aos alunos que escrevessem um artigo de opinião, como produção inicial, no qual se expressariam acerca de tudo o que havíamos discutido até então. Pedi a uma aluna que resumisse, oralmente, as atividades feitas desde a primeira aula, o que ela fez, sem problemas, com a ajuda de colegas.

Escrevemos a tarefa do dia na lousa e aguardamos que os alunos fizessem a atividade e viessem tirar eventuais dúvidas; ao passo que iam terminando a atividade, entregavam e podiam sair para o intervalo que ocorreria na sequência. Posteriormente, o professor disse que eu não poderia ter liberado os alunos para o intervalo antes de tocar o sinal.

A atividade anterior tinha caráter diagnóstico, com o objetivo de verificar o conhecimento dos alunos a respeito do gênero. Considerando que todos da turma não tinham lido os textos que seriam analisados nas aulas seguintes, não soubemos a relação que os estudantes tinham com o gênero em questão. As redações apresentadas nessa aula eram pequenos textos os quais expressavam opinião com frases do tipo: “Eu acho que a violência é causada...”.

Dessa forma, concluímos que os estudantes não estavam muito familiarizados com o gênero, e que teríamos, então, que dedicar algumas de nossas aulas posteriores para comentar as características formais e não somente fazer a análise da argumentação encontrada nos textos.

 

3.5 Aula 5

 

Esta aula foi dedicada à análise do texto Pensamentos quase póstumos, o qual foi impresso e distribuído aos alunos. Solicitamos que o guardassem, pois seria utilizado posteriormente. Primeiramente, lembramos a discussão acerca do título do texto ocorrida na aula anterior e, em seguida, pedimos a um aluno que fizesse a leitura em voz alta.

Perguntamos a eles o que era uma paráfrase, e ninguém sabia. Fizemos a institucionalização do conceito na lousa, pedindo que anotassem. Solicitamos que fizessem, oralmente, uma paráfrase do que foi dito no texto, atividade que fizeram coletivamente. Após, conversamos sobre a importância da paráfrase como um recurso para o auxílio da leitura.

Perguntamos aos alunos se já tinham tido algum contato com aquele texto anteriormente considerando a repercussão midiática do caso à época dos fatos; eles responderam que lembravam, mas não com exatidão.

 

3.6  Aula 6

 

Nesta aula, iniciamos conversando a respeito da definição de argumento. Perguntamos aos alunos “o que é um argumento?” e eles responderam oralmente o que entendiam. Institucionalizamos tal conceito com uma definição retirada do dicionário e pedimos aos alunos que encontrassem os argumentos do texto, dando um tempo a eles para que realizassem tal atividade. Após, solicitamos que expressassem, oralmente, os argumentos encontrados no texto; percebemos que eles tiveram dificuldade para encontrá-los. Por meio do par pergunta-resposta, fomos levantando os argumentos, que eram topicalizados na lousa.

No fim da aula, colocamos na lousa os tipos de argumentos (autoridade, princípio, causa e exemplificação[8]). Explicamos oralmente as definições e deixamos como tarefa para casa que os alunos classificassem os argumentos encontrados durante a aula, de acordo com os critérios vistos.

 

3.7  Aula 7

 

No início da aula, pedimos aos alunos que entregassem a atividade solicitada na aula anterior. Nenhum aluno tinha feito a tarefa. Fiquei chateada e conversei com eles sobre a necessidade de engajamento para a boa realização das atividades. Ao fim da aula, o professor disse que esse comportamento era normal e que eles não costumavam realizar tarefas que não fosse para nota, razão pela qual ele formula atividades para nota, em todas as aulas.

Nessa aula, após a conversa sobre a necessidade do engajamento, entregamos aos alunos cópias do texto Pensamentos de um “correria”. Perguntamos a eles o que lembravam a respeito da discussão sobre os títulos dos textos; fiquei contente por perceber que as discussões da aula 3 foram aprimoradas pelos alunos que, dessa vez, apresentaram considerações mais elaboradas sobre o tema. Em seguida, solicitamos que uma aluna lesse, em voz alta, o texto do dia; posteriormente, esboçamos uma comparação com o texto anterior. A seguir, solicitamos que eles encontrassem os argumentos do texto, assim como no texto anterior. Essa atividade os alunos realizaram com facilidade.

 

3.8 Aula 8

 

No início, solicitamos aos alunos, novamente, a atividade a ser realizada em casa, referente à aula 6. Dessa vez, duas alunas tinham feito a tarefa, o que me deixou contente. Conversei com os demais sobre a necessidade de um envolvimento mais responsável com os estudos.

Para essa aula, trouxemos comentários postados na internet sobre os textos analisados nas aulas anteriores em algumas folhas impressas; destacamos as diferenças existentes entre os gêneros “artigo de opinião” e “comentário”. Conversamos sobre a questão da formalidade pertinente ao artigo de opinião e a informalidade encontrada no outro gênero. Observamos os termos utilizados nos gêneros, pontuação, posicionamento dos autores, figuras de linguagem, imagens etc. Conforme conversávamos, fui anotando na lousa, em tópicos, as considerações que surgiram.

Nessa aula, tivemos a oportunidade de conversar acerca das características formais do gênero artigo de opinião, cuja pertinência foi diagnosticada por meio da produção inicial na aula 4.

 

3.9  Aula 9

 

Nesta aula, a preocupação estava relacionada à demonstração da ligação estabelecida entre as aulas anteriores, com o objetivo de que percebessem a sequencialidade das atividades. Levamos a eles a produção inicial entregue na aula 4, corrigida, e conversamos sobre o diagnóstico constatado com base nos textos corrigidos. Conversamos, novamente, sobre as características formais do gênero artigo de opinião, sobre a necessidade da elaboração de uma estrutura relativamente estável, por exemplo, a presença de uma introdução e de uma conclusão, e sobre como são demonstrados os argumentos referentes ao posicionamento defendido no texto etc.

Apresentamos aos alunos o conceito de movimento argumentativo[9]e esboçamos uma análise aplicando o conceito nos dois artigos de opinião com os quais já estávamos lidando.

 

3.10  Aula 10

 

Nesta aula pedimos aos alunos que produzissem uma nova versão do artigo de opinião. Conversamos sobre todas as etapas anteriores, perguntando a eles se lembravam de todas as aulas anteriores. Apenas uma aluna tinha assistido a todas as aulas, mas muitos lembraram várias atividades realizadas. Orientamos que lembrassem as conversas que tivemos, comentários em relação à primeira produção para que elaborassem uma nova versão do gênero artigo de opinião, defendendo um posicionamento sobre o tema discutido desde a primeira aula, apresentando argumentos plausíveis para defender uma tese. Os alunos ficaram até o término da aula realizando a atividade, que foi entregue.

Ao corrigir a atividade, percebemos mudanças significativas na escrita dos alunos, por isso, consideramos a atividade um sucesso.

 

 4   Análise da regência aplicada

 

A aplicação da regência pode ser considerada bem sucedida, em primeiro lugar, pela mudança encontrada nos textos produzidos na aula 10 em comparação aos textos da aula 4. A estrutura textual assemelhou-se mais à forma do gênero artigo de opinião; os parágrafos estavam mais bem organizados, embora ainda encontrados muitos desvios em relação à norma padrão, necessária à formalidade do gênero.

Os alunos, em geral, participaram de maneira satisfatória, demonstrando interesse pela novidade trazida por meio das atividades das quais estavam participando. Notamos que a maioria anotava as indicações passadas na lousa e as discussões foram muito produtivas, gerando a oportunidade de serem quebrados alguns pensamentos preconceituosos.

Um ponto que talvez possa ser considerado negativo foi a baixa participação dos alunos na tarefa proposta na aula 6, para ser realizada em casa. Não obstante às considerações do professor, acredito que eu poderia ter tratado, novamente, em outras aulas, a questão dos ‘tipos de argumentos’, ou solicitado aos alunos que realizassem a atividade em classe, considerando a importância que esse tópico apresentava para a sequência de ensino.

Em geral, os gestos utilizados foram o uso da lousa, a exposição oral, a formulação de tarefas, a institucionalização e a memória didática, contudo, em relação a esta se faz necessário um comentário à parte. Uma das principais preocupações em relação à elaboração da sequência descrita anteriormente esteve relacionada à conexão entre as aulas de forma a criar, efetivamente, uma sequencialidade no ensino do gênero, pois, dessa forma, os conteúdos abordados passam a fazer sentido para os alunos. Assim, pedimos algumas vezes aos alunos que lembrassem as atividades anteriores criando uma relação entre as aulas.

Com base nessa análise, podemos afirmar que as condições de aplicação da regência também contribuíram para o sucesso desta já que se trata de uma turma reduzida de alunos, cerca de um quarto do total de estudantes, assim como a livre escolha temática em relação ao Projeto concedida pelo docente.

 

Referências

Caderno de apoio e aprendizagem – 9º ano do Ensino Fundamental, 2011. Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo.

CHAUI, M. O que é ideologia. São Paulo: Abril/Cultural Brasiliense, 1984.


KOCH, I.G.V. Texto, leitura e produção do sentido. In: Um mundo de letras: práticas de leitura e escrita – salto para o futuro – Boletim 3. TV Escola/SEED-MEC, 2007.

Proposta curricular do Estado de São Paulo: Língua Portuguesa. Coord. Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2008.

SCHNEUWLY, B. “Genres et forme scolaire: enseignement e apprentissage de la langue première à l’école”, 2006, apud GOMES-SANTOS, S. N. Gêneros textuais: objetos de ensino. In: Um mundo de letras: práticas de leitura e escrita – salto para o futuro – Boletim 3. TV Escola/ SEED-MEC, 2007.


Sites

FERRÉZ (2007). Pensamentos de um “correria”, Folha de São Paulo: 08.10.2007, Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u336145.shtm

HUCK, L (2007). Pensamentos quase póstumos, Folha de São Paulo: 1º.10.2007, Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u336144.shtml


Caroline Seixas

Bacharel em Língua Portuguesa e Linguística (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, Brasil, 2011). Licenciada em Língua Portuguesa e Linguistica (Faculdade de Educação/USP, 2011).

 

Anexos


Anexo I – Texto analisado durante a aula.


Pensamentos quase póstumos 

1

 

 

 

5

 

 

 

 

10

 

 

 

 

15

 

 

 

 

20

 

 

 

 

25

 

 

 

 

30

 

 

 

 

35

 

 

 

 

40

 

 

 

 

45

 

 

 

 

50

 

 

 

 

55

 

 

 

 

60

 

 

 

 

65

            Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura.

            Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.

            Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado.

            Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia.

            Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa.

            Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável.

            Passei um dia na cidade nesta semana - moro no Rio por motivos profissionais - e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres.

            Onde está a polícia? Onde está a "Elite da Tropa"? Quem sabe até a "Tropa de Elite"! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.

            Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso.

            Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro.

            Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir --com um 38 na testa-- que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua mergulhado em problemas quase "infantis" para uma sociedade moderna e justa.

            De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.

            Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber. Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de "extraterrestres" fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo?

            Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no "Roda Vida" da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, "Tropa de Elite" é uma obra de ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas não sei no que ele está pensando.

            Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: "Cansei". O Lobão canta: "Peidei". Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar

            Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio.

            Isso não está certo.

 

 

Luciano Huck, 36, apresentador de TV que comanda o programa "Caldeirão do Huck", na TV Globo. É diretor-presidente do Instituto Criar de TV, cinema e covas cídias.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u336144.shtml, versão eletrônica do Jornal Folha de São Paulo, publicado em 1º.10.2007.

 

Anexo II – Texto analisado durante a aula.


Pensamentos de um “correria”

1

 

 

 

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55

 

 

 

 

60

 

 

       ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.

      Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.

      Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada.

      O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36 prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.

      Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.

      Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e pensam que estão vivos e num país legal.

      Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.

     Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles, ninguém sofre por beber.

     Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela nova lei do governo, todo mundo é aprovado?

     Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.

     Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não!

     Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.

     Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora.

Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.

      Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.

      A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca puderam fazer o mesmo por seus filhos!

     Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está cercado de mulheres seminuas em seu programa.

    Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou, levou.

     No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.

     Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes.

 

Reginaldo Ferreira da Silva (conhecido como Ferréz), 31, é escritor e rapper. É autor de Capão Pecado, romance sobre o cotidiano violento do bairro Capão Redondo, localizado na periferia de São Paulo, onde ele vive, e de Ninguém é Inocente em São Paulo, entre outras obras.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u336145.shtml, versão eletrônica do Jornal Folha de São Paulo, publicado em 08.10.2007

 

[1] O nome real do professor foi alterado.

[2] Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos

[3] As falas contidas no artigo foram reconstituídas e não transcritas.

[4] Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

[5] As tarefas estão parafraseadas e não descritas exatamente como indicadas pelo professor.

[6] A tabela 1 ilustra os objetos de ensino observados durante dez aulas aplicadas para as cinco turmas dos terceiros anos do Ensino Médio.

[7]Ver anexo.

[8] Essa classificação de argumentos foi retirado do Caderno de Apoio e Aprendizagem da Prefeitura Municipal de São Paulo, 9º ano do Ensino Fundamental.

[9] Conceito extraído do Caderno de Apoio e Aprendizagem da Prefeitura Municipal de São Paulo, 9º ano do Ensino Fundamental.

 


João Henrique Lara Ganança

 

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar as atividades de estágio desenvolvidas em algumas turmas de 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio da Escola Estadual C. V. A. (nome fictício criado a fim de proteger a identidade do colégio, bem como de seus alunos e professores) referentes à disciplina MELP II. O estágio foi composto por 60 horas, dentre as quais 50 destinaram-se à observação das atividades desenvolvidas por três docentes em todos os anos do Ensino Médio e dez aulas foram utilizadas para a aplicação de um Projeto de regência sobre o gênero texto de opinião. Desenvolvido com uma única turma de 1º ano, o Projeto desdobrou-se em quatro fases que abrangeram desde a identificação do gênero textual até a produção, pelos alunos, de um texto opinativo. Ao longo das atividades, percebemos um amadurecimento das estratégias argumentativas dos discentes, que partiram de embriões argumentativos para níveis mais sofisticados de argumentação. A partir disso, dissertaremos, com base em uma amostragem dos textos produzidos pelos alunos, acerca do processo de construção da argumentação.

 

Palavras chave: Argumentação; Primeiro Ano do Ensino Médio; Texto de opinião.

 

Introdução

 

Este artigo é fruto dos estágios de observação e regência realizados para a disciplina MELP II (Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) com duração de 60 horas. Sob orientação do Prof. Dr. Sandoval Nonato Gomes-Santos, o estágio desenvolveu-se durante o segundo semestre de 2012 em uma escola pública estadual de Ensino Médio na cidade de São Paulo.

No intuito de abarcar, neste artigo, todo o processo do estágio, dividirei o texto em três grandes partes. A primeira corresponderá à descrição sumária das condições do ensino-aprendizagem da disciplina Português na referida escola. A fim de analisar as observações realizadas, utilizarei os conceitos teóricos apresentados por Bernard Schneuwly em seu texto Le travail enseignant (O trabalho docente - 2009). Portanto, nessa primeira parte do texto, procuraremos descrever o trabalho docente do ponto de vista dos objetos de ensino ministrados, dos gestos e instrumentos didáticos de que os professores se apropriam para ensinar os objetos escolhidos, bem como das atividades desempenhadas pelos alunos dentro dos dispositivos didáticos utilizados.

Se a primeira parte do artigo advém diretamente do estágio de observação, as partes seguintes são resultados diretos do estágio de regência. Na segunda parte, será apresentado, com detalhes, um Projeto Didático para ensino do objeto textual (texto de opinião), idealizado com o intuito de ser aplicado, durante dez aulas de 50 minutos cada, em uma das turmas de 1º ano observadas ao longo do estágio. Finalmente, a terceira e última parte constituir-se-á de uma reflexão ensaística acerca da aplicação do Projeto de Ensino mencionado, buscando avaliá-lo do ponto de vista de sua eficácia no ensino-aprendizagem do objeto escolhido.


1. O contexto escolar do estágio


1.1 A escola


Os estágios de observação e regência foram feitos na Escola Estadual C. V. A. (nome fictício), localizada na zona sul de São Paulo. Escola pública tradicional no bairro em que está localizada, esta vivenciou, no passado, os áureos tempos de prestígio do colégio público brasileiro. Atualmente, porém, a instituição sofre com o mesmo descaso com que são tratadas as demais escolas públicas estaduais de São Paulo; faltam recursos tecnológicos como laboratórios, sala de informática e equipamentos de áudio e vídeo (a única sala de vídeo que há na escola é abafada e não comporta muitos alunos).

Gostaríamos de destacar, contudo, a extensa biblioteca da escola, que conta com um amplo acervo de literatura brasileira, portuguesa e estrangeira, bem como livros didáticos e livros teóricos de todas as disciplinas e também de pedagogia para os professores. O espaço é organizado pela professora S. (pseudônimo), docente efetiva de português da escola, readaptada devido a problemas de saúde. A professora mantém com alguns alunos um “Clube do Livro”, no qual são discutidas obras literárias canônicas e contemporâneas. É de fato notável verificar o número de alunos que afluem todos os dias à biblioteca em busca de livros, incentivados pela professora, que os acolhe com atenção.

A maioria dos alunos e dos professores da escola reside em suas imediações ou em bairros próximos a ela, considerados de classe média-baixa. O colégio funciona em três períodos (matutino, vespertino e noturno), tendo sido reservado o período matutino para os segundos e terceiros anos e o vespertino para os primeiros anos. No noturno, há salas de todos os anos. Atualmente, a escola abriga aproximadamente 900 alunos, número consideravelmente inferior ao verificado no início do ano, revelando um alto índice de evasão (havia salas com apenas 20 alunos).

 

1.2  O estágio

 

Conforme mencionado, o estágio de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II teve a duração de 60 horas, dentre as quais 50 foram reservadas às observações em sala de aula e 10 destinaram-se à regência.

Com o intuito de abarcar o maior número possível de turmas, podendo gozar, assim, de uma visão global da situação do ensino-aprendizagem de Português na referida escola, optamos por realizar o estágio com três professores em diversas turmas de primeiro, segundo e terceiro anos. Às segundas-feiras à tarde, acompanhamos a professora F. (pseudônimo), docente não efetiva de Português, em quatro turmas de primeiro ano. Já às terças-feiras, pela manhã, acompanhamos os professores C. e P. (pseudônimos), Também docentes não-efetivos de Português, em turmas de terceiro e segundo anos.

De modo geral, pode-se dizer que fui bem-recebido pelo corpo docente e pela direção da escola, que não criou obstáculos à realização do estágio, oferecendo todos os esclarecimentos e auxílios necessitados a fim de integrar-me ao cotidiano da instituição. Gostaríamos de destacar, ainda, a recepção animada com que fomos saudados por parte dos alunos, curiosos com a minha presença nas aulas.

 

1.3  O trabalho docente

 

Acompanhamos, conforme mencionado, três professores de português: F., nas turmas de primeiro ano; P., nas turmas de segundo e C., nas de terceiro ano.

Nenhum dos docentes é efetivo na rede estadual. C. e F. são professoresrecém-ingressos no estado, com aproximadamente quatro anos de profissão cada um, ao passo que P. informou a proximidade de sua aposentadoria, evidenciando sua longa jornada como professora.

Com relação, especificamente, ao trabalho docente, pode-se dizer que cada um desempenha suas funções de maneiras completamente diferentes entre si, priorizando alguns gestos e dispositivos didáticos em detrimento de outros e elencando objetos de ensino dos mais diversos campos. Haja vista essa disparidade de gestos, dispositivos e objetos, nas seções seguintes será descrito e analisado, individualmente, o trabalho de cada docente acompanhado.

 

1.3.1  Os objetos ensinados

 

Segundo Schneuwly (2009), o grande objeto sobre o qual atua o professor com seu trabalho são os processos psíquicos dos alunos. Contudo, diz-nos o pesquisador suíço que o professor não pode atuar diretamente sobre esses processos. Por esse motivo, instaura um objeto intermediário o qual deverá, por sua vez, atuar sobre os modos de falar, pensar e agir dos alunos.

Do ponto de vista do ensino de língua materna, os objetos possíveis de serem intermediários entre o professor e os processos psíquicos dos alunos podem ser alocados em quatro grandes categorias: textuais (aqui entram os gêneros textuais, objetos específicos de estudo da disciplina Português segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - 1998); temáticos (ensino das escolas literárias, por exemplo); gramaticais (reflexão sobre a língua) e ortográficos.

Cada objeto de ensino, diz-nos Schneuwly, sofre, pelo trabalho docente, um processo de dupla semiotização, pois é presentificado pelo professor de modo pleno em sala de aula e imediatamente é fragmentado, cabendo ao docente selecionar os fragmentos que melhor se encaixarem em seus objetivos de ensino.

Durante as observações feitas em sala de aula, verificamos que houve predominância de objetos de natureza gramatical e textual no ensino de Português no colégio em questão em detrimento dos objetos de natureza temática e ortográfica.

As aulas ministradas pela professora F. para as turmas do primeiro ano acompanhadas versaram a respeito das figuras de linguagem (figuras de palavras, sintaxe e pensamento), objeto situado entre o gramatical e o textual, apresentado aos alunos, porém, desvinculados da interpretação de textos e exemplificado com frases descontextualizadas. Além disso, a professora ensinou orações subordinadas substantivas e adjetivas (objeto de natureza gramatical) e o movimento literário Classicismo (objeto de natureza temática).

A professora P., por sua vez, trabalhou com suas turmas de segundo ano objetos puramente gramaticais – adjetivos, advérbios e artigos -, ao passo que o professor C., com os terceiros anos acompanhados, trabalhou, predominantemente, os objetos textuais, pois analisou os poemas Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, Ironia de Lágrimas, de Cruz e Sousa, e A Estrela, de Manuel Bandeira, ao mesmo tempo em que procurou apresentar aos alunos paródias e releituras de alguns desses poemas (como as diversas paródias já feitas da Canção do Exílio). Além disso, o professor trabalhou a variação linguística (de natureza gramatical) a partir de coletânea de textos da apostila oferecida pelo governo do estado.

 

1.3.2  Os gestos e instrumentos didáticos

 

Bernard Schneuwly define, no texto que serve de apoio teórico a este artigo, dois conceitos fundamentais para o entendimento do trabalho do professor. O primeiro, sobre instrumentos didáticos, refere-se a todas as ferramentas utilizadas pelo docente para presentificar o objeto de ensino elencado e instaurar uma cena didática, isto é, uma situação eficaz de ensino-aprendizagem desse objeto. O segundo, sobre gestos didáticos, diz respeito às posturas didáticas que orientam a atividade do professor e que permitem ao docente aplicar os instrumentos didáticos adequados a cada objeto de ensino escolhido.

No que concerne aos instrumentos didáticos, o teórico suíço diz que eles podem ser tanto de natureza material (específicos de cada disciplina ou comuns a todas elas, como, por exemplo, o giz, a lousa, os instrumentos dos laboratórios, os vídeos e áudios que podem ser utilizados pelos professores, os livros didáticos e as apostilas etc.) quanto de natureza discursiva (exposição oral, leitura compartilhada, discussão em grupo, simulação, dramatização etc.).

No estágio de observação realizado na Escola Estadual C. V. A, observamos que cada professor utiliza sempre os mesmos instrumentos didáticos em suas aulas e que estes não são gerais, variando de professor para professor, modificando, igualmente, o teor das atividades realizadas pelas turmas em cada ano.

A professora F., em suas turmas de primeiro ano, utilizou com grande frequência o giz e a lousa, passando os conteúdos para que seus alunos os copiassem. Não verificamos a utilização, pelos alunos, de livros didáticos em suas aulas, uma vez que, segundo ela, os livros não são trazidos para as aulas, mesmo quando os alunos são solicitados a trazê-los. Além disso, não presenciamos momentos de exposição oral ou discussão aberta sobre os conteúdos anotados na lousa.

Quanto aos instrumentos elencados pela professora P. em suas turmas de segundo ano, resumem-se, basicamente, ao livro didático (explicação dos objetos e atividades propostas), que é trabalhado pelos alunos em grupos ou duplas, e à exposição oral dos conteúdos veiculados pelo livro a cada grupo, conforme a necessidade. Esse modelo de trabalho, segundo a docente, é o único adotado por ela, uma vez que permite atender cada aluno ou grupo de alunos de modo particular.

Por fim, no que tange aos instrumentos didáticos adotados pelo professor C., constatamos que são utilizadas, sobretudo, a apostila de apoio do governo, a exposição oral (grande parte das aulas foi utilizada para explicar e interpretar poemas presentes na apostila), a leitura compartilhada (os alunos eram convidados a ler os poemas) e um princípio de discussão (os alunos eram instigados a interpretar os poemas). Apesar de maior diversidade de instrumentos empregados por este último professor em comparação aos empregados por suas colegas, o entrosamento das turmas com o objeto de ensino e com o docente revelou-se bastante “sofrível” durante.

Conforme a definição anterior, na terminologia de Schneuwly, gestos didáticos referem-se às posturas didáticas que permitem ao professor aplicar os instrumentos por ele escolhidos. Em seu texto, o estudioso suíço descreve quatro gestos fundamentais do trabalho do professor: o emprego propriamente dito dos dispositivos didáticos; a regularização, isto é, a avaliação da eficácia dos instrumentos utilizados, seja por meio de “provas”, seja sanando dúvidas dos alunos; a institucionalização dos conceitos utilizados, ou seja, a aproximação, por meio de definições, por exemplo, do objeto construído em aula com os saberes já socialmente e historicamente construídos; e, por fim, a criação da memória didática, que consiste na aproximação do saber construído em aula com os saberes que já foram construídos pelos alunos em momentos anteriores. Nas aulas observadas, percebemos que os instrumentos empregados pelos docentes forçaram a atuação de determinados gestos em detrimento de outros.

No trabalho da professora F., por exemplo, o gesto que mais se sobressai é uma tentativa de institucionalização. Digo tentativa, pois, conforme o comentário anterior, a institucionalização pressupõe a aproximação dos objetos construídos em aula a saberes social e historicamente constituídos. Assim, para se realizar esse gesto, espera-se que o objeto de ensino já tenha sido presentificado para os alunos e discutido com eles, a fim de que a institucionalização seja um momento de sistematização do que foi apresentado antes. O que acontece nas aulas da professora F., contudo, é um simulacro de institucionalização, pois ela apenas transcreve na lousa definições e conceitos dos objetos de ensino elencados, abstendo-se de os presentificar previamente. Não verificamos, também, haja vista a ausência de exposição oral, momentos de criação da memória didática ou de regularização.

Já a professora P., por dividir seus alunos em grupos de leitura e estudo dos conteúdos trazidos pelo livro didático, praticou com ênfase a regularização, uma vez que, durante o momento da aula, orientava os grupos sanando as dúvidas relativas aos conceitos estudados e aos exercícios pedidos. Nesses momentos de orientação individual, a professora também aproveitava para criar a memória didática, retomando conceitos estudados anteriormente para uma melhor compreensão do objeto de estudo atual.

No que se refere ao trabalho do professor C., não foi constatado o surgimento da institucionalização, uma vez que os objetos de ensino não pareciam seguir uma sequencia lógico-causal que permitisse a sistematização e a criação de conceitos generalizantes. Houve momentos de retomadas de conceitos anteriores para a interpretação dos poemas estudados, na tentativa de criar a memória didática; também houve momentos de regularização, nos quais os questionamentos levantados pelos alunos levavam o docente a reformular suas ideias e suas explanações.

Como pudemos notar, cada professor acompanhado organizou a cena didática em suas aulas de modos completamente diferentes entre si. Essa construção e organização do meio didático é definida por Bernard Schneuwly como “implementação de dispositivos didáticos”. É de vital importância perceber que a seleção de determinados dispositivos didáticos em detrimento a outros e os diferentes modos de implementá-los revelam muito sobre as concepções de ensino-aprendizagem que norteiam o trabalho dos docentes e sobre a participação dos alunos na construção dos objetos de estudo.

 

1.3.3  As atividades

 

Nesta última subseção da primeira parte deste artigo, trataremos das atividades escolares que, na terminologia de Schneuwly (2009), dizem respeito a tudo o que o aluno é levado a fazer dentro dos instrumentos didáticos aplicados pelo professor. As atividades materializam-se por meios de tarefas a serem cumpridas pelos alunos.

A participação dos discentes nas aulas da professora F. foi mínima, uma vez que a única atividade realizada foi a cópia de textos da lousa. Já os alunos do segundo ano, sob a responsabilidade da professora P., foram levados, pelo emprego dos instrumentos didáticos elencados, a lerem sobre os objetos de ensino (adjetivos, advérbios e artigos) e refletirem sobre eles a fim de responderem a perguntas formuladas pelo livro didático sobre os objetos. As respostas dos alunos, frutos de seu estudo, deveriam ser entregues à professora para futura correção. No que concerne aos alunos do professor C., as atividades e tarefas consistiam, basicamente, em prestar atenção à explanação do professor e ler os textos solicitados em voz alta a fim de debatê-los com o docente. Ao final das aulas, contudo, verificando que os alunos não se integraram plenamente às atividades, C. solicitava sempre o preenchimento de questionários presentes na apostila de apoio do governo, que versavam sobre os poemas lidos e sobre o tema da variação linguística, a fim de atribuir nota.

 

2 O Projeto Didático "Produzindo um Texto de Opinião"

 

2.1  Opções e justificativas

 

Conforme aludimos no início deste artigo, a segunda e a terceira parte seriam frutos diretos do estágio de regência realizado na Escola Estadual C. V. A., Especificamente nesta segunda parte, temos como intuito apresentar um Projeto Didático concebido durante as aulas de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II, para o ensino e a produção de um artigo de opinião com alunos de uma turma do 1º ano do Ensino Médio.

A opção por trabalhar o gênero textual argumentativo deve-se, basicamente, a dois fatores. Em primeiro lugar, já estava previsto no planejamento o ensino e a produção do artigo de opinião para as turmas de 1º ano, segundo a informação da professora F., uma das docentes de português. Esse Projeto viria ao encontro do planejamento do corpo docente daquele colégio. Além disso, dadas as características do texto argumentativo, veiculado principalmente em jornais, revistas (impressos ou eletrônicos) e blogs, com a clara finalidade de refletir e argumentar acerca de acontecimentos da atualidade nos mais diversos campos da vida humana, acreditamos que abordá-lo com alunos no ambiente escolar seria de grande valia, tanto para tornar melhor o contato com a língua escrita, quanto para ajudá-los a refletir sobre as questões do mundo que os cerca.

Sabemos que o jovem, historicamente, tem sido agente de mudanças socioculturais muito importantes, que acabam por refletir, consequentemente, nos rumos políticos e econômicos das nações. No entanto, para que possamos ter uma juventude engajada na melhoria do coletivo, é necessário o incentivo para que busquem informações e reflitam sobre tudo o que ouvem e leem, a fim de que aprendam a argumentar e possam, portanto, interferir decisivamente nos rumos da sociedade.  Nesse sentido, o trabalho com o artigo de opinião é essencial, pois torna nossos jovens fluentes na leitura e na escrita desse tipo de texto. Nosso intuito era fornecer-lhes os meios para que possam expressar-se no mundo e para o mundo em que vivem, tornando-se mais alertas para perceber os acontecimentos ao seu redor, sejam eles na escola, em casa, no bairro, na cidade ou no país, posicionando-se, em língua escrita, sobre eles.

 

2.2  Descrevendo o objeto de ensino

 

Por meio da leitura dos documentos oficiais que regem o ensino de Língua Portuguesa nos níveis Fundamental e Médio, constata-se que os gêneros textuais são propostos como os principais objetos de ensino da língua materna. Ao estudo dos gêneros, devem subordinar-se as atividades de reflexão linguística, isto é, os objetos de natureza gramatical. Sendo assim, o objeto escolhido para a composição desse plano de ensino, o artigo de opinião, de natureza textual, revela-se extremamente pertinente.

Por artigo de opinião, entende-se um texto eminentemente argumentativo. Segundo Adilson Citelli, em seu livro O Texto Argumentativo (1994, p.6-7), o texto argumentativo caracteriza-se por levar o leitor a realizar determinada ação por meio do convencimento. Nas palavras do autor:

Convencer ou persuadir através do arranjo de diversos recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do texto dissertativo/argumentativo.

 

Ainda segundo esse autor, o texto argumentativo estrutura-se em torno de um ponto de vista (p. 17-20), entendido por ele como uma posição que o argumentador defende.
O ponto de vista é criado, seguindo o raciocínio de Citelli, mediante a apropriação e a compreensão dos diversos aspectos do assunto defendido e a formalização, em forma de argumentos, desses aspectos.

Apesar de os processos de apropriação, compreensão e formalização argumentativa serem vitais para a construção do ponto de vista, assevera-nos Citelli, retomando a concepção bakhtiniana de discurso, na qual o ponto de vista jamais é individual, pois se elabora sociohistoricamente. Cabe aos sujeitos individuais, portanto, quando defendem um ponto de vista, apenas acrescentar sua voz ao conjunto de vozes preexistentes.

Consoante às afirmações de Adilson Citelli, Vania Dutra (s/d) reafirma o caráter persuasivo do artigo de opinião em seu artigo O texto de opinião no Ensino Fundamental, quando afirma que:

[...] o autor precisa ter dados e informações que justifiquem sua opinião, que possibilitem a ele construir bons argumentos, a favor ou contra o tema abordado.

 

Para Vania, uma das marcas características desse gênero textual é o debate; assim, é necessário que o autor de um artigo de opinião debata visões antagônicas sobre o mesmo tema, a fim de antecipar os argumentos contrários ao seu ponto de vista para que possa refutá-los.

Vejamos algumas palavras da autora sobre o tema:

A escrita de um texto de opinião pressupõe, geralmente, as seguintes etapas de trabalho (não necessariamente nesta ordem): - tomada de posição em relação ao tema (contra ou a favor); - justificativa da posição assumida; - antecipação de possíveis argumentos contrários ao seu ponto de vista, contestando-os; - conclusão do texto, reforçando a posição assumida. 

 

A fim de facilitar a produção de um artigo de opinião aos alunos do 1º ano do Ensino Médio organizamos, além do estudo das características estruturais do texto, um trabalho paralelo com os marcadores argumentativos, principalmente com as conjunções (terminologia tradicional normativa), objeto de natureza gramatical, essenciais para materializar, textualmente, a argumentação.

Gostaríamos de ressaltar, contudo, que o foco do estudo das conjunções não é o aprendizado da metalinguagem gramatical, mas do uso efetivo desses marcadores. Assim, não propomos apresentar aos alunos a nomenclatura presente nas gramáticas escolares (conjunções coordenativas adversativas, aditivas, alternativas etc.) ou nas obras linguísticas que tratam dos estudos do texto, mas levar os estudantes a intuírem, por meio de exercícios, a utilização destas na composição textual.

  

2.3  Dispositivos Didáticos

 

Com duração prevista de dez aulas, o Projeto Didático “Produzindo um texto de opinião” foi estruturado idealmente em cinco fases:

 

Atividades da 1ª fase

 

Esta fase, na qual impera como gesto didático a presentificação do objeto “texto de opinião”, deveria ocupar as dois aulas iniciais. A atividade principal dessa etapa é a apresentação de dois textos de opiniões divergentes sobre aquecimento global e meio ambiente (tema imposto pela professora responsável pela disciplina de português, que se justifica tendo em vista um Projeto interdisciplinar da escola acerca da preservação do meio ambiente) a fim de que os alunos percebessem, de modo geral, a temática comum aos textos e os posicionamentos, contrários entre si, dos autores em relação a essa temática. Selecionamos para presentificar o objeto em questão os textos El Niño (Anexo I) e Aquecimento global: sim, estamos em perigo (Anexo II).

Como instrumentos didáticos para a realização dessa fase, destacamos os próprios textos escolhidos, cujas cópias deveriam ser levadas aos alunos a fim de que pudessem proceder à tarefa de leitura compartilhada do material e à posterior atividade de interpretação da temática e dos posicionamentos dos autores, a partir de um debate oral iniciado e direcionado pelo estagiário.

 

Atividades da 2ª fase

 

Esta etapa do Projeto constituir-se-ia pela caracterização, do ponto de vista da estrutura e da circulação, do gênero texto de opinião partindo dos textos lidos anteriormente. Essa fase teria a duração de uma aula, na qual imperariam os gestos didáticos da presentificação do objeto de ensino e da institucionalização (sistematização) das partes de um texto opinativo.

Como tarefas, os alunos devem, em primeiro lugar, reconhecer os meios de circulação do gênero, o que seria possível mediante a implementação do instrumento didático debate oral. Para conduzir tal debate, serão dirigidas aos alunos perguntas estimuladoras, como:

Estagiário: Vocês diriam que esses textos lidos são exemplos de quê? De cartas? Onde podemos encontrar esse tipo de texto? Em jornais? Por quê? O que faz com que estes textos sejam de opinião e não sejam narrativos, por exemplo? O que vocês entendem por argumentação? Há argumentação nesses textos? etc.

 

Após essa primeira tarefa oral, os alunos deverão elaborar, coletivamente e por escrito, com a participação do estagiário, uma tabela que contenha as partes constitutivas dos artigos de opinião, fragmentando, assim, esse objeto já presentificado. Nessa tabela, poderão constar as seguintes colunas: Tema dos Textos, Opinião do Autor (texto 01), Opinião do Autor (texto 02), Introdução (Como os autores introduzem os temas? Com perguntas? Exemplos?), Argumentos Levantados (texto 01), Argumentos Levantados (texto 02), Contra-argumentos (texto 01), Contra-Argumentos (texto 02), Conclusão (Como terminam? Com uma pergunta? Há uma provocação ao leitor?) e Identificação dos Meios De Circulação. Será utilizado o giz e a lousa para construir a referida tabela com os alunos, ao passo que estes utilizarão cadernos e canetas para registrá-la.

 

Atividades da 3ª fase

 

Esta fase do Projeto será composta por duas aulas, nas quais iremos presentificar um novo objeto (conjunções) que, subordinado ao objeto textual principal, deverá levar os alunos a uma reflexão linguística a qual os auxiliaria na futura composição de seus próprios textos. Além da presentificação do objeto gramatical, selecionamos os gestos didáticos institucionalização e sistematização das conjunções, as quais serão estudadas a partir dos textos-base utilizados neste Projeto e da regulação, que ocorrerá por meio da correção dos exercícios realizados sobre o tema.

Em um primeiro momento, destacaremos as conjunções que aparecem nos textos sobre meio ambiente lidos no início do Projeto, levando os alunos a pensarem sobre a função semântica e a organização da estrutura textual. Para tanto, utilizaremos alguns instrumentos didáticos conhecidos, como a leitura compartilhada dos textos, a fim de destacar as conjunções empregadas; o debate oral, com o intuito de levá-los a perceber a semântica desses elementos de coesão textual; a exposição oral, por meio da qual será institucionalizado o conhecimento construído com os alunos até então, ordenando, na lousa, as conjunções localizadas nos textos em grupos como: “conjunções que ligam ideias contrárias”, “conjunções que estabelecem explicação do que foi dito antes”, “conjunções que estabelecem a conclusão do que foi dito antes”, “conjunções que estabelecem uma relação de condição” etc.

Reiteramos que, como o foco desse estudo não é metalinguístico, não utilizaremos a terminologia própria da gramática normativa, isto é, conjunções adversativas, conjunções condicionais, conjunções concessivas etc. Nessa etapa do Projeto, será apresentado aos alunos outros elementos coesivos que não apareceram nos textos-modelo.

No segundo momento dessa terceira etapa, após identificarem, estudarem e sistematizarem as conjunções, os alunos realizarão atividades epilinguísticas, as quais serão entregues em folhas. Por atividade epilinguística, entende-se o exercício que conduz à reflexão linguística consciente, cujo enfoque, entretanto, não é a aprendizagem de nomenclatura específica, como nos exercícios tradicionais de gramática, mas a apropriação das situações de uso dos elementos linguísticos (FRANCHI, 1991). Propomos, a princípio, duas atividades epilinguísticas envolvendo conjunções: uma em “nível frasal” e outra em “nível textual” (Anexos III e IV).

No último momento dessa fase do Projeto, proporemos como tarefa aos alunos a participação na correção oral e coletiva das atividades epilinguísticas realizadas, a fim de que possam apresentar suas soluções e debatê-las com a turma, com mediação do estagiário. Nesse momento, utilizaremos o gesto didático regulação da aprendizagem alcançada até então.

 

Atividades da 4ª fase

 

Após o momento de reflexão linguística, a 4ª fase do presente Projeto Didático deve durar uma aula e retomar a temática comum – meio ambiente – a fim de fornecer aos alunos outros materiais sobre o assunto, além dos textos-modelo iniciais, visando, dessa forma, à ampliação do conhecimento sobre o tema e, por consequência, a capacidade argumentativa destes. Para tanto, os discentes assistirão, na sala de áudio e vídeo da escola, aos fragmentos selecionados do documentário Uma Verdade Inconveniente, produzido por Al Gore, que recebeu o prêmio Nobel da Paz pelo conhecimento denunciador dos efeitos nocivos do aquecimento global e que foi candidato, em 2004, à presidência dos Estados Unidos.

A partir dos fragmentos do documentário, os alunos apresentarão, em uma breve discussão oral, opiniões sobre o que acabaram de assistir, sobre o que já sabem sobre o tema, além de posicionar-se em relação ao assunto. Esse momento é importante, pois constitui um treino de argumentação e de organização mental dos pontos de vista sobre a temática estudada. De certo modo, nessa etapa, pretendemos conduzir à criação da memória didática, pois instigaremos os alunos a utilizarem o que já sabem sobre meio ambiente para expressarem, ainda oralmente, sua opinião.

 

Atividades da 5ª fase

 

A 5ª e última fase do Projeto durará quatro aulas e será constituída por atividades de produção, avaliação, reescrita e divulgação de artigos de opinião, pelos alunos, sobre a temática meio ambiente. Os gestos didáticos que se sobressaem nessa fase são a memória didática, pois é necessário retomar as partes da estrutura dos artigos de opinião estudadas anteriormente, e a regulação, durante o auxílio individual de cada aluno na elaboração e na correção dos textos.

No primeiro passo dessa etapa final, toda a turma será orientada oralmente pelo estagiário, retomando as características estruturais do texto de opinião discutidas na 2ª fase do Projeto, criando, assim, a memória didática. A seguir, os alunos produzirão, individualmente, no caderno, uma primeira versão de seus textos. Nesse momento, serão orientados a pesquisarem outros exemplos ou argumentos, em outras fontes de informação, se necessário. Além disso, caso haja possibilidade, levaremos para a sala revistas e jornais que contenham outros artigos de opinião sobre o tema, a fim de colaborar com o trabalho dos alunos.

Ao final da produção, os dos textos serão trocados com um colega, para que haja um momento de avaliação colaborativa, no qual um aluno lerá o texto do outro e o avaliará, com o auxílio do estagiário, com relação aos critérios de clareza, correção estrutural, argumentação etc. Os alunos poderão sugerir mudanças, que serão escritas a lápis nos textos dos colegas, os quais, por sua vez, os reescreverão em folha destacada do caderno.

Finalmente, como possibilidade de divulgação, essa versão corrigida será exposta em um mural a ser alocado nos corredores da escola. Para tanto, levaremos cartolinas, canetinhas, colas e tesouras para que os alunos elaborem o mural da maneira mais adequada.


3  Aplicação do Projeto de Ensino

 

O plano de ensino apresentado no item anterior foi aplicado, efetivamente, no período de 08.10.2012 a 05.11.2012, na turma 1ºK, considerada pelos professores como a melhor classe do primeiro ano.

Conforme previsto, levamos aos alunos os artigos de opinião (Anexos I e II), os quais foram lidos por eles de modo compartilhado. Todos os estudantes conseguiram tranquilamente identificar o tema comum e perceberam a divergência entre os textos: o primeiro defende que o aquecimento global é algo natural enquanto o segundo defende que o mesmo fenômeno é causado pelos seres humanos.

Instigamos os alunos a escolherem um ponto de vista e todos disseram estar de acordo com a ideia do segundo texto, no qual o autor diz que estamos ameaçados pelo aquecimento global. Contudo, percebemos que os alunos apresentavam imensa dificuldade em debater, em argumentar em defesa do ponto de vista que mais lhes agradava. A maioria dos estudantes apenas respondia meus questionamentos com embriões argumentativos como:

Alunos: “eu concordo, porque o Aquecimento Global é perigoso”, “não sei por que, só sei que é perigoso, a professora X. [de Biologia] disse que era”, “vai esquentar tudo e vai ficar ruim”.

 

Outros alunos, por sua vez, em uma tentativa de argumentação mais elaborada, embasavam-se em citações dos textos lidos. Vale lembrar, nesse sentido, que a citação é um dos primeiros recursos de construção do argumento, segundo nos informa Citelli (1994, p.72) e foi, de fato, o primeiro recurso utilizado pelos alunos.

Em virtude da dificuldade em defender um ponto de vista e colocá-lo em debate, essa primeira fase do Projeto acabou tendo a duração de uma aula apenas e não duas, como estava previsto.

Na aula seguinte, perguntamos aos alunos em que tipos de lugares os textos lidos podiam ser encontrados. Não foi difícil identificarem que o artigo de opinião, por seu caráter argumentativo, é veiculado, normalmente, em jornais, revistas, blogs etc. Na sequência da aula, procuramos construir com os alunos o conceito de argumentação e de ponto de vista (CITELLI, 1994). A fim de alcançar nosso objetivo, orientamos os estudantes no sentido de considerarem o texto argumentativo como um gênero que defende um ponto de vista, cuja metáfora é a de uma casa; seguindo esse raciocínio, dissemos que o ponto de vista (ou a casa) é construído e sustentado por argumentos (isto é, tijolos, colunas, telhado etc.), os quais devem ser mais fortes que os contra-argumentos possíveis (ou balas de canhão). Em seguida, lançamos aos estudantes a ideia, muito bem aceita, haja vista o burburinho que se seguiu à nossa fala, de que não há certo e errado, pois tudo depende do ponto de vista que se adota; e que é possível, no texto argumentativo, defender qualquer coisa, desde que se sejam mobilizados os argumentos mais persuasivos.

Finalizado esse momento de exposição oral sobre a argumentação, prosseguimos à análise da estrutura do texto de opinião; desenhamos na lousa a tabela prevista na 2ª fase do Projeto e pedimos aos alunos que a copiassem no caderno. Assim que todos terminaram, solicitamos ajuda para completá-la com base nos artigos de opinião lidos recentemente. Os alunos engajaram-se bastante na atividade, sobretudo quando perceberam que era possível completar sem dificuldades a tabela com as partes do texto. Consideramos que essa etapa de fragmentar o gênero tenha sido a mais bem aproveitada pelos alunos, de modo geral.

No encontro seguinte, solicitamos aos alunos que retomassem os artigos de opinião lidos na semana anterior. Como alguns alunos não estavam com os textos, que foram esquecidos em casa, permitimos que vários sentassem em duplas. Começamos a reler em voz alta os textos, chamando a atenção dos alunos para as conjunções empregadas pelos autores. Terminada a leitura, perguntamos se sabiam o que eram e para que serviam palavras como “mas”, “e”, “conforme” etc. Alguns alunos responderam de imediato que serviam “para ligar”. Confiante na resposta positiva dos estudantes, informamos que tais palavras são denominadas conjunções. Nesse momento, contudo, vimos que vários rostos franziam-se e várias vozes disseram que aquilo era difícil. De modo geral, a metalinguagem tradicional parece assustá-los e a simples menção à expressão “conjunção” ajudou a desestabilizar o resto das atividades, como podemos observar nas descrições a seguir.

Após essa introdução, buscamos extrair dos alunos quais outras conjunções eles sabiam, mas ninguém conseguiu dizer nada. Reforçamos, então, o caráter de ligação das conjunções e acrescentamos que serviam para ligar duas frases e traziam ideias diferentes quando comparadas umas com as outras. Visto que os alunos não mais estavam participando da explicação (acredito que por causa da metalinguagem utilizada anteriormente) e não conseguiam fornecer qualquer outro exemplo de conjunção além das já existentes nos textos lidos, preferimos citar aos alunos outros exemplos e sistematizar as mais comuns, alocando-as pelo sentido. Assim, construímos, na lousa, uma tabela e dividimos as conjunções em: “conjunções que ligam ideias contrárias”, “conjunções que estabelecem ideia de explicação”, “conjunções que estabelecem ideia de conclusão”, “conjunções que estabelecem ideia de consequência” etc.

A cada conjunção acrescentada à tabela, solicitávamos a um aluno que desse, oralmente, um exemplo de enunciado com a conjunção em questão. Consideramos a participação dos alunos satisfatória, mas tal processo demorou duas aulas, ou seja, o dobro do previsto, uma vez que, mesmo tendo trabalhado esse objeto gramatical a partir da semântica, houve dificuldade dos alunos para construir enunciados e para a percepção textual de oposições semânticas como “causa” versus “consequência”, “explicação” versus “conclusão” etc.

Após o término da sistematização, nas duas aulas da semana seguinte, aplicamos as duas atividades epilingúisticas para o treino das conjunções (Anexos III e IV) previstas nessa 3ª fase do Projeto. Na 1ª aula, os alunos deveriam unir duas orações em um único período por meio de uma conjunção adequada. Houve grande dificuldade para que os estudantes percebessem as possíveis relações entre as duas orações e houve muita divergência entre o que esperávamos que eles respondessem e o que eles responderam de fato. Destacamos as orações “Estava chovendo” e “Fui à praia”, que deveriam ser unidas por uma conjunção como “mas”, por exemplo, haja vista a relação de oposição entre elas. Alguns alunos, porém, não identificaram aí uma relação de oposição e utilizaram a conjunção “e”, dizendo que era perfeitamente possível ir à praia com chuva, posto que muitos já fizeram isso.

Dado o episódio descrito, pensamos que tal fato evidencia que não houve entre o estagiário e os alunos a construção de um diálogo satisfatório sobre o qual pudéssemos erguer uma “base comum” de conhecimentos e valores, necessária em qualquer processo de comunicação (e o que é a educação senão um processo de comunicação?), conforme afirma Marcuschi (2007).

Hoje vemos que teria sido mais produtivo verificar, antes de iniciar o estudo das conjunções, o que os alunos de fato entendiam sobre esse tema, realizando, para isso, uma avaliação diagnóstica. Talvez se as fases quatro e cinco do Projeto de Ensino tivessem sido aplicadas antes do estudo gramatical e os alunos tivessem produzidos seus textos antes de estudar as conjunções, teríamos conseguido verificar melhor o que eles já sabiam sobre o assunto e o que ainda deveriam aprender.

A segunda e última atividade sobre conjunções, na qual os alunos deveriam preencher as lacunas de um texto com as conjunções adequadas, não causou grandes problemas; foi realizada mais rapidamente que a anterior e corrigida mais tranquilamente, o que, de certa maneira, causou-nos espanto, uma vez que acreditávamos, previamente, que uma atividade em “nível frasal” fosse mais fácil de ser realizada que uma em “nível textual” e a experiência da regência mostrou uma situação oposta, evidenciando que o trabalho com frases isoladas pode ser mais difícil que a atividade com textos, uma vez que os exercícios frasais não estavam contextualizados, podendo ser interpretados de diversos modos, como verificamos na sala de aula.

Ainda sobre essa 3ª fase do Projeto, resta relatar que esta durou quatro aulas, o dobro, portanto, do planejamento, obrigando-nos a abdicar da 4ª fase, na qual seria apresentado o filme Uma Verdade Inconveniente, em favor da 5ª e última etapa, a produção textual.

No encontro seguinte, a 7ª aula que ministramos aos alunos do 1ºK, solicitamos que começassem a escrever um texto sobre meio ambiente nos moldes dos artigos de opinião lidos no início das aulas. Vários alunos, entretanto, reclamaram que não se lembravam mais dos textos lidos e da nossa discussão sobre a estrutura desses textos. Percebemos, então, que haver adicionado o estudo de um objeto gramatical entre o momento inicial (de reconhecimento do gênero) e o momento final (de produção do gênero) dificultou o estudo das conjunções e criou um “hiato temporal” entre os dois momentos do Projeto, fazendo com que a ligação fosse perdida.

Diante da dificuldade, relembramos os alunos sobre as partes do artigo de opinião, solicitando que estes consultassem no caderno a tabela elaborada anteriormente. Mesmo assim, os estudantes sentiram dificuldade em começar seus textos. Pareceu-nos, naquele momento, que a prática da produção de texto não havia sido tão recorrente durante a formação dos alunos como havia sido previsto. Para auxiliá-los, deixamos à disposição deles algumas revistas sobre meio ambiente recolhidas na Biblioteca da escola e criamos algumas perguntas estimuladoras, tais como: “Você acha que estamos ameaçados pela degradação ambienta? Por quê?”, “O que podemos fazer para cuidar do meio ambiente?” etc.

Essa etapa de produção de textos durou as duas aulas daquele encontro. Ressaltamos que o auxílio direto a vários alunos foi necessário para o término da atividade; destacamos, ainda, a ajuda oferecida pela professora F., docente regular de português da referida turma. Uma amostragem do resultado final pode ser visualizada nos Anexos V, VI e VII deste artigo.

Nas duas aulas seguintes, as últimas da regência, solicitamos aos alunos que trocassem seus textos a fim de que pudessem opinar sobre os textos dos colegas e receber as opiniões sobre seus próprios escritos. Poucos alunos, contudo, sugeriram alterações nos textos dos colegas; tais alterações foram prontamente acatadas e os textos foram alterados. Previamente, trouxemos cartolinas e canetinhas e, com esse material, solicitamos aos alunos que montassem um mural na sala para a exposição dos textos. Essa última etapa transcorreu sem problemas, pois os alunos envolveram-se na atividade de montagem do painel, e o coloriram com desenhos e caligrafia estilizada.

De modo geral e a despeito das “falhas” que ocorreram como resultado da aplicação do Projeto, apontadas anteriormente, ficamos satisfeitos por ter realizado o estágio de regência naquela turma, já que não enfrentamos problemas de indisciplina e obtivemos alta adesão dos alunos nas atividades propostas. A seguir, prosseguiremos à análise de uma amostragem dos textos de opinião produzidos por alunos do 1ºK (Anexos V, VI e VII).


4  Alguns aspectos da argumentação nos textos de opinião produzidos pelos alunos

 

De modo geral, pelos artigos de opinião obtidos, pudemos verificar que a maioria dos alunos procurou seguir a estrutura dos textos de opinião estudada anteriormente, iniciando as produções escritas com uma introdução que servia para justificar o porquê do texto sobre meio ambiente, como podemos ver no exemplo a seguir:

Trecho do texto de um aluno: Não é só no Brasil, mas em muitos outros países e lugares, o assunto ainda sobre o meio ambiente gera muita polêmica e discussões com a população.

 

Alguns estudantes, todavia, estruturaram sua redação fugindo à estrutura do artigo de opinião, e preferiram escrever como se tivessem que, de fato, responder às perguntas estimuladoras propostas na aula, o que acabou gerando uma escrita marcadamente oral: “O que eu entendo por meio ambiente e como ajudar? Bom, primeiramente [...]”.

No que concerne, especificamente, ao processo argumentativo, podemos afirmar que houve uma acentuada melhora na argumentação quando comparamos os textos produzidos ao debate realizado na primeira aula da regência, do qual resultaram apenas embriões argumentativos. Nos textos, podemos notar a construção de vários argumentos para a defesa do ponto de vista adotado, evidenciando, assim, bom aproveitamento do conceito de argumentação explanado na segunda aula da regência. A maioria dos argumentos levantados pelos alunos foi construída a partir de exemplos concretos: “[...] poluem as cidades jogando lixos nas ruas, os restos de móveis quebrados nas beiras dos rios e etc”.

Alguns exemplos apresentados pelos estudantes estabelecem diálogo direto com fatos e discursos presentes em nossa sociedade (a proibição das sacolas plásticas, o desmatamento), evidenciando a concepção dialógica bakhtiniana que sustenta, segundo o estudioso russo, qualquer ato linguístico:

[...] maltratação do meio ambiente, como por exemplo: o desmatamento, a poluição, entre outros. [...] o que gera muita polêmica, como por exemplo: a retirada de sacolas plásticas dos supermercados.

 

Outros textos mostram como elemento de construção da argumentação o que Adilson Citelli (1994, p.70) denomina expressões de valor fixo, isto é, fórmulas consagradas, frases de efeito, chavões, clichês, estereótipos etc: “Vamos mudar nossas atitudes antes que seja tarde, enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água”.

Nenhuma redação defendeu um ponto de vista diferente daquele que determina que “estamos todos ameaçados pelos problemas ambientais”; assim, podemos dizer que os alunos apropriaram-se do discurso ambientalista que existe na sociedade contemporânea. O fato de todas as redações trabalharem com imagens e exemplos semelhantes evidencia que houve diálogo com um discurso comum, conhecido por todos os alunos, assimilado por eles e atualizado linguisticamente em seus textos.

Todos os estudantes opuseram, na argumentação, o ser humano ao meio ambiente. Citelli (1994, p.73-74) esclarece-nos que a “criação de inimigos” é parte do texto argumentativo, pois nosso ponto de vista e nossa persuasão sempre se dirigem a favor de algo ou alguém e, ao mesmo tempo, contra algo ou alguém. No caso dos textos em análise, os alunos opõem o meio ambiente (tratado como vítima) ao ser humano (visto unicamente como agressor), concepção esta que, por sua vez, opõe-se à ideia de que as mudanças ambientais são naturais.

Conforme discutimos anteriormente, Vania Dutra estabelece, em seu artigo, como condição para que um texto seja opinativo, a existência de várias vozes em debate, ou seja, de argumentos e contra-argumentos que, ao longo do texto de opinião, ajudam a construir e fortalecer o ponto de vista defendido. Nesse sentido, Doris de Almeida Soares, ao citar Charaudeau (1992) em seu artigo de 2009, Elementos básicos para a análise de textos argumentativos em Língua Portuguesa, lembra que o estudioso francês crê que a argumentação sustenta-se sobre três pilares:

A proposta sobre o mundo, asserção polêmica que desperta dúvidas quanto a sua legitimidade; o sujeito argumentador, que deve engajar-se no questionamento, tomando uma posição favorável ou desfavorável a essa proposta; e o sujeito-alvo, que poderá tanto concordar com o argumentador, quanto discordar dele, embora o objetivo do argumento seja sempre persuadi-lo de sua posição.

 

Ao considerar um sujeito argumentador e um sujeito-alvo, que pode ou não concordar com o argumentador, Charaudeau retoma a mesma ideia do debate, ou, no mínimo, do diálogo como condição para o estabelecimento da argumentação. O que vimos nos textos dos alunos, porém, é a total inexistência de contra-argumentos aos argumentos construídos por eles. Os estudantes parecem não considerar a oposição, o que, de certo modo, esvazia a argumentação e “empobrece” os textos. Os problemas ambientais e a necessidade de defender a natureza são pontos pacíficos e pressupostos de todas as produções textuais, de modo que eles se concentram mais em buscar soluções para um problema irrefutável do que pôr em xeque tal problema e suas possíveis (mais ou menos verdadeiras) causas. Seria preciso, acredito, mais tempo de estudo acerca dos elementos que constituem a argumentação e mais tempo de reflexão sobre as informações que cercam a questão ambiental para que os alunos pudessem aprofundar mais seus argumentos, chegando ao estágio de prever contra-argumentos e refutá-los na defesa de seus próprios pontos de vista.


5  Considerações Finais

 

Este artigo teve como objetivos descrever as atividades de observação e regência realizadas durante 60 horas de estágio na Escola Estadual C. V. A. durante o segundo semestre de 2012 e dissertar sobre elas. Como Projeto de regência, propomos trabalhar com os alunos de uma turma do 1º ano do Ensino Médio o artigo de opinião, gênero extremamente relevante para o contexto das práticas sociais. Realizado durante dez aulas, o Projeto de Ensino “Produzindo um texto de opinião” não enfrentou empecilhos durante o desenvolvimento.

Como possíveis “falhas” verificadas, atentamos para a quebra do elo entre a primeira parte (apresentação do gênero) e a última (produção do gênero), ocasionada pelo estudo excessivo das conjunções. Além disso, chamamos a atenção para a ausência de uma avaliação diagnóstica que possibilitaria não só conhecer melhor os alunos como também seria de grande auxílio para verificar o quanto eles já sabiam sobre as conjunções.

No que se refere, especificamente, à ausência de contra-argumentos verificada nos textos produzidos, lembramos que Vania Dutra ressalta a necessidade de realização de extensivos debates orais, cuja finalidade é preparar os alunos para argumentar e contra-argumentar por escrito. Acreditamos que a falta dessa dimensão do debate oral tenha colaborado para a inexistência de vozes contrárias atuando nos textos. Penso, afinal, que no afã de ensinar aos alunos o gênero textual escrito “artigo de opinião” e todas as suas características estruturais e de circulação social, negligenciamos o debate oral, que poderia ter sido realizado, por exemplo, no lugar do estudo das conjunções. Espero poder, futuramente, reaplicar este Projeto de ensino em outros contextos, em outras escolas, com outros alunos e, talvez, com mais tempo, a fim de melhorá-lo e contribuir, ainda que de modo singelo, para a melhoria no ensino de Língua Portuguesa.

 

Referências

CITELLI, A. O Texto Argumentativo. São Paulo: Editora Scipione, 1994.

FRANCHI, C. Indicações para a renovação dos estudos gramaticais. In: Criatividade e Gramática. São Paulo: SEE/CENP, 1991, p.27-39.

MARCUSCHI, L. A. Atos de referenciação na interação face a face. In: Cognição, Linguagem e Práticas Interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p.104-123.

SCHNEUWLY, B. “Le travail enseignant”. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés en classe de français – Le travail de l’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordonnée relative. Rennes, FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Tradução GOMES-SANTOS. S. N. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2011 [Uso restrito].


Sites

DUTRA, V. O texto de opinião no Ensino Fundamental. UERJ, s/d. Disponível em http://filologia.org.br/ixcnlf/10/13.htm. (acessado em 12.11.2012, às 22h30).

SOARES, D. de Almeida. Elementos básicos para a análise de textos argumentativos em Língua Portuguesa. Trabalho sobre Línguística Aplicada. v.48, nº1. Campinas jan/jun, 2009. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-18132009000100006 (acessado em 12.11.2012, às 21h40).

 

João Henrique Lara Ganança

Bacharel e licenciado em Letras (Português) pela Universidade de São Paulo (USP, 2013). Atualmente, é docente no Colégio Objetivo de São Caetano do Sul. Tem experiência no ensino de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio.

 

Anexos

Anexo I - Texto El Niño, de Gutman Uchôa de Mendonça, publicado em “A Gazeta”, de 17.11.2009. Artigo sobre aquecimento global e meio ambiente utilizado em para a presentificação do objeto.

“São apenas previsões, de coisas imprevisíveis, que podem ocorrer, mas não se tem nenhuma certeza. Dizem os "cientistas" que o mundo vai esquentar e, daqui a 100 anos, a temperatura na Terra estará 5º (cinco graus) acima do que os termômetros marcam hoje. Com essa elevação de temperatura, os efeitos climáticos (estufa) serão devastadores. Ora, daqui a 100 anos toda população que vier a nascer a partir de 2020 não existirá, a não ser uns raros gatos pingados, "descendentes" de Matusalém, mas todos, e mais a população de hoje, da face da Terra - perto de 6 bilhões -, estará toda enterrada, apenas fruto de morte natural. Então, por que nos preocuparmos, agora, com o que vai ou não vai acontecer? Quem garante que, daqui a 100 anos, os termômetros que marcarem a temperatura terrestre estejam com mais cinco graus?

O mundo já foi muito mais quente e muito mais frio. Já foi terrivelmente quente e terrivelmente frio. Afirmam outros cientistas que o próximo inverno, no hemisfério Norte, será um dos mais frios dos últimos 100 anos e, no hemisfério Sul, devido ao efeito El Niño, vai ser uma tragédia de chuvas, devido ao calor.

Aí, outros "sábios", patrocinados pela ONG de Bill Clinton, Al Gore e outros "artistas", ávidos por dinheiro, com suas organizações e tudo mais, pregam o terror, o apocalipse, a destruição de tudo, pela emissão de CO2 e começaram a vender um selo verde, para ostentarmos nas fachadas de nossas empresas e pagar-lhe um "bônus" mensal, para que possam comprar terrenos na Amazônia Legal (sob o domínio brasileiro) e assim, engordar seu patrimônio.

Tudo ao sabor da mentira ou da influência de El Niño, um fenômeno natural, periódico, mais acentuado ou menos acentuado, que promove o esquentamento das águas do Oceano Pacífico, com reflexo em todo o mundo, pelo processo de evaporação que provoca nas águas do mar, gerando muita chuva, num ponto, e muito sol no outro. A uma certa parte do tempo ele arrefece e fica inofensivo, voltando com toda virulência que a natureza encerra em ciclos de nove em nove anos, por aí

Todos esses fenômenos naturais são utilizados pelos "cientistas" para nos intimidar, atemorizar a classe menos inteligente, como se fosse tudo fruto das chaminés das fábricas, dos escapamentos da descarga dos automóveis, ou até mesmo dos gases emitidos pelas vacas, responsáveis pela emissão de gás carbônico, que provocam a modificação do clima.

Tudo isso é uma bruta mentira! A Terra é protegida por uma formidável couraça que não deixa os raios nocivos do sol penetrarem na chamada camada de ozônio, que nos protege e, mesmo os gases emitidos pelas erupções vulcânicas, que são os mais leves e mais prejudiciais à vida humana, chegam a mais de 17 mil pés e, quando da ocorrência das chuvas torrenciais ou correntes de ventos, tudo volta à Terra e, com as primeiras chuvas, caem sobre o solo, em forma de adubo (o CO2 é devolvido à terra como forma de adubo).

A natureza tem uma "inteligência" prodigiosa, uma capacidade de revitalização e de alteração prodigiosas, de surpreender qualquer pessoa, pela sua vitalidade, mutação.

Confesso, não estou nada preocupado com as alterações climáticas dos próximos, ou a partir dos próximos 100 anos, porque nesses milhares de anos de sua existência, a Terra já mudou tanto sem minhas preocupações, por que iria eu, agora, já mais pra lá do que pra cá, me preocupar com os que virão daqui a 100 anos?

O negócio é o seguinte: quando o Muro de Berlim ruiu, o comunismo na Rússia acabou, os que viviam tomando cafezinho na esquina defendendo a "igualdade" socialista, ficaram sem pai e sem mãe. Alguns adotaram Fidel Castro como guia supremo. Outros, mais espertos, buscaram outras fontes para ganhar dinheiro sem trabalhar e, apeados do poder norte-americano, para nunca mais voltar, Bill Clinton e Al Gore montaram essa falácia toda de selo verde e outras artimanhas, com sua ONG servindo de cartório, para ganhar dinheiro dos que acreditam nessas histórias de que El Niño provoca essas alterações, desde que o mundo é mundo.

O negócio é antigo: nações ricas e nações pobres. Quem é pobre de espírito sofre mais, por não ter informações sobre os interesses que encobrem tais campanhas.”


Fonte: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/11/564597-el+nino.html (acessado em: 1º.10.2012, às 21h55).

 

Anexo II - Texto Aquecimento Global: Sim, Estamos Em Perigo, de Germano Woehl Jr.,publicado em 03.08.2.007. Artigo sobre aquecimento global e meio ambiente utilizado em para a presentificação do objeto.

“Este artigo é uma contribuição para ajudar a esclarecer as dúvidas sobre este tema tão relevante para a humanidade neste momento, que talvez seja o prazo final para decidirmos nosso destino, entre o colapso e a prosperidade.

O fato é que não deveria haver dúvida alguma de que o homem arruinou o planeta e que é o único responsável pelo aquecimento global, pois há consenso sobre isso entre todos os cientistas mais notáveis do planeta, um fato raro na história da ciência. Esta unanimidade vem da análise de dados científicos bem consistentes, que foram medidos e coletados meticulosamente, usando equipamentos da mais avançada tecnologia. A conclusão é incontestável: o homem colocou a vida no planeta em grave perigo.

Alguns órgãos de imprensa têm sido os principais culpados por causar esta dúvida nas pessoas. Lamentavelmente, cometem um equívoco ao dar crédito a opiniões de pessoas sem respaldo na comunidade científica, que dão apenas palpites, sem comprovação científica alguma de seus argumentos, provocando a falsa impressão de que a comunidade científica está dividida e num acirrado debate se o homem é ou não responsável pelo aquecimento global.

A situação é mais ou menos a seguinte: para cada 100 cientistas sérios alertando que o homem está causando o aquecimento global, com argumentos científicos bem fundamentados, existe um indivíduo, sem prova científica alguma, dando nada mais do que um palpite negando o fato. Então, alguns jornais passaram a dividir democraticamente o espaço, dando a mesma importância para a conclusão deste grupo de 100 cientistas sérios e para o palpite deste indivíduo, que sem base científica afirma que as causas do aquecimento devem-se a ciclos naturais do clima na Terra.

A respeito das consequências devastadoras do aquecimento global sobre a vida na Terra, que obviamente também atingirá a nossa vida, só nos resta saber quando vão ocorrer. E neste ponto os cientistas têm errado nas previsões: estão acontecendo bem antes do esperado e com intensidade maior do que o previsto em simulações por computador. Um exemplo foi o que ocorreu na Antártica com a plataforma de gelo Larsen-B, que tinha 240 km de comprimento e 50 km de largura, prevista para derreter em 100 anos. Ela se desprendeu e derreteu em apenas 35 dias, no início de 2002. Isso comprova que os efeitos podem não ser graduais como a nossa geração gostaria (para deixar a conta para a próxima geração, quando não estivéssemos mais por aqui). A conta a ser paga pode surgir subitamente e nos surpreender.

Sempre me interessei pela preservação da natureza e desde a época de estudante de física, há 28 anos, tenho acompanhado atentamente este assunto, lendo muitos dos artigos científicos publicados nas mais respeitáveis revistas científicas especializadas e não dava para duvidar da qualidade dos resultados apresentados. Então, associando estes estudos que vinham sendo divulgados, fui ficando cada vez mais angustiado ao perceber que a devastação intensa da Mata Atlântica em Santa Catarina, mais especificamente das Matas de Araucárias no planalto norte, além de ceifar instantaneamente a vida de milhares de bichos que habitavam a área desmatada, estava contribuindo também para aniquilar a nossa própria espécie um pouco mais adiante.

Já que não dispomos de outro planeta para viver e achamos que não é ético negarmos a perpetuação da vida para milhares de organismos, incluindo a nossa própria espécie, minha esposa e eu decidimos criar uma ONG, o Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade (http://www.ra-bugio.org.br/ href="http://www.ra-bugio.org.br/">www.ra-bugio.org.br), para defender continuidade da vida por aqui. Nossa atuação é através da educação ambiental nas escolas para mostrar para a garotada a importância da preservação das últimas áreas de Mata Atlântica.

A sociedade precisa ser informada para não ser iludida com as propostas mirabolantes e demagógicas, como o plantio de árvores para salvar o planeta diante de um quadro alarmante de desmatamento legal e ilegal, tanto na Mata Atlântica, já quase extinta, como na Floresta Amazônica. Há estudos mostrando que se continuarem a desmatar, a concentração de gás carbônico na atmosfera vai aumentar significativamente a curto prazo, agravando, e muito, o aquecimento global, de modo que por muitas décadas os níveis permanecerão num patamar muito mais elevado do que é hoje – que já é suficiente para nos conduzir ao colapso -, e de nada vai adiantar cobrir o planeta com mudas de árvores, pois levarão muito tempo para crescerem e mesmo após este tempo não conseguirão retirar da atmosfera todo o gás carbônico emitido pela destruição das matas nativas. Lembrando que o desmatamento acaba com a vida dos animais que vivem ali, e o simples plantio de árvores não devolve a biodiversidade de uma floresta.O que podemos fazer? Se quisermos resolver com seriedade o problema do aquecimento global, e da nossa sustentabilidade neste planeta, todo o esforço da sociedade deve ser empreendido no sentido de parar o desmatamento imediatamente, já! Se obtivermos êxito neste primeiro desafio, aí sim poderemos partir para os próximos: fontes alternativas de energia, projetos de sequestro do carbono para reduzir os índices aos níveis da era pré-industrial permitindo a regeneração de florestas nativas, plantando árvores etc. Se não conseguirmos vencer nem este primeiro desafio, que não depende de avanços tecnológicos e tampouco gera desenvolvimento – só dependem do simples cumprimento das leis – podemos nos preparar para o pior, que nos espera num futuro bem próximo. Preservar o que resta de nossas florestas é a maneira mais racional e óbvia de prolongar nossa vida na Terra.

Fonte: http://www.agsolve.com.br/noticia.php?cod=131 (acessado em 1º.10.2012, às 22h20).

 

Anexo III - Atividade epilinguística sobre conjunções em nível frasal. 

A partir do exemplo abaixo e dos seus conhecimentos sobre conjunções, una as duas frases dadas, de modo a formar estruturas mais complexas. Faça as modificações que achar necessárias: (obs. cada exercício pode apresentar mais de uma resposta).

Ele estuda português. Ele parece obstinado.

Ele estuda português COMO um obstinado.

Estava chovendo. Fui à praia

Estava chovendo, MAS fui à praia.

José sentia falta do pai. O pai havia morrido.

José sentia falta do pai, POIS ele havia morrido.

A casa custava muito. Ele desistiu da compra.

A casa custava muito, DE MODO QUE/ DE SORTE QUE ele desistiu da compra.

Tudo aconteceu. Tudo estava previsto.

Tudo aconteceu CONFORME estava previsto.

Nossa política é muito complexa. Não conseguimos entender nada.    

Nossa política é muito complexa, POR ISSO, não conseguimos entender nada.   

Cheguei a casa. Fui tomar banho.  

Cheguei a casa E fui tomar banho.

 

Anexo IV - Atividade epilinguística sobre conjunção em nível textual.

A partir de seu conhecimento sobre conjunções, escolha as que julgar mais adequadas para preencher as lacunas abaixo.

Dieta do homem

Nas carteiras da escola me ensinaram, SEGUNDO/ CONFORME/ CONSOANTE o sábio Claude Bernard, que o caráter absoluto da vitalidade é a nutrição; POIS / PORQUE, onde ela existe, há vida; onde se interrompe, há morte.

MAS / PORÉM / CONTUDO/ TODAVIA não me disseram que, entre os animais humanos, o lado que pende para a morte, por falta de nutrição, é mais numeroso que o lado erguido para a vida.

Me ensinaram que os alimentos fornecem ao homem os elementos constituintes da própria substância humana; o homem é o alimento que ele come.

MAS / PORÉM / CONTUDO/ TODAVIA não me disseram que existem homens aos quais faltam os elementos que constituem o homem. Homens incompletos, homens mutilados em sua substância, homens deduzidos de certas propriedades humanas fundamentais; homens vivendo o processo de morte.

[...]

Me ensinaram que o carbono, o hidrogênio, o azoto, o fósforo e ouros minerais são decisivos à vitalidade da célula.

Mas não me disseram (por óbvio, mas eu era um estudante tão distraído) que aqueles elementos não se encontram no ar que respiramos. E AINDA QUE / POSTO QUE / MESMO QUE se encontrem na terra, acaso digerida por uma criança, seu poder de assimilação é nenhum. [...]

Paulo Mendes Campos. O anjo bêbado. Rio de janeiro, Sabiá: 1969.


Anexo V – Produção de aluno.

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  Anexo VI – Produção de aluno.

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   Anexo VII – Produção de aluno.

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 Gabriela Oliveira

 

Resumo

Este artigo tem como objetivo relatar a análise feita a partir das produções textuais resultantes do estágio de 60h realizado para a disciplina Metodologia do Ensino do Português II. Para tanto, foi elaborado um Projeto de Ensino cujo objetivo é fazer com que os alunos percebam as características do gênero Conto de Fadas, relacionando-o a outro gênero: as Histórias em Quadrinhos (HQs).

 

Palavras-chave: Ensino Fundamental II; Gênero Conto de Fadas; HQs; Produção Textual.

 

Introdução

 

Este artigo apresenta aspectos do estágio de observação e do percurso desenvolvido na implementação de uma sequência didática que propôs para estudantes do Ensino Fundamental II a leitura de diferentes versões do Conto de Fadas Chapeuzinho Vermelho a fim de tratar dos elementos constitutivos desse gênero. A produção final, uma reescrita com base no enredo de uma história em quadrinhos, foi tomada como objeto de análise.

 

1  Sobre o contexto escolar


1.1  A escola

 

Durante o primeiro semestre da disciplina de Metodologia do Ensino do Português, optamos por realizar o estágio de observação na EMEF Zona Norte (*pseudônimo) a fim de experimentar uma vivência diferenciada. Para esclarecer melhor, já lecionamos na unidade (cargo de professora de educação infantil e Ensino Fundamental I, na Prefeitura do Município de São Paulo) durante o ano letivo de 2009, mas por motivos diversos, solicitei remoção após um ano de trabalho. No primeiro semestre do curso de Metodologia do Ensino de Português, realizamos o estágio nessa unidade e agora, momento de aplicar a sequência didática, optamos por continuar na mesma escola, aproveitando as observações realizadas anteriormente e a abertura que conquistamos na unidade para realização das aulas.

O “ZN”, como é conhecido no bairro, é uma escola razoavelmente grande, localizada na Diretoria de Ensino Pirituba; goza de grande reputação diante da comunidade em vista da qualidade do ensino ministrado no passado. Como a própria diretora, M. (a mais de 12 anos na U.E.) costuma dizer, é uma escola com uma clientela boa, pois não “tem favela perto”. Porém, ao mesmo tempo, é uma escola de passagem, recebendo muitos alunos de bairros mais distantes, atraídos pela fama já citada.

Os estudantes são organizados por períodos dentro de suas faixas etárias. O Ensino Fundamental I é concentrado no período vespertino; o Ensino Fundamental II, no matutino e o EJA, no noturno. Com 14 salas de aula e mais de 1000 alunos matriculados, a escola tem um quadro de 59 docentes, de acordo com o site da prefeitura, já que não tivemos acesso aos documentos oficiais.

Notamos que os problemas com as faltas de professores do Ensino Fundamental II continuam, como em 2009, mas foram atenuados com a maior presença de “professores em módulo”, título dado aos professores que, durante o ano letivo, não possuem turmas atribuídas e atuam, essencialmente, como “substitutos” dos colegas que, por algum motivo, ausentam-se.

 

1.2  A linguagem no contexto escolar

 

1.2.1 No espaço físico

 

No que tange à circulação da linguagem, pude notar que a presença de textos na escola continua, como no primeiro semestre, bastante restrita ao espaço da sala de aula. Poucos cartazes e produções dos alunos são expostos em corredores ou murais. Dentro das salas, no entanto, muitos cartazes e trabalhos estão afixados; a maioria é confeccionada pelo Ensino Fundamental I, como listas de palavras, alfabetos diversos, calendários, desenhos e pesquisas relativas às datas comemorativas.

A produção do Ensino Fundamental II restringe-se ao mural próximo à escada que dá acesso ao pátio; ali estão expostos cartazes confeccionados com a turma do 9º ano, nas aulas de inglês (textos diversos retirados de mídias digitais, expostos em cartazes com vocabulário). O mesmo mural exibe informações sobre as salas de aula (turma, sala de aula correspondente e professor coordenador).  Também divulga a possibilidade de retorno dos estudantes ao Playcenter (excursão ocorrida no primeiro semestre) utilizando o cupom de “replay” e realizando o pagamento apenas do transporte.

As atividades de Artes realizadas pelos alunos do 8º ano estão expostas sobre a mesma mesa ocupada no semestre anterior pelas máscaras de Carnaval; a mesa, agora, abriga construções com papel machê, tentando reproduzir quadros famosos de Van Gogh, Picasso etc., de forma tridimensional.

Na sala dos professores, os livros didáticos antigos foram despachados; na estante de ferro do canto direito, agora estão acomodados os livros didáticos em utilização, de forma organizada por séries e disciplinas.

O mural da sala está repleto de informações sobre alunos afastados por motivos diversos e os respectivos prazos de afastamento, informação útil para os professores em sua tarefa de preenchimento de diários. Além disso, o calendário do sindicato (Sinpeem) e a pauta da última reunião de representantes estão ali à disposição do grupo docente.

A parede do lado direito é tomada por armários individuais dos docentes do Ensino Fundamental II, sobre os quais muitos trabalhos estão “armazenados” sem qualquer tipo de organização ou cuidado aparentes. No canto desse móvel, um grande recipiente plástico (balde) abriga os mapas da escola, alguns dentro de estojos protetores, outros simplesmente alocados ali, sem nenhuma classificação. São materiais úteis para as aulas de diversas disciplinas, mas, daquela forma, encontrar o material desejado parece bem difícil.

A porta da geladeira exibe um bilhete da direção: “Alimentos deixados no refrigerador na sexta-feira serão descartados no final do período, por motivo de higiene. A Direção.”, caracterizando um espaço inusitado de circulação da língua.

 

1.2.2  Na documentação escolar

 

Não tive acesso aos documentos oficiais da escola novamente, por impossibilidade de conversar, pessoalmente, com a coordenadora pedagógica (os estagiários não são muito bem recebidos pela coordenação). Mas, fui informada pelos docentes, da existência do Projeto Pedagógico na escola no portal da Secretaria Municipal de Educação. Este é intitulado: “Escola cidadã: uma construção possível”.

A proposta para 2010 (o projeto de 2011 ainda não está disponível on-line) engloba seis pontos considerados imprescindíveis pela equipe: desempenho escolar; aprendizagem; gestão; relacionamento com a comunidade; cidadania escolar e ampliação do tempo de permanência na escola.

A preocupação com a língua aparece apenas no primeiro campo. A questão do “desempenho escolar” foca-se no âmbito da linguagem na medida em que acredita que a melhora nesse quesito ocorrerá por meio de “atividades que envolvam a leitura e escrita, de forma que o ato de ler-escrever na escola não perca seu caráter social, integrando as diferentes formas de linguagem”.

A leitura desse documento remete à ideia de letramento presente em Rojo:

Letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social (SOARES, apud ROJO, 1999).

 

Outra citação à questão do ensino de Língua Portuguesa aparece no campo “Ações a serem desenvolvidas”, no qual o documento cita o “Programa Ler e Escrever em todas as áreas do conhecimento do ciclo II”, projeto da Secretaria Municipal de Educação que centraliza a leitura e a escrita como fundamentais para todas as disciplinas ministradas nas escolas.

A escola, demonstrando aderência ao Projeto da Rede Municipal, parece compreender que a Língua Portuguesa está presente em todos os campos do conhecimento, não sendo restrita a apenas cinco aulas semanais. Porém, como já fomos professora da Unidade, sei que o grupo docente apresenta bastante resistência em aceitar esse Projeto, principalmente, na área de exatas. Essa citação no documento pareceu com o estágio efetivado, mais uma obrigação burocrática que uma prática efetiva (alguns docentes da área de exatas reclamavam da obrigatoriedade de realizar uma leitura para os alunos nas primeiras aulas do dia, conforme pede o Programa).

 

1.2.3  Na interação escolar

 

No campo das interações, a língua continua circulando bastante nessa escola. Os intervalos são bastante ruidosos, e aproximando-me de alguns grupos de alunos, notamos rodas de conversa sobre os mais variados assuntos: futebol, capítulos das novelas, provas e trabalhos solicitados por professores, as aulas de educação física etc. Vimos, também, alguns posicionamentos críticos em relação à escola: reclamações devido ao excesso de faltas de alguns professores, à precária limpeza do ambiente escolar, à mudança na qualidade da alimentação oferecida depois da terceirização da cozinha da unidade e, novamente, a grande problemática da exigência no uso do uniforme. Enfim, os ruídos do intervalo, caracterizados pelos professores como “barulho”, escondem muita interação linguística entre os alunos, inclusive demonstrando a capacidade de expressar opiniões e divergências.

Tão ruidoso quanto o intervalo dos estudantes é o intervalo dos docentes. Acompanhei os dois grupos (6º e 7º – 8º e 9º anos) e, em cada um, cerca de cinco professores ocupavam a saleta. Durante a semana, trocas de impressões sobre os alunos são frequentes. Às sextas-feiras, as conversas informais sobre as atividades do próximo final de semana predominam, assim como uma satisfação geral, expressa verbalmente, por não terem de cumprir jornada de formação nesse dia da semana.

 

2  Sobre o ensino de Português

 

2.1  O estágio (período, número de aulas acompanhadas, dinâmica da interação com a professora e com a turma etc).

 

As 60 horas de estágio foram realizadas no período da manhã, acompanhando cerca de 30 aulas de quatro turmas de 8ª ano, a maioria dedicadas ao ensino de regras e nomenclaturas gramaticais. O restante das horas foi dedicado à aplicação da sequência didática, observação dos intervalos docentes e discentes, conversas com a professora e tentativas infrutíferas de acesso à documentação pedagógica por meio da coordenação da unidade.

O caráter inicial do estágio era essencialmente observador a fim de propiciar uma delimitação do objeto a ser abordado na sequência. Algumas possibilidades de interação com a professora aconteceram durante as aulas, em momentos pontuais, nos quais ela esclarecia os objetivos das atividades desenvolvidas na aula observada ou explicava o que haviam feito nas aulas anteriores para que pudéssemos contextualizar as atividades realizadas. Como no semestre anterior já havíamos conversado sobre o material didático e a postura da professora em relação a este, não foi necessária nova conversa sobre o assunto.

Com os alunos, a interação ocorreu de forma bastante natural, pois muitos me reconheceram do período em que trabalhei na escola. Eles vinham tirar dúvidas sobre determinado exercício ou solicitar ajuda com a ortografia de determinada palavra.

Os materiais utilizados nas aulas de Língua Portuguesa foram, sobretudo, o livro didático[1], o caderno de apoio[2] e exercícios avulsos[3], trazidos pela professora, os quais foram retirados de outros livros didáticos ou de gramáticas escolares “que possuem atividades bem melhores que as propostas nos livros”.


2.2  A professora

 

          A professora K. é funcionária da Prefeitura de São Paulo há nove anos e está na mesma EMEF desde o ingresso. A docente é formada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com habilitação em Língua Portuguesa.

              Ela e sua colega de disciplina estão na escola há um tempo considerável e, por isso, conquistaram da direção da U.E. o direito de organizar seus blocos de salas de maneira a acompanhar as turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Dessa forma, inicia as aulas no 6º ano e acompanha a turma até o 9º ano, logo, a relação entre ela e os estudantes é agradável.

Os métodos mais utilizados para suas aulas são a exposição oral e o registro em quadro negro.

 

2.3  O trabalho docente

 

2.3.1  Os objetos de ensino e as práticas de linguagem

 

Durante o terceiro e quarto bimestres, a professora continuou a tratar de objetos gramaticais. Avançando no estudo da sintaxe (no primeiro semestre ela optou por realizar uma revisão das classes de palavras e por tratar sobre o sujeito das orações) outros elementos foram abordados nas aulas: verbos e transitividade; adjuntos adnominais e adverbiais; complementos nominais e, no final do período de observação, estava iniciando o trabalho com as conjunções, para, posteriormente, abordar as orações coordenadas e subordinadas.

Partindo do foco nos elementos gramaticais, as práticas de linguagem privilegiadas nas turmas acompanhadas foram a escuta e a realização de inúmeros exercícios de fixação, para posterior correção escrita no quadro-negro ou oral, por parte da professora.

 

2.3.2  Os gestos e instrumentos didáticos

 

Nas aulas acompanhadas, conforme citado anteriormente, a professora utilizou três métodos de exposição: a exposição oral (na qual somente ela falava sobre o tópico gramatical em questão, ou no máximo, propunha um forçado ‘par dialógico pergunta-resposta’[4]), o quadro-negro e a correção coletiva de exercícios.

Com relação à avaliação, a professora afirmou que esta acontece no “dia a dia” de suas aulas, e que as provas realizadas “são meros instrumentos burocráticos que a escola exige”. Sendo assim, todos os exercícios realizados em sala, recebem um “visto” da professora e assim, ao final do bimestre, a avaliação das atividades realizadas em sala se junta aos resultados das provas para compor a média final dos alunos; as primeiras têm peso considerável em relação às segundas.

 

2.3.3  As atividades e tarefas

 

Pensando na concepção tradicional do ensino da gramática normativa, a professora acompanhada segue o esperado. Após a explicação da regra, inúmeros exercícios de fixação são propostos, como por exemplo:

    Conjunções coordenativas / Orações coordenadas (do livro didático)

Identifique o sujeito e o predicado de cada uma das orações dos períodos a seguir e a conjunção que liga as orações de cada período. Anote suas respostas no caderno. Veja o exemplo:

- Eu estava prestando atenção nas duas senhoras, mas elas não perceberam.

- Você não precisa ficar chateado, pois tudo acabou bem.

- O trajeto até meu trabalho é longo, por isso eu preciso ir de metrô.

Observamos, nessa amostra de atividade, que o foco do ensino continua pautado na gramática normativa, enfatizando nas localizações e classificações de elementos e fugindo da reflexão sobre os fenômenos da língua.


3  Um Projeto de Ensino com o gênero Conto de Fadas

 

3.1  Sobre a leitura e o gênero Conto de Fadas

 

A proposta atual para o ensino de Língua Portuguesa, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998) baseia-se na concepção enunciativa da linguagem, pela qual a linguagem é concebida como um fenômeno sócio-histórico (BAKHTIN, 1992), não dissociado de seus falantes e de seus atos, das esferas sociais e dos valores ideológicos.

Os PCNs sugerem que os gêneros discursivos das diversas esferas sociais (literária, publicitária, jornalística, de divulgação científica, entre outras) sejam tomados como objetos privilegiados no ensino de Língua Portuguesa, visando à ampla e rica abordagem das condições de produção da linguagem, situações de comunicação e relações dialógicas constitutivas dos enunciados para que o aluno amplie seu domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas.

Na reflexão bakhtiniana, a noção de gênero discursivo reporta ao funcionamento da língua em práticas comunicativas, reais e concretas, construídas por sujeitos que interagem nas esferas das relações humanas e da comunicação. É no interior dessas esferas, correspondentes às instâncias públicas e privadas do uso da linguagem, que se elaboram os gêneros discursivos, para responderem às necessidades interlocutivas dos sujeitos que nelas se relacionam.

A propriedade dialógica da linguagem humana, uma de suas características mais marcantes, de acordo com Bakhtin, pode ser definida pelo conceito de dialogismo: todo enunciado é sempre uma réplica (não necessariamente imediata) a outro enunciado. A palavra é sempre perpassada pela palavra do outro; um enunciado é uma reação-resposta a outros enunciados, revelando sua posição em relação aos outros enunciados aos quais se contrapõe. Para apreender o sentindo de um enunciado, explica Fiorin (2006), "[...] é preciso perceber as relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados". O dialogismo de que trata Bakhtin é, portanto, o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido para o texto, estabelecido por meio da interação entre os sujeitos (leitores/escritores) e o próprio texto. O leitor é aquele que lê, infere e responde ao texto. Em outras palavras, a concepção de diálogo de Bakhtin é constitutiva da linguagem enquanto fenômeno heterogêneo, não entendido como uma conversa entre duas pessoas, mas pela leitura e escrita compreendidas enquanto formas de produzir sentidos possíveis e previsíveis no texto, como um tipo de diálogo.

Koch e Elias (2006) definem leitura como:

[...] uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo (p.10-11).

 

Desse modo, a vinculação dos enunciados ao contexto sócio-histórico e ideológico, por meio da relação dialógica que cada produção de linguagem estabelece com outros enunciados, é fundamental para orientar as práticas de leitura de gêneros discursivos. Dentre os muitos gêneros interessantes para a leitura, o gênero discursivo Conto de Fadas é o objeto central dessa sequência por permitir ampla exploração dos elementos citados.

A narrativa fantasiosa como a do Conto de Fadas pode ajudar o aluno a construir significado para a vida por meio do enriquecimento de capacidades interiores como a imaginação, as emoções e o intelecto. Esse tipo de literatura consegue despertar e atrair a curiosidade, sem abrir mão de potencial de entretenimento, ajudando o leitor a desenvolver seu intelecto, a compreender suas emoções internas, profundamente conflituosas, a reconhecer suas dificuldades e a sugerir soluções. Para Bettelheim (1996), enquanto diverte a criança, o Conto de Fadas a esclarece sobre si, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança (p.20).

Uma história traz consigo inúmeras possibilidades de aprendizagem. Entre elas, estão os valores apontados no texto, os quais poderão ser objeto de diálogo com os alunos, possibilitando a troca de opiniões e o desenvolvimento de sua capacidade de expressão, a partir da leitura. Ao trazer a literatura infantil para a sala de aula, o professor estabelece uma relação dialógica com o aluno, o livro, sua cultura e a própria realidade.

Em termos de estrutura, o Conto de Fadas tradicional caracteriza-se pela apresentação de categorias constantes, que se reiteram ao longo dos textos, vinculadas a certas especificidades espaço-temporais conforme os estudos de teóricos, entre os quais Vladimir Propp, o qual chegou a estabelecer uma morfologia dos contos maravilhosos de origem popular (PROPP, 1984). As variáveis de uma mesma estória vão adequar-se às situações relacionadas ao tempo, ao espaço, à linguagem e à cultura dos diferentes povos. Assim, é possível verificar diferenças no mesmo conto que, devido ao tempo, vão carregar formas e concepções distintas em termos de ideologias e relações sociais entre os homens. É o caso, por exemplo, de “Chapeuzinho Vermelho”, conforme a escritura de Perrault e na versão escrita pelos Irmãos Grimm.

Dentre todos os escritores de Conto de Fadas, destaquei Charles Perrault e os Irmãos Grimm, pois são autores de versões diferentes do clássico; utilizamos, também, uma versão em quadrinhos de Maurício de Sousa e dos dois filmes A garota da capa vermelha e Deu a louca na Chapeuzinho.

Nessa sequência, buscamos, sobretudo, utilizar os gêneros do discurso como um subsídio essencial para a elaboração e desenvolvimento de atividades didáticas de leitura crítica na sala de aula, objetivando não apenas a depreensão de recursos lexicais e gramaticais como também discursivos e ideológicos, viabilizando uma sugestão de transposição didática eficiente desse aparato teórico para as práticas de leitura em sala de aula.

 

3.2  Descrevendo o Projeto de Ensino

 

Antes da elaboração do Projeto, conversamos com a professora K. sobre a necessidade de realizar a regência durante 10 aulas. Ela foi bastante solícita; disse que poderíamos escolher as turmas e o tema. No entanto, a coordenadora da escola não concordou com a aplicação da sequência em uma turma, pois segundo ela, isso prejudicaria o andamento do conteúdo entre as turmas e poderia comprometer os resultados nas avaliações externas que ocorreriam no final do semestre. Dessa forma, o Projeto foi modificado no intuito de tornar-se um “projeto extracurricular” para os alunos do Ensino Fundamental II, oferecido no contraturno das aulas regulares.

          Por conta da alteração no Projeto, o primeiro trabalho a ser realizado foi a divulgação com o intuito de persuadir os alunos a participarem do Projeto. Para isso, divulgamos as atividades que seriam realizadas e seus respectivos horários para todas as turmas. Também esclareci que teríamos um limite de participantes, dado o espaço disponibilizado para a realização do Projeto (máximo de 30 alunos). Fizemos uma pré-inscrição tentando fazer com que os estudantes compreendessem a importância da participação destes para a realização do evento. Também fizemos cartazes de divulgação que foram afixados nos murais da escola para que os alunos pudessem tirar suas dúvidas sobre o Projeto.

 

3.2.1  Sobre o Projeto de Ensino

 

I. Objeto de ensino da intervenção:Os Contos de Fadas e suas revisitações: reflexões à cerca das estruturas fundamentais.

II. Prática de linguagem:Leitura; exibição de filmes; reflexão sobre a língua; produção escrita.

III. Série:Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano).

IV. Total de horas da intervenção: 12 aulas de 45 minutos, divididas em quatro blocos de três aulas.

V. Dias da semana e turnos da intervenção: Quatro quintas-feiras, no período vespertino.

VI. Textos e vídeos selecionados para a intervenção:

1)Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm

2)Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault

3)Biografias, dos Irmãos Grimm e de Charles Perrault

4)Filme “Deu a louca na Chapeuzinho”, dos estúdios Blue Yonder Filmes e Kanbar Entertainment

5)Filme: “A garota da capa vermelha”, dos estúdios Warner Bros

6)Vestidinho Vermelho, HQ de Maurício de Sousa

VII. Instrumentos didáticos:Cópias dos textos; fichas de leitura; TV e aparelho de DVD (ou computador com projetor); vídeos em DVD ou outro suporte; folhas para produção escrita.

VIII. Objetivos:

  • Formação de leitores;
  • Reconhecimento dos traços característicos do gênero proposto;
  • Reconhecimento do tipo de Linguagem empregada no conto;
    • Percepção sobre a intencionalidade presente nos Contos de Fadas - função das “fábulas morais” - a serviço da educação de toda uma geração, possibilitando aos alunos a identificação de elementos que compõem essa caracterização;
    • Fornecer aos alunos ferramentas para que sejam capazes de perceber a estrutura do gênero Conto de Fadas por meio de recursos gramaticais e discursivos, elencando alguns deles para aprofundamento;
  • Importância da descrição (muito marcada pela adjetivação) dentro da narrativa;
    • Possibilidade de rompimento com a tradição por diferentes perspectivas (tempo, espaço, personagens e foco narrativo);
    • Percepção da importância do narrador na construção da história - mudanças no foco narrativo trazem novas perspectivas ao contexto tradicional;
    • Instigar a curiosidade dos alunos para que pensem sobre como as histórias em quadrinhos abordam a questão do narrador;
    • Mostrar que as adaptações dos contos, às vezes, precisam ser adequadas às características de outras personagens já estabelecidas no mercado editorial (como no caso da HQ de Maurício de Sousa).

A partir dos recursos estudados, os alunos deverão elaborar um texto coerente, de acordo com as características do Conto de Fadas, transportando o enredo desenvolvido na HQ para o universo dos contos tradicionais, atentando-se, principalmente, aos elementos descritivos e à importância da escolha do foco narrativo para o desenvolvimento do texto.

 

4  Sobre a intervenção didática

 

4.1   Descrevendo as práticas de intervenção

 

Para essa última parte da análise, o foco será direcionado a alguns pontos de discussão relacionados à sequência de ensino, mas, principalmente, às produções realizadas pelos alunos na última aula, por acreditar que, nessa última atividade, é possível avaliar o quanto os estudantes apreenderam do conteúdo proposto.

As produções escritas foram muitas, mas, para esta análise, apenas algumas foram selecionadas. Algumas aulas poderiam ter sido estendidas devido ao interesse demonstrado pelos alunos, mas não foi possível (como as aulas de discussão sobre os filmes).

Iniciamos apresentando duas versões para o conto Chapeuzinho Vermelho: a dos Irmãos Grimm e a de Charles Perrault. Fizemos a leitura de uma breve biografia que serviu para contextualização sobre o período histórico em que viveram os autores. A ficha de leitura tinha o objetivo de auxiliar os estudantes a perceberem as diferenças e as semelhanças entre os contos, além de auxiliar na análise sobre a moralidade embutida em cada um deles. Uma das questões propostas pela ficha de leitura foi:

Questão presente na ficha de leitura:Na conversa sobre o texto buscamos levantar informações sobre as personagens do conto.  Vamos organizar essas informações. Volte ao texto e veja como são descritas cada uma das personagens, e anote abaixo as suas conclusões a respeito.

 

A partir desse enunciado, foi possível discutir e analisar um elemento comum dos Contos de Fadas, a descrição das personagens, além da forte presença dos adjetivos nesse tipo de construção. Também refletimos sobre a função do narrador nessas situações de descrição e a condução do enredo da história.

O narrador do conto nos informa que Chapeuzinho não conhecia o Lobo e nem sabia de suas características. Pensando nisso, releia o diálogo entre ela e o animal, um dos trechos mais famosos dessa história.

Ela caminhou até a sala, e tudo parecia tão estranho que pensou: "Oh, céus, por que será que estou com tanto medo? Normalmente eu me sinto tão bem na casa da vovó....

Então ela foi até a cama da avó e abriu as cortinas. A vovó estava lá deitada com sua touca cobrindo parte do seu rosto, e, parecia muito estranha...

- Oh, vovó, que orelhas grandes a senhora tem! - disse então Chapeuzinho.

- São para te ouvir melhor.

- Oh, vovó, que olhos grandes a senhora tem!

- São para te ver melhor.

- Oh, vovó, que mãos enormes a senhora tem!

- São para te abraçar melhor.

- Oh, vovó, que boca grande e horrível a senhora tem!

- É para te comer melhor - e dizendo isto o Lobo saltou sobre a indefesa menina, e a engoliu de um só bote.

Ao contrário do que possamos ter notado numa primeira leitura, esse trecho de diálogo, traz na voz de Chapeuzinho Vermelho, uma descrição física bastante interessante do personagem do Lobo. Por qual motivo os “autores” do conto deixaram essa descrição para a personagem, em vez de colocarem na voz do narrador?”


Os estudantes conseguiram, nesse primeiro momento, demonstrar entendimento sobre a figura do narrador. Algumas respostas como “os autores quiseram fazer um suspense” ou “se eles contassem logo como era o lobo, a gente já ia saber e ia perder a graça da história” são indicativos dessa percepção.

Após a leitura inicial, estabelecemos algumas regularidades dos Contos de Fadas, caracterizando-o e relacionando-o a outras histórias conhecidas pelos alunos.

A partir da projeção dos filmes, no terceiro bloco de aulas, notamos que muitas características dos contos escritos permanecem nas adaptações cinematográficas, porém, com suas peculiaridades:

O malvado no desenho [Deu a louca na Chapeuzinho] é bem diferente da história normal, mas a gente só descobre a verdade depois que todo mundo conta o seu lado”, ou ainda, “o filme [A Garota da Capa Vermelha] muda um pouco a história porque fala de lobisomem e faz um final diferente porque a gente nem imagina quem é o lobo no meio do filme, ele engana bem” [comentário de um aluno].

 

Com a apresentação dos filmes, um problema surgiu: a questão da irregularidade de participação dos alunos. Na primeira aula, os inscritos no Projeto compareceram com bastante entusiasmo; houve poucas ausências. Porém, por ser uma atividade realizada no contraturno, muitos alunos participavam de um bloco de aulas, faltavam em outro e regressavam na semana seguinte, causando uma ruptura na sequência previamente planejada. Sendo a aula de projeção dos filmes fundamental para a atividade como um todo, tentando contornar a situação, os próprios alunos sugeriram que fossem disponibilizadas algumas cópias dos filmes apresentados para que pudessem assisti-los em casa e acompanhar o conteúdo.

Finalmente, o último bloco de aulas trouxe a adaptação do conto clássico infantil para os quadrinhos de Maurício de Souza, criando uma mistura entre as características das personagens da Turma da Mônica e as do conto original.

Para a produção escrita final solicitamos aos estudantes que transformassem os quadrinhos em um conto escrito, atentando-se para o que conversamos sobre o assunto.

 

4.2  Considerações sobre o Projeto implementado


          A produção final dos estudantes, por ser realizada a partir da transposição de uma HQ, com enredo já fornecido, para a estrutura do conto tradicional obviamente não trouxe grandes inovações no que diz respeito à criatividade, visto que não era o objetivo da proposta. Tal atividade tinha como intuito verificar se os estudantes apreenderam os elementos fundamentais do gênero Conto de Fadas e como aplicá-los em uma produção textual narrativa. Eliminando a necessidade da criação de um novo enredo acreditamos que poderia haver maior percepção desse fator entre os alunos, o que de fato ocorreu.

Infelizmente, neste artigo, será possível apresentar somente alguns fragmentos de textos que julgamos relevantes para a análise, pois as produções originais foram fornecidas para a coordenação pedagógica da unidade, uma vez que, de acordo com a coordenadora, as atividades deveriam ser afixadas no PP da escola e serviriam como justificativa caso alguém questionasse a presença dos alunos na escola fora de seus horários de aula. Ao final do semestre pretendemos retornar à escola para verificar a possibilidade de copiar os textos e mantê-los como documentação dos resultados produzidos durante a realização do Projeto de Ensino. Apesar do problema citado, retiramos alguns trechos para que esta análise não fosse comprometida.

Primeiramente, grande parte dos alunos, cerca de 80%, apropriou-se da estrutura do Conto de Fadas tradicional. O início do conto reescrito, na maioria dos casos, trouxe a marcação do passado indefinido representado pelo “Era uma vez”:

“Era uma vez uma minina (sic) chamada Mônica e ela usava sempre um vestidinho vermelho que sua vó fez pra ela”. (P.-14 e J.-12).

“Era uma vez a Mônica que foi levar doces para a vovó”. (L.-13 e M.-10).

“Era uma vez, uma menina que usava sempre um vestido vermelho e por isso todo mundo chamava ela de vestidinho vermelho”. (W.-12 e N.-13).


A progressão temporal também foi respeitada. Percebemos a grande presença de marcadores temporais predominantemente orais, como “aí” e “então”. Acreditamos que a linearidade da HQ apresentada foi um elemento que colaborou com tal percepção.

Na sequência didática proposta, dedicamos bastante tempo para analisar a importância do narrador na condução da história e a descrição do espaço e dos personagens. Abordamos, também, o uso da adjetivação para a construção desses momentos do texto. Alguns alunos conseguiram reproduzir esse conteúdo nas produções.

“O lobo não tava (sic) sozinho ele tinha mais dois amigos e um era gordo e o outro era pequeno”. (P.-14 e J.-12).

“E assim, a menina deixou a casa da mãe e foi cantando para a floresta. Aquele lugar era muito escuro e cheio de árvores, mas a menina não se assustou quando um lobo que parecia educado apareceu.”. (W.-12 e N.-13).

“Aí, o lobo ficou cansado e roubou a cesta dela e saiu correndo mais (sic) a Mônica era mais forte e deu porrada em todo mundo”. (F.12 e L.10).

 

As produções atingiram o objetivo principal da sequência, pois os alunos conseguiram reescrever a HQ e adaptá-la ao formato do conto tradicional. Em apenas um caso uma dupla de alunos não produziu a reescrita nos moldes solicitados e, por ser algo bastante diverso da estrutura trabalhada, questionamos se pode ter faltado clareza por parte da estagiária durante a solicitação ou se a compreensão desses alunos não aconteceu na medida em que ocorreu a de seus colegas. Primeiramente, transcrevo o enunciado da proposta:

Uma última observação é a questão da linguagem visual presente nessa versão por ser uma história em quadrinhos. O texto visual substituiu, nesse caso, muitas informações que seriam dadas pelo narrador em um texto escrito. Não precisamos de uma descrição do lobo, afinal estamos vendo-o, assim como as situações de luta. Para exercitar, vamos transformar o texto dos quadrinhos em um conto escrito. Para isso, é importante que você se atente para os elementos que estudamos anteriormente, com os textos escritos (passado indefinido, descrição, presença do narrador como condutor da história). Tente e, caso tenha dificuldades, consulte seu professor.

 

A produção da dupla de alunos em questão encarou a atividade de reescrita como um comentário sobre a adaptação de Maurício de Sousa.

No final o que foi mais engraçado nessa história maluca é que a Magali apareceu na casa da vovó e comeu todos os doces. A Mônica ficou brava porque ela bateu no lobo e nos amigos à toa (H.10 e M.13).

 

Conforme mencionamos, os objetivos centrais da sequência foram alcançados, contudo, algumas dificuldades foram observadas, por exemplo, a ausência de parágrafos em alguns textos ou a falta de compreensão do conceito de parágrafo, em outros. Muitos alunos reescreveram a história em um único bloco, sem sequer fazer distinção entre o discurso direto e a narração. Entretanto, uma minoria (cerca de 15%) tomou o cuidado de separar as “falas” das personagens do discurso do narrador por meio da pontuação, de forma bastante satisfatória.

A menina disse:

- Sai pra lá. Não devo falar com estranhos!

E o lobo respondeu:

- Tem razão! Meu nome é Romildo Lobo, a sua disposição.”

(W.- 12 e N.-13).

 

Erros gramaticais e ortográficos foram recorrentes, mas como a produção foi a finalização do Projeto não realizamos com os alunos uma atividade de reescrita ou retomada dessa questão. Porém, conforme mencionado na descrição das aulas observadas, o hábito da escrita e da leitura não são estimulados na sala de aula. Dessa forma, já eram esperados problemas nas produções escritas. Em uma conversa informal, muitos deles disseram que aquele era o primeiro texto que escreviam para a aula de Português fora de um contexto de avaliação.


5  Considerações Finais


        O período de estágio de observação trouxe, mais uma vez, a impressão de inserção em uma sala de aula do século XVIII. Os conteúdos da gramática como centro das aulas, ausência de diálogo, de situações de leitura e escrita. A proposta da sequência veio, justamente, para contrapor esse modelo e foi bastante interessante.

Com relação à compreensão do conteúdo abordado, os resultados foram extremamente satisfatórios. No entanto, acredito que o maior benefício da proposta foi a tentativa de despertar nos alunos envolvidos o gosto pela leitura e o exercício da escrita. Percebemos que, estimulados, esses estudantes têm um potencial muito amplo o qual é ignorado pelos professores. O conhecimento gramatical é importante para a produção escrita, mas apenas saber os “nomes” dos termos da oração não garantirá que, em suas atividades de escrita, os alunos saibam como fazer a concordância entre sujeito e verbo.

Apesar do pouco tempo em contato com os estudantes, notamos que a existência de um Projeto com objetivos e atividades bem definidos minimiza a questão da disciplina e proporciona uma adesão mais ampla dos alunos. Ao perceberem que o professor dedicou-se para a preparação daquelas atividades o envolvimento e a participação foram quase completos.

Enfim, acredito que essa sequência mostrou que subestimar a inteligência dos alunos pode fazer com que eles acreditem nessa deficiência. Propor atividades desafiadoras e com objetivos traçados mostra que o potencial de aprendizagem é riquíssimo e está ali, pedindo para ser explorado.

 

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.11-43.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF. 1998.

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

GRIMM, J. & W. Chapeuzinho Vermelho. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

PERRAULT, C. Chapeuzinho Vermelho. (Coleção Era Uma Vez, 3) Porto Alegre: Karup, 1994.

PROPP, V. I. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1984.

 

Sites

PORTAL Turma da Mônica. Disponível em http://www.monica.com.br/. Acesso em agosto de 2011.

UNIVERSIDADE Federal de Campina Grande. Banco de biografias. Disponível em http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/CharPerr.html.  Acesso em setembro de 2011.

WIKIPÉDIA – A enciclopédia livre. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3os_Grimm.  Acesso em setembro de 2011.


Gabriela de Oliveira

Professora Titular de Ensino Fundamental II, na EMEF Tenente Moisés Elias de Souza, da Rede Municipal de Educação de São Paulo. Professora Titular de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, na EMEI Afonso Sardinha, da Rede Municipal de Educação de São Paulo. Licenciada em Letras / Português, pela FFLCH-USP (2012). Cursando Licenciatura em Pedagogia, pela PUC-SP (2013).


[1] SOUZA, C. G. Linguagem criação e interação. 8º ano, 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

[2] Subsídio fornecido pela SME (Secretaria Municipal de Educação) aos professores e alunos, cujo foco é o trabalho com os gêneros textuais, não contendo atividades de “gramática”.

[3] Muitos exercícios foram retirados da Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, de Cegalla.

[4]Perguntas como: PROF.: “Quem come, come algo... Então o verbo comer precisa de um ob... ” – CLASSE: “Objeto”.

 


Eli Pessoa do Nascimento

 

Resumo

A relação ensino-aprendizagem não deve pressupor apenas um retorno por parte do aluno. Transmitir algum conhecimento e perceber alguma evolução em seu processo de aprendizagem é uma ação importante, mas uma revisão por parte do professor de seu próprio método auxilia nessa construção. Para tanto, o gesto didático da regulação parece ser uma alternativa coerente quando se pretende observar o quanto o ensino, foi de fato, aproveitado, além de possibilitar repensar novas práticas de ensino, repará-las e adaptá-las quando necessário. Este artigo descreve uma abordagem sobre produções narrativas de alunos do terceiro ano do Ensino Médio que revelam sua apropriação do objeto ensinado por meio da avaliação, aponta suas dificuldades gerais em relação ao ensino e propicia uma reflexão sobre as práticas de ensino adotadas. O método utilizado, portanto, foi a observação das próprias produções realizadas por esses alunos, que mostraram como houve um retorno até certa medida coerente com o Projeto de Ensino programado.

 

Palavras-chave: Apropriação; Discurso; Narrativas; Práticas Didáticas.

 

Introdução

 

Este artigo tem por objetivo descrever como, a partir do Projeto de Ensino - Literatura: Escola literária sobre a segunda fase do Modernismo Brasileiro -, os alunos se apropriaram do discurso da prosa de denúncia, além dos principais elementos da narrativa, em suas produções.

Todavia, antes de avaliar o Projeto especificamente, será apresentado o contexto geral escolar e as práticas de ensino da professora com a qual fizemos o estágio; depois, as motivações e detalhes do Projeto didático; em seguida, uma avaliação breve de sua implementação e, por fim, levantaremos e observaremos os resultados.

 

1  O contexto escolar


1.2  A escola, o espaço físico e a linguagem no contexto escolar

 

O estágio foi realizado na Escola Estadual Antônio Manoel Alves de Lima, que fica na Região Sul, localizada em um bairro de periferia de São Paulo. O ensino abrange o Fundamental II, o Ensino Médio e o EJA. O entorno é constituído por casas bem estruturadas, mas, ao mesmo tempo, está próxima de habitações irregulares, ou seja, a comunidade tanto ao redor da escola quanto dentro dela é bastante heterogênea no que toca as condições sociais dos alunos: de um lado famílias mais favorecidas, economicamente, e, do outro, famílias de baixa renda.

A escola tem aproximadamente 2.200 alunos; total 52 séries divididas em três períodos: manhã, tarde e noite. A Instituição tem uma boa estrutura física: 23 salas de aulas, uma quadra esportiva, sala de vídeo, pátio amplo, uma cozinha, laboratório de informática e uma biblioteca; estes últimos desativados, respectivamente, por falta de equipamento e funcionário. Quanto à limpeza do local, os pátios, geralmente, estavam limpos, mas nas salas que frequentamos havia muitos papéis jogados no chão.

Observamos que a linguagem na escola parece bastante restrita. Nos corredores e pátio onde se concentram os alunos, há, basicamente, cartazes de empresas ou divulgação de cursos particulares. Na região mais próxima à diretoria, existem quadros que trazem as fotografias dos ex-diretores e, em outro, de vários alunos que já passaram pela escola o que, de certa maneira, faz emergir um ambiente mais afetivo. Nas salas, existe pouca divulgação dos trabalhos escolares; o que encontrei,  na maioria, foram paredes vazias, sem pichação, que traziam comunicados aos alunos sobre a proibição de se usar celular em sala de aula.

Na sala dos professores há divulgação de informações distribuída em um mural; existe desde o calendário escolar e a tabela de distribuição de aulas por professores até cartazes de inscrições de cursos oferecidos pelo governo, entre outros. Na mesa dos professores, sempre há revistas e jornais diários ou da semana.

 

2  O estágio e o trabalho docente

 

O estágio foi realizado com quatro turmas do Ensino Médio: duas do terceiro e duas do segundo, no horário da manhã.  Ateremos-nos apenas às duas turmas do 3º ano, com, em média, 30 alunos cada, pois o enfoque do estágio e a preparação de regência propõem a contemplação destas.

Considerando ser de fundamental importância a relação entre a professora e seus alunos e o papel que ela exerce no processo de ensino aprendizado é imprescindível descrevê-los. Nas duas salas que acompanhamos predomina o respeito e a tolerância. A indisciplina, tomado como parâmetro o fato da professora não conseguir lecionar, é quase nula. A professora mantém certa autoridade e controle sobre a organização da sala de aula, apesar de em certos momentos esta ser mais agitada. A docente demonstra personalidade e posturas flexíveis com os alunos, mas, ao mesmo tempo, é firme; não se mostra impositiva, porém, por meio do diálogo, consegue manter boa relação com eles.

Referente aos elementos que compõem o trabalho didático da professora, estes são, basicamente, de natureza textual e temática, todavia, com um grande foco para a literatura. Para dar um simples panorama do que foi trabalhado tomaremos como exemplo uma aula na qual a professora distribuiu em folhas de sulfite um conjunto de diversos tipos de textos relacionados à polêmica da redução da maioridade penal. Tais textos estavam divididos em: apresentação do tema - o texto informativo - e duas opiniões argumentativas - uma a favor e outra contra. Por último, existia um questionário formulado sobre os textos anteriores o qual também trabalhava a opinião do aluno.

Os instrumentos didáticos utilizados pela professora são de origens diversas: livros didáticos, paradidáticos, folhas de almaço, dicionário de português, cópias de textos e jornais e a própria apostila oferecida pelo Estado. A professora disse reconhecer que é necessário ter várias fontes de material de trabalho, pois isso estimula mais os alunos. Sendo assim, a utilização do giz e da lousa é pouco frequente.

A leitura em voz alta também é um dispositivo didático bastante utilizado para ensinar e, geralmente, é solicitada a participação do aluno de maneira facultativa. Com raras exceções, a professora indica a leitura para alunos específicos.  À medida que a leitura vai se desenvolvendo a docente vai intercalando-a com explicações ou perguntas diretas para que os alunos dialoguem e respondam o que entenderam a respeito do texto, ou seja, há uma apresentação do objeto por meio do par pergunta-resposta (GOMES-SANTOS, 2009).

Quanto aos gestos didáticos, é comum a professora iniciar a aula com a memória didática, chamando a atenção dos alunos para o que já foi dito na aula anterior e, posteriormente, transmitindo as novas orientações sobre o que será feito no dia; em seguida, distribui as tarefas (ou vai fazendo isso simultaneamente). Um exemplo de memória didática ocorreu quando a docente, para dar início à aula sobre o Modernismo da 2ª geração, relembrou alguns pontos relacionados à primeira geração e reforçou, especificamente, que ainda naquele período alguns escritores propunham que, dentro do movimento antropofágico, fosse simbolicamente devorada a outra cultura sem desvalorizar a brasileira. Como exemplo a professora comentou o fato de que a pizza é, tradicionalmente, da Itália, mas foi incorporada ao Brasil, podendo ser pizza baiana, mineira etc. Assim também é o que acontece com a língua, a qual incorpora termos estrangeiros, mas mantêm os originais, além de criar novos.

Ainda referente aos gestos didáticos, a professora costuma discutir com os alunos os textos em questão, apresentando os conceitos. No entanto, na maioria das vezes não é feita uma leitura prévia e, somente durante a tarefa, os alunos vão levantando as questões. É comum eles tirarem dúvidas referentes ao vocabulário, o que evidencia que estes, por sua vez, não têm e não utilizam dicionários próprios, mas sempre consultam a professora. Esta, embora muitas vezes disponha a resposta, em outros momentos empresta seu dicionário para que eles consultem; todavia, quando percebe que persiste a dúvida ou a incerteza procura exemplificar para facilitar a compreensão.

De maneira geral, os alunos são constantemente instigados a ler e a escrever textos, além de que, presenciamos a produção de diversos gêneros, entre eles, o argumentativo, o informativo. Ocorreu, também, a entrega das respostas de exercícios que giram em torno dos textos principais. Esses textos, conforme foi apontado, são produzidos com base nos livros didáticos dos alunos e no material paradidático do qual a professora tira cópia para distribuir nas aulas e, depois, os recolhe para utilizar em outra turma.

A regulação sempre é feita por meio da cobrança da entrega de trabalhos ou das respostas de questionários produzidos na própria sala de aula, os quais, na maioria das vezes, são realizados em duplas ou em grupos, valendo pontos para a nota final. A professora também faz a regulação por intermédio de provas as quais são bimestrais.


3 Sobre as motivações para a elaboração do Projeto de Ensino proposto


3.1  Motivações

 

Este estágio foi voltado às duas turmas do terceiro ano do Ensino Médio, fato que nos faz, inicialmente, pressupor que seu conteúdo discursivo é voltado, principalmente, para a preparação de provas como o Enem e/ou vestibular. Esse pressuposto é confirmado, em boa parte, na prática, já que foi trabalhado em uma das aulas questões do Enem e, em outra, o período modernista, o qual, aparentemente, de maneira casual, tinha conteúdo voltado diretamente para o vestibular, por exemplo, o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos - um dos livros indicados para leitura no vestibular de 2013. A professora também programou trabalhar com os alunos outro livro para a Fuvest: Capitães da Areia, de Jorge Amado. Por outro lado, é comum a professora trabalhar conteúdos que não abranjam esse pragmatismo. De uma pergunta geral que direcionamos para as turmas, verificamos que, a maioria dos alunos não vai prestar vestibular público, mas quase todos irão fazer a avaliação do Enem.

Assim, diante desse contexto, procuramos conversar com a professora para combinar algo que fosse útil e significativo para os alunos. Inicialmente, ela disse que estes precisavam de leitura e propôs que trabalhássemos algo com o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado, para relacionar tal obra ao filme que ela apresentaria. Todavia, mudou de opinião e sugeriu que fosse desenvolvido algo voltado à obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, mesmo esta já tendo sido abordada na aula sobre o Modernismo brasileiro. Dessa forma, contemplaríamos outros aspectos que não tivessem sido trabalhados e aprofundaríamos os já conhecidos.

Portanto, diante do quadro exposto, nosso Projeto de Ensino foi sobre Literatura: escola literária pertencente à segunda fase do Modernismo Brasileiro, tendo como base para o desenvolvimento de tal Projeto o livro Vidas Secas, incentivados pela professora. Além disso, consideramos que o livro é solicitado no vestibular da Fuvest.

Elaboramos o Projeto de maneira que abrangesse todos os alunos, privilegiando a compreensão do contexto da obra para facilitar seu entendimento; trabalhamos, principalmente, os conceitos relacionados aos elementos da narrativa, que são importantes para todos os enredos.

Quanto ao que foi comentado pela professora sobre a obra em questão, é importante especificar que foi utilizado o conteúdo pertencente à apostila do Estado, que caracterizava, principalmente, o Modernismo da Segunda Geração, enfatizando o conceito e quais as principais repercussões na prosa e na poesia. A obra Vidas Secas foi trabalhada rapidamente, destacando um trecho do livro e mostrando a questão regionalista que o autor queria denunciar: a seca e miséria no sertão nordestino.

Com a aplicação do Projeto, tentaremos levar o aluno a observar, por meio das leituras, de que maneira a prosa da Segunda Geração Modernista demonstra teor de denúncia e crítica social e, como esta pode refletir as idéias do autor.

 

3.2   Elaboração do Projeto de Ensino

 

Podemos dividi-lo em cinco fases ou blocos (cada um com duas aulas). Contudo, antes de apresentá-las detalhadamente com o fim de facilitar a compreensão destas, faremos um breve resumo de tais fases: a primeira fase é a contextualização histórica e literária, correspondente ao período do romance citado; a segunda fase é a apresentação e a descrição dos conceitos relacionados aos elementos da narrativa; a terceira fase estabelece relações entre os elementos da narrativa e as leituras selecionadas; a quarta fase consiste em relacionar algumas leituras do livro às possíveis ideias do autor; a quinta e última fase é a aplicação da regulação.

 

3.2.1   Primeira fase

 

A primeira fase - contextualização histórica e literária - pode ser subdividida em três partes: a explicação do contexto histórico-mundial, do contexto histórico brasileiro e do período literário. Para tanto, pretendemos utilizar como gesto didático a presentificação do objeto, que consiste em apresentar o objeto de ensino, ou seja, o tema: o estudo da escola literária pertencente à Segunda Fase do Modernismo Brasileiro. Como dispositivo didático, utilizaremos o par dialógico pergunta-resposta (GOMES-SANTOS, 2009) para intermediar alguns momentos da aula. Em relação aos instrumentos didáticos, serão utilizados o giz e lousa. As tarefas serão direcionadas à contextualização da obra literária no período histórico no qual esta estava inserida.

Para iniciar a aula, diremos que a obra estudada será o romance Vidas Secas, do autor Graciliano Ramos, frisando que o objetivo é aprofundar o conhecimento dos alunos sobre esta, os complementando, já que a obra havia sido comentada pela professora anteriormente.

Após a introdução, descreveremos na lousa e comentaremos, brevemente, a obra em questão. Primeiramente, escreveremos na lousa o nome da obra, o ano em que foi publicada e a década a que pertencia: década de 30 (1930 a 1939); posteriormente, perguntaremos sobre o assunto tratado no livro, citando o problema da seca, da miséria, da ignorância e explicando que a obra aborda, essencialmente, a narrativa sobre a vida de uma família de retirantes a qual procura melhores condições de vida.

No próximo momento, diremos aos alunos que, para facilitar a compreensão da obra, estudaremos antes o contexto histórico mundial no qual o livro foi escrito, especificamente, na década de 30. Antes de entrarmos na década citada, comentaremos dois acontecimentos importantes que antecederam tal período e o influenciaram: a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, e a crise da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Conduziremos os alunos a esta conclusão por si mesmos, elaborando perguntas direcionadas os encaminhado para tal objetivo.

Na primeira parte da primeira fase será abordado o período citado, novamente, utilizando o par dialógico pergunta-resposta para instigá-los a recordar características a respeito do tal período no cenário mundial: as ideologias nazistas e comunistas, além de o surgimento dos governos ditatoriais. À medida que surgirem as respostas, as descreveremos, em tópicos, na lousa, explicando-as. Alguns conceitos serão enfatizados: Hitler difundia, na década de 30, ideias nazistas e, nesse mesmo período, as ideias socialistas e comunistas fortificavam-se em oposição às ideias capitalistas; ao mesmo tempo, destacavam-se os movimentos políticos totalitários, os quais tentaram combater o comunismo - vale ressaltar que o autor Graciliano Ramos era comunista e que poderemos constatar tal fato em sua obra.

Quanto ao contexto histórico no Brasil - segunda parte - optamos por descrever e comentar três fatos da década de 30, sempre os topicalizando na lousa. Primeiro apontaremos que o poder político estava sendo controlado pelo presidente Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, por meio de um governo caracterizado como ditatorial e também como populista. Na sequência, explicaremos que, naquele momento, houve a expansão da indústria na região sudeste, fato que atraiu muitas pessoas de outros estados do norte e nordeste e imigrantes de outros países; como consequência desse crescimento das cidades, irromperam os problemas de habitação e de criminalidade.

Passando a terceira parte, que se resume em comentar a Segunda Geração da Escola literária Modernista Brasileira, por meio do par pergunta-resposta, pretendemos incentivar os alunos a lembrar as principais características do período na literatura: o regionalismo e a denúncia dos problemas sociais. Como prováveis perguntas para chegar a tais respostas, podemos citar os seguintes exemplos:

Questões elaboradas pela estagiária: Nesse período, os escritores estavam preocupados em falar de problemas bem localizados. Qual é o nome desse elemento ou característica? O que eles denunciam?  

 

Em seguida, diremos que um dos exemplos dessa literatura é o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, explicando que é uma obra a qual denuncia problemas sociais, como já ditos anteriormente e, além disso, apontam outros os quais serão estudados mais adiante.

Nessa fase, portanto, a contextualização geral será justificada para que o aluno possa ter uma visão abrangente a respeito do período em que foi inserida a obra. Com isso pretendemos facilitar a compreensão desta.

 

3.2.2   Segunda fase

 

A segunda fase consiste em aprofundar o objeto temático e conceituar os principais elementos de uma narrativa: o enredo, o narrador, os personagens, o tempo e o espaço. O gesto didático utilizado será um dispositivo que consiste em definir tais conceitos por meio da exposição oral e do diálogo fático; estes terão como propósito verificar se os estudantes estão entendendo o discurso. Os instrumentos didáticos continuam sendo o uso de giz e lousa.

O primeiro movimento será dizer aos alunos que estudaremos os principais elementos da narrativa: características que todos os romances apresentam. Comentaremos que, a partir do entendimento destas, fica mais fácil ler qualquer livro. Para essa aula escreveremos, na lousa, em ordem vertical, tais elementos; a partir de então, faremos, brevemente, a definição de cada uma, levantando, como exemplo, o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Crepúsculo, de Stephenie Mayer.

Explicaremos que o enredo existe em qualquer narrativa, pois são os fatos e os acontecimentos que vão se “desenrolando” durante a história; o enredo do romance de Graciliano aborda a história de uma família de retirantes - que é o sertanejo nordestino, o qual emigra fugindo da seca, procurando um lugar melhor para viver -; a narrativa de Mayer trata-se relata a vida de uma jovem que se apaixona por um vampiro e vive um amor proibido.

Quanto ao narrador, este pode aparecer em primeira ou terceira pessoa. O primeiro ocorre quando o narrador-personagem participa da história e, por isso, não sabe o que os outros pensam - como é no caso de Crepúsculo, história na qual a personagem protagonista, Bella, narra sua vida. A narrativa em terceira pessoa acontece quando alguém conta a história de alguns personagens, contudo, sem participar dela. O narrador pode ser onisciente quando sabe tudo o que acontece, inclusive, o que os personagens pensam, a exemplo do narrador que encontramos em Vidas Secas.

Os personagens são divididos entre principais e figurantes. Explicaremos que em toda narrativa existe um ou vários personagens. No caso da obra modernista, trata-se de uma família a qual descreveremos na lousa: Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos, que não têm nomes, portanto, são chamados “o menino maior” e o “menino menor” e a cachorra Baleira. A seguir, iremos contrapor esses personagens aos personagens principais de Crepúsculo, que são o Vampiro Edward Cullen, Bella Swan, Jacob Blac, entre outros.

O tempo pode ser cronológico e psicológico. Com relação ao tempo cronológico, as ações dos personagens ocorrem de acordo com a contagem deste, por exemplo, das horas, dos dias e dos anos, ou seja, há uma sequência cronológica. Quanto ao tempo psicológico, não se tem referências a esses marcadores temporais, pois a história pode ser contada a partir de fatos da memória do personagem e, por isso, o tempo não é controlado.

Por fim, explicaremos o espaço. No caso de Crepúsculo, a história acontece, principalmente, em uma escola localizada na pequena cidade, Forks, no Estado de Washington, enquanto, no livro Vidas Secas, o espaço é o sertão nordestino, marcado pela escassez de chuva.

 

3.2.3   Terceira fase

 

Na terceira fase, com mais duas aulas, estabeleceremos relações temáticas a partir de outros elementos semióticos. Apresentaremos os elementos da narrativa usando, como exemplo, diretamente as obras. O objetivo é observá-los, diretamente, em leituras previamente selecionadas de trechos do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e “Crepúsculo” de Stephenie Mayer.

Os gestos didáticos utilizados serão, inicialmente, a memória didática, para recuperar o que foi ensinado na aula anterior, entre eles, os elementos da narrativa e a institucionalização, já que os livros serão exemplificados por meio da comparação entre trechos destes e, consequentemente, será utilizada como dispositivo didático a leitura compartilhada, com explicação prévia sobre a história de cada Capítulo a ser lido.

Como instrumentos didáticos, utilizaremos a lousa e o giz e, como subsidiária, a própria leitura e a comparação, distribuídas coletâneas1 em folha de sulfite, nas quais estarão dispostos quatro trechos: o primeiro Capítulo de Crepúsculo, intitulado À primeira vista e o Capítulo Mudança, de Vidas Secas. Utilizaremos mais dois trechos - um do segundo e outro do terceiro Capítulo da obra de Graciliano, os quais serão utilizados no bloco seguinte. Todavia, tais trechos foram selecionados para serem lidos nessa aula, porque exemplificam e complementam as categorias dos elementos da narrativa.

É importante, ainda, esclarecer que foi feita a opção pelo uso da coletânea pelo fato de sabermos que a maioria dos alunos não leu o livro, apesar da solicitação da professora e, também, por ser uma maneira mais prática, já que todos poderão acompanhar a leitura.

A escolha do livro de Stephenie Mayer justifica-se apenas por ser uma leitura muito recorrente entre os jovens e por ser uma aula praticamente voltada para esse público, a maioria entre 17 e 18 anos; é uma estratégia didática para manter um pouco mais a concentração da classe.

Para iniciar a aula, indagaremos aos discentes quais são os elementos da narrativa, que outrora já haviam sido estudados, os quais serão, novamente, dispostos na lousa na vertical. Depois a lousa será dividida em duas colunas, nas quais será colocado, de um lado, o nome do livro Crepúsculo e, de outro, Vidas Secas. As coletâneas serão distribuídas e explicaremos como os conceitos já estudados aparecem, na prática, nos textos.

Após essa distribuição, será solicitado que alguém leia o primeiro trecho, de Crepúsculo. Posteriormente, a aula será intermediada por perguntas para que possa ser preenchida, na lousa, cada categoria dos elementos a partir do texto: o narrador aparece em primeira pessoa; os personagens principais são Bella e Edward; o tempo é cronológico, o espaço é a Cidade de Forks - lugar frio e chuvoso. Da mesma maneira, trabalharemos com a obra Vidas Secas: o narrador aparece em primeira pessoa; os personagens são a família de Fabiano; parte do tempo é cronológico e parte é psicológico; o espaço é o sertão nordestino, quente e seco.

 

3.2.4   Quarta fase

 

A penúltima fase, com mais duas aulas, propõe a observação da visão crítica do autor por intermédio da obra, ou seja, como a prosa está voltada a denunciar os problemas socais. Característica própria dos prosadores da Segunda Geração Modernista Brasileira.

Os gestos didáticos utilizados serão, novamente, a institucionalização do saber.  Os dispositivos didáticos serão: exposição oral, leitura compartilhada e o uso do par pergunta-resposta. Esse último, baseado em perguntas prévias2, tem o objetivo de orientar a discussão, sem a necessidade de abordá-las integralmente.

Os instrumentos didáticos, por sua vez, são o giz, a lousa e a coletânea para que seja feita a leitura dos últimos dois trechos selecionados de Vidas Secas: Capítulo II “Fabiano” e Capítulo III “Cadeia”. A escolha de tais Capítulos justifica-s e à medida que podemos interpretar, em cada Capítulo, tanto a defesa de comunismo, que revela uma crítica ao capitalismo, quanto a insatisfação com o governo, por parte do autor Graciliano Ramos. Estas possíveis interpretações têm o objetivo de sensibilizar o aluno e encaminhá-lo a perceber de que maneira o autor pode transmitir valores por meio de um romance de denúncia.

Antes de iniciar a leitura, será explicado aos alunos que por meio dos trechos do livro de Graciliano Ramos podemos perceber as ideias do próprio autor. Com isso, pretendemos ressaltar que, além de a obra refletir os problemas da seca, detectamos, também, o comunismo; ideias que o autor defendia e que, inclusive, levou-o a ser preso em 1936, após criticar o governo.

Depois da breve explicação, pediremos que alguém leia o Capítulo II – “Fabiano” que retrata o momento em que o personagem tinha conseguido estabelecer-se em uma fazenda para trabalhar e refletia sobre sua condição de ser um homem ou não, concluindo que, na verdade, não o podia ser, pois era apenas um “cabra” ocupado em guardar as coisas dos outros. Destacaremos aos alunos que, no contexto da obra, somente quem tinha propriedades poderia ser considerado “um homem”. Antes de discutirmos as ideias presentes nesse Capítulo, perguntaremos se os alunos têm dúvidas referentes ao vocabulário e, sanadas tais dúvidas, faremos as perguntas prévias, topicalizando na lousa o que tal trecho denuncia.

Para dar continuidade, solicitaremos que outro aluno leia o Capítulo III – “Cadeia”, o qual retrata o personagem Fabiano sendo coagido, humilhado e oprimido pelo soldado - o que pode representar, justamente, a opressão do governo. Após a leitura o procedimento a ser seguido será o mesmo aplicado com relação à leitura do Capítulo anterior: sanar dúvidas sobre vocabulário e formular perguntas sobre o trecho, descrevendo na lousa as conclusões.

 

3.2.5   Quinta fase

 

Por fim, a última fase consiste em observar como o aluno apreende um romance de denúncia e os elementos da narrativa. O gesto didático utilizado será o da regulação; os instrumentos serão, mais uma vez, o giz, a lousa e, agora, a distribuição de tirinhas e quadrinhos cortados, além das folhas dos alunos, nas quais deverá constar a escrita da atividade solicitada.

Para a tarefa proposta, temos duas opções de atividades:

Proposta 1: criar uma história livre que contenha uma denúncia social.

Proposta 2: criar uma história a partir de pequenas tiras e quadrinhos com uma sequência de imagens.

 

Para tanto, explicaremos que, independentemente da opção escolhida, é imprescindível incorporar na narrativa os elementos estudados em sala: o enredo, o narrador, o personagem, o tempo e o espaço em que se passa a história. Para desenvolver essa atividade, a apresentação será feita pela ordem discursiva. A lousa será usada para descrever as seguintes orientações: mínimo de dez linhas, máximo três páginas.

 

4. Avaliação do Projeto de Ensino implementado

 

A implementação do Projeto Didático foi feita no decorrer de dez aulas, no terceiro ano do Ensino Médio: turma 3ºB. Diferentemente do Projeto inicial, que tinha sido planejado para a aplicação do conteúdo em blocos de duas aulas contínuas, alguns blocos foram realizados em duas aulas separadas, o que implicou na readaptação de alguns dispositivos didáticos, como o uso da memória didática para recuperar algo que já tinha sido falado na aula anterior.

Além disso, houve algumas imprevisibilidades que, de maneira geral, não interferiram ou afetaram a apresentação do Projeto, mas contribuíram para complementá-lo, como a participação da professora em alguns momentos, contribuindo com exemplos para a explicação e organizando a classe em alguns momentos, quando os alunos estavam muito agitados, ou quando tivemos que definir para os alunos mais alguns conceitos fora do programado inicialmente; por exemplo, tivemos que falar sobre o discurso direto, indireto e indireto livre devido a algumas dúvidas que surgiram na explicação dos elementos da narrativa.

Foi possível reforçar durante as aulas, principalmente, a ideia norteadora do objeto, que era conduzir o aluno a observar como a prosa modernista da Segunda Fase estava comprometida com uma literatura engajada. A leitura e a discussão dos textos selecionados de Vidas Secas também corroboraram nesse sentido.

A participação dos alunos ela foi bem ativa, sobretudo na primeira aula na qual a classe estava com um número de alunos bem reduzido; talvez isso tenha influenciado na desinibição de alguns deles. O dispositivo didático utilizado, o par pergunta-resposta, no primeiro bloco pareceu funcionar satisfatoriamente à medida que os alunos participavam das aulas respondendo sem muita hesitação os acontecimentos e fatos relacionados aos contextos históricos geral e brasileiro, demonstrando, por sua vez, um domínio relativo sobre o assunto por parte dos alunos.

Já na apresentação dos conceitos dos elementos da narrativa, que se deu na segunda fase, a participação dos alunos pareceu mais retraída. Ao interrogá-los sobre o fato de estarem ou não entendendo, em virtude de poucas respostas, pensamos em hipóteses imediatas como a falta de compreensão e/ou desinteresse pela aula; esta conduziu-nos, inclusive, a repetir e enfatizar exemplos de que cada um representava, sem recorrer diretamente à leitura dos textos.

Quanto às aulas que consistiram nas leituras dos trechos do livro Vidas Secas e Crepúsculo, os alunos voltaram a participar das aulas com mais intensidade, perguntando sobre o vocabulário desconhecido - o que já era previsto -, principalmente os mais específicos e incomuns, utilizados na obra de Graciliano Ramos como “cambaio”, “cuia”, “aió a tiracolo”, “obstinação” etc.

Referente aos instrumentos didáticos empregados em cada fase, estes desempenharam um papel importante em cada aula; a utilização do giz foi essencial para marcar e concretizar na lousa o que era exposto oralmente e servia para a própria ordem e explicação dos objetos.

A escolha da coletânea para a leitura também foi essencial na terceira e quarta fases, pois, como previsto, possibilitava que todos tivessem acesso ao material e pudessem se prontificar para leitura, resultando em uma maior compreensão do objeto de ensino. Todavia, quando observado em âmbito de leitura como tarefa, esse instrumento revelou algumas peculiaridades.

A escolha do livro Crepúsculo para ser confrontada com Vidas Secas, sem entrar no mérito de ser uma literatura menor ou maior, mas por ser algo atual, mostrou-se um instrumento importante para a adesão voluntária e a participação na leitura por alguns alunos que já o tinham lido; muitos não tinham lido a obra de Graciliano Ramos. De maneira geral, a leitura compartilhada foi realizada com êxito à medida que foram lidos todos os trechos selecionados e, depois, foram tiradas as dúvidas sobre cada vocábulo.

Quanto à fase da regulação, que consistiu em propormos duas opções de atividades - criar uma história que denunciasse algum problema social ou uma história livre, baseada em tirinhas, ambas baseadas na utilização dos elementos da narrativa - podemos dizer que tivemos um pouco de resistência no início.

Muitos alunos, sabendo que tal tarefa não “valia nota”, mostraram-se desinteressados em realizá-la. Para conseguir a adesão destes, foi necessário conversar diretamente com eles, explicando a proposta.

Apesar da resistência inicial, houve considerável engajamento por parte dos alunos e, consequentemente, muitas produções da atividade solicitada. Os resultados foram os mais variados: houve a produção tanto de histórias influenciadas pelas tiras quanto fictícias, que denunciavam algum problema social; encontramos até a produção de textos dissertativos.

Para concluir, as práticas didáticas foram passíveis de serem aplicadas e não sofreram muitas variações na implementação, o que possibilitou a transmissão do objeto basicamente como programado.


5  Uma reflexão sobre a apropriação do discurso da prosa de denúncia e dos principais elementos da narrativa: enredo, narrador, personagem, espaço e tempo por alunos do terceiro ano do Ensino Médio

 

5.1  Considerações Iniciais

 

Tomando como base a citação de Bernard Schneuwly “A regulação, baseada em critérios implícitos ou explícitos, contribui de maneira decisiva para a construção do objeto”, pretendemos, nesse quadro, refletir e avaliar a atividade final que os alunos do terceiro ano desenvolveram na fase da regulação, ou seja, as narrativas, para percebermos como foi constituído o aprendizado.

Antes de analisarmos, propriamente, o conteúdo da avaliação, é necessário descrever alguns resultados práticos iniciais e fazer algumas considerações.

Como apontamos anteriormente, a proposta de avaliação consistia em duas opções: fazer uma história com tema livre, com tom de denúncia ou fazer uma história seguindo uma sequência de tirinhas, que foi distribuído na aula. Como resultado, obteve-se no total 16 produções, quase todas realizadas na própria aula, com exceção de duas, que foram entregues depois. Do total desses 16 textos, quatro foram feitos em dupla. Dessas narrativas, no entanto, apenas oito foram classificadas como prosa de denúncia, levando em consideração, para essa classificação, principalmente, o teor crítico e o desenrolar de um acontecimento ou fato; sete textos não apresentaram denúncia e apenas um foi identificado como plenamente dissertativo.

Diante desse resultado, para facilitar a análise presente neste artigo, nossas observações versarão apenas sobre a proposta 1, ou seja, as oito históriasa sobre denúncia ou crítica social, com a finalidade de responder à reflexão proposta inicialmente, além de verificar como foi realizada a apropriação do discurso de denúncia nessas produções e a adaptação dos elementos da narrativa. Para essa análise, teremos como parâmetro o romance escrito por Graciliano Ramos Vidas Secas, que serviu, inclusive, como fio norteador dessa perspectiva. Assim, as narrativas da proposta 1 foram anexadas e as demais só serão utilizadas para efeito de comparação, visto que não atendem ao objetivo da reflexão inicial.

 

5.2  Análise dos textos

 

Quanto à análise das oito narrativas enquadradas como prosa de denúncia, os aspectos a serem refletidos são: a utilização do próprio discurso de denúncia; o grau de realismo, admitindo realismo como fatos que podem ser associados ao cotidiano; o emprego do diálogo na história, que pode ser considerado como referência aos dois trechos lidos em Vidas Secas; o tipo de narrador e os personagens escolhidos; além de outras considerações que forem pertinentes.

Podemos observar em relação ao primeiro aspecto que as narrativas com perspectiva de denúncia social contemplaram diversos temas: violência, desigualdade social, exploração pelo governo, repressão social com relação aos moradores de rua, denúncia sobre a precariedade do atendimento público em hospitais, o preconceito homofóbico e a injustiça social; sendo possível, ainda, outras leituras e interpretações.

As histórias desenvolvidas mostram diversos problemas sociais em forma de enredo; em algumas histórias, o título remete, diretamente, ao tema, como é o caso de uma narrativa intitulada “Violência Doméstica” (Anexo III), na qual o aluno inicia com um tom dissertativo - “Como a própria palavra já designa” - contando um fato o qual diz ter acontecido na vida real - “Irei contar um fato em que aconteceu na vida real”. Nessa história, o aluno descreve a personagem Antônia como uma mulher “guerreira e batalhadora”, que, devido a um mal entendido, acaba sendo espancada pelo marido bêbado - “Cláudio chega em casa já depois de tomado umas, entra no quarto daquele jeito, espancando fisicamente a Antônia”.

Em outro exemplo, “Os Impostos” (Anexo IV), podemos observar uma crítica aos altos impostos cobrados pelo governo. A história, contada em terceira pessoa, remete à vida do personagem Emílio, que, por não conseguir pagar os impostos de sua casa, acaba sendo despejado, tornando-se um mendigo.

No relato “Desigualdade Social” (Anexo II) o personagem Felipe, nordestino, que procurava melhores condições de vida em São Paulo, é vítima do desemprego e da corrupção que influenciam nas grandes diferenças entre ricos e pobres. Assim, ele também acaba tornando-se um morador de rua.

O tema “violência”, por sua vez, relata a história de vítimas fatais em duas histórias: “Video-Game” (Anexo VII), que apresenta o preconceito homofóbico, é um romance interrompido com uma bala letal; e “Volta fatal” (Anexo I), na qual uma discussão leva uma pessoa de “bom caráter” à morte.

O aspecto dessas histórias em relação ao grau de realismo que tinha em Vidas Secas pareceu ter sido contemplado, já que não percebemos alusões a um mundo fantástico. Para tanto, foi importante as referências espaciais a vários lugares: “Numa noite de lua cheia ia Carla, andando sozinha pela rua escura...” (Anexo VI), “... vivia em uma vila pobre” (Anexo VIII), “Sentei em um banco na praça” (Anexo V) e a história já citada, Violência doméstica, a qual relata que a agressão ocorreu em casa.

Outro aspecto que pode ser observado é o tipo de narrador adotado. O narrador em primeira pessoa só aparece uma vez enquanto o em terceira predomina. Diferentemente de Vidas Secas, o narrador não é onisciente. O mesmo ocorreu em relação ao diálogo caracterizado na obra, mas só abordado em duas histórias: Violência doméstica e
Video-game.

Nas histórias criadas pelos alunos, encontramos relações que podem ser estabelecidas entre os personagens destas e os personagens de Vidas Secas. Na história Desigualdade social, o personagem Felipe faz alusão ao personagem Fabiano, à medida que ambos são nordestinos, buscam melhorar de vida e são ignorantes. Porém, diferente de Fabiano, Felipe procurava melhores condições de vida em São Paulo, passando por dificuldades uma vez que é analfabeto, portanto, não encontra emprego: “Chegando em São Paulo, Felipe não conseguiu emprego, pois, não estudou, é analfabeto. Onde ele mora? Embaixo de um viaduto”.

Em outro momento, também ocorre, implicitamente, um grau de interferência do discurso da aula sobre a narrativa, na história presente no Anexo V, sem título. Nesta, está presente o problema dos moradores de rua, além de discutir a humilhação e a opressão sofrida por um homem que tem tatuagens e, por isso, é agredido pela polícia: “ele chutou a canela do rapaz que saiu mancando. Na realidade se trata de uma violência despropositada assim como a sofrida pelo personagem Fabiano, no Capítulo III – Cadeia, que, inclusive, foi abordada em sala de aula.


Considerações Finais

 

Diante do quadro exposto, percebemos que alguns alunos conseguiram apropriar-se do discurso de denúncia em seus textos de maneira adequada, utilizando diversos elementos da narrativa para apresentá-los. Em contraponto, ainda que o foco tenha sido o discurso literário, ao observarmos a linguagem e o estilo utilizados nessas produções, detectamos nas histórias muitos problemas de linguagem e da própria estrutura da narrativa. Há muitos erros ortográficos, de pontuação e acentuação. É comum, por exemplo, a repetição de vocabulário e, embora algumas histórias tenham sido mais bem elaboradas quanto à utilização da linguagem, o tom informal foi recorrente, por exemplo, quando escrevem “daí”, “até que então” etc.

Com relação à estrutura da narrativa, duas não foram nomeadas e outras duas foram intituladas “História”. Além disso, em algumas, há uma confusão de tempos verbais utilizados, presente e passado, ao descrever os acontecimentos; isso causa, muitas vezes, problemas de coesão e estranheza na leitura, apesar de não afetar o sentido geral, mostrando, além de uma falta de domínio dessa estrutura, pouca prática de leitura.


Conclusão

 

Concluímos que, apesar de os alunos demonstrarem ter conseguido apropriar-se do discurso da aula, focado na literatura, o Projeto de Ensino foi insuficiente para dar conta de aspectos mais específicos como a questão da linguagem escrita e da estrutura do próprio gênero narrativo. Esses problemas, contudo, não se reduzem apenas às produções da proposta 1, mas abrange todas as histórias elaboradas na fase da regulação, o que, por sua vez, apontou novos desafios dentro do citado Projeto.

O próprio método de regulação pode ser questionado uma vez que, ao propormos dois métodos de avaliação a proposta 2 não se enquadrava na perspectiva de análise e, por isso, foi desconsiderada.

De modo geral, os resultados da regulação permitem repensar e adequar novas possibilidades para que alguns problemas possam ser reparados e sanados, pois como justificou Bernard quanto aos obstáculos que encontram os alunos “[...] o professor deve reagir”.

 

Referências

CEREJA, R. C. W. R.; MAGALHÃES, C. M; Português: linguagens. Volume único: Ensino Médio. 1ªed. São Paulo: Atual Editora, 2003.

LEITE, L. C. M. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). São Paulo: Ática, 1985. Série Princípios. (p.25-70).

RAMOS, G. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 1973.

SCHNEWLY, B. L’objet enseigné. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés em classe de français – Le travail de I’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordannée realtive. Rennes. Tradução GOMES-SANTOS, S. N. FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Tradução GOMES-SANTOS, S.N. Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo, 2011.

 

Eli Pessoa do Nascimento

Graduanda em Letras cursando Bacharelado e Licenciatura em Português/Espanhol pela Universidade de São Paulo (USP, 2013). 

 

Anexos


Anexo A - Coletânea

Crepúsculo - Capítulo “À primeira vista”

Minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas abaixadas. Estava fazendo 24°C em Phoenix, o céu estava um azul perfeito e sem nuvens. Estava vestindo minha camiseta preferida: sem mangas, de renda furadinha. Usava-a como um gesto de despedida. Minha bagagem de mão era um parka. Na Península Olímpica, no noroeste do estado de Washington, nos Estados Unidos, existe uma cidadezinha chamada Forks que está quase que constantemente coberta por nuvens. Nessa cidade desimportante chove mais do que em qualquer outro lugar do país. Foi dessa cidade e da sua sombra depressiva e onipresente que minha mãe fugiu comigo quando eu tinha só alguns meses de vida. Era nessa cidade que eu era obrigada a passar todos os verões até completar 14 anos. Aquele foi o ano em que bati o pé. Então, nos últimos três verões, meu pai, Charlie, passou duas semanas de férias comigo na Califórnia.

Agora era em Forks que ia me exilar, algo que fiz com muito custo. Eu detestava Forks.

Eu amava Phoenix. Amava o sol e o calor escaldante. Amava a cidade vigorosa e grande. — Bella — minha mãe me disse - pela milésima vez - antes de eu entrar no avião. — Você não precisa fazer isso.

 

Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Capítulo I – Mudança

NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.

- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.

A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.

O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.

- Anda, excomungado.

O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e aobstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.

 

Capítulo II – Fabiano

Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

 

Capítulo III – Cadeia

Atravessaram a bodega, a corredor, desembocaram numa sala onde vários tipos jogavam cartas em cima de uma esteira

- Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem gente. Os jogadores apertaram-se, os dois homens sentaram-se, o soldado amarelo pegou o baralho. Mas com tanta infelicidade que em pouco tempo se enrascou. Fabiano encalacrou-se também. Sinhá Vitória ia danar-se, e com razão.

- Bem feito. Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo. - Espera aí, paisano, gritou o amarelo.

Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou. Foi pedir a seu Inácio os troços que ele havia guardado, vestiu o gibão, passou as correias dos alforjes no ombro, ganhou a rua

- Vossemecê não tem direito de provocar os que estão quietos.

- Desafasta, bradou o polícia. E insultou Fabiano, porque ele tinha deixado a bodega sem se despedir.

- Lorota, gaguejou o matuto. Eu tenho culpa de vossemecê esbagaçar os seus possuídos no jogo?

Engasgou-se. A autoridade rondou por ali um instante, desejosa de puxar questão. Não achando pretexto, avizinhou-se e plantou o salto da reiúna em cima da alpercata do vaqueiro.

- Isso não se faz, moço, protestou Fabiano. Estou quieto. Veja que mole e quente é pé de gente.

O outro continuou a pisar com força. Fabiano impacientou-se e xingou a mãe dele. Aí o amarelo apitou, e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava o jatobá.

- Toca pra frente, berrou o cabo.


Anexo B - Perguntas Prévias sobre a leitura de alguns trechos de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Resumindo os dois Capítulos: A obra denuncia ou não denuncia um problema social? Quais são eles: O do latifundiário e o da opressão policial, o problema da autoridade, a violência.


Capítulo II - Fabiano

Fabiano estava feliz?

         Eles viviam bem?

         A casa era dele ou dos outros?

         Ele se achava um homem? Por que?

Qual era a função dele?

O que deixa subtendido e leitura? Pra ser homem precisa ter sua própria terra.

O que ele denuncia? Denuncia o problema do latifundiarismo. O fazendeiro tem muitas terras, enquanto a maioria não tem nada. De maneira sutil defendo o comunismo.

 

Capítulo III - Cadeia

Eles vão jogar e se sentam em uma mesa. Qual é a atitude do soldado? Ele é agressivo, grosso e ignorante.Porque ele resolve sair?

O policial vai atrás dele e o empurra. Fabiano faz alguma coisa? O que ele diz?

O soldado amarelo fica contente com a resposta dele? Ele procura encontrar uma maneira de provocá-lo. Qual é esta maneira? É certo o que ele faz?

E Fabiano cai na provocação? O que acontece com ele? Ele é humilhado.

O autor neste trecho está denunciando um problema. Qual é este problema?

A questão da excessiva autoridade.

O soldado também pode ser interpretado como o governo que só serve para bater e humilhar.


Anexo I - Produção dos alunos - A volta fatal

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Anexo II - Produção dos alunos - Desigualdade Social

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Anexo III - Produção dos alunos - Violência Doméstica

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Anexo IV - Produção dos alunos - Os impostos

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Anexo V - Produção dos alunos - sem título

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Anexo VI - Produção dos alunos – História

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Anexo VI - Continuação

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Anexo VII - Produção dos alunos - Video-game

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Anexo VII - continuação

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Anexo VIII - Produção dos alunos - História

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Anexo VIII - Continuação

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1 Anexo A - Coletânea elaborada.

2 Anexo B - Lista com perguntas específicas para a aula em questão.

a As narrativas estão anexas para consulta.

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