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 Nathália Rodrighero Salinas Polachini

 

Resumo

O Projeto de Ensino desenvolvido para a regência da disciplina Metodologia do Ensino de Português II teve como base os Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa (PCNs), cujos conceitos são fundamentados nos estudos sobre o uso da linguagem e os gêneros do discurso - Análise do Discurso Francesa, Teoria Dialógica do discurso bakhtiniana e ISD (Interacionismo Sócio-discursivo) de perspectiva suíça. Os objetivos dessa sequência de ensino vão ao encontro do que é proposto pelos documentos oficiais: o ensino de português deve ter o intuito de ampliar os saberes linguísticos dos alunos, possibilitando a interpretação de diferentes textos de circulação social. Para tanto, será abordado um gênero específico na sala de aula: o Gênero Canção.

 

Palavras-chave: Ensino Fundamental; Gênero Canção Popular; Gênero Discursivo; Narrativa.

 

Introdução

 

      Este artigo tem o objetivo de apresentar os resultados do estágio de 60 horas realizado em uma escola pública da rede municipal da cidade de Osasco, São Paulo. Para tanto, focaremos na descrição da aplicação de uma sequência didática voltada para o 6º ano do Ensino Fundamental em torno de narrativas com o Gênero Canção Popular.

 

Caracterização da escola

 

O estágio foi realizado na Escola Estadual Professor José Liberatti, localizada na região Oeste da cidade de São Paulo, no município de Osasco. Situada em um bairro de alta heterogeneidade social, no centro da cidade de Osasco, a escola de Ensino Fundamental e Médio atende um público misto, proveniente dos bairros vizinhos de classe média. O Ensino Fundamental - Ciclos I e II - funciona nos períodos da manhã e da tarde, enquanto que o Ensino Médio atende às turmas nos períodos da manhã e da noite. Durante o estágio, foram acompanhadas as aulas de Língua Portuguesa do 6º ano, as quais foram ministradas por uma única professora.

O espaço físico da escola é amplo, limpo e bem cuidado. Ao todo, foram observadas 16 salas de aulas distribuídas em dois pavimentos. Além das salas tradicionais, na escola há uma sala de artes, um laboratório de ciências e outro de informática, uma biblioteca com um acervo de aproximadamente 7000 (sete mil) volumes, um refeitório, duas quadras poliesportivas, sendo uma coberta, um auditório, uma sala de vídeo, uma cantina, um pátio coberto e um descoberto, uma secretaria, uma diretoria, uma sala de reuniões, duas salas de vice-direção, uma sala de professores com área recreativa, uma sala de coordenadores com área externa, um depósito para materiais de consumo e educação física, um estacionamento para professores e uma sala de acesso à escola. As paredes de cor bege estavam ocupadas por murais com alguns recados e também com atividades realizadas pelos alunos.

O corpo administrativo e o técnico pedagógico eram formados por uma diretora, duas vice-diretoras, dois coordenadores pedagógicos, uma secretária e demais agentes da organização escolar. De acordo com o Plano Gestor 2010 da escola, 30% do corpo docente foi admitido em caráter temporário, sendo 70% titulares de cargo concursado. Oito professores tinham mestrado concluído e 2% eram eventuais.

Durante o período de observação, notamos que o 6º ano era composto por cinco salas de aproximadamente 35 a 40 alunos cada. Em todas as salas de aulas, havia um grande quadro negro, uma mesa e uma cadeira para o professor, uma janela extensa protegida com grades, carteiras enfileiradas para os alunos, um cesto de lixo e um mural. Não havia ventiladores.

Os alunos acompanhados tinham aproximadamente 11 anos de idade. De modo geral, eram carismáticos, interagiam bem entre si, alguns gostavam de participar das aulas, outros reclamavam constantemente de terem que responder questões no caderno e alguns se cansavam facilmente da mesma atividade

Segundo uma conversa com a professora das turmas acompanhadas, a seleção dos conteúdos de ensino era estabelecida em reuniões bimestrais e as aulas de Língua Portuguesa eram planejadas, individualmente, por cada professor, contudo, não havia nenhuma supervisão específica para o monitoramento desse trabalho.

 

1.1 Descrição das práticas acompanhadas

 

Os alunos do 6º ano utilizavam dois materiais didáticos nas aulas de português. O primeiro era o Caderno do Aluno Linguagens, códigos e suas tecnologias Língua Portuguesa - 6º ano, distribuído para as redes públicas de ensino pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O segundo, o livro didático Português: Linguagens, de William Roberto Cereja e Tereza Cochar Magalhães (editora Atual). Este último foi usado apenas em algumas aulas durante o estágio, o que marcou a preferência da professora e da escola por usar a apostila do Estado.

Dentro da sala de aula, as atividades realizadas tiveram como objeto de estudo textos narrativos, como os oferecidos no Caderno do Aluno 2º e 3º bimestres. Além do trabalho com a estrutura da narrativa, o estudo sobre a reflexão gramatical também foi contemplado com explicações da professora na lousa.

É importante ressaltar que dois projetos de Língua Portuguesa foram centrais durante o período observado. O primeiro projeto foi um concurso de redação apoiado e promovido pela empresa BELGO, a qual ofereceu como prêmio a quantia de R$1.000,00 (mil reais) para o aluno que escrevesse a melhor redação com o tema proposto pela apostila da empresa distribuída na escola. O segundo projeto, promovido pela Secretaria de Educação Básica, propunha a criação da melhor paródia musical com o tema Saúde Bucal. O prêmio (em dinheiro) seria dividido entre o aluno, a professora e a escola. Para que essas atividades pudessem ser realizadas, a programação de aulas baseadas nos conteúdos do Caderno do Aluno foi interrompida por, aproximadamente, uma semana para a realização de cada projeto.

A professora acompanhada graduou-se em Letras no Instituto Presbiteriano Mackenzie, em 1990. Com vinte anos de experiência de magistério, ela trabalha vinte horas semanais na escola e lecionava português em outras duas outras escolas.

Como prática diária, a professora costumava dar visto nas atividades com carimbo e complementava os estudos passando tarefas de casa.

 

2  Projeto de Ensino: a narrativa no gênero Canção Popular

 

2.1 Introdução

 

            Resumimos a seguir alguns dos objetivos da disciplina de Língua Portuguesa traçados para o 6º ano, divulgados no Plano Gestor 2010 da escola:

  • Aprimorar a leitura e a escrita;
  • Conhecer, observar e produzir um bilhete, um convite, uma carta, levando em consideração a estrutura, a coerência e a adequação da linguagem aos fins propostos;
  • Interpretar textos do cotidiano;
  • Leitura de textos narrativos em diferentes situações de comunicação;
  • Produção de textos narrativos em diferentes situações de comunicação; a importância do enunciado; a produção de síntese; a produção de ilustração;
  • Leitura e produção de crônica narrativa e letra de música em diferentes situações de comunicação;
  • Etapas de elaboração da escrita; paragrafação;
  • Leitura e produção intertextual e interdiscursiva de narrativas de letra de música;
  • Leitura e produção intertextual e interdiscursiva de narrativas e letras de músicas produzidas em diferentes momentos históricos.


Os objetivos citados serviram de eixo norteador para o desenvolvimento de Projeto de Ensino fundamentado por sequências didáticas que, além de privilegiar alguns desses conteúdos, buscaram comtemplar o trabalho com um gênero específico: a canção popular. Desse modo, o Projeto de Ensino proposto estabeleceu como objetivo o trabalho com a narrativa a partir do gênero citado.

A escolha do tema abordado na regência procurou ser coerente com os objetivos da disciplina de Língua Portuguesa já estipulados pelo programa da própria escola, no qual estava incluso o estudo de textos narrativos e letras de música. Dado o caráter experimental e inovador da pesquisa, nosso propósito pautou-se em ampliar a abordagem da leitura de letras de música, passando a incorporá-la dentro do gênero canção. A finalidade, portanto, foi o trabalho focalizado no gênero discursivo canção popular, de modo a expor suas especificidades a partir de dois ou mais textos pertencentes a esse gênero.

Para tanto, propomos um recorte temático: as canções populares que enfocam uma narrativa, com uma história sequencial de organização e temática coerente ao grau de complexidade esperado para os alunos do 6º ano. Tal gênero, contudo, não foi objeto de ensino exclusivo; buscou-se, também, unir a canção popular e a narrativa em uma abordagem interdiscursiva que permitisse a articulação entre os conteúdos e o aprofundamento nos textos.

          O segundo foco do Projeto foi propor a elaboração de tarefas que possibilitassem o desenvolvimento dos objetivos mencionados, uma vez que não menos importante seria a seleção das práticas de linguagem a serem priorizadas pela sequência didática. Por essa razão, o Projeto de Ensino Narrativas no gênero canção popular priorizou a reelaboração das narrativas das canções populares em outros gêneros circulantes no universo infanto-juvenil, como as histórias em quadrinho, por exemplo. A hipótese inicial foi de que a prática de reescrita do gênero permitiria que o aluno, após a compreensão da estrutura narrativa e das características do gênero canção, transitasse de um gênero a outro sem perder o fundamental de uma narrativa, ou seja, os elementos que garantem que alguém conte uma história para outrem.

 

2.2 Relevância do Projeto

 

      O Projeto foi baseado na criação de uma sequência didática que assegurasse os objetivos e o tratamento didático dos conteúdos, assim como estabelecido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), ao mesmo tempo, inovando a proposta de ensinar e aprender português e favorecendo a participação dos alunos em projeto de maior transversalidade entre os conteúdos de ensino. Dessa maneira, a ideia foi investigar, em uma escola pública, a aplicação do Projeto, permitindo que nós, alunos da graduação, pensássemos na prática de ensinar Língua Portuguesa e suas linguagens a partir da ponte existente entre a universidade e a realidade da sala de aula nas escolas.  

 

2.3  Orientações teóricas

 

          Os Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa (PCNs) foram publicados em 1998, pela Secretária da Educação Básica. O documento que se baseia, prioritariamente, nos conceitos de linguagem e gêneros do discurso oriundos da Análise do Discurso Francesa, da Teoria Dialógica do discurso bakhtiniana e do ISD (Interacionismo Sócio-discursivo) de perspectiva suíça, esclarece que o ensino de português tem como objetivo ampliar os saberes linguísticos que possibilitem ao aluno interpretar diferentes textos de circulação social.

De acordo com Os Parâmetros Curriculares Nacionais de 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental de Língua Portuguesa, linguagem é:

Ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua história (BRASIL, 1998, p.20).

 

Mantém, portanto, uma relação estreita com o pensamento, uma vez que concebe representações culturais e ideológicas, pelas quais se interpreta a realidade.

Nessa perspectiva, a língua é “um sistema de signos específico, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a sociedade” (BRASIL, 1998, p.20). Por essa razão, aprender uma língua é também apreender pragmaticamente seus significados culturais.

A partir dessas considerações, o PCN estabelece que a atividade discursiva manifesta-se linguisticamente por meio de textos. Sua produção não ocorre no vazio; é determinada pelo contexto histórico e pelas circunstâncias de interlocução. Tais condições geram gêneros discursivos que são caracterizados pelo seu conteúdo temático, construção composicional e estilo. Essas especificidades referentes aos gêneros organizam os textos que compartilham certas características em comum.

Considerando que os sujeitos se apropriam do processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem por meio da interação com os conteúdos de ensino, da ação sobre eles e da interação com o outro, o PCN apresenta dois eixos básicos que organizam e articulam os conteúdos de Língua Portuguesa, são eles: o uso da língua oral e escrita e a reflexão sobre a língua e a linguagem:

 

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Fonte: PCN. Brasil, 1998, p.35.

 

Em função de tais eixos, a produção e a recepção de discursos configuram-se como o ponto de partida e a finalidade do ensino da língua. A articulação proposta pelos eixos citados organiza os conteúdos, por um lado, em prática de escuta e de leitura dos textos e prática de produção de textos escritos e orais, ambas articuladas no eixo uso; e, por outro lado, em prática de análise linguística, organizada no eixo reflexão.

Em decorrência dessa organização, o documento ressalta que as práticas de linguagem são uma totalidade e que, por essa razão, não devem ser apresentadas na escola de forma fragmentada:

[...] ainda que didaticamente seja necessário realizar recortes e deslocamentos para melhor compreender o funcionamento da linguagem, é fato que a observação e análise de um aspecto demandem o exercício constante da articulação com os demais aspectos envolvidos no processo (BRASIL, 1998, p.36).

 

A organização do ensino, portanto, deve considerar as práticas de linguagem em função da articulação que estabelecem entre si, e não a partir exclusivamente de unidades formatadas em “texto”, “tópicos de gramática”, “redação”, entre outros, fechadas em si mesmas.

No que concerne ao papel da escola na organização e na sequenciação dos conteúdos, o documento é claro:

[...] à escola e ao professor cabe a tarefa de articular tais fatores, não apenas no sentido de planejar situações didáticas de aprendizagem, mas organizar a sequenciação dos conteúdos que for, de um lado, possível a seus alunos e, de outro, necessária, em função do projeto educativo escolar (BRASIL, 1998, p.39).

Como já mencionado, o Projeto de Ensino proposto por esse trabalho focalizou o ensino por meio do gênero, no caso, do gênero canção popular. Sendo assim, debruçarmo-nos brevemente na noção de gênero discursivo na perspectiva bakhtiniana.

Bakhtin (1992) estabelece que cada campo da atividade humana marcado pela comunicação discursiva, ou seja, pelo uso da língua, produz tipos relativamente estáveis de enunciados. Tais enunciados são produções verbais que estão na ideologia do cotidiano e nas esferas ideológicas constituintes. Esses enunciados são denominados gêneros discursivos.

Nessa perspectiva, os gêneros, sendo tipos de enunciados concretos, correspondem às condições e finalidades específicas de cada esfera e, portanto, apresentam extrema heterogeneidade: “A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana” (BAKHTIN, 1992, p.262). Tais gêneros são caracterizados pelo seu conteúdo temático, estilo e construção composicional:

Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação (BAKHTIN, 1992, p.262).

 

Por estarem presentes nas diversas atividades humanas, os gêneros estabelecem uma conexão com a vida social e integram a cadeia discursiva das culturas e civilizações. Logo, dominar os diversos gêneros é uma forma de participar da vida em sociedade e de participar da comunicação social:

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 1992, p.285).

 

2.4  Elaboração de tarefas e cronograma

 

O trabalho com os alunos baseou-se na sequência didática a seguir:

Aula 1: Introdução

a)Apresentação da canção I (canção principal): Marvin, de Titãs;

b)Leitura da letra de música;

c)Escuta da canção em sala de aula;

d)Interpretação dos pontos principais da história narrada na música.


 

Aulas 2 e 3: Aprofundamento no gênero

a)Apresentação da canção II: Eduardo e Mônica, de Legião Urbana. A apresentação da segunda canção já na aula seguinte tem a finalidade de servir como comparação e diálogo com a primeira canção. O trabalho com essa canção será secundário;

b)Escuta da canção II;

c)Investigação das características do gênero canção, baseadas nos dois textos apresentados;

d)Exploração dos elementos próprios do gênero, como musicalidade, ritmo, estrutura composicional, conteúdo, temática, contexto de produção e circulação etc.;

e)Cantoria das canções.

 

Práticas de linguagem e Instrumentos didáticos

As três primeiras aulas focalizam a prática de leitura e interpretação de textos. Como recurso didático, a professora interage com os alunos levantando perguntas e salientando, verbalmente, as especificidades do gênero. Para essas aulas, está previsto o uso de cd player e a letra da música distribuída para os alunos.

 

Aulas 4 e 5: Introdução do trabalho com a narrativa

a)Introdução ao trabalho com a narrativa, explorando nas letras das músicas os elementos da narrativa, como personagens, enredo, foco narrativo, espaço etc.;

b)Caracterização e sistematização desses elementos;

c)Proposta de produção escrita I: reescrever a canção I mudando o foco narrativo.


Aulas 6 e 7: Trabalhando a narrativa e a canção

- Estruturação e organização dos conceitos trabalhados até o momento;

- Proposta de produção oral I: Roda de contadores de história. Nessa proposta, os alunos devem criar uma roda e contar as narrativas de uma das duas canções, podendo usar recursos de voz, recursos estéticos como instrumentos e objetos para representar os personagens.

 

Práticas de linguagem e Instrumentos didáticos

            Essas aulas introduzem as práticas de produção escrita e oral. A caracterização e a sistematização dos elementos da narrativa devem ser feitas pela professora, na lousa, de modo que os alunos copiem e tenham registrado nos cadernos. Como instrumento didático, está previsto o uso de objetos que possam representar elementos e personagens da narrativa escolhida por cada grupo de aluno na roda de contadores de história.

 

Aulas 8 e 9: Reescrita do gênero

a)Apresentação da canção III;

b)Leitura e escuta da canção;

c)Proposta de produção escrita II: reescrita de uma das canções no gênero história em quadrinhos;

d)Proposta de produção oral II: produção de uma paródia, baseada na letra e no ritmo de uma das canções trabalhadas;

e)Pesquisa para alunos: trazer canções populares de casa.


Aulas 10 e 11: Finalização

a)Levantamento das canções trazidas pelos alunos;

b)Exposição das histórias em quadrinhos produzidas pelos alunos;

c)Apresentação das paródias, em grupos.

d)Encerramento da sequência didática.

 

Práticas de linguagem e Instrumentos didáticos:

          As práticas de linguagem contempladas nessas aulas são as práticas de produção escrita e produção oral. Novamente, essas aulas requerem o uso do cd player para a escuta da canção. Está previsto, também, o uso de folha sulfite e do lápis de cor para a elaboração da história em quadrinho.

 

3 Execução do Projeto


De modo geral, a implementação do Projeto em sala de aula ocorreu dentro do cronograma esperado, atingindo resultados já previstos e outros inusitados. Entretanto, o real contato com os alunos e a situação concreta em sala de aula nos levou a adaptar algumas atividades que havíamos preparado.

A primeira aula de introdução e apresentação da primeira canção foi muito motivadora para todos, principalmente, porque os alunos gostaram da “quebra” da rotina e sentiram curiosidade em saber o que haveria de diferente naquelas aulas. As aulas posteriores à aula 1 também foram ricas em conteúdos e reforçaram o que os alunos já sabiam sobre canções populares e narrativas.

A sequência didática anteriormente planejada para 11 aulas foi, de fato, aplicada em dez aulas, não sendo possível o trabalho com a terceira canção e o desenvolvimento da produção oral II. Publicamos dois exemplos de resultados obtidos:

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 Figura 1: exemplo de produção textual

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 Figura 2: exemplo de trabalho produzido na proposta de produção escrita III. Reescrita de uma das canções no gênero historia em quadrinhos

 

4 Avaliação do Projeto implementado


A implementação e a aplicação do Projeto Narrativas no gênero Canção Popular para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental suscitou algumas questões que merecem ser discutidas. A primeira delas é de ordem prática.

 

4.1 Aprofundamento no conteúdo: o tempo

 

Apesar da variação de canções e das diferentes propostas de produção escrita e oral, as dez aulas tiveram o mesmo objetivo: abordar o gênero canção popular e a narrativa nas canções analisadas. Esse enfoque foi específico e exclusivo para as aulas dadas em sequência. Tal encaminhamento fez com que os alunos desenvolvessem, a cada aula, um aprofundamento nos conteúdos tratados e não se sentissem “soltos” diante de aulas fragmentadas que não estabelecem relação entre os conteúdos e objetos de ensino.

O tempo demandado para a realização da aplicação do Projeto é, portanto, muito importante na promoção da participação dos alunos. As sequências didáticas que priorizam o trabalho a partir de um recorte temático e que concedem tempo para que o aluno leia, reflita e produza (no caso aplicado, foram 10 aulas) são capazes de promover o engajamento dos alunos no processo de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento de suas habilidades e competências.

 

4.2 A canção popular como um gênero discursivo

 

O tratamento de Marvin (Anexo I), de Titãs, não somente como uma letra de música, mas como um gênero do discurso fez toda a diferença na abordagem dos textos; principalmente, porque permitiu delinearmos as características de uma canção popular e discutirmos questões básicas a esse respeito:

i)quais canções eles conheciam;

ii)qual era a diferença entre música e canção;

iii)o que eles sabiam das bandas Titãs e Legião Urbana;

     iv)o que as canções apresentadas traziam de semelhanças no modo como as histórias eram contadas; quais eram as características da estrutura das canções, se eram longas, curtas etc;

     v)em que lugares essas canções circulavam, se eram de bandas brasileiras etc. Ademais, escutamos as canções em sala de aula, possibilitando não somente identificar e caracterizar uma canção popular, mas fazer com que os alunos “experimentassem” uma canção, cantando juntos.

 

O trabalho com o gênero influenciou de modo direto a elaboração das atividades. Como pudemos analisar as atividades, tanto orais quanto escritas, basearam-se na reescrita do gênero em outro. Essa escolha foi fundamentada no pressuposto de que as retextualizações são importantes para a compreensão de um determinado gênero.

As atividades visaram à reprodução de um conteúdo escrito ou oral em outro gênero também escrito ou oral. Podemos citar como exemplo a proposta de produção oral I, que constituía na recontagem da narrativa para um grupo de pessoas, a qual denominamos “roda de contadores de história”. Outro exemplo foi a proposta de produção escrita III, a qual requisitava a reescrita de uma das histórias contadas nas canções para a produção de uma breve história em quadrinhos, fazendo com que os alunos selecionassem os acontecimentos mais relevantes, resumissem a história e utilizassem os recursos das HQs.


Considerações Finais

 

A aula de português que aborda canções populares para o 6º ano do Ensino Fundamental configura-se como uma mudança de paradigma dentro do modelo tradicional de ensino, referente aos conteúdos entendidos como próprios de uma aula de português. Nesse sentido, a tradição nos mostra que as atividades privilegiam a leitura de textos escritos da literatura do cânone brasileiro e preocupam-se com a identificação dos personagens, tempo, espaço e foco narrativo, assim como com o “sentido” ou a moral emergente do texto.

Por essa razão, essa pesquisa constatou que, ao contemplar procedimentos de leitura de canções populares como a apreensão do tema, dos recursos estéticos, das informações contextuais e da comparação e relação com outros gêneros escritos e orais, o Projeto entendeu a aula de português em sua dimensão dialógica, concedendo espaço tanto para a interação entre os conteúdos e gêneros quanto para a interação do aluno com o próprio objeto de ensino.

 

Referências

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do francês de Maria Ermantina G. Gomes. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 261-306.

BRASIL. Ministério da Educação; Secretaria da Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais Terceiros e Quartos Ciclos do Ensino Fundamental Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.


Nathália Rodrighero Salinas Polachini

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Bacharel e licenciada em Letras – Português/Inglês pela FFLCH/USP. Durante a graduação, desenvolveu pesquisa de Iniciação Científica, orientado pela Prof. Dra. Maria Inês Batista Campos (DLCV/USP). Atualmente, realiza pesquisa na área dos Estudos Discursivos em Língua Portuguesa, com projeto financiado pela FAPESP.

 

Anexo I - Canção: Marvin (de Nando Reis) – Comentada em sala de aula.

Meu pai não tinha educação

Ainda me lembro era um grande coração
Ganhava a vida com muito suor
E mesmo assim não podia ser pior
Pouco dinheiro pra poder pagar
Todas as contas e despesas do lar
Mas Deus quis vê-lo
No chão com as mãos levantadas pro céu
Implorando perdão, chorei
E meu pai disse: boa sorte
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte[Refrão:]
E disse: Marvin,
Agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrerTrês dias depois de morrer
Meu pai eu queria saber
Mas não botava nem o pé na escola
Mamãe lembrava disso a toda hora
E todo dia antes do sol sair
Eu trabalhava sem me distrair
Às vezes acho que não vai dar pé
Eu queria fugir
Mas onde eu estiver
Eu sei muito bem o que ele quis dizer
Meu pai eu me lembro
Não me deixa esquecer[Refrão:]

E então um dia uma forte chuva veio
E acabou com o trabalho de um ano inteiro
E aos 13 anos de idade
Eu sentia todo o peso do mundo em minhas costas
Eu queria jogar
Mas perdi a aposta


E trabalhava feito um burro nos campos
Só via carne se roubasse um frango
Meu pai cuidava de toda família
Sem perceber seguia a mesma trilha
E toda noite minha mãe orava
Deus! Era em nome da fome que eu roubava!
Dez anos passaram
Cresceram meus irmãos
E os anjos levaram minha mãe pelas mãos
Chorei e meu pai disse boa sorte
Com a mão no meu ombro em seu leito de morteE disse: Marvin,
Agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer
Marvin, a vida é pra valer
Eu fiz o meu melhor
E seu destino eu sei de cor

 

Bruno César Martins Rodrigues

 

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo apresentar a análise dos resultados das 60h de regência realizadas no estágio das aulas de Língua Portuguesa na Escola Estadual Ernani Erh (chamada por alunos, professores e demais funcionários pela sigla EEEE), localizada na zona oeste da cidade de São Paulo, cujo objeto de ensino foi o gênero literário conto. A elaboração deste artigo tem como plano de fundo os fundamentos teóricos abordados na disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II.

 

Palavras-chave: Conto; Escrita Criativa; Ensino Médio; Literatura.

 

Introdução


           No estágio, foram observadas as classes I e II do 1º ano de Ensino Médio em suas aulas de Língua Portuguesa, sendo que esta disciplina é dividida em Literatura e Gramática e Redação. A regência foi oferecida como oficina optativa a todo o Ensino Médio, tendo participado sete alunos do 1º EM e uma aluna do 3º EM. A implementação do Projeto ocorreu em quatro encontros de duas horas cada, no período vespertino, contraturno do período em que os alunos do Ensino Médio têm suas aulas (matutino).

O gênero literário conto foi apresentado aos alunos pelas teorias de “efeito nocaute”, de Julio Cortázar, na qual um conto conta duas histórias, de Ricardo Piglia. Quatro contos de Caio Fernando Abreu foram lidos e discutidos, direcionando a leitura a partir das teorias apresentadas. O trabalho final foi a escrita de contos pelos alunos e posterior leitura e discussão sobre os textos produzidos. Dessa maneira, buscou-se verificar em que medida os alunos compreenderam as teorias sobre o conto a partir da escrita desse gênero literário e refletir sobre essas produções no campo da escrita criativa.

 

1. O contexto escolar

 

1.1 A escola

 

A Escola Estadual Ernani Erh (EEEE) localiza-se próxima à Universidade de São Paulo. Seu horário de funcionamento é das 7h às 18h30, de segunda à sexta-feira.

A Escola Estadual Ernani Erh é composta de três prédios, denominados Bloco A, Bloco B e Bloco C. Há três entradas de acesso à escola: uma para professores e demais funcionários, no Bloco C; uma grande em frente à rampa do Bloco B, que é o portão para os alunos e uma menor no Bloco B, exclusiva para alunos que chegam atrasados e pessoas autorizadas, como os estagiários. Há, ainda, entrada ao Auditório da escola.

As aulas do Ensino Médio acontecem no Bloco C (exceto as aulas de Artes Visuais, Artes Cênicas, Música e Educação Física), que ocorrem em salas-ambiente próprias às disciplinas, entre as quais os alunos devem se deslocar, no período matutino. O prédio tem três andares. As salas-ambiente de Literatura e de Gramática e Redação são praticamente iguais; há a lousa, a mesa da professora, um armário aberto abaixo das janelas com os livros didáticos, um mural e 30 carteiras na cor cinza bem espaçadas e dispostas em filas.

 

1.2 O estágio

 

Observei as aulas de Língua Portuguesa na Escola Estadual Ernani Erh para as classes I e II do 1º ano do Ensino Médio, realizando 60 horas/aula de estágio entre os dias 27 de agosto e 07 de novembro de 2012. Utilizei 47 horas/aula para observação de aulas, 3 horas/aula para observação de Mostra Cultural dos alunos e as demais 10 horas/aulas foram realizadas no contraturno (período vespertino), no qual elaborei (2 horas/aula) e realizei (8 horas/aula) a regência em oficina optativa oferecida aos alunos de todo o Ensino Médio, conforme me foi disponibilizado pelas professoras e é padrão na escola.

Na Escola Estadual Ernani Erh, o ensino de Língua Portuguesa é dividido em duas disciplinas: Literatura, ministrada pela professora Helena C., e Gramática e Redação, ministrada pela professora Christiane F.. Cada professora tem sua própria sala, à qual os alunos deslocam-se para assistirem às aulas. Apesar da divisão do ensino de Língua Portuguesa em duas disciplinas, as professoras avaliam conjuntamente os alunos, resultando em um único conceito final atribuído a cada um deles ao final de cada trimestre, ao invés de conceitos isolados para cada uma das duas disciplinas.

Algo que chamou a atenção é que foram feitos mapas nos quais se estabelecem exatamente em que carteiras cada aluno devem sentar durante as aulas. As professoras esclareceram que essa determinação ocorre devido ao comportamento dispersivo dos alunos, o qual foi possível constatar observando as aulas.

 

1.3  Objetos ensinados

 

1.3.1   Os objetos ensinados


Nas aulas de Literatura observadas, o objeto ensinado aos alunos pela professora Helena C. foi a escola literária Trovadorismo. Paralelamente, nas aulas de Gramática e Redação observadas, o objeto ensinado pela professora Christiane F. foi processos de formação de palavras: prefixo e sufixo.

 

1.3.2   Os gestos e instrumentos didáticos


A lousa foi um instrumento didático material utilizado por ambas as professoras nas aulas observadas. A professora de Literatura transcreveu o poema provençal “Canção de amor cantar eu vim”, de Arnault Daniel, em duas partes (cada uma em uma aula), pedindo aos alunos que copiassem o poema. A professora de Gramática e Redação, por sua vez, escreveu possíveis respostas para algumas das questões da avaliação corrigida sobre processos de formação de palavras: prefixo e sufixo. Por meio desse instrumento didático - escrevendo na lousa - as professoras institucionalizaram os objetos de ensino abordados nas aulas.

Após esse gesto didático empregando, ambas as professoras utilizaram o dispositivo didático de ordem discursiva par pergunta-resposta, fazendo perguntas aos alunos acerca dos conteúdos abordados e complementando suas respostas. Nas aulas de Literatura, o dispositivo didático de regulação ocorreu por meio da “vistagem” dos cadernos dos alunos; nas aulas de Gramática e Redação, os estudantes fizeram prova.

Outro gesto profissional comum foi a utilização da memória didática, fazendo com que os alunos recordassem informações prévias sobre os objetos de ensino.

  

1.3.3  As atividades

 

Nas aulas de Literatura observadas, as atividades propostas pela professora foram leitura e discussão em classe do poema provençal “Canção de amor cantar eu vim”, de Arnault Daniel, como tarefa para casa a ser feita no caderno (ditada): “Explicar o conteúdo de cada uma das estrofes. Identificar e explicar as imagens ou comparações do texto”. Nas aulas de Gramática e Redação observadas, a professora realizou com os alunos a correção e a discussão sobre dúvidas da prova sobre processos de formação de palavras: prefixo e sufixo, bem como solicitou a eles que revisassem a prova em casa.

 

2  O Projeto Didático “Gênero literário: conto - teorias do conto, Caio Fernando Abreu e oficina de escrita criativa”

 

2.1  Opções e justificativas

 

A regência para estagiários na Escola Estadual Ernani Erh é oferecida por intermédio de oficinas optativas aos alunos no contraturno em que eles estudam, sempre organizadas por ciclos – no caso, o Ensino Médio pode participar das oficinas optativas no período vespertino, pois sua grade horária normal na escola ocorre no período matutino. Diante desse caráter específico, que extrapola a possibilidade de uma mera continuidade entre as aulas da série acompanhada, o 1º ano do Ensino Médio, e com a informação disponibilizada pelas professoras de que os alunos têm apresentado muitas dificuldades, tanto na interpretação de textos literários quanto na escrita, escolhi focar minha regência no gênero literário conto. De qualquer maneira, a professora de Gramática e Redação iniciou um ciclo de aulas sobre textos narrativos em 28 de setembro de 2012 com os alunos do 1º ano do Ensino Médio.

A oficina em que realizamos a regência ocorreu em quatro encontros, realizados às quartas-feiras, de 26 de setembro a 17 de outubro de 2012, no período vespertino. Apresentei as teorias sobre o gênero literário conto a partir de dois escritores argentinos que escreveram também no âmbito da crítica literária: Julio Cortázar e Ricardo Piglia; também propiciamos a leitura e a discussão sobre alguns contos do escritor brasileiro Caio Fernando Abreu, partindo das teorias apresentadas, e a atividade final proposta foi que os alunos escrevessem um conto, a ser lido e debatido entre todos.

Os autores Cortázar e Piglia foram escolhidos por não serem apenas críticos literários, mas efetivamente escritores de literatura; dessa forma, suas teorias estão embasadas na experiência da escrita do conto, que foi proposta aos alunos. Quanto à leitura de contos de Caio Fernando Abreu, essa opção se deve ao fato de o autor ser mais recente na literatura brasileira (publicou seus livros entre as décadas de 1970 e 1990), que tem sido cada vez mais lido tanto pelo público leigo como pela crítica literária especializada; além disso, entendo que suas temáticas (o anonimato urbano, as diversas formas de amor e de sexualidades, o isolamento do indivíduo, a repressão política), bem como sua linguagem despojada, podem apresentar-se atrativas aos alunos do Ensino Médio.

 

2.2    Descrevendo o objeto de ensino

 

O conto foi descrito a partir das teorias de Julio Cortázar e Ricardo Piglia sobre esse gênero. Para Cortázar, existem vários gêneros literários, como o romance, a novela, o conto e crônica. O conto “é um gênero pouco classificável” (CORTÁZAR, 2008, p.150). Assim, esse gênero literário é comparado pelo autor ao romance. Enquanto o romance é mais longo, com uma trama complexa, que pode se estender por centenas de páginas, cujo tempo da narrativa pode estender-se desde um dia a semanas, meses, anos, décadas ou mesmo séculos, várias ações e ideias podem desenvolver-se ao longo de um romance, o conto apresenta-se mais curto, com uma trama “simples”; ou seja, narrável em poucas páginas, cujo tempo da narrativa pode ser também extremamente curto: alguns minutos, um dia, semanas, meses – o que não impede que a narrativa do conto abranja espaços se tempo maiores –, mas, geralmente, o que se desenvolve no conto é uma ideia e/ou uma ação.

A grande imagem que Cortázar propõe é a do romance comparável ao cinema e o conto à fotografia (CORTÁZAR, 2008, p.151), pois um filme é em princípio uma “ordem aberta” romanesca, enquanto uma fotografia é o recorte de um momento, um fragmento, como o conto:

Enquanto no cinema, como no romance, a captação [da] realidade mais ampla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento de elementos parciais, acumulativos, que não se excluem, por certo, uma síntese que dê o ‘clímax’ da obra, numa fotografia ou num conto de grande qualidade se procede inversamente, isto é, o fotógrafo ou o contista sentem necessidade de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não só valham por si mesmos, mas também sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a ação que vai muito além do argumento visual ou literário contido na foto ou no conto. [...] [no] combate que se trava entre um texto apaixonante e leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar por knock-out. (CORTÁZAR, 2008, p.151-152)

 

A ideia do nocaute de Cortázar foi aliada nas teses sobre o conto de Ricardo Piglia, para quem esse gênero literário sempre conta duas histórias:

Primeira tese: um conto sempre conta duas histórias. [...] O conto clássico narra em primeiro plano a história 1 e constrói em segredo a história 2. A arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e fragmentário.” (PIGLIA, 2004, p.89-90)

 

A tese de que o conto é um relato que guarda outro relato, secreto, também foi apresentada aos alunos:

O conto é um relato que encerra um relato secreto. Não se trata de um sentido oculto que dependa de interpretação: o enigma não é outra coisa senão uma história contada de modo enigmático. A estratégia do relato é posta a serviço dessa narração cifrada. Como contar uma história enquanto se conta outra? Essa pergunta sintetiza os problemas técnicos do conto.

Segunda tese: a história secreta é a chave da forma do conto e de suas variantes.” (PIGLIA, 2004, p.91)

 

Após a apresentação sobre o gênero literário Conto, foram lidos nos dois primeiros encontros na oficina optativa os contos “Sob o céu de Saigon”, “Para uma avenca partindo”, “Retratos” e “Aqueles dois”, de Caio Fernando Abreu. O autor foi apresentado conforme a dissertação de Mestrado de Danilo Maciel Machado, O amor como falta em Caio Fernando Abreu:

Um biógrafo da emoção” [como o chamou certa vez a escritora e amiga Lygia Fagundes Telles] nasceu no Rio Grande do Sul, em 1948, na cidade de Santiago do Boqueirão, bem próximo à Argentina. Caio Fernando Loureiro de Abreu descreveu o Brasil contemporâneo quase como se fotografasse a fragmentação da atualidade. Ainda jovem, mudou-se para Porto Alegre, onde publicou seus primeiros contos. Cursou Letras e depois Artes Dramáticas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas abandonou ambos os cursos para dedicar-se ao trabalho jornalístico no Centro e Sul do país, em revistas como Pop, Nova, Veja e Manchete. Foi editor de Leia Livros e colaborou nos jornais Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. No ano de 1968 — em plena ditadura militar —, foi perseguido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), tendo se refugiado no sítio da escritora e amiga Hilda Hilst, na periferia de Campinas (SP). Considerado um dos principais contistas do Brasil, sua ficção se desenvolveu acima dos convencionalismos de qualquer ordem, evidenciando uma temática própria. Em 1973, querendo deixar tudo para trás, viajou para a Europa. Primeiro, começou pela Espanha, transferiu-se para Estocolmo, depois Amsterdã, Londres e Paris. Retornou a Porto Alegre em fins de 1974, sem parecer caber mais na rotina do Brasil dos militares: tinha os cabelos pintados de vermelho, usava brincos imensos nas duas orelhas e se vestia com batas de veludo cobertas de pequenos espelhos. Assim andava calmamente pela Rua da Praia, centro nervoso da capital gaúcha. Em 1983, transferiu-se para o Rio de Janeiro, e em 1985 passou a residir novamente em São Paulo. Voltou à França em 1994, a convite da Casa dos Escritores Estrangeiros. Lá, escreveu Bien Loin de Marienbad. Ao saber-se portador do vírus da AIDS, em setembro de 1994, Caio Fernando Abreu retornou a Porto Alegre, onde voltou a viver com seus pais. Pôs-se a cuidar de roseiras e de girassóis, encontrando um sentido mais delicado para a vida. Foi internado no Hospital Menino Deus, onde faleceu no dia 25 de fevereiro de 1996 (MACIEL, 2006, p.7).

         Após a discussão do gênero literário e leitura e discussão dos contos de Abreu, foi proposta a escrita de um conto pelos alunos. Eles realizaram a escrita para o terceiro e o quarto encontros, entregando a tarefa antecipadamente, por intermédio das professoras, para que eu os lesse antes dos encontros, nos quais lemos e discutimos os contos escritos.

 

2.3  Dispositivos didáticos

 

Os dispositivos didáticos pretendidos para essa regência, cuja produção foi uma oficina optativa aos alunos do Ensino Médio, foram de ordem discursiva e de ordem material. O dispositivo de ordem material foi a fotocópia dos contos de Caio Fernando Abreu selecionados para leitura, disponibilizados no primeiro encontro. O dispositivo de ordem discursiva foram discussões com os alunos sobre as teorias do conto de Cortázar e Piglia, sobre os contos de Caio Fernando Abreu e sobre os contos escritos pelos próprios alunos.

 

3 “Um conto conta duas histórias” e o “efeito nocaute”: leitura e escrita de contos por alunos do Ensino Médio


Rildo Cosson (2006) defende que a literatura deve ser encarada principalmente como experiência e não como um mero conteúdo a ser avaliado. Assim, a avaliação tem como objetivo maior “engajar o estudante na leitura literária e dividir esse engajamento com o professor e os colegas – a comunidade de leitores.” (COSSON, 2006, p.113).  Para tanto, é importante o “investimento em atividades como debates, exposições orais e outras formas de linguagem oral em sala de aula são fundamentais, ou seja, a discussão é uma atividademz tão importante quanto as que estão centradas na leitura e na escrita.” (COSSON, 2006, p.114-115).

Diante dessa perspectiva, na regência, buscamos privilegiar a discussão com os alunos em todas as fases: desde a apresentação das teorias sobre o conto conforme Julio Cortázar e Ricardo Piglia, passando pela leitura dos contos de Caio Fernando Abreu e pela leitura dos contos produzidos pelos alunos.

Normalmente o conteúdo literário, independentemente do tipo ou escola, é passado de forma extremamente segmentada e sem emoção para os estudantes. Sob esta perspectiva, é comum termos um alunado que não gosta ou não se interessa por literatura e, na maioria das vezes, realizam leitura apenas como um conteúdo para ser decorado e avaliado. A literatura não é uma ciência exata e sim uma ciência humana, passível de ser interpretada e sentida de diferentes maneiras.

Pensando desta forma, realizamos diversas discussões com os alunos, nas quais estes se apresentaram engajados e curiosos, principalmente nas leituras de seus próprios contos, mesmo que se dispersassem eventualmente em conversas paralelas. Creio que isso ocorreu pelo fato de os estudantes serem convidados a partir do estado de simples aceitação de conteúdo para o papel de agentes formadores do próprio conhecimento, podendo expressar suas opiniões.

Isso também foi muito importante em nossa posição como professor, pois, ao discutir com os alunos, ampliava nossas formas de pensar literatura e sobre os contos lidos. É importante lembrar que o aprendizado não é algo unidirecional de professor para estudante; o processo de ensino-aprendizagem pode acontecer tanto do professor para o aluno quanto o contrário: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1998, p.25).

Apesar de apenas verbalizadas e não expostas em textos ou em lousa, as teorias de Cortázar e Piglia sobre o conto foram continuamente recuperadas pela memória didática na leitura dos contos escolhidos de Caio Fernando Abreu. Um dos exemplos mais marcantes para os alunos foi um dos contos lido no segundo encontro, “Aqueles dois”, no qual se pode identificar que há duas histórias: a relação afetiva entre os personagens Raul e Saul e o “deserto de almas” que é a repartição pública na qual os personagens trabalham; o “efeito nocaute” se dá pela surpresa da inversão do “felizes para sempre” por parte do narrador, que declara serem os funcionários da repartição pública “infelizes para sempre” após a demissão de Raul e Saul (cf. ABREU, 2009, p.107-117). Na leitura dos contos de Caio Fernando Abreu, houve muito interesse por algumas alunas, sobretudo no conto indicado; uma delas disse que os personagens Raul e Saul eram “tão fofos”, enquanto outra aluna percebeu que a grande questão do conto era o preconceito vivido pelos personagens. A temática abordada, muitas vezes, gera diversas polêmicas e discussões. Foi possível perceber, no entanto, que os alunos possuíam uma mente livre de preconceitos, e ao contrário do que se poderia esperar, queriam que os personagens ficassem juntos, algo que fica subliminar no conto.

A própria tarefa final, “uma forma particular de atividade que pode agregar-se à implementação de um dispositivo didático, implicando uma resposta sob forma de uma atividade dirigida para um objetivo, destinada aos alunos” (SCHNEUWLY, 2009, p.35 – tradução: Sandoval Nonato Gomes-Santos), realiza a memória didática tanto das teorias apresentadas no primeiro encontro quanto dos contos de Caio Fernando Abreu lidos. Eis a tarefa, conforme foi presentificada ao ser escrita em lousa:

Atividade realizada em aula: Considerando as teorias sobre o gênero literário conto propostas por Julio Cortázar e Ricardo Piglia, e após a leitura dos contos de Caio Fernando Abreu, escreva um conto de tema livre. Posteriormente, leremos os contos de todos os alunos conjuntamente.

 

Da forma que a tarefa foi formulada, sua proposta também projeta uma memória didática para o futuro, uma vez que anuncia a leitura coletiva dos contos dos alunos.

Pelo caráter de oficina optativa oferecida a alunos do Ensino Médio, e também na crença do valor da literatura mais como experiência que como objeto de avaliação, não foram atribuídos notas ou conceitos aos contos produzidos pelos alunos. Lemos em voz alta cada conto nos dois últimos encontros e, nas discussões com os alunos, buscamos fazê-los passar das impressões mais gerais (“gostei do conto dele” etc.) para a percepção de se eles utilizaram as teorias apresentadas na construção das narrativas.

No conto “Breve história”, escrito pela aluna Júlia A., do 3º ano do Ensino Médio, é narrada uma história que oscila entre uma narradora em primeira pessoa, chamada Thalita, e um narrador em terceira pessoa onisciente que conta o que se passa com o personagem Niall na ausência de Thalita. Trata-se de uma história de amor à primeira vista, interrompida bruscamente pela morte da personagem Thalita em um acidente de avião. Propus à aluna autora de “Breve história” que ela poderia dar pistas ao longo da narrativa de que a personagem vai morrer no final, o que formaria as duas histórias segundo a teoria de Piglia: uma história de amor e uma história de morte súbita, potencializando a tentativa de “efeito nocaute” cortazariano da eterna espera de Niall pela falecida Thalita. Elogiei o “fôlego” da aluna para narrar, pois, apesar do título, foi o conto mais longo entre todos os apresentados pelos alunos na oficina.

Os demais contos que comento a seguir foram todos escritos por alunos do 1º ano do Ensino Médio, série cujas aulas de Literatura e de Gramática e Redação observamos ao longo do estágio na Escola Estadual Ernani Erh.

“Vida louca”, escrito pela aluna Yara S., utiliza um narrador em terceira pessoa onisciente para narrar a história de uma prostituta que atende um cliente o qual não busca sexo, mas companhia e afeto. Avaliamos que houve uma tentativa de contar duas histórias (sexo por dinheiro e falta de afeto/afeto), como propõe Piglia, mas que elas apareciam muito “separadas” uma da outra. De qualquer maneira, consideramos que o conto consegue o “efeito nocaute” com seu final, no qual a prostituta pergunta ao cliente se ele voltaria e ele responde que sim. Também achamos importante comentar que o título é muito vago.

Já “Salafrária”, escrito pelo aluno Plínio P., apesar do título que entrega o segredo do conto, consegue contar as duas histórias de maneira interessante. O narrador em primeira pessoa começa queixando-se de como as pessoas apaixonadas ao seu redor o irritam, até que ele mesmo apaixona-se por uma garota da classe que nunca havia visto antes e que “parece uma garota tímida”. Há de se notar o recurso das rimas internas nos parágrafos para mostrar a mudança de perspectiva do narrador em relação à paixão. Essa primeira história, a do rapaz que se torna um apaixonado por uma garota aparentemente tímida, concorre com uma segunda história oculta, revelada ao final; na verdade a garota está se relacionando com outro homem, afinal, ela “nada tinha me prometido”. Além do “efeito nocaute”, o aluno também evidencia a ideia de Cortázar do conto ser comparável a uma fotografia, quando encerra: “Agora eu sei que não passou de uma cena” – uma cena, um momento, um recorte na vida.

Outro conto que consegue realizar uma segunda história oculta pela primeira é “Um dia diferente”, escrito pela aluna Sandra J. Uma narradora em primeira pessoa conta sobre o desaparecimento de seu gato e a busca por ele deixando cartazes com seu telefone, até que um homem misterioso telefona e diz estar com o bichinho, que “é bem quente” – pista para a segunda história: “Então, ele me entregou sua jaqueta feita por [sic] pele de gato.”, revelando que o homem misterioso matara o gato e fizera uma jaqueta com ele, alcançando um “efeito nocaute” interessante, até por não dizer explicitamente que o homem matou o gato para fazer a jaqueta. Sugeri à aluna suprimir a última frase do conto (“Ali estava eu, sozinha e sem gato.”) para aumentar o impacto do final. Também destaquei que “Um dia diferente” é um título muito vago.

Mas o conto mais gratificante de ler foi “As aparências enganam!”, escrito pelo aluno Fábio G.. Consideramos este o mais gratificante de ler porque o aluno, em uma primeira tentativa, não havia escrito um conto, mas um texto em tom de desabafo sobre a rotina escolar e do posterior “mundo do trabalho”. Convidamos o estudante a utilizar aquele desabafo em uma narrativa, lembrando as teorias propostas. Apesar de o título entregar, de certa maneira, o segredo do conto, duas histórias ocorrem: a aparente, do personagem Boby, que se interessa por Alice, garota vista “conversando com outro rapaz e ela estava muito feliz e sorridente”; e a história oculta, só revelada no final, de que esse rapaz com quem ela estava conversando trata-se de seu irmão, e não de um rival para Boby: “Alice sorriu intensamente e de despediu de Boby, disse ela – ‘Até amanhã! Agora vou com meu irmão para casa![’]”. Sugerimos apenas ao aluno, como no caso da aluna que escreveu “Um dia diferente”, suprimir a frase final do conto (“Nada poderia ser tão bom para Boby, que agora, teria o caminho livre para conquistar a sua garota.”) para aumentar o impacto da revelação final.

Mais duas alunas do 1º ano do Ensino Médio participaram da oficina e escreveram contos, mas elas queriam modificá-los antes de entregar e acabaram esquecendo-se de fazê-lo. Uma pena, pois foram contos também muito interessantes, nos quais as teorias de Cortázar e de Piglia poderiam ser aplicadas.

Em um primeiro momento, quando propus a escrita de um conto aos alunos, eles se apresentaram tímidos, queriam que os contos fossem anônimos. Porém, como alguns alunos entregaram os contos para o terceiro encontro e outros para o quarto e último, isso inviabilizou o anonimato. De qualquer maneira, conforme lemos seus contos em conjunto, tanto eu quanto os próprios alunos fomos privilegiando os aspectos positivos de cada conto produzido e as discussões foram pautadas por um tom de respeito à escrita de cada um, sem perder de vista as teorias propostas. Mais uma vez as discussões mostraram-se positivas para o aprendizado. Os alunos destacaram pontos que mostraram que os contos poderiam ter diversas interpretações.

Além disso, uma aluna perguntou, sinceramente curiosa a meu respeito: “Você não vai ler um conto seu também?”. Diante dessa curiosidade, lemos o seguinte conto, que eu havia escrito poucas semanas antes de iniciarmos nossa oficina:

Photoshop

D., repito o nosso pôr-do-sol, repito-o, trago-o, estrago-o, silencio aquela confissão porque ela não te interessa, recorto no colo uma fotografia fumegante, esfrio o sentimento no photoshop até esquecer as palavras que trocamos, penso tenso sobre nós desatando, a tela me lambe até se apagar, danço contigo, canso dos detalhes, deleto?

 

Os alunos gostaram muito do conto, principalmente, pelo poder de concisão. Destacamos que minha intenção nessa narrativa breve era contar duas histórias: a da manipulação da fotografia pelo programa de computador Photoshop como a história mais aparente e a da dúvida do narrador em continuar em um relacionamento amoroso como a história oculta; o efeito nocaute pretendido com o final “deleto?” traz uma indagação que pode referir-se tanto à fotografia quanto ao relacionamento. Acredito que ter compartilhado um conto de minha autoria contribuiu para o clima de confiança que se estabeleceu entre mim e os alunos.

 

 Considerações Finais

 

Avalio a oficina optativa “Gênero literário: conto - teorias do conto, Caio Fernando Abreu e oficina de escrita criativa” que ofereci aos alunos do Ensino Médio como bem sucedida pelos seguintes motivos:

- a oficina buscou, de acordo com a proposição de Rildo Cosson, lidar com a literatura, principalmente, como experiência e não como um mero conteúdo a ser avaliado, tanto na leitura e discussão dos contos de Caio Fernando Abreu como dos contos produzidos pelos alunos;

- a partir da leitura e da escrita do gênero literário conto, a oficina propiciou aos alunos os exercícios de interpretação e de produção de textos, atividades nas quais os estudantes apresentarem dificuldades;

- pôde-se perceber que a atividade de ter seus contos lidos e discutidos engajou todos os alunos a participarem ativamente da oficina.

Dessa forma, foi possível realizar o que propõe Beth Brait (2010) acerca da literatura:

A literatura é um lugar estratégico, ainda que não seja o único, para a observação das relações entre linguagem cotidiana e criatividade. Ela constitui uma das possibilidades de exploração da língua, como forma criativa e atuante de mobilização de palavras e estruturas linguísticas, apontando para inúmeros fins, para diferentes propósitos. (BRAIT, 2010,
p. 41)

 

Apenas me indago, já um pouco distanciado da vivência com os alunos, se não terei imposto demais as teorias sobre o conto de Cortázar e de Piglia. Talvez, mas essas teorias foram norteadoras na escrita dos alunos, fazendo-os produzir narrativas interessantes.

 

Referências

ABREU, C. F. Para uma avenca partindo; Retratos; Sob o céu de Saigon; Aqueles dois. Além do ponto e outros contos. Seleção e organização: FISCHER, L. A. São Paulo: Ática, 2009, p.45-49, 88-96, 97-102, 107-117.

BRAIT, B. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010. CORTÁZAR, J. Alguns aspectos do conto. In: Valise de cronópio. Tradução: Davi Arriguici Jr.; João Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2008, p.147-163.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998.

MACHADO, D. M. O amor como falta em Caio Fernando Abreu. Dissertação de Mestrado. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), 2006. Orientadora: Nea Maria Setúbal de Castro.

PIGLIA, R. Teses sobre o conto. In: Formas breves. Tradução: MACEDO J. M. M. de. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.87-94.

SCHNEUWLY, B. Le travail enseignant. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés en classe de français – Le travail de l’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordonnée relative. Rennes, FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Tradução GOMES-SANTOS S. N. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2011 [Uso restrito].

   

Bruno Cesar Martins Rodrigues

Mestrando em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da FFLCH-USP, sob orientação do Prof. Dr. Emerson da Cruz Inácio, recebendo beneficio de bolsa CAPES cofinalizando a escrita da dissertação Kid & Dama da Noite: experiência do corpo em personagens de Al Berto e de Caio Fernando Abreu (título provisório). (A defesa está prevista para primeiro semestre de 2014. Licenciado pela FE-USP (2012). Bacharel em português pela Letras da FFLCH-USP (2010). Atuação nos seguintes temas: literatura brasileira, literatura portuguesa, literatura contemporânea, comparatismo literário, gêneros textuais, teoria queer.


Heloisa Gonçalves Jordão

 

“No processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”.

(Paulo Freire)

 

Introdução

É com o intuito de contribuir para os estudos da alfabetização e letramento brasileiros que o presente estudo se propõe a abordar a questão da heterogeneidade em classes de alfabetização. É sabido pelos profissionais especialistas em educação que o conjunto das peculiaridades de cada aluno constituem uma rica base de material para o trabalho pedagógico e, ao mesmo tempo, um desafio que exige cada vez mais dedicação no planejamento de aulas, cursos e planos de ensino. Tal desafio torna-se ainda mais complexo quando o traço mais marcante da heterogeneidade em sala de aula é o alto número de alunos que ainda não leem e escrevem de forma convencional, enquanto outros já produzem textos e fazem uso da leitura de forma satisfatória; situação extremamente comum em classes do 3º ano do ensino fundamental que corresponde ao final do 1º ciclo – o período de três anos onde não há reprovação e, teoricamente, o aluno desfrutará de um tempo maior para alcançar os objetivos propostos do ciclo que é constituído fundamentalmente no domínio da leitura e escrita.

Quando tratamos dessa problemática, a metodologia do professor é pauta principal, entretanto é imprescindível considerarmos aspectos como a progressão continuada, a organização cíclica de ensino e o currículo escolar adotados no contexto em que se realizou este estudo.

Para discorrer sobre o tema proposto, este estudo será baseado numa pesquisa bibliográfica que abarca os principais pesquisadores da área, além de considerarmos documentos expedidos pelos órgãos que regulam o ensino público do país, especialmente no que se refere aos aspectos relacionados à progressão continuada/ organização em ciclos. Coletaremos dados de turmas de 3º ano do ensino fundamental, por meio de registros de atividades e métodos avaliativos1.

 

1. Sobre o contexto escolar

 

1.1. A escola

A unidade escolar na qual se realizou a pesquisa pertence à rede de ensino do município de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo. A rede conta com 23 escolas de ensino fundamental que originalmente integravam a rede estadual e passaram pelo processo de municipalização durante a década de 80. A rede municipal, bem como a maioria dos sistemas de ensino brasileiros, adotou a organização do ensino em ciclos como medida contra a repetência e a evasão escolar. Outra medida incorporada pela rede foi a implementação do ensino fundamental de nove anos, que passou a vigorar em 2006/2007.

A escola municipal de ensino fundamental “Heitor Villa Lobos” não destoa do perfil geral da rede. Conta com aproximadamente mil e duzentos alunos matriculados no ensino fundamental, distribuídos em três turnos numa infraestrutura que conta com dez salas de aula. A média por classe é de aproximadamente 35 alunos. No período noturno as salas são ocupadas pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). A escola conta ainda com uma sala de informática e uma pequena biblioteca, que atualmente não funciona pela falta de funcionário responsável pela organização e controle do acervo.

Fica localizada no Jd. Kuabara, bairro que faz divisa com a zona oeste da cidade de São Paulo.

 

1.2. O ensino de língua portuguesa na documentação escolar

 A escola conta com alguns documentos que amparam as práticas escolares do ponto de vista legal e pedagógico. O principal deles é o Plano Político Pedagógico de Gestão Escolar, que apresenta as características gerais da escola, como o perfil da clientela, a estrutura física e, o que particularmente nos interessa, as propostas pedagógicas e o plano de curso que visa a garantir a organicidade e continuidade das disciplinas ministradas na instituição.

 Na proposta pedagógica são citados os fundamentos legais e as diretrizes ideológicas com que a unidade escolar se apresenta pedagogicamente e como a mesma concebe seus educandos.

 No plano de curso, sob o tópico “Valores, normas e atitudes” encontramos o ensino da língua portuguesa em posição privilegiada às demais disciplinas, pois os hábitos de leitura, escrita, valorização das diferentes variedades linguísticas, enfim, todo tipo de situação comunicativa, é incentivada já nos objetivos gerais:

 

  • Interesse por ouvir e manifestar sentimentos, experiências, ideias e opiniões;

  • Preocupação com a comunicação nos intercâmbios: fazer-se entender e procurar entender os outros;

  • Respeito diante de colocações de outras pessoas, tanto no que se refere às ideias quanto ao modo de falar;

  • Valorização da cooperação como forma de dar qualidade aos intercâmbios comunicativos;

  • Reconhecimento da necessidade da língua escrita (a partir de organização coletiva com ajuda) para planejar e realizar tarefas concretas;

  • Valorização da leitura como fonte de fruição estética e entretenimento;

  • Interesse por ler ou ouvir a leitura especialmente de textos literários e informativos, por compartilhar opiniões, ideias e preferências (ainda que com ajuda);

  • Interesse em tomar emprestado livros do acervo da classe ou da biblioteca escolar;

  • Cuidado com livros e demais materiais escritos;

  • Atitudes críticas diante de textos persuasivos dos quais é destinatário direto ou indireto (ainda que em atividades coletivas ou com ajuda do professor);

  • Preocupação com a qualidade das produções escritas próprias, tanto no que se refere aos aspectos textuais como à apresentação gráfica;

  • Respeito aos diferentes modos de falar.2

 

No que concerne especificamente à disciplina de língua portuguesa, encontramos as expectativas de aprendizagem para os alunos, ao final de cada ano letivo. Para o 3º ano do ciclo I são estabelecidos os seguintes objetivos:

 

    • Participar de situações de intercâmbio oral, ouvindo com atenção, formular e responder a pergunta, explicar e compreender explicações, manifestar opiniões sobre o assunto tratado;

    • Apreciar textos literários;

    • Ler por si mesmo, diferentes gêneros (textos narrativos literários, textos instrucionais, textos de divulgação científica e notícias) apoiando-se em conhecimentos sobre o tema do texto, as características de seu portador, do gênero e do sistema de escrita;

    • Ler, com ajuda do professor, textos para estudar os temas tratados nas diferentes áreas do conhecimento (enciclopédias, informações veiculadas pela internet e revistas);

    • Reescrever, de próprio punho, histórias conhecidas, considerando as ideias principais do texto-fonte e algumas características da linguagem escrita;

    • Produzir textos de autoria de próprio punho utilizando recursos da linguagem escrita;

    • Revisar textos coletivamente, com a ajuda do professor ou em parceria com colegas.

 

É claramente observável no plano de curso que a escola trabalha fundamentalmente baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Todo início de ano, durante o planejamento, os PCN’s são discutidos e o conteúdo programático é estabelecido por Ano escolar (antiga série)3 de acordo com os objetivos acima descritos.

 

1.3. As salas de aula

Foram acompanhados os trabalhos desenvolvidos em duas salas.

A primeira delas, a qual chamaremos de turma A, conta com trinta e cinco alunos regularmente matriculados, e um dos alunos tem o diagnóstico de paralisia cerebral. Desse total, a partir de avaliação diagnóstica realizada no início do ano letivo, quinze alunos já escreviam convencionalmente, doze em estágios intermediários e dez no estágio inicial de aquisição da leitura e escrita.

Geralmente os alunos estão organizados em fileiras individuais ou em duplas. Em termos de recursos pedagógicos, a sala conta com lousa, giz, cartazes, alguns jogos educativos e um baú de leitura contendo histórias em quadrinhos e narrativas diversas.

A segunda sala será referida como turma B, e registra 33 alunos matriculados. Desse total, a partir de avaliação diagnóstica realizada no início do ano letivo, dez alunos já escreviam convencionalmente, treze em estágios intermediários e dez no estágio inicial de aquisição da leitura e escrita.

 

1.3.1. As professoras

 A professora da turma A está na rede municipal há três anos. Esse também é seu tempo de experiência no ensino fundamental. É formada em pedagogia desde 2002. Sua experiência anterior, além dos estágios supervisionados, ocorreu com turmas de berçário como professora de desenvolvimento infantil.

 A professora da turma B não possui vínculo estatutário com a rede. É professora contratada em caráter temporário. É formada em pedagogia e atua na área da educação há cinco anos.

 

1.3.2. Os alunos

Os alunos das salas pesquisadas, além de possuírem diferentes níveis de aprendizagem da língua vernácula ainda apresentam nível social e constituição familiar distintas. A faixa etária predominante é de oito anos.

 

2. Descrição geral das práticas de ensino-aprendizagem de língua

portuguesa

 

2.1. Dados sobre o acompanhamento das aulas

 

As observações foram iniciadas na terceira semana do mês de março. Na turma B, ocorria às segundas feiras das 11h às 13h40 horas, e com a turma A às terças-feiras das 15h às 17h. O Plano Político Pedagógico da escola estabelece uma grade horária4 que contempla apenas 7 horas-aula de língua portuguesa por semana, entretanto, as duas professoras acompanhadas trabalham com a disciplina todos os dias antes do horário de intervalo. Quando indagadas a respeito, ambas citaram a urgência no desenvolvimento do processo de aprendizagem da língua escrita. Embora essa maior atenção dada à disciplina de língua portuguesa, a disponibilidade de horário para a realização da pesquisa infelizmente é restrita, e só pode ser realizada nos dias e horários acima descritos, o que impediu o acompanhamento de um episódio didático completo.

As professoras foram extremamente receptivas. A responsável pela turma A prontamente forneceu o planejamento com os conteúdos do ano. Os alunos também mostraram receptividade e logo se “acostumaram” a ter duas professoras no dia em que se realizam as observações.

Foram acompanhados dez dias de aula em cada uma das classes, um total de 20 dias, 60 horas-aula. Por causa do horário do intervalo, as observações na turma B foram mais extensas, totalizando 3 horas-aula no dia. Já na turma A as observações duraram 2 horas-aula por dia.

Durante o desenvolvimento das aulas foi possível realizar observações pertinentes em relação aos procedimentos das duas professoras. Nos momentos de realização de atividades pelos alunos foi possível interagir com os mesmos, realizando perguntas e observando de perto as reações deles às atividades propostas.

 

 2.2. Caracterizando os componentes das práticas de ensino-aprendizagem 

 

2.2.1. Os objetos de ensino e as práticas de linguagem

As professoras realizam reuniões semanais, os chamados HTC’s (horário de trabalho pedagógico) e nesses momentos procuram estabelecer, a partir do planejamento inicial, atividades comuns para a semana. Por conta disso, os objetos se assemelham em algumas das aulas acompanhadas, mas as práticas de linguagem são trabalhadas de forma bem distinta. Para contemplar de maneira mais organizada cada uma das salas, iniciaremos a descrição dos objetos e práticas da turma B:

Dos primeiros oito dias acompanhados, a professora trabalhou com objetos discursivos em quatro deles, sendo que destes, dois dividiram o tempo com questões ortográficas. Em quatro dias o objeto principal foi gramatical e, da mesma forma, dois também se dedicaram a questões ortográficas. Observe a tabela:

 

OBJETO

CLASSIFICAÇÃO

Substantivos comuns e próprios/ Usos S/SS

Gramatical/ ortográfico

Parlenda/ palavras com R

Discursivo/ ortográfico

Ordem alfabética/ palavras com /QU/

Gramatical/ortográfico

Texto descritivo

Discursivo

Música/ palavras com F/V

Discursivo/ortográfico

Bilhete

Discursivo

Concordância verbo-nominal

Gramatical

 

Na turma A, observamos um enfoque maior a atividades que privilegiam a leitura e a escrita a partir do gênero proposto, o que nos permite concluir que os objetos mais trabalhados pertencem ao campo discursivo, e o trabalho ortográfico foi realizado a partir deste. Dos oito dias acompanhados apenas dois trataram de questões gramaticais e, mesmo assim, o objeto principal era o texto selecionado para a aula:

 

OBJETOS

CLASSIFICAÇÃO

Música/ segmentação

Discursivo/ ortográfico

Música/ reescrita em duplas

Discursivo/ortográfico

Fábula/ pontuação de trecho da fábula

Discursivo/gramatical

Fábula/leitura e escrita de adivinhas (duplas)

Discursivo/ortográfico

Reescrita coletiva da fábula

Discursivo/ortográfico

Fábula/ ordem alfabética

Discursivo/gramatical

Conto/ treino F/V

Discursivo/ortográfico

Biografia/leitura, escrita de adivinhas duplas

Discursivo/ortográfico

 

A partir dessa tabulação, serão descritos os gestos profissionais de cada uma das professoras.

 

2.2.2. Os gestos profissionais e os instrumentos didáticos

A professora a sala B inicia a aula com a correção da tarefa de casa solicitada no dia anterior. Para tal, recorre ao apelo da memória, solicitando que os alunos se recordem da matéria trabalhada e do exercício que deveria ser resolvido em casa. Depois de as crianças abrirem seus cadernos, a professora passa de carteira em carteira realizando a correção, geralmente, individual. Com frequência, a professora se dá conta de que grande parte dos alunos não a havia realizado, como era esperado, e acaba por dar “mais algum tempo” para que os alunos finalizem a tarefa, e ela mesma ajuda os que não conseguem sozinhos.

Depois de finalizada a correção, os conteúdos de gramática/ortografia entravam como objeto de ensino. Dessa vez, a professora lançava mão da institucionalização, ou seja, de definições normativas sobre o objeto que, a partir daquele momento, passaria a ser ensinado. A professora escreve um pequeno texto expositivo no quadro negro – que deveria ser copiado – e após isso haveria a explicação seguida da formulação de tarefas para treino do conhecimento que acabara de ser transmitido5.

Os instrumentos didáticos utilizados são: folhas fotocopiadas ou mimeografadas (geralmente enviadas como lição de casa), quadro negro e giz (branco e colorido). Em uma das aulas observadas, o objeto de estudo era um texto em versos (música). Mesmo nesta ocasião, a música não foi reproduzida por um aparelho de áudio: a professora convidou todos os alunos, que sabiam a letra de memória, a cantá-la em voz alta.

A professora da sala A inicia a aula dentro de uma rotina bem específica: organiza os alunos em duplas, geralmente agrupados de acordo com seu desenvolvimento de leitura/escrita – um aluno que lê e escreve convencionalmente com outro que ainda não apresenta a mesma fluência. Depois realiza a leitura de um texto. Esses textos têm gêneros variados, e nas aulas observadas foram contemplados contos, poemas, fábulas e biografias. O texto lido no início da aula não é necessariamente o objeto de ensino ou serve de base para tal. Em livros com figuras, a professora lê e, após a leitura, vai mostrando as figuras e solicita que os alunos recontem o que acabaram de ouvir – apelo à memória recente.

Terminado o reconto, a professora aplica uma atividade relacionada ao texto que vem sendo trabalhado ao longo das aulas (nas aulas observadas as crianças trabalharam com a fábula “A tartaruga e a lebre” e as etapas para a escrita de um bilhete). Paralelamente aos módulos6, que visavam primordialmente possibilitar a compreensão da estrutura narrativa dos tipos de texto, a professora aplicava atividades como cruzadinhas e adivinhas relacionadas ao tema dos textos trabalhados, com finalidade de fazer com que os alunos reflitam sobre o sistema de escrita (tanto pela questão da alfabetização quanto pelo trabalho com ortografia).

 

2.2.3. As atividades e tarefas

Afim de melhor exemplificar o que foi descrito na seção anterior, vamos analisar atividades comuns em cada uma das salas. Para tal, selecionamos atividades cujo objeto comum às duas turmas era a escrita de um “Bilhete”.

Iniciaremos a análise de uma atividade da turma A:

 

figura 1

Aqui podemos observar que a professora forneceu um modelo de bilhete inspirado em personagens do poema “A Janela de Arabela7”, de Cecília Meireles, e a partir dele convidou os alunos a observarem a estrutura e os elementos que compõem o gênero, ao solicitar-lhes que marcassem com lápis colorido o destinatário, a mensagem (texto curto, linguagem informal) e a identificação do remetente. Vale lembrar que a tarefa foi realizada em duplas: o aluno que possui leitura fluente lê para o colega em período de alfabetização e juntos realizam a atividade. Esta foi uma das atividades cujo objeto era, além de fornecer repertório, identificar os elementos característicos do gênero e sua função.

Agora uma atividade realizada pela turma B:

texto 1 figura 1

 

Esta página do caderno de uma aluna não-alfabetizada da turma B deixa claro a estrutura da aula: cobrança/correção da lição de casa, avaliação do professor e apresentação do objeto gramatical – Concordância verbal - institucionalizando-o. Em seguida formula tarefas para a fixação do conteúdo.

Em relação ao trabalho com o gênero “Bilhete”, a professora inicia o contato com o gênero através da “presentificação”, entre aspas, pois a professora modifica o veículo mais comum do gênero e faz uso do quadro negro. Além disso, remetente e destinatário são, além de fictícios, descontextualizados:

bilhete

 

Após esse primeiro contato, é solicitado aos alunos que produzam um texto do mesmo gênero para casa:

         bilhete 2

Fica pressuposto nessa atividade que o aluno já tenha internalizado a estrutura do gênero a partir de um único exemplo dado pela professora.8 O texto produzido foi escrito com a ajuda da professora, pois a aluna não conseguiu realizar a tarefa em casa:

          bilhete 3

 

Observados os objetos, gestos, ferramentas, organização espaço-temporal e rotina das duas turmas, iniciaremos a análise mais detalhada da prática de cada uma das professoras em turmas heterogêneas de 3º ano.

 

3. Análise das estratégias metodológicas

Como observado no início deste trabalho, a unidade escolar onde a pesquisa foi realizada é organizada em ciclos, e as turmas acompanhadas pertencem ao final do ciclo I – ciclo da alfabetização.

Entretanto, embora a escola assuma-se como “ciclada” em sua organização curricular, sua concepção de espaço e tempo assemelham-se mais à concepção de escola seriada (FERNANDES, 2005). Um exemplo é a incoerência do proposto no Plano Político Pedagógico9 com o que é proposto no Planejamento anual10 do ano em questão. No primeiro, os componentes curriculares previstos são amplos e visam primordialmente o domínio da leitura e da escrita. Seus objetivos podem transitar com facilidade em qualquer um dos anos do ciclo I. Já o planejamento anual do 3º ano constitui-se de uma lista de conteúdos gramaticais e discursivos que devem ser trabalhados. Não esperamos realizar uma crítica aos conteúdos elencados por estes profissionais da educação para o ano escolar, porém é nítido avaliar como será difícil alcançar o ensino de todos esses conteúdos quando se avalia a quantidade de alunos não-alfabetizados encontrados nas turmas de 3º ano.

De acordo com os dados coletados no início desta pesquisa, cerca de 40% das crianças de cada uma das turmas não sabiam ler e escrever convencionalmente. Deparando-se com esta situação, o educador responsável por uma turma de 3º ano enfrenta o seguinte questionamento: como alfabetizar, trabalhar todos os conteúdos de forma satisfatória e ainda mais que alfabetizar, formar competentes leitores e produtores de textos?
Refletindo sobre esses questionamentos, analisaremos as aulas acompanhadas nas turmas descritas.

Com relação a como os conteúdos são trabalhados nas turmas, podemos voltar aos quadros da página 7. Neles observamos que a professora da turma B privilegia objetos gramaticais e ortográficos em detrimento de objetos discursivos: a leitura não ocupa espaço privilegiado na aula. Os textos trabalhados, geralmente são apenas suporte para o ensino de gramática.

Já a professora da turma A privilegia objetos de natureza discursiva, em detrimento de análises gramaticais. A ortografia é trabalhada de forma mais específica, geralmente atrelada às atividades de alfabetização. A leitura ocupa um lugar privilegiado – faz parte da rotina. Um mesmo gênero textual é trabalhado em uma sequência que visa à compreensão dos elementos característicos do gênero (para que ele serve? para quem ele é escrito? e como produzi-lo?).

Já há algum tempo, com as contribuições de Vygotsky e outros pesquisadores, o lado social e interacionista da aprendizagem ganha evidência. De acordo com Camps e Santasusana (2006, pág.47) as atividades devem enfocar a funcionalidade do uso da língua:

 

A utilização da língua em tarefas que envolvam pessoalmente os alunos, além dos exercícios de treinamento, não apenas favorece seu interesse como permite que ponha em funcionamento estratégias comunicativas necessárias para desenvolver sua competência sociolinguístico-comunicativa. [...] Outros projetos têm como ponto de partida a produção de textos com funções, intenções e destinatários diversificados. Em todos os casos, se constata uma dupla funcionalidade no uso da língua: a própria dos textos e a que deriva da tarefa nela mesma, porque executá-la requer numerosas e diversas situações de interação.

 

Interessante observarmos a terminologia usada por Kleiman: práticas desmotivadoras (KLEIMAN, 1995, pág.16) que pode ser aplicada quando são apresentadas aos alunos conceitos completamente institucionalizados de gramática ou até mesmo sobre o tipo de gênero. Observe os exemplos:

Ao institucionalizar o tema: concordância verbal: (Turma B)

              bilhete 4 

 

Transcrição: “O verbo concorda com o nome do subs - tantivo o que se refere comotojá vimos, verbo indica ação do sujeito ou seja, do nome que se refere. Ex: A menina gosta de chocolate. As meninas gostam de chocolate.”

Institucionalizando um Gênero: (Turma B)

            bilhete 6

 

Transcrição: “Fábula: é quando animais e objetos agem com se fossem humanas dentro de uma história na fábula tem uma moral da historia, um ensinamento”.

Não é difícil imaginar que essa institucionalização realizada pela professora da turma B faz pouco sentido aos alunos em processo de alfabetização, contrariando as premissas apontadas por Camps, que observam acima de tudo o ensino-aprendizagem da língua enfocando o desenvolvimento de estratégias comunicativas.

Quanto às atividades realizadas pela professora da turma A, não possuímos registros de toda a sequência didática trabalhada em função do gênero bilhete, entretanto, podemos fornecer a sequência trabalhada a partir de anotações e observações das aulas e do semanário da professora:

 

    • Escrita de bilhete fictício pela professora (baseado em texto de Cecília Meirelles) e sua leitura/análise em duplas;

    • Escrita de bilhete fictício dos alunos (em duplas) para personagens de contos por eles conhecidos11.

    • Escrita coletiva de bilhete fictício (professor como escriba) observando pontos estruturais e ortográficos.

    • Exercícios sobre elementos característicos do gênero;

    • Escrita de bilhete de um colega para o outro, com a função de comunicar/convidar sobre um piquenique que seria realizado na escola (e efetivamente aconteceu);

    • Escrita de bilhete para os pais avisando-lhes sobre a festa junina da escola.

 

  Fica claro que a intenção da professora da turma A é utilizar-se de ferramentas em que a função social do gênero fosse realmente focalizada12. Já com relação a como a professora trabalha a questão da heterogeneidade, podemos destacar a realização de atividades em duplas e coletivas (todo o grupo tendo a professora como escriba), momentos que não ocorreram na Turma B, onde todas as atividades eram realizadas individualmente, passando por posterior correção da professora.

 

Considerações finais

A organização do ensino de língua vernácula tem sido muito discutida e os professores se deparam com uma gama extensa de exigências a serem alcançadas. É realmente novo ao professor e a toda instituição “escola” a organização em ciclos: no caso deste trabalho, observamos como os profissionais da educação lidam com a não-retenção – ou seja, trabalhar com alunos não alfabetizados – e o cumprimento do currículo formal estabelecido pelos planos escolares.

Tanto sobre como lidar com tal heterogeneidade quanto sobre como trabalhar os diferentes gêneros textuais, sabemos que não há uma tradição de ensino que abarque estas novas exigências, e que, por isso, as duas professoras acompanhadas utilizaram seus próprios métodos, ou melhor, ferramentas das quais dispõem e novas tentativas de intervenções criadas a partir das características do alunado com o qual trabalham.

Os números finais fornecidos pelas próprias professoras mostram um melhor desempenho obtido pela turma A que, ao final do semestre, apresenta apenas 10% dos alunos sem leitura/escrita convencionais. Já a turma B apresenta 25% de crianças ainda não alfabetizadas.

O principal contraste entre as duas metodologias é a maneira como cada tema é apresentado e o tempo despendido em cada um deles. O gesto de institucionalização, presentificação através de modelos seguidos de cobrança da produção final, sequência frequentemente utilizada pela professora da turma B, dificilmente é suficiente para criar uma proposta interessante às crianças em período de alfabetização. O enfoque nos gêneros textuais e a maior variedade de atividades relacionadas a um único gênero tornaram o trabalho da turma A mais significativo e, consequentemente, um número maior de crianças conquistou a leitura/escrita convencionais.

Cremos que uma sensibilização do professor em relação às reais dificuldades de seus alunos propiciaria maior reflexão sobre as ferramentas utilizadas e real importância dos conteúdos do currículo formal.

 

 

Referências bibliográficas

 

CAMPS, A. Propostas didáticas para aprender a escrever. Traduzido por Valério Campos. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FERNANDES, C. A escolaridade em ciclos: a escola sob uma nova lógica. Cadernos de pesquisa, Jan/Abr. 2005, vol. 35, n. 124, p.57 – 82.

GOMES-SANTOS, S.N. & ALMEIDA, P. S. Pergunta-resposta: Como o par dialógico constrói uma aula na alfabetização. Revista brasileira de linguística aplicada, v. 1, pg. 1, 2009.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura – teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 1995.

______. Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento. Campinas, SP, 1998.

MEC. Ensino fundamental de nove anos – Orientações Gerais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger.pdf. Acesso em: 30 out. 2011

SCHNEUWLY, B. ; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

______. Lês outils de l’enseignant – um essai didactique. Université de Genéve, Repérs, n. 22, 2000.

 

 

Heloisa Gonçalves Jordão

Mestranda do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP na área de Linguagem e Educação. Bacharel em Letras portugues/espanhol pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Durante a graduação, desenvolveu trabalho de pesquisa na área de Filologia Românica (DLCV). Atualmente desenvolve pesquisa voltada às práticas de ensino-aprendizagem de língua e à circulação e o ensino de gêneros textuais em sala de aula. Atua como professora de ensino fundamental II e médio na Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo e como tutora do curso a distância de Especialização em Gestão do Currículo oferecido pela Rede São Paulo de Formação Docente – projeto em parceria da SEESP/USP.

 

 

 

 

ANEXO 1 – Plano de curso (parte do Plano de Gestão)

 

1. PLANO DE CURSO

 

 1. Plano de Curso do Ensino Fundamental

 

Objetivos Gerais do Ensino Fundamental:

 

  • Descobrir, conhecer e controlar progressivamente o próprio corpo, formando uma imagem de si mesmo, valorizando sua identidade sexual, suas capacidades e limitações de ações e expressão, e adquirindo hábitos básicos de saúde e bem estar;

  • Atuar de forma cada vez mais autônoma em suas atividades habituais, adquirindo progressivamente segurança afetiva e emocional, e desenvolvendo suas capacidades de iniciativa e confiança em si mesmo;

  • Estabelecer vínculos com os adultos e com seus iguais, respondendo aos sentimentos de afeto, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração;

  • Conhecer algumas manifestações culturais, mostrando atitudes de respeito, interesse e participação;

  • Representar e evocar aspectos diversos da realidade, vividos, conhecidos ou imaginados e expressá-los mediante às possibilidades simbólicas que oferecem o jogo e outras formas de representação e expressão;

  • Enriquecer e diversificar suas possibilidades expressivas mediante a utilização dos recursos e meios a seu alcance, assim com apreciar diferentes manifestações artísticas;

  • Compreender a cidadania com participação social, política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdios às injustiças;

 

Valores, normas e atitudes

 

  • Interesse por ouvir e manifestar sentimentos, experiências, idéias e opiniões;

  • Preocupação com a comunicação nos intercâmbios: fazer-se entender e procurar entender os outros;

  • Respeito diante de colocações de outras pessoas, tanto no que se refere às idéias quanto ao modo de falar;

  • Valorização da cooperação como forma de dar qualidade aos intercâmbios comunicativos;

  • Reconhecimento da necessidade da língua escrita (a partir de organização coletiva com ajuda) para planejar e realizar tarefas concretas;

  • Valorização da leitura como fonte de fruição estética e entretenimento;

  • Interesse por ler ou ouvir a leitura especialmente de textos literários e informativos, por compartilhar opiniões, idéias e preferências (ainda que com ajuda);

  • Interesse em tomar emprestado livros do acervo da classe ou da biblioteca escolar;

  • Cuidado com livros e demais materiais escritos;

  • Atitudes críticas diante de textos persuasivos dos quais é destinatário direto ou indireto (ainda que em atividades coletivas ou com ajuda do professor);

  • Preocupação com a qualidade das produções escritas próprias, tanto no que se refere aos aspectos textuais como à apresentação gráfica;

  • Respeito aos diferentes modos de falar.

 2. Proposta Curricular

 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propõem que todas as disciplinas das séries iniciais à 4ªsérie sejam ensinadas aproximando-se os conteúdos ao dia a dia das crianças.

Assim, quando tratam do ensino de Português, os Parâmetros Nacionais Curriculares criticam os textos produzidos especialmente para ensinar a ler, como os das cartilhas tradicionais. E sugerem que as boas obras são aquelas que tratam da realidade conhecida pelas crianças.

A matemática aproxima-se dos atos do cotidiano. Em ciências, a proposta é usar e abusar de visitas, experimentos e coleta de dados nas mais variadas fontes.

O Convívio Social e a Ética devem ser incorporados à prática em sala de aula, que podem ser subdivididos nos seguintes assuntos:

  • Orientação Sexual

  • Meio ambiente

  • Saúde

  • Estudos Econômicos

  • Ética

  • Pluralidade Cultural

Estes são chamados Temas Transversais, que devem permear todas as matérias do currículo, e ser abordados quanto a dinâmica de classe comportar.

Em História e Geografia o aluno deve entender que é integrante ativo do ambiente natural, patrimônio sócio-cultural brasileiro, um assunto da História.

A LDB determina que os alunos sejam avaliados levando-se em conta seu desempenho ao longo do ano, e não apenas o resultado das eventuais provas finais. Essa avaliação será contínua e cumulativa. A idéia é que os "aspectos qualitativos" do aproveitamento escolar sejam considerados mais importantes do que os "aspectos qualitativos”, ou seja, vale mais o processo no estudo do que o desempenho nas provas.

A recuperação e o reforço são obrigatórios para os alunos com baixo rendimento. As aulas e os estudos de recuperação paralela correm sob responsabilidade do professor de classe, a qual será feita através das avaliações diagnósticas realizadas periodicamente. A recuperação dos alunos que apresentam defasagem de aprendizagem em relação à série, principalmente os alunos de 3º anos, 4º anos e das 4ª séries, incluindo os retidos dos anos anteriores, serão encaminhados para o GAP – Grupo de Apoio Pedagógico, o qual deverá ser frequentado fora do horário de aula.

O regime de progressão, no Ensino Fundamental, é continuado, isto é, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino aprendizagem.

 

3. Carga horária mínima

 

A Matriz Curricular Básica para o Ensino Fundamental, do primeiro ao quinto ano do 1º ciclo, com 22 horas semanais, ou 4 horas dia; deverá ser cumprida da seguinte forma:

  • Língua Portuguesa: 35% ou 7 aulas semanais/dia

  • Matemática: 30% ou 6 aulas semanais

  • História/Geografia: 10% ou 2 aulas

  • Ciências: 10% ou 2 aulas

  • Educação Física/Artes: 15% ou 3 aulas

  • Informática/Inglês: 10% ou 2 aulas

 

 4. Integração, sequências e sínteses dos componentes curriculares

 

a) Língua Portuguesa:

As expectativas de aprendizagem esperadas para os alunos, ao final de cada ano são os seguintes:

  • Para os alunos, ao final do ao final do 3º ano do ciclo I: 

     

          tabela Heloisa 1

 

 Para os alunos, ao final do 3º ano do ciclo I:

Para que estas expectativas de aprendizagem de Língua Portuguesa sejam alcançadas ao final de cada ano, é necessário desenvolver habilidades relacionadas ao desenvolvimento da: compreensão e valorização da cultura escrita, sistema de escrita, leitura, produção e oralidade. Que são as seguintes:

 Compreensão e valorização da cultura escrita:

 

HABILIDADES:

  • Conhecer, utilizar e valorizar os modos de produção e de circulação da escrita na sociedade;

  • Conhecer os usos e funções da escrita dentro de uma rede de práticas sociais;

  • Desenvolver capacidades necessárias para o uso da escrita no contexto social (vivenciar diferentes situações de leitura e escrita sociocultural real).

 

    • Sistema de escrita:

 

HABILIDADES

  • Conhecer o nome das letras do alfabeto;

  • Compreender e utilizar as convenções da escrita, (orientação do alinhamento);

  • Compreender diferenças entre o sistema de representação da escrita de outros sistemas de representações gráficas;

  • Compreender o que a escrita representa;

  • Refletir sobre o sistema por meio da leitura de textos conhecidos de memória de forma que ajuste o falado ao escrito;

  • Refletir sobre o sistema por meio da escrita onde possam justificar com quantas, quais letras e que ordem usar;

  • Refletir sobre as questões ortográficas, segmentação, pontuação e gramática.

 

 

  • Leitura:

 

HABILIDADES:

  • Desenvolver atitudes e disposições favoráveis à leitura;

  • Desenvolver capacidades de leitor competente:

(I) Decodificar, antecipar, inferir, selecionar e checar com eficiência;

(II) Saber ler reconhecendo globalmente as palavras;

  • Desenvolver fluência em leitura;

  • Compreender textos;

(I) Identificar finalidades e funções da leitura através do reconhecimento do suporte, do gênero e da contextualização do texto;

(II) Antecipar conteúdos de textos a serem lidos em função de seu suporte, seu gênero e sua contextualização;

(III) Levantar e confirmar hipóteses relativas ao conteúdo do texto que está sendo lido;

(IV) Buscar pistas textuais, intertextuais e contextuais para ler nas entrelinhas (fazer inferências), ampliando a compreensão;

(V) Construir compreensão global do texto lido, unificando e inter – relacionando informações explicitas e implícitas;

(VI) Avaliar ética e afetivamente o texto, fazer extrapolações;

Reflexão linguística: analisar o texto do ponto de vista estético (recursos utilizados) e beleza de linguagem;

 

  • Produção:

 

HABILIDADES

Compreender e valorizar o uso da escrita com diferentes funções, em diferentes gêneros;

Produzir textos orais/escritos de gêneros diversos, adequando aos objetivos, ao destinatário e ao contexto da circulação:

(I) Planejar o discurso do texto considerando o tema central e seus desdobramentos;

(lI) Dispor, ordenar e organizar o próprio texto de acordo com as convenções gráficas apropriadas;

(lll) Usar a variedade linguística apropriada à situação de produção e de circulação fazendo escolhas adequadas quanto ao vocabulário e à gramática;

(lV) Usar recursos expressivos (estilísticos e literários) adequados ao gênero e aos objetivos do texto;

(V) Revisar e reelaborar a própria escrita, segundo critérios adequados aos objetivos (adequação do gênero, coerência e coesão, pontuação, ortografia...), ao destinatário e ao de circulação previstos;

 

 

  • Oralidade:

 

HABILIDADES

Participar das interações cotidianas em sala de aula:

(I) escutando com atenção e compreensão;

(II) respondendo às questões propostas pelo(a) professor(a);

(III) expondo opiniões nos debates com colegas e com o(a) professor(a) de forma clara e ordenada;

(IV) Narrar fatos considerando a temporalidade e a causalidade;

Respeitar a diversidade das formas de expressões orais manifestas por colegas, professores e funcionários da escola, bem como por pessoas da comunidade extra – escolar;

Usar a língua falada em diferentes situações, buscando empregar a variedade linguística adequada;

Planejar a fala em situações formais;

Realizar com pertinência tarefas cujo desenvolvimento dependa de escuta atenta e compreensão;

Utilizar procedimentos de argumentação;

 

ANEXO 2 – Planejamento de conteúdos do 3º ano

 

Planejamento LP 3ºs anos: (idem caderno da profª turma F)

 

Conteúdos conceituais:

  • Alfabeto;

  • Classificação das palavras;

  • Substantivos,

  • Masculino e feminino;

  • Aumentativo e diminutivo,

  • Sinônimo/antônimo;

  • Frases: afirmativa/ negativa/ interrogativa/ exclamativa;

  • Singular/plural

  • Adjetivo;

  • Acentuação;

  • Diálogo com balão;

  • Sílabas – s –ss-r-rr-r brando

Ch – nh – lh

Ge-gi-gue-gui

Ce-ci-ç

Ão – am e m/n final de sílaba

Sc-ns

Sons do x

  • Leitura;

  • Receita;

  • Bilhete/carta/convite

  • Parlenda/aviso/ recado/ fábula

  • Produção de textos informativos e descritivos

  • Reescrita de testos lidos, filmes e histórias

 

Conteúdos procedimentais:

  • Leitura e interpretação de textos variados;

  • Expressão oral e escrita;

  • Escrita de palavras com dificuldades ortográficas e levantamento de hipóteses sobre as regras;

  • Uso do dicionário;

  • Leitura compartilhada de texto e um livro literário;

  • Produção de textos com interferência e observação do grupo sobre as questões gramaticais e ortográficas, revendo e reorganizando a escrita do texto.

  • Participação de em situações de intercâmbio oral que requeiram ouvir com atenção, intervir sem sair do assunto, formular e responder perguntas, explicar e ouvir explicações, manifestar e acolher opiniões, adequar às colocações “as intervenções propor temas”

 

 

Anexo 3 – Escrita de bilhete de aluno alfabetizado turma B

Anexo 3

 

 

1 Foram realizadas gravações de áudio em quatro aulas assistidas, entretanto, a transcrição foi prejudicada pelo alto nível de ruído, impedindo a clareza da fala em momentos que seriam interessantes para registro neste trabalho. Por esses motivos, as transcrições não serão incluídas.

2 Plano de Gestão – anexo1.

3 Programa do 3º ano de Língua Portuguesa – (anexo 2).

4 Vide anexo 1.

5 Na seção subsequente, essa organização da aula das professoras será exemplificada através de atividades coletas dos cadernos dos alunos.

6 Schnewly, 2004.

7 MEIRELES, C. “Ou isto ou aquilo”. São Paulo, Nova Fronteira.

8 Observe que, como a aluna não está alfabetizada, por diversas vezes, na cópia da lousa, repete sílabas e letras e trocas de letras que, normalmente, não ocorrem às crianças alfabetizadas. O texto foi produzido satisfatoriamente por alunos alfabetizados (vide anexo 3).

9 Anexo 1.

10 Anexo 2.

11 De acordo com Schnewly, uma das grandes variantes de modos para presentificar o objeto linguístico é o texto produzido pelos próprios alunos.

12 Embora a sequência da atividade tenha observado de perto a sequência proposta por Schnewly:

  1. Apresentação da situação;

  2. PRODUÇÃO INICIAL;

  3. Módulos;

  4. PRODUÇÃO FINAL.

Observamos (e segundo relatado por ela mesma) que a professora não deixou claro, ao início das atividades, um problema de comunicação bem definido, e qual seria o objetivo da produção final – pontos que foram aclarados apenas no decorrer das atividades/módulos.

Quinta, 17 Novembro 2011 00:35

Número 6 - Apresentação

 

Os textos a seguir reconstituem e registram traços de um real vivido: práticas de ensino da língua portuguesa com que estiveram envolvidos concluintes do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade de São Paulo (USP) por ocasião da realização de sessenta horas de estágio, componente curricular integrado à disciplina Metodologia do Ensino de Português I (MEP I), ofertada no primeiro semestre do ano acadêmico[1].

O gesto de agora poder ordená-los em uma coletânea é uma tarefa possível graças à associação não-óbvia de um pressuposto com um dispositivo didático, presentes nos objetivos da disciplina MEP I:

i) o pressuposto que toma o confronto com práticas efetivas de ensino como ponto de partida e de chegada do processo de formação para a docência, e

ii) o dispositivo didático que toma o gênero artigo acadêmico – produzido com base em anotações registradas no estágio – como mecanismo de iniciação à investigação da linguagem em ambientes de ensino e aprendizagem.

Constituíram-se em objetivos da disciplina:

1. Refletir sobre teorias e práticas do ensino de Língua Portuguesa. 2. Fornecer subsídios metodológicos para o ensino de Língua Portuguesa. 3. Aproximar ensino e pesquisa, com o objetivo de incentivar a produção e a renovação de meios e recursos para o ensino de Língua Portuguesa. 4. Viabilizar e orientar práticas de estágio

Tais objetivos foram traduzidos em um conjunto de temáticas ordenadas em torno de três grandes eixos: inicialmente propôs-se a tematização dos contornos sócio-históricos e ideológicos de constituição da escola como agência de letramento, e da disciplina língua portuguesa na história da escolarização no Brasil, a fim de problematizar os usos e práticas de linguagem que ganham corpo nos vários espaços e tempos da escola e os gêneros textuais pelos quais se constituem os múltiplos letramentos passíveis de serem construídos no seio da prática escolar.

Na sequência desse primeiro eixo temático propôs-se discutir sobre o trabalho do professor de português, seu projeto didático, configurado no modo com que implementa as sequências de ensino, nos gestos que aciona e nos instrumentos que utiliza em seu ofício cotidiano.

Por fim e complementarmente aos demais eixos, propôs-se problematizar as formas e o funcionamento da linguagem como objeto de ensino, enfatizando-se o lugar dos gêneros textuais e das práticas de letramento escolares no trabalho docente, na sequenciação didática em que eles (gêneros e práticas) adquirem o estatuto de objetos objetos ensinados.

A seguir, a grade de conteúdos propostos no Curso.


I. A invenção da escola como agência de letramento

1.1. A disciplinarização da língua portuguesa na escola brasileira

1.2. Cultura escolar e letramentos locais : gêneros escolares e gêneros escolarizados

 

II. Trabalho docente e Projeto didático

2.1. Sequência de ensino e objeto de ensino

2.2. Gestos didáticos

2.3. Instrumentos didáticos

 

III. Práticas de linguagem e gêneros textuais

3.1.  Prática de leitura-escuta de textos

3.2.  Prática de produção de textos escritos, orais e multissemióticos

3.3.  Prática de análise (da) e reflexão sobre a língua: objetos gramaticais


Como trabalho final da disciplina propusemos aos licenciandos a elaboração de um artigo acadêmico em que pudessem explicitar a apropriação, por meio da descrição e análise de registros gerados no estágio, de conceitos e dispositivos de investigação selecionados com base nas discussões propostas no Curso.

Julgávamos que a produção de um artigo acadêmico permitiria, por hipótese, um distanciamento mais incrementado em relação às práticas didáticas acompanhadas, uma vez que exigiria dos alunos não somente a ordenação em um relatório do conjunto de notas produzidas no estágio, mas a seleção de um fenômeno particular dessas práticas e sua problematização. Nessa direção, o artigo revelar-se-ia dispositivo potente de avaliação dos modos de apropriação pelos estagiários de aportes teóricos convocados e problematizados por ocasião das discussões na universidade mediadas pelo professor.

A produção do artigo deu-se progressivamente ao longo do Curso e consistiu em três grandes tarefas:

i) a descrição do contexto escolar em que se efetivou o estágio, enfatizando-se o conjunto de práticas de letramento e textos materializados nesse contexto e o perfil da(s) turma(s) e do professor(es) acompanhado(s), além dos modos com que o ensino de língua portuguesa aparece configurado na documentação escolar (projetos de ensino, programas e currículos etc.);

ii) a descrição das práticas de ensino-aprendizagem em sua dimensão particularmente didática, o que implica a descrição de cinco componentes relativos ao trabalho docente: objetos de ensino, práticas de linguagem, gestos didáticos, instrumentos didáticos, sequências de ensino;

iii) a eleição e análise de um fenômeno específico relativo às práticas didáticas acompanhadas, o que exige tanto a convocação de referências bibliográficas trabalhadas no Curso, quanto a ancoragem da análise em dados gerados durante o acompanhamento das aulas.

Ao revelar modos diversos de apropriação de saberes e práticas com que se confrontaram os licenciandos, o conjunto de artigos aponta para as possibilidades metodológicas do uso de um dispositivo didático particular – a produção do gênero artigo acadêmico – como modo possível de promover a flexibilização das fronteiras implicadas no famigerado binômio teoria-prática na formação, ou seja, um dos modos possíveis de contemplar a dimensão investigatória que se reivindica constitutiva da prática do estágio em docência.

O conjunto dos textos está ordenado em três grandes temáticas conforme os fenômenos de que as análises se ocuparam. Um primeiro agrupamento problematiza as condições materiais em que se atualiza o trabalho docente. Em um segundo agrupamento, o trabalho do professor de português é considerado sob a ótica das práticas de leitura e produção escrita. Por fim, o terceiro agrupamento focaliza as relações entre esse trabalho e as práticas de ensino da oralidade.

Trata-se de textos que acabam finalmente por registrar um pequeno intervalo, o final, do percurso de formação acadêmica de um grupo de licenciandos em Letras: as vozes que ressoam, os estilos de escritura, os traços do real reconstituídos, o exercício de interpretação dos fixos e fluxos das práticas didáticas… Tudo, nestes textos, erige-se em sabor-saber das coisas, da vida que se recompõe (ou se pode sempre reconstituir) nos desvãos das práticas escolares.

A meu ver, um bom modo de aproximação do mundo da docência.

 

Sandoval Nonato Gomes-Santos

São Paulo, Butantã, USP, Faculdade de Educação,

novembro de 2011, quase verão.



[1] Além dessas, outras sessenta horas de estágio são obrigatórias no âmbito da disciplina Metodologia de Ensino de Português II, que sucede a de que tratamos aqui e é ofertada no primeiro semestre do ano acadêmico.

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