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Sábado, 01 Dezembro 2007 00:00

Sala de leitura como leitura do ensino

 

Jefferson André de Jesus Corredor 

 

Em geral, as salas de leitura configuram-se como um lugar muito específico: acima de tudo, são locais onde são guardados livros e outros materiais impressos destinados a alunos, professores, funcionários e membros da comunidade. E esse é um dos aspectos que podem prevalecer no uso que a instituição escolar faz delas.

A limitação, muitas vezes comum, ao cumprimento dessa função básica reflete a manutenção e a administração dessas salas. A ausência de uma OSL (Orientadora da Sala de Leitura) que possua projetos relacionados à leitura é também um problema que compromete toda a potencialidade desse espaço.

Diante da falta de uma proposta direcionada à leitura, por exemplo, para as séries iniciais do Ensino Fundamental, todo um conjunto de livros que poderiam ser disponibilizados aos alunos acaba sendo subutilizados. Digo subutilizados não como julgamento de quem sabe como seria o “jeito certo” de se utilizar um livro, mas como conseqüência do raciocínio de que ler um livro vai além de tê-lo diante de si e reconhecer as letras e as imagens ali impressas.

É necessário refletir com mais propriedade sobre que tipo de leitura será proposta pela escola e como o devemos desenvolvê-la junto aos alunos.

Seja pelo próprio processo que originou o projeto de salas de leitura, seja pela dinâmica da política de ensino da unidade escolar, o que ocorre freqüentemente é que esse espaço físico chamado sala de leitura propicia geralmente aos alunos experiências intermitentes, vagas, se não quase nulas, com relação à leitura vista como processo dialógico, que ao mesmo tempo pede um conhecimento sobre o nosso estar no mundo e uma formulação sobre a construção que a escrita nos apresenta.

Isso porque, na escola, a prática da leitura, apesar do discurso oficial dos órgãos de educação apontarem o contrário[1], está muito relacionada à ressignificação da linguagem escrita na oral[2]: a base de uma atividade que poderíamos chamar de leitura disciplinada, cujo melhor exemplo se dá nas leituras em sala de aula, mas também nas de leitura.

Aliás, nota-se muita semelhança entre esses dois ambientes, não apenas nas práticas que teoricamente visam a exercitar a capacidade de leitura dos alunos. A primeira seria suas denominações, que já apontariam para a especificidade dos espaços e para a continuidade entre os dois: uma complementaridade da última em relação à primeira. A segunda estaria na estruturação física dos ambientes. Outras semelhanças seriam encontradas em relação à hierarquia e à atmosfera formal que esclarecem que nas duas salas existe um objetivo que os alunos têm de atingir. Alunos que não terminam a tarefa não podem escolher seus livros, os indisciplinados são privados das aulas na sala de leitura; e, assim, a leitura disciplinada condena ainda mais aqueles que possivelmente já estão excluídos da simples experiência com o objeto livro, porque freqüentemente eles não querem, ou não tentam ler (!). Ou seja, ambiguamente a leitura nas escola é tida como direito e dever.

As atividades da sala de leitura não escapam de outra sina das práticas de leitura na sala de aula. De fato, elas podem mesmo ser um mero complemento à alfabetização; a leitura, então, se limitaria ao reconhecimento da linguagem escrita, o que, a priori, não envolveria uma verdadeira troca entre texto e leitor. Ao invés de propor que os alunos indaguem a realidade a partir do texto, pede-se comumente que leiam frases facilitadas, nas quais as relações entre as sílabas sejam mais destacadas do que a ligação do enunciado à enunciação. Colabora-se assim, de uma forma ou de outra, para a alfabetização, seja lá de que tipo, mas não para sua leiturização.

A idéia de leiturização, proposta por Jean Foucambert (1994), confere à leitura uma importância dialógica que vai além das exigências fundamentais da alfabetização, como as que se apresentam na experiência escolar, de modo geral. Segundo ele, os pressupostos, arraigados na prática escolar, da correspondência irrestrita entre o oral e o escrito podem conduzir a prática da leitura à simples decifração. Essa operação, na qual compete ao leitor reconhecer os escritos e ressignificá-los é chamada por Foucambert de oralização. Para ele, a oralização é

"a atividade que permite constituir uma cadeia oral a partir do escrito. Na pedagogia da leitura, essa oralização supostamente permite atribuir sentido ao que ainda não tem. É fácil mostrar que isso é muito improvável. Três palavras como ‘retém', ‘balbuciam', ‘quociente' só podem ser oralizadas depois de reconhecidas e compreendidas. Esse recurso à oralização para atribuir sentido a uma palavra nunca vista, no adulto (e na criança, se nós não insistíssemos que ela o usasse) é a última de uma série de estratégias; e, na verdade, nunca é utilizada, por ser incerta demais"[3].

Com efeito, a leitura feita na sala de leitura tem freqüentemente mais de tarefa alfabetizadora do que de prática formadora de leitores aptos a desenvolverem estratégias de compreensão de texto. E a condição dos alunos – como alfabetizandos – não justifica absolutamente essa limitação da leitura, pois mesmo uma primeira instrumentalização quanto ao suporte livro, que possui suas peculiaridades, não é desenvolvida de modo satisfatório. Se o fosse, talvez situações ambíguas como a que foi citada acima fossem evitadas. O mesmo se dá em relação à ilustração, algo que nos livros infantis geralmente acompanha a narrativa e cuja “leitura” traz muito do aspecto interativo da leiturização. Como figuração da narrativa, as ilustrações se prestam bem à função de índices textuais, explorando uma linguagem muito significativa: a visual.

Ou seja, precisamente esse ponto, o da compreensão do texto, que tantas e tantas pesquisas têm apontado como um dos fracassos do nosso sistema educacional, é trabalhado nas salas de leitura, mas de modo insuficiente, devido a essa face da “leitura disciplinada”: a alfabetizadora.

Haveria, então, uma íntima ligação entre um modelo alfabetizador e o tipo de leitura promovido pela instituição escola. Mas, conforme discutiremos a seguir, há outra vertente da leitura disciplinada que merece discussão.

Para Foucambert,

Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra partes das novas informações ao que já se é[4].

Partindo dessa perspectiva, a famigerada prática de “tomar a leitura” enfoca apenas um aspecto da leitura, o mais básico, de um dos modos que mais poderiam prejudicar o surgimento do gosto por ela: a cobrança por um significado já dado, que deve apenas ser constatado pelo aluno e apresentado à avaliação do professor.

Talvez, um contraponto a essa concepção alfabetizadora da leitura, tão preocupada com o significante seja a prática da leitura que veicula o ler ao exercício da imaginação. Assim, se na primeira a decodificação dos signos lingüísticos é o centro da atenção, na última, é a capacidade da leitura de proporcionar à subjetividade dos alunos um mundo fantasioso que lhes seria familiar.

Por isso, os contos de fadas ou textos que exploram a temática da fantasia são tidos, muitas vezes, como alternativas à “leitura mecânica”. O repertório desse gênero tem sua história intimamente ligada à escola, como prova a compilação (e principalmente o fato de serem adaptações) de Perrault aos contos populares tradicionais.

É dessa forma que a leitura prazerosa é quase sinônimo de “leitura lúdica”:

A conquista do leitor acontece sobretudo no espírito de liberdade, da aventura e do lúdico[5].
Diante das muitas atrações que solicitam às crianças hoje, torna-se necessário que o ambiente escolar – sobretudo a sala de aula – seja um lugar desejável, prazeroso. Por isso, estou convicta da não pertinência de confundir o trabalho de literatura infantil com a cobrança formal e mecânica do texto literário lido pelo aluno , pois essa prática poderia matar todo incentivo à leitura, à percepção da beleza e do encantamento da obra literária, com a conseqüente perda de seus ricos aspectos formativos[6]. (grifo meu)

Entretanto, retomando a idéia de Foucambert da leitura como leiturização, poderíamos também formular que o que soa como um contraponto não seria antes um complemento da leitura entendida como decodificação dos signos lingüísticos.

É nos horários semanais de sala de leitura – onde, como diz o título do livro comemorativo dos trinta anos do projeto, é o lugar do encantamento[7] – que se teria a oportunidade de explorar essa leitura e, através dela, resgatar muito da experiência dos alunos. Todavia, a atividade de leitura que contempla a “imaginação” invariavelmente tende a ser diametralmente oposta àquela que visa ao questionamento. Embora em ambas seja necessário que os alunos retomem dados de suas experiências e vinculem a elas novas informações, a maneira de as duas encararem o mundo costuma ser particularmente diferente.

Um exemplo disso foi a atividade de “leitura simultânea” observada na sala de leitura, na qual a OSL distribuía exemplares da mesma estória para grupos de quatro ou cinco alunos. A primeira estória, “A bota do bode”, foi lida, ou melhor, oralizada.

Na segunda estória, sobre uma avó que saiu para comprar um presente para seu neto, portanto um enredo que teoricamente traria mais da realidade cotidiana, nada foi comentado sobre todo o universo que envolvia a narrativa, ou a significação que ela poderia ter para aqueles que a liam. Por exemplo, onde se vai para comprarmos tais e tais artigos? Como isso se faz? Onde a avó conseguiu dinheiro para comprar o presente? Em que condições vivem nossas avós?

O conceito, divulgado de modo um pouco romântico, de que a leitura é o veículo do imaginário, não tem obrigatoriamente que se furtar ao indagar; ao contrário, se se entende que é indispensável ter prazer com a leitura, imagino que o prazer de que se fala não seja o do leitor ao saber que B+A seja BA, ou o de encontrar na frase “o galo deu a bota ao rato” uma construção insólita, mas sim o prazer que se pode ter quando o que se lê tem algum significado para quem o lê, significado este proposto, testado, comprovado ou simplesmente inferido por ele. Pois, ao sugerir textos “lúdicos”, muitas vezes negligenciam-se outros tipos, que exigem um posicionamento especifico por parte do docente (no caso, o OLS), como aqueles destacados por Foucambert:

A escola deve ajudar a criança a se tornar leitor dos textos que circulam no social e não limitá-la à leitura de um texto pedagógico, destinado apenas a ensiná-la a ler. Então, é preciso conhecer esses escritos sociais! A formação dos docentes deve priorizar o conhecimento sobre os escritos utilizados pelas crianças, bem como a observação das estratégias que as crianças utilizam, quer diante dos programas de televisão, dos textos da rua, da publicidade, quer diante dos jornais, as histórias em quadrinhos, dos manuais de instrução, dos documentários, dos álbuns, da ficção, etc... Deve-se almejar, pelo menos, uma formação comparável à dos bibliotecários especializados em publicações para a juventude, sem mencionar sua permanente atualização[8].

 

Notas

[1] “Trata-se então de trazer para dentro da escola a escrita e a leitura que acontecem fora dela. Trata-se de incorporar, na rotina escolar, a leitura feita com diferentes propósitos e a escrita produzida com diferentes fins comunicativos para leitores reais. Enfim, trata-se de propor que a versão de leitura e de escrita presente na escola seja a mais próxima possível da versão social e que, assim, nossos alunos sejam verdadeiros leitores e escritores”. In: “As práticas sociais de leitura e de escrita na escola”. Projeto Toda Força ao Primeiro Ano, vol. 2, p. 10.

[2] FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

[3] FOUCAMBERT, Jean. Op. Cit., p. 8.

[4] FOUCAMBERT, Jean. Op. Cit., p. 5.

[5] OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Leitura Prazer: interação participativa da criança com a literatura infantil na escola. São Paulo: Paulinas, 1996, p. 25.

[6] Idem ibdem, p. 29.

[7] A esse respeito: “Projeto Salas de Leitura – A rede municipal tem ampla e consciente experiência com as Salas de Leitura, iniciadas em 1972. Hoje são 449 Salas de Leitura em escolas de Ensino Fundamental e Médio, 270 em escolas de Educação Infantil, sendo que nas Salas de Leitura das Escolas de Ensino Fundamental contamos com mais de dois Professores Orientadores de Sala de Leitura em cada Unidade, que são verdadeiros elos entre o mundo mágico e encantado da literatura e todas as comunidades escolares”. In: http://portaleducação.prefeitura.sp.gov.br (Projeto Círculo de Leituras).

[8] FOUCAMBERT, Jean. Op. Cit., p. 10.

 

Referências bibliográficas

FOUCAMBERT, Jean (1994). A Leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas.

OLIVEIRA, Maria Alexandre de. (1996). Leitura Prazer: interação participativa da criança com a literatura infantil na escola. São Paulo: Paulinas.
 
 

 

Ailtom Pereira Liberal 

 

Breves (e repetitivos) fragmentos da situação escolar — Impactos

Fazer estágio, preferencialmente, em escolas públicas — uma sugestão por muitos futuros professores aceita. E, claro, por mim também, ainda mais levando em consideração o fato de ter sido aluno de uma escola pública. Há em mim, é inegável, o interesse de saber como se dá o ensino de língua portuguesa em uma escola particular: conhecidos meus, que dão aulas nessas escolas, dizem encontrar dificuldades com seus alunos, dificuldades não muito diferentes das encontradas na escola pública, após minhas ponderações.

Muitas escolas públicas chamam a minha (nossa) atenção para histórias estranhas nelas desenvolvidas que dizem respeito a brigas de alunos, grupos rivais, e até morte, — sugerindo-me, assim, esta conclusão: a de que a escola perdera o encanto do conhecimento, transformando-se, infelizmente, em um palco de lamentações.

Algumas razões para a perda desse encanto são plausíveis: o espaço físico de muitas escolas (públicas e, até, particulares) é composto por salas desproporcionais e/ ou desfiguradas, laboratórios de informática e de ciências em desuso (que, se utilizados, ajudariam, e muito, a criar uma atmosfera da descoberta), grades de proteção em todas as partes da escola, materiais pedagógicos insuficientes e/ ou em falta etc.

Em outras escolas, muitas vezes, há uma rigidez disciplinar (como exigência de uniformes para entrar) sem uma ampla discussão democrática que possibilite ao aluno participar de decisões importantes que o conscientizem como sujeito histórico-cultural. Lembrando Vygotsky, o legado cultural do grupo é a base constitutiva de cada indivíduo: tal base não só resulta da educação familiar e do contexto sociopolítico, mas também de uma multiplicidade de influências no curso do desenvolvimento do indivíduo. A escola, na perspectiva vygotskiana, tem um papel fundamental para a realização do desenvolvimento da experiência culturalmente acumulada. A escola oferece, logo, a oportunidade de o indivíduo acessar informações e experiências novas e, conseqüentemente, desenvolver-se [1]. E desenvolver-se como cidadão…

Portanto, as relações sociais feitas com outras pessoas, e o respeito nessas relações, são muito importantes para o indivíduo, que sem a escola, poderia não aprender. Vygotsky

[…] chama a atenção também para o importante papel de mediador exercido por outras pessoas nos processos de formação dos conhecimentos, das habilidades de raciocínio e procedimentos comportamentais de cada sujeito. De acordo com este paradigma, o desenvolvimento individual é sempre mediado pelo outro (entendido como outras pessoas do grupo social), que indica, delimita e atribui significados à realidade[2]. (Grifos da autora)

Todos esses problemas aqui enumerados — aliás, caoticamente — e as possibilidades (não muito bem praticadas) de desenvolvimento ajudam a entender os alunos de muitas escolas públicas que criam em si, assim me parece, uma auto-depreciação. Sentem-se incapazes de prestarem os grandes vestibulares, de não estarem preparados para a situação escolar que os faça serem parte de um todo; e, estranhamente, não têm muitos modelos a serem seguidos, pois a maioria dos professores é despreparada para enfrentar a uma situação educacional de seus alunos, prejudicando consideravelmente a uma minoria bem preparada[3]. Essa maioria não os faz refletirem criticamente todo o conteúdo dado, e, claro, o papel de cada um como cidadão. 

 

Relação professor-aluno (aprofundamentos)

Uma vez ouvira de um professor de filosofia um comentário sobre a relação professor — aluno: "Alunos, fora da escola, são ótimas pessoas com quem você conversa em algumas excursões de diversão, mas se mostram péssimas pessoas com quem você lida em sala de aula". Uma verdade fácil de comprovação, lendo uma entrevista dada por um sociólogo professor:

A minha primeira surpresa, e que é fundamental, corresponde ao que os professores dizem nas suas entrevistas. Os alunos não estão "naturalmente" dispostos a fazer o papel de aluno. Dito de outra, para começar, a situação escolar é definida pelos alunos como uma situação, não de hostilidade, mas de resistência ao professor[4].

É necessário tal trecho, pois presenciei em minhas experiências de estagiário e de professor, muitos professores nervosos com os alunos que parecem não se importarem muito com a matéria dada. Muitos tentam dar lições de ética e moral na tentativa de controlar aos alunos. Geralmente, os alunos escutam essas lições, porém, não as aplicam em sua conduta em sala de aula. Outra maneira de controlar a sala é dar nota para quem tinha caderno com a matéria em ordem. Mais tarde voltarei a esse assunto.

Há, contudo, situações em que as salas ficam sob controle (até causam espanto, tamanha a concentração dos alunos). Mas a indisciplina é algo mais comum. Qual o motivo da indisciplina? Segundo uma pesquisa,

[…] o comportamento indisciplinado está diretamente relacionado a uma série de aspectos associados à ineficiência da prática pedagógica desenvolvida, tais como: propostas curriculares problemáticas e metodologias que subestimam a capacidade do aluno (assuntos pouco interessantes ou fáceis demais), cobrança excessiva da postura sentada, inadequação da organização do espaço da sala de aula e do tempo para a realização das atividades, excessiva centralização na figura do professor (visto como o único detentor do saber) e, conseqüentemente, pouco incentivo à autonomia e às interações entre os alunos, constante uso de sanções e ameaças visando ao silêncio da classe, pouco diálogo etc. [5].

Como já fora exposta a situação em que se encontra o espaço físico de muitas escolas, e a falta de discussões democráticas, não há necessidade de escrever mais sobre isso. Em relação à conduta de professores haverá mais reflexões. Por enquanto, posso dizer que alguns professores são muito respeitados nas escolas, mas não exatamente nas salas de aula. Passemos agora para as experiências por mim vivenciadas na disciplina de língua portuguesa.

 

Livros adotados para as aulas de português

Muitos livros didáticos adotados para o ensino de português usados nas escolas trabalham com poucos textos, são muito "exigentes" em exercícios gramaticais, e não apresentam diálogo com o aluno-leitor para a produção de texto. Grande parte dos professores adora utilizar esses livros para ocupar os alunos, fugindo, assim, à prática do ensino.

Vale ressaltar: analisando as atividades de produção de texto em livros didáticos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, Maria da Graça Costa Val[6] chama a atenção para a não explicitação das condições de produção de texto até de coleções de livros recomendadas pelo MEC. Creio ser aplicável aos livros de Ensino Médio o pensamento da autora. Não há, de forma alguma, uma clara posição dialógica — dos livros — de como produzir um texto. Exemplos de produção sem explicitação das suas condições não ensinam o real valor textual.

Outro detalhe é que, na parte referente à Literatura, os livros não ajudam muitos alunos a caminharem na leitura interpretativa de trechos literários, desestimulando-os, assim, a descobrirem as possibilidades de linguagem. Tal detalhe contraria a orientação dos PCNs, que insistem em dar, com toda a razão, importância à leitura, pois possibilitam aos alunos uma mobilização de todo o seu conhecimento lingüístico. Sem leitura, o ensino de gramática da língua fica inútil, pois "[a]prender uma língua é aprender a dizer a mesma coisa de muitas formas [7]".

Contudo muitos alunos não levam seus livros para a escola. Por ser volume único, os livros de Português do Ensino Médio, por exemplo, são muito pesados, fazendo que eles fiquem inconscientemente desestimulados para estudar.

Analisando criticamente os livros, portanto, fica a impressão de que não seguem corretamente o PCNEM, que recomenda não haver uma separação drástica entre gramática e literatura. Sob a perspectiva do PCNEM, posso dizer que, sem literatura, não haveria gramática; pois, assim penso, a gramática é uma possibilidade de leitura dada a escritos de grandes autores, usados, geralmente, como exemplos de virtude de boa escrita. Claro, ao escrever, um grande escritor usou as palavras dentro de suas riquezas de possibilidades.

Livros não recomendáveis para quem gosta de trabalhar com textos em sala de aula, ainda mais levando em consideração o fato de os próprios alunos os "boicotarem".

 

Variação linguística e preconceito linguístico

Aqui conto uma experiência vivenciada como estagiário de uma escola pública.

O professor por mim observado explicava o sentido etimológico de "ema" (unidade) das palavras fonema, morfema, etc. Quando um aluno perguntou de "ema" em nome de uma família de aves pernaltas. O professor disse-lhe alguns nomes, mas um nome chamou a atenção de outro aluno: "sariema". Esse aluno perguntou ao professor se não era "seriema". O professor, felizmente, disse que era uma variedade lingüística: em Portugal, "sariema"; no Brasil, "seriema". Até aqui, tudo bem.

Em uma outra aula, porém, condenou o uso da palavra "moscar" que muitos jovens falam, dizendo que, em sua forma rizotônica, o verbo em questão conjuga-se assim: "eu musco"…; e em sua forma arrizotônica, assim: "nós moscamos"… Primeiramente, nas minhas pesquisas de dicionário, o verbo "moscar" a que o professor se referia tem o sentido de "fugir das moscas, safar-se", e não o novo sentido, gíria, que é de "aquele que está com pensamento longe"… Não se pode condenar, portanto, a forma de conjugação desse verbo, aliás, aceitável. Lembrando Haquira Osakabe

[…] a estigmatização das variedades lingüísticas revela, nesse sentido, uma atitude antilinguagem, já que a variação é nuclearmente, estruturalmente, a condição que dispõe a língua para a mudança, a substância de sua própria vitalidade[8].

Logo em seguida, o professor disse à sala como deveria se falar… Sírio Possenti discordaria dele:

Por mais distante que a linguagem do aluno esteja da variedade padrão, ela é extremamente complexa, articulada, longe de ser um falar rudimentar e pobre […]. Se a escola desconsiderar essa riqueza lingüística que a criança traz […], estará pecando pela base, desperdiçando material extremamente relevante[9].

Portanto, considerar a variação lingüística é acompanhar os detalhes interessantíssimos da língua.

Até algum tempo atrás, fala e escrita eram freqüentemente consideradas opostas, segundo Marcushi. Hoje, continuando o autor, são vistas como atividades interativas e complementares, como um conjunto de práticas sociais. A língua se funda em usos que fazemos da língua, e as variações lingüísticas são o produto resultado desses usos[10].

 

Avaliações e exercícios aplicados aos alunos

Continuando o relato como estagiário.

Uma maneira encontrada pelo professor por mim observado de controlar a indisciplina na sala de aula era, muitas vezes, dar vistos e, conseqüentemente, notas nos cadernos de alunos para ver exercícios feitos, por exemplo. Espanto meu é que, em quase todas as salas de aula (cada sala, em média, com quarenta alunos), só cinco, seis pessoas tinham caderno em ordem. Isso quer dizer que certos métodos disciplinares já não funcionam mais. Infelizmente, tal método é muito aplicado por outros professores de outras disciplinas.

As provas parecem ser outra maneira de impor disciplina. Houve uma prova aplicada aos alunos, da matéria referente à formação de palavras (mais especificamente, desinências verbais). Corrigi algumas provas de um primeiro ano do Ensino Médio (da manhã). O resultado foi desastroso. Quase todos os alunos com nota vermelha. Contudo as questões eram “decorebas”, relativas a nomenclaturas referentes a desinências verbais (radical, vogal temática, conjugação de verbos, tempos verbais, etc.). Um exemplo de pergunta: "Quais as conjugações verbais?" — pergunta aparentemente simples. Uma constatação que me chamou atenção, porém, é que a maioria dos alunos respondia corretamente. Parece ser um dado interessante: o de que os alunos dominam, de alguma forma, a matéria dada, embora desatentos.

Outro exercício, usado como reposição de nota, era redação. Só alguns alunos o faziam. Portanto, assim considero, não eram produtores de texto, senão reprodutores de atividades. Segundo alguns alunos — já que nem em todas as aulas eu estive presente — o professor não havia ensinado partes importantes de uma redação. Se seguíssemos a proposta de J. Wanderley Geraldi para a composição de uma redação ("se tenho algo a dizer/ se tenho alguma razão para dizer/ se tenho alguém para quem direi o que tenho a dizer/ se o destinatário para quem direi o que tenho a dizer se constitui como tal"), os alunos saberiam como começar a redigir.

 

Aulas de regência

O objetivo das minhas aulas de regência foi discutir textos literários em sala de aula, por haver, penso eu, a necessidade de os alunos perceberem a importância da leitura. Assim, deu a impressão, com essa forma de trabalho, de que gramática e literatura são duas coisas muito distintas, que, já expostas razões em outro momento, contrariam o PCNEM.

"Recompor a caminhada interpretativa do leitor (que, evidentemente, pode ser o professor enquanto leitor dos textos) exige atenção ao acontecimento dialógico que ocorre no interior da sala de aula[11]" — eis uma reflexão interessante de J. Wanderley Geraldi, que pôde, de alguma forma, ser comprovada por mim em sala de aula.

Enfim, busquei seguir ao PCNEM (orientações educacionais complementares), que pressupõe ser leitor (em sentido amplo) aquele que apresenta uma série de domínios, como domínio do código (verbal ou não), e suas convenções, dos mecanismos de articulação que constituem o todo significativo, e do contexto (aqui entendo como contexto sócio-histórico) em que se insere esse todo.

 

1. Análise do poema "Serenata Sintética"

Nas aulas de regência procurei trabalhar com textos literários. Contudo não eram textos fáceis, pois enganosos em seus pequenos detalhes. Parte desse meu trabalho foi inspirada na leitura que fiz de um texto de Lígia C. Leite.

Eis uma parte desse texto que me chamou atenção, citando a autora Merleau-Ponty:

Para o filósofo francês, não há um texto prévio que a linguagem simplesmente traduz, mas sentidos se produzindo no corpo da linguagem. Para ele, ainda, "as palavras ensinam seu pensamento ao eu que as pronuncia", a expressão vira um "vestígio" e a idéia não é "nunca dada na sua transparência"[12].

Portanto era, a partir da leitura acima, necessário desafiar os alunos. O primeiro texto que me parecia desafiador — e, de fato, foi desafiador — era este:

 

Serenata sintética

Lua

Morta

 

Rua

Torta

 

Tua

Porta

(Cassiano Ricardo)

Poema aparente simples, porém complexo em sua densidade condensada. Agora devo explicar o porquê de desafiador. Muitos alunos — e muitos alunos de todas as salas em que estive, até mesmo exercendo o ofício de professor — perguntaram-me se ia passar um texto longo (creio ser isso um sintoma de longas cópias alienantes a que são submetidos). Disse que o texto já estava na lousa. Espanto geral. Um texto com oito palavras (contando também as palavras do título, claro). O que esse texto quer dizer? O processo mecânico de leitura feito pelos alunos impediu a produção de sentido pelo texto.

Contudo vejo no espanto dos alunos algo de bom, pois eles se obrigaram a refletir sobre sua capacidade de leitura. Enfim, analisamos o texto passo a passo.

Disse-lhes que, para analisar o todo do texto, deveríamos ver suas partes. Comecei pelo título, buscando fazer que eles dessem o significado de cada palavra. A palavra serenata: declaração de amor feita por um homem à amada, em noite de lua cheia (esse detalhe da noite é relevante). Contudo, uma palavra acompanhada de um adjetivo: sintética. Quase ninguém soube explicar o significado desse adjetivo. Mostrei a eles que tal adjetivo vinha da palavra "síntese", explicando com um exemplo bastante elucidativo: "se um professor de vocês lhes disser para fazerem uma síntese do texto, em verdade ele estará pedindo…" — sempre havia um aluno, espantado, que dizia "resumo". Portanto os alunos percebiam, já pelo título, que apenas partes importantes da serenata seriam colocadas no poema. Ainda não era tudo. Por que "Lua/ morta"?

Alguns alunos, de algumas salas, disseram que "lua não morre". Isto é interessante: nas figuras de linguagem temos uma denominada "prosopopéia", ou "personificação" — e aí a minha explicação a eles de que havia a intenção poética de dar um atributo de ser animado, vivo, a coisas inanimadas. Claro, era ainda uma visão interpretativa simplista. A intenção minha era revelar a eles o sentido oculto da palavra "morta". Perguntei a eles se podiam responder-me alguma coisa relacionada a essa palavra. "Tristeza" fora a relação mais feita. Por que tristeza? Sabia que muitos tinham em mente o porquê da "tristeza", mas ninguém, em todas as salas em que estive, soube explicar. Aí revelei a eles que a morte é "ausência" de algo. Portanto poderíamos dizer que a lua morta é, em verdade, lua ausente. Não há lua no céu porque — leitura plausível — é Lua Nova, pois não aparece à noite.

Depois de explicar a primeira estrofe, já ficou mais fácil a segunda — embora houvesse ainda certas complexidades. Que dizer de "Rua/ torta". O nível de abstração de alguns alunos, após as primeiras leituras do poema, permitiu falarem que "torta" poderia significar "curvas". E, assim, pedi-lhes que imaginassem indo à casa de alguém primeiramente por uma rua reta e, depois, por uma rua cheia de curvas. Após imaginarem, perguntei-lhes qual a rua mais fácil para chegar a tal casa. Responderam-me, logicamente, "a rua reta". Então descobriam, assim, que a rua cheia de curvas oferece dificuldades a quem por ela anda.

Alguns alunos acharam que o sujeito (oculto) do poema não chegara ao destino. Pedi-lhes que provassem tal argumento lendo todo o poema. Não apresentando, revelei a eles o fato de, na estrofe última, aparecer o pronome possessivo (adjetivo) " tua ", de segunda pessoa. Há, assim, uma abertura de diálogo que nos revela a chegada do sujeito ao destino por ele desejado.

Também lhes mostrei o fato de que o poema fora escrito no século XX. Isto possibilita explicar a extrema concisão do texto, pois, como havia dito a eles, a literatura, de alguma forma, reflete o momento histórico: o texto parece retratar um século cada vez mais veloz em sua forma.

 

2. Análise do poema "SALDO"

Eis o poema segundo analisado em todos os primeiros anos do Ensino Médio do professor a quem observei:

 

Saldo

a torneira seca

(mas pior: a falta

de sede)

 

a luz apagada

(mas pior: o gosto

do escuro)

 

a porta fechada

(mas pior: a chave

por dentro)

(José Paulo Paes)

Outro texto curto, complexo. Como começar? Se pelo título, os alunos já associavam à conta bancária. Portanto saldo é diferença entre crédito e débito.

Após o título, o corpo do texto. A primeira coisa que lhes perguntava era se percebiam algumas características interessantes do texto. Poucos alunos diziam que uma das características por eles percebidas era a repetição do "mas pior". A partir daí começava eu a chamar a atenção para algumas características não mencionadas. "A torneira seca" é um dado de realidade.

"Não há água, portanto", ressaltava eu, vendo nos rostos dos alunos certa perplexidade com tamanha descoberta. Descoberta explicável depois, em outros versos. Contudo, o verso posterior (mas pior) parecia mostrar certa adversidade em relação ao dado anterior. Se a torneira está seca, logo concluímos que deveria haver água. Assim começávamos a ver o sentido da adversidade. Explicava eu que era pela conjunção "mas". E dava exemplos de conjunções como estes:

"Ele correu e pegou o ônibus" (1)

"Ele correu, mas não pegou o ônibus" (2).

No exemplo (1), a intenção de quem corre é pegar o ônibus. Uma ação se soma a outra ação. Portanto, a conjunção " e ", aqui no caso, é aditiva — assim explicava a eles. Já no exemplo (2), a intenção de correr para pegar o ônibus não se concretiza, ocorrendo algo contrário ao desejado. Portanto a conjunção "mas" é adversativa.

Isso tudo que fazia era para que eles pudessem aplicar alguns conceitos gramaticais ao texto em análise. Conceitos gramaticais sem o peso de nomenclaturas desnecessárias, como "oração coordenada sindética adversativa", lembrando aqui Sírio Possenti:

Espero que se concorde que essa aula de gramática, e é um tanto irrelevante se, para ministrá-la, usa-se ou não terminologia técnica. Eu sugeriria que se falasse normalmente em concordância, em verbo, em sujeito, em pronome, em plural etc., sem que a terminologia fosse cobrada, de forma que, eventualmente, ela passasse a ser dominada como decorrência de seu uso ativo, e não através de listas de definições[13].

Às vezes, para ver a reação dos alunos, falava de alguma nomenclatura gramatical, e isso fazia que os alunos ficassem levemente assustados.

Esse "mas" do texto, explicava-lhes, revela-nos uma triste aceitação das coisas — aceitação negativa, visto que os versos "a torneira seca" (não há água), "a luz apagada" (não acesa) e "a porta fechada" (não aberta), evocam a palavra "não", sem precisar o poeta escrevê-la.

Portanto os alunos viam que o texto falava de coisas negativas, seguidas de uma aceitação dessas coisas negativas. Uma informação curiosa, explicava a eles, era que o poema fora publicado em 1971, época de chumbo da ditadura militar. Mas, dizia eu, muitas pessoas não se importavam com a falta de liberdade, contentando-se em esperar acontecer o milagre econômico. E, novamente, buscava reforçar a tese de que a literatura é, de alguma forma, reflexo da realidade sócio-histórica.

 

3. Análise do poema "Poema da purificação"

"Eis um poema narrativo do mais estranho mistério", dizia eu aos meus alunos. "Fosse enigma, seria muito mais fácil interpretá-lo. Todo enigma exige decifração, e todo mistério é indecifrável, que exige apenas culto e adoração", citando eu a uma frase de J. A. Pasta Jr. "Que mistério há aqui?", perguntava-lhes.

Devo dizer que muitos acharam a esse poema "bobo", "sem graça" — parece tão simples. Muitos alunos não lêem com profundidade, e imaginação um texto. Talvez ninguém lhes tenha ensinado o ato de ler; e, claro, meu trabalho parecia inútil.

 

Poema da purificação

Depois de tantos combates

o anjo bom matou o anjo mau

e jogou seu corpo no rio.

 

As águas ficaram tintas

de um sangue que não descorava

e os peixes todos morreram.

 

Mas uma luz que ninguém soube

dizer de onde tinha vindo

apareceu para clarear o mundo,

e outro anjo pensou a ferida

do anjo batalhador.

(Carlos Drummond de Andrade)

Contextualizava, assim, o texto: dois anjos entram em constantes combates. Um é bom (todo anjo é bom — eis uma redundância), e o outro, mau (paradoxal qualidade, pois anjo mau?). Depois de muitos combates, finalmente o anjo mau é morto pelo anjo bom, e seu corpo (estranho dizer "corpo", pois anjos são tidos como "seres espirituais") jogado em um rio, — rio cujas águas ficam impuras de sangue, matando, conseqüentemente, os peixes.

Uma luz misteriosa, contudo, aparece para clarear o mundo — até então, não há descrição precisa da escuridão, pois o poema relata (presença predominante de verbos em tempo passado), ao leitor o fim de um combate. Um terceiro anjo entra na história pensando a ferida do anjo batalhador.

"Parece um poema simples? Até aqui, tudo bem. A quem, porém, se refere o 'batalhador'? (Lembremos-nos de que essa palavra — aquele que batalha, aquele que luta — pode se referir ou ao anjo bom, ou ao anjo mau). Eram dois anjos batalhadores…" Via nos alunos já uma certa inquietação…

Se "batalhador" se referir ao anjo bom, estaremos presenciando o triunfo do Bem, e o sofrimento de quem luta por esse triunfo; se ao anjo mau, estaremos presenciando, lembrando aqui o título do poema, não só o triunfo do Bem, como também a purificação de um ser pela morte e a compreensão do mais puro mistério divino. Mistério divino, e da poesia — dissera-lhes…

Usei este texto para mostrar como o poeta desconstruiu certas idéias do nosso imaginário. São frames (quadros) — "modelos globais que contêm o conhecimento comum sobre um conhecimento primário (geralmente situações estereotipadas)[14]". Assim, os anjos do poema, por exemplo, são humanizados, e não seres espirituais tão bem imaginados por nós, explicação minha aos alunos.

E, assim, provava a eles a importância de dominar a linguagem, lembrando-me de Lígia C. Leite,

[…] a linguagem não é só pensamento. A linguagem, assim entendida, não é automática, mas intencional, não mero estoque de palavras (ou regras), mas um modo de usá-las, um trabalho [15] . (Grifos da autora)

Creio terem sido produtivas as minhas aulas de regência, mesmo que em alguns alunos não tenha eu despertado interesse.

 

Conclusões, intervenções…

Algumas idéias foram por mim sugeridas a muitos professores de língua portuguesa com quem convivi, ao longo do estágio e do meu exercício de magistério. Ei-las:

1) Dar textos para serem discutidos, e interpretados, em sala de aula. Assim, possibilitaria que os alunos participassem das aulas. Nas primeiras aplicações, claro, se sentiriam a parte, mas se envolveriam nas aulas;

2) Buscar respeitar a variação lingüística de cada aluno —, muitos, em parte, não procuram trabalhar com essas variações;

3) Fazer que os alunos, adquirindo a consciência do que é texto, o produzam; e, em seguida, troquem suas redações com os outros que leram e entenderam. Se dúvidas de leitura surgirem, devem ser debatidas e, necessitando, corrigidas.

Assim, exercícios de leitura e produções de textos são importantes não só para o desenvolvimento do aprendizado dos alunos como potenciais conhecedores de toda a base cultural da nossa história, mas também para a formação de indivíduos críticos capazes de transformar a própria história.

 

Notas

[1] Cf. REGO, Teresa Cristina. "Configurações sociais e singularidades: o impacto da escola na constituição dos sujeitos". In: KOHL, Marta; SOUSA, Denise Trento R. (orgs.). Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea, 2002, pp. 47-76.

[2] Apud. REGO, Tereza Cristina. "A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana". In: AQUINO, Júlio G. (org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 1996, p. 91.

[3] Em documento oficial, disponível pela página virtual do MEC, de análise ao PCNEM de Literatura, Haquira Osakabe e Enid Yatsuda falam — sugerindo — de precariedade de formação pedagógica dos professores de muitas faculdades particulares, falta de material pedagógico, despreparo de alunos para a situação escolar etc. Cf.: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/03Literatura.pdf.

[4] DUBET, François. "Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor". Entrevista com François Dubet. Revista Brasileira de Educação, ANPED, São Paulo, n. 5 e 6, p. 223.

[5] Apud. REGO, Tereza Cristina. "A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana", op. cit., p. 101.

[6] Cf. VAL, Maria da Graça Costa. "Atividades de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental". In: ROJO, Roxane & BATISTA, Antonio Augusto G. (orgs.). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura de escrita, 2003.

[7] Cf. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola, 1996, p. 83.

[8] OSAKABE, Haquira. "Linguagem e educação". In: MARTINS, Maria Helena (org.). Questões de linguagem, 2004, pp. 8-9.

[9] POSSENTI, Sírio, op. cit, 1996, p. 83.

[10] Cf. MARCUSHI, L. Antonio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização, 5ª edição, 2004.

[11] Cf. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem, 4ª edição, 2003.

[12] LEITE, Lígia C. M. "Gramática e literatura: desencontros e esperanças". In: GERALDI, J. Wanderley (org.). O texto na sala de aula, 3ª edição, 2004, p. 22.

[13] POSSENTI, Sírio, op. cit., 1996, p. 90.

[14] FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais, 10 ª edição, 2004, p. 65.

[15] LEITE, Lígia C., op. cit., 2004, p. 23.

 

Referências bibliográficas

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 4ª edição, 2003.

_________. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 3ª edição, 2004.

MARTINS, Maria Helena (org.). Questões de linguagem. São Paulo: Editora Contexto, 7ª edição, 2004.

MARCUSHI, L. Antonio. "Oralidade e letramento". In: Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 5ª edição, 2004, pp. 15-43.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: ALB/ Mercado de Letras, 1996.

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 10ª edição, 2004.

ROJO, Roxane & BATISTA, Antonio Augusto G. (org.). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura de escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.

DUBET, François. "Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor". Entrevista com François Dubet. Revista Brasileira de Educação, ANPED, São Paulo, n. 5 e 6, 1997, pp. 222-231.

REGO, Tereza Cristina. "A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana". In: AQUINO, Júlio G. (org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996, pp. 83-101.

_________. "Configurações sociais e singularidades: o impacto da escola na constituição dos sujeitos". In: KOHL, Marta; SOUSA, Denise Trento R. (orgs.). Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Editora Moderna, 2002, pp. 47-76.

"Literatura". Documento disponibilizado pela página virtual do MEC: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/03Literatura.pdf. (acesso: 01/05/2006)

PCNEM.

   

 

Ingrid Nardeli 

 

Introdução

Este texto é resultante do estágio que fiz em uma escola estadual localizada na cidade de São Paulo, a qual possui aproximadamente mil e oitocentos alunos matriculados no Ensino Fundamental e Médio, bem como EJA, divididos pelos três períodos: matutino, vespertino e noturno.

Oitenta e um funcionários fazem parte dessa instituição sendo que sessenta e oito deles são professores.

Há uma cantina, um pátio, uma Biblioteca, uma sala dos professores, uma quadra poli esportiva, uma sala de informática, outra de vídeo e um laboratório. Essa escola participa de atividades que envolvem a comunidade realizando em sua dependência a “Escola da Família”, oferecendo cursos e jogos entre pais, estudantes e moradores do bairro, além de participar de projetos de reciclagem e voluntariado.

 

A professora e as turmas

A professora com quem realizei o estágio tem trinta e oito anos e leciona há vinte anos. Ela se formou no curso de Letras (Português/Inglês), em uma faculdade particular e depois fez um curso de complementação pedagógica. Atualmente, está cursando Pós Graduação Lato Sensu à distância em Educação Especial em outra faculdade particular.

A professora também já lecionou em Escola da rede particular, entretanto, quando passou no concurso público optou pelo ensino na rede pública. Em 2005, passou em um concurso da prefeitura e hoje dá aulas nas sétimas séries de uma escola da Prefeitura no período vespertino.

O meu estágio consistiu em observar três turmas do terceiro ano do Ensino Médio à noite: TA, TB, TC.

A TA possui quarenta e oito alunos na lista de chamada sendo que desses, quatro foram transferidos. Apesar dessa quantidade, esses alunos não iam constantemente às aulas. A média que encontrei foi de trinta alunos por aula. Essa era a turma “classificada” como bagunceira e, quando fiz a regência, percebi que eles não respeitam a hora em que o professor fala.

A TB conta com quarenta e sete alunos na lista oficial, porém doze desistiram. Os alunos são apáticos. Enquanto a TA bagunça, a TB não participa e dificilmente há muitos alunos na sala, onde nem as piadas são feitas com freqüência. Mesmo os professores não gostando muito das “graças” em sala de aula, espera-se um pouco de descontração. Mas os alunos dessa turma não respondem dessa forma.

A TC é a turma mais engraçada. De maneira geral, não há desrespeito e, apesar de não expressarem muito conhecimento, respondem às perguntas, lêem os textos em voz alta quando a professora pede, etc. Parece existir um relacionamento de aceitação entre professor e aluno. Na chamada há quarenta e sete alunos e, entre esses, dois foram transferidos.

Algumas características se referem aos três terceiros anos. Entre elas, o costume de sentarem-se em grupos, dando a volta na sala. Assim, quase não há alunos no meio da sala, porém eles se sentam no fundo e nas laterais. Se todos os alunos da chamada freqüentassem a escola, as carteiras não seriam suficientes a todos.

A maioria trabalha durante o dia, sendo poucas as exceções. Durante a observação, percebi o uso de celulares para ouvir música e tirar fotos. Os jovens também usam o aparelho de som no ouvido freqüentemente. Há algumas garotas que já são mães.

 

Projeto de pesquisa

Nosso estágio assume um caráter de pesquisa na escola, de modo que, para além do registro durante as observações e do relato da regência, uma de nossas tarefas é destacar algum tópico que nos pareça merecedor de uma investigação mais demorada. Assim, tendo a Língua Portuguesa como objeto de estudo e sabendo que ela se constrói na prática e que os sujeitos se constituem na interação, resolvemos pesquisar o modo como a professora a usa na construção do seu discurso delineando a cultura que se estabelece na sua sala de aula.

Sendo esse um tema muito amplo, procuramos enfocar o trabalho em apenas um aspecto e escolhemos aquele que foi recorrente em sala de aula: as marcas freqüentes no discurso da professora que deixava clara a não obrigatoriedade do aluno comparecer à escola em alguns dias.

Essa postura foi adotada desde um dia em que havia jogo do São Paulo e entrega de trabalho. A pedido dos alunos, ela adiou a entrega do mesmo, já que eles não iriam a escola alegando que assistiriam ao jogo pela televisão ou, alguns, indo ao estádio.

A professora falou:

“- Quem vir na quarta, entrega.

- Ninguém vai vim – falou o aluno.

- Se o São Paulo jogar é ponto facultativo – acrescentou um outro”.

Em um primeiro momento pode-se considerar a atitude adotada como uma tentativa de estabelecer uma relação tranqüila entre aluno e professor. Porém, o fato de ter desmarcado a data de entrega, favorecia a ausência dos alunos.

Ela diz: “-Pessoal, olha, o trabalho foi remarcado para a aula depois do jogo. Como não é prova, é só um trabalho, então vou deixar entregar depois.”

Aos poucos, notei que em dias de campeonato na escola ou nos quais teriam menos aulas do que o normal, a postura adotada foi a mesma.

Em uma das aulas, os alunos perguntaram se no dia seguinte haveria aula, já que metade do período seria campeonato. A professora comenta “Vai ter aula. Só as duas primeiras. Depois, é jogo. Se vocês vierem, eu vou dar aula, né?”.

O uso do condicional “se”, indicava que se não fossem à aula, ela não daria matéria. Ou seja, a ausência não seria um problema, pois eles não perderiam matéria. É claro que a professora não diz isso explicitamente até porque já é do conhecimento partilhado e aceito que um professor não pode incentivar o aluno a não ir à escola; ao contrário, deve estimulá-lo a estudar e, sendo assim, existe a ligação entre estudo e escola, ainda que, muitas vezes, essa relação não seja concretizada.

Um pouco depois, há a confirmação de que se pode faltar:

“-Posso faltar amanhã? – outro aluno perguntou.

- Assim, eu não posso falar “falte”. – ela respondeu.

- Aê, professora – eles riram.”

Dessa maneira, há um acordo não explícito entre aluno e professor. Ela não os orienta diretamente a não irem para a escola, mas eles entendem que não precisam.

Na realidade, existe a hipótese de que a realização de campeonatos sob a justificativa de integração seja um desculpa para não haver aulas. O professor não pode faltar, mas se o aluno não comparece, o profissional pode usar esse tempo para corrigir tarefas, organizar o trabalho ou, simplesmente, não dar aula. Há a idéia de que se poucos alunos estão na sala, o professor não pode ensinar nada novo, embora seja comum comuns as reclamações de que as salas têm muitos alunos e de que os alunos, de modo geral, não dominam os conteúdos ensinados.

Esse pensamento foi comprovado quando eu estava na sala dos professores. Em vista de um feriado prolongado, um professor estava tentando organizar um campeonato de futebol e vôlei no dia que antecederia o mesmo. Todos os professores o apoiaram e já disseram que não iria muita gente para a escola mesmo. Mas, seria interessante pensar que quando o aluno souber que o professor não participa mais desse “acordo” de não haver aula, o aluno irá à escola, pois saberá que o professor passará atividade.

Em alguns casos, o discurso de não haver aula acaba sendo feito por justificativa do descanso do aluno:

“- No Conselho de Classe de vocês, vocês têm que vir. Os outros dias, eu acho que vocês deveriam aproveitar para descansar, porque depois é trabalho atrás de trabalho. É o último bimestre”.

Como se pode ver há vários caminhos pelos quais o aluno é aconselhado a ficar em casa. Cabe dizer que a professora não obriga ninguém a fazer isso, porém, o aluno não quer estudar nem quando vai para a escola e quando sabe que não haverá matéria nova já se considera liberado da sua “obrigação”, ainda mais sabendo que se a maioria dos alunos faltar, a professora é obrigada a dar presença a todos.

Portanto, a professora usa tons, palavras condicionais ou “meias palavras” em seu discurso visando declarar a não importância de comparecer à escola em alguns dias. Se não há necessidade, para que a escola declara como dia letivo?

 

Considerações sobre o tipo de leitura e avaliações

Sob a mesma visão de que houve um incentivo da parte da professora aos alunos para que os alunos não freqüentassem as aulas, no âmbito do ensino da Língua Portuguesa também existiu um incentivo à leitura superficial, visto que essa respondia a uma exigência formal que era a da prova.

Tal situação se comprovou desde o primeiro dia de estágio, quando a professora pediu que lessem o livro “ A hora da Estrela” , de Clarice Lispector.

Durante o bimestre sempre lembrava aos alunos da obrigatoriedade dessa leitura:

“- Gente, as notas do bimestre serão: as redações, o trabalho das vanguardas e o livro.

- Que livro?

- A hora da Estrela.

- Michele, você pode recolher 0,10?

- Olha, professora, eu nem li esse livro.

- Eu já passei faz tempo.”

Entretanto, percebi que a razão de ter dado esse livro foi apenas para fazerem a prova. Todas as vezes as quais se referiu à leitura dizia que faria parte de uma nota deles. Devemos considerar que o estudante, de modo geral, só realiza algumas atividades sob pressão e porque vale nota, mas pensei que ainda assim haveria um trabalho em torno do livro. Idéia que não se realizou, visto que depois da prova não houve nenhuma atividade de recuperação de leitura ou discussão do livro. A própria justificativa que a aluna deu para ter lido o livro foi “Li a pedido da professora de Português devido a uma avaliação que ela iria dar”.

As perguntas da prova eram concernentes à temática do livro, ao resumo, às características das personagens. No dia da entrega das notas, eles apenas receberam a prova corrigida. Não houve nem a correção oral ou retomada, pelo menos, das questões que caíram na prova.

Muitos alunos não leram o livro e, um dia antes da avaliação, ela os aconselhou a lerem o resumo para saber do que se tratava e conseguirem fazer a prova. Bem, o estímulo à leitura não foi dado.

Aqueles que o leram consideraram chato e apesar da professora não ter obrigação de convencer o aluno de que o livro seja interessante, ela poderia ter mostrado algumas características ou detalhes que uma leitura ingênua não tenha captado. Talvez assim, mudaria a idéia daqueles que leram ou mesmo os faria ter uma opinião mais sólida ainda por meio de argumentos e não apenas de “é muito besta esse livro”.

Dessa maneira, percebemos que tanto o estímulo para faltar as aulas quanto o não adentrar no universo da leitura são posturas que tendem a evitar a construção mais efetiva e eficaz do aluno com o conhecimento.

Ainda nessa visão de análise textual pode-se também analisar o tipo de leitura que os alunos realizam de um texto. Podemos considerar três níveis de leitura : interpretativo (quando o leitor apreende o que está escrito no texto e consegue analisá-lo coerentemente), parafrástico (quando ocorre a leitura supérflua e o leitor é capaz apenas de reproduzi-lo com as suas palavras) e extrapolativo (quando a leitura vai além do que é coerente na situação do texto).

No dia em que a professora aplicou a prova, uma garota queria confirmar se havia entendido o livro. Ela começou sua resposta assim: “Eu entendi que...” e continuou recontando a história da personagem Macabéa. Ao final, eu disse a ela que o que acabara de ouvir era apenas o “recontar” do enredo. Ela me respondeu: “ - Então, mas foi só isso o que entendi.” . Por meio deste acontecimento, pode-se associar a sua leitura ao nível parafrástico, ou seja, aquele em que o leitor apenas faz uma paráfrase do objeto de leitura, e não alcança o nível analítico um pouco mais profundo. Isso também pôde ser visto quando entrevistei os alunos sobre os livros que haviam lido recentemente. A maioria respondeu “A hora da estrela” porque era uma leitura obrigatória. Conversei com alguns e pedi que me dissessem o que haviam entendido. As respostas foram: “Que ela era uma pessoa que não fazia nada e veio do Nordeste” Outro fator de destaque se refere aos “vistos” que a professora dá no caderno. Para conferir se os alunos estão copiando a lição e fazendo as atividades do livro, a professora olha as lições feitas e para cada uma dá um ponto positivo. Ao final do bimestre, esses pontos equivalem a uma parte da nota. Porém, esses pontos positivos são ilusórios, pois não comprovam se o aluno fez a atividade, já que muitos copiam daqueles que já entregaram, já que a professora não tem tempo de olhar caderno por caderno conferindo as respostas. Assim, muitos passam a aula inteira sem fazer a lição e depois, pegam o caderno do outro e copiam as respostas e ganham positivos, pois eles têm o direito de recebê-lo. Penso que nesse caso, podem ser considerados dois aspectos: o primeiro se refere à falta de interesse do próprio aluno em aprender, já que ele mesmo se engana copiando a lição dos colegas. Penso que eles não vêem objetivo algum em fazer essas tarefas. A preocupação é apenas com a nota. E se de um lado tem essa “malandragem” do aluno, de outro existe a aceitação de que o aluno faça isso. Ora, o professor sabe que muitos estão copiando e o que faz? Vale ressaltar que eles são tratados como adultos, eles trabalham e alguns até têm filhos, então penso que não seja obrigação da professora ensinar o que é correto ou não. Porém, sabendo que essa checagem de lição é falsa em muitos casos, qual seria o motivo para continuar fazendo isso?

Esses positivos, muitas vezes, ajudam a aumentar a nota do aluno e a provocar a sensação de aprendizado. Não importa se as atividades estão certas ou não, nem se o aluno corrigirá ou não essas lições, o que importa é que eles já ganharam uma parte da nota e, se têm o positivo, concebem a idéia de que aprenderam o conteúdo.

A professora falou que dá o positivo para ver se dessa forma eles fazem as lições. De alguma maneira isso pode incentivá-los por um tempo, mas é uma nota falsa para a maioria. Acho que um dos caminhos para continuar com essa prática, mas talvez, tornando-a um pouco mais eficiente seja dando o ponto positivo apenas na aula em que passou a atividade e não permitindo que o aluno tenha duas aulas para fazê-las, mesmo porque, com exceção de apenas duas vezes, ela nunca passou exercícios compridos demais. No entanto, a desculpa de usar mais uma aula para fazer os exercícios funciona como perda de tempo e mais um dia sem ela dar aula. Assim, se ela corrige a lição no fim da aula, só não aceitará dar esse positivo depois de ter feito a correção, mas aceita o caderno daqueles que entregaram até o meio da aula. A maioria desses que entregaram o exercício na aula seguinte, ainda que um pouco antes da correção, copiou a lição do outro.

Pude ver isso na minha regência. Passei uns exercícios sobre crase e os alunos tinham uma aula inteira para fazê-los, mas alguns só conversaram. Então, um pouco antes de corrigi-los, uma garota copiou as respostas da sua amiga e me entregou. Eu tive que vistar o exercício e dar o ponto positivo.

Outra característica das aulas é a perda de tempo.

As aulas, à noite, têm duração de quarenta e cinco minutos, mas há duas ocasiões em que os professores demoram bastante para entrar em sala: na primeira aula e depois do intervalo. Teve um dia em que entrei na sala quinze minutos depois do sinal ter tocado.

Esse fator ainda é acentuado nas aulas em que a professora os deixa fazendo os exercícios que não terminaram, dias de fechamento de média em que não existe aula (isto é, os alunos vão até a escola, mas a professora apenas fecha as notas), o espaço de tempo em que ela coloca algo na lousa e dá um bom tempo para eles copiarem, então só no final do período ela explica a matéria. Ou seja, todas essas “enrolações” fazem com que o ritmo noturno seja bem diferente.

Como no primeiro semestre o estágio foi realizado à tarde nas quintas e sextas séries, percebia as turmas caminhando mais rápido, o ritmo era acelerado e eram raros os momentos em que os estudantes não tinham nada para fazer. Essa realidade é inversa no terceiro ano do período noturno.

Parece que existe um acordo entre professores e alunos. Não algo formal e direto, mas um acordo implícito, isto é, o professor já sabe que muitos dos alunos estão cansados e com sono, já que trabalharam o dia inteiro. Por outro lado, os estudantes também têm conhecimento de que o professor deu aulas em outras escolas e que, na maioria das vezes, também está exausto.

Dessa forma, a partir desse conhecimento de ambas as partes, existe a aceitação de que não se tenha aula, mesmo estando na escola. Cabe considerar que esse jogo é perigoso e quem está fora da situação (o estagiário, por exemplo) pode cair na “armadilha”.

Em muitas ocasiões, se os alunos falaram que não fizeram a tarefa proposta, ela os deixou outra aula para eles terminarem, mesmo sabendo que esses alunos foram os que brincaram e não fizeram nada na aula anterior: 

“- Bem, vocês fizeram os exercícios? – perguntou a professora.

- Não.

- Eu vou vistar os cadernos.

- Não, professora.

- Fica para fazer agora então. Eu visto e a gente corrige amanhã.”.

Na aula da TC do dia 21/08/2006 seria a entrega das redações, as quais haviam sido pedidas desde o começo do bimestre. A aula serviu para a recolha das redações e aqueles que ainda não tinham feito tiveram oportunidade de escrevê-las. Mas, esse fator alia-se às aulas dos exercícios, à demora em se explicar um conteúdo, aos dias em que não têm aula e assim, somando tudo isso, perdeu-se muito tempo e por isso, a matéria do ano todo, que já é difícil de dar em apenas quatro aulas semanais, torna-se uma ilusão.

É interessante que o aluno vê esse tempo que não está preenchido como ócio e faz outras coisas que não seja estudar, mas então a professora para proteger a sua face e se afirmar como alguém que não está enrolando, ameaça corrigir os exercícios, por exemplo, a aula na TC, no dia 12/09/06:

“- Boa noite! Pessoal, vou vistar os exercícios da última aula.

- E quem não fez?

- Vai fazer agora e me mostrar.”

Os alunos levaram o caderno até a professora.

De vez em quando ela dizia: “Estou com uma vontade de corrigir”. Então, eles comentavam: “Não.”

O tempo em que muitos estão sem fazer nada precisa ser caracterizado como útil, então ela usa o discurso:

“- Ô turma, quem não está fazendo nada dá uma olhada na matéria e se tem alguma dúvida vem perguntar para mim. Aproveita o tempo. Olha a chamada.”

Chega a ser engraçado quando ela pede que os alunos aproveitem o tempo porque é o oposto do que a própria professora está fazendo.

Essas características provocam um ritmo bem lento na produção e no conteúdo transmitido, porém esse é o ritmo ao qual os alunos já estão adaptados, embora ache que isso poderia mudar. Na verdade, existe um comodismo de ambas as partes.

Pode ser esse dado que permita ao aluno, em todas as aulas, fazer um convite ao professor para não fazerem nada. A quantidade de vezes em que ouvi isso me deixou impressionada:

“- Hoje, nós vamos fazer assim...

- Nada – os alunos responderam.

- A Ingrid vai passar a correção na lousa. Vocês corrijam, hein. Confiram no caderno. Se tiver alguma dúvida, pode vir me perguntar.”

Esse ritmo é um paradoxo em relação àquelas aulas em que os exercícios são corrigidos oralmente. Uma aula quase não é suficiente visto que para responder às questões, os alunos precisam ler os trechos dos textos que há no livro.

Mas, talvez, essa seja a oportunidade em que melhor se aproveite o tempo porque, principalmente na parte de Literatura, a matéria é muito teórica. A única vez em que ela leu poesia ou trechos de obras literárias foi na primeira aula a que assisti. Nas outras o esquema funcionou diversamente. Por exemplo, a aula sobre o Pré-Modernismo no Brasil consistiu em dar as características de cada autor e citar as obras que eles escreveram. O encontro com o texto se deu apenas nos exercícios e foi na correção que ela os explicou de forma prática. Assim, a aula de correção é mais produtiva do que as outras ainda mais porque ela retoma alguns pontos já vistos em aulas anteriores.

Por isso, a escolha de apenas escrever a reposta na lousa, como fez em algumas aulas, priva o aluno de aproveitar o conhecimento da professora, porque ele apenas copia tudo o que foi escrito no quadro. Segundo ela essa decisão acaba sendo tomada pelo desinteresse do aluno em aprender.

Penso que em muitas vezes é difícil manter o seu papel de professor vendo que os alunos não correspondem a nada, entretanto, o profissional ainda está recebendo o seu salário para isso, então, mas do que dever explicar, é sua obrigação.

Uma das coisas que tive que realizar no estágio, foi uma atividade em que os alunos deveriam ler uma reportagem e escrever um artigo de opinião a respeito do tema, visto que a professora já tinha passado as teorias da dissertação, argumentação e opinião. Essa lição, na verdade, era a realização de um dos requisitos que outro professor deveria cumprir já que estava fazendo o curso Ensino em Rede. Ele pediu à professora que aplicasse tal atividade e ela me repassou.

Porém, tudo perdeu o objetivo. Foram concedidas a mim duas aulas para eu aplicar o texto sobre História em Quadrinho (HQ) que envolve a Ciência e a Ficção científica , elaborar cinco questões que envolvessem a compreensão textual e ainda, em uma aula deveria ser produzido pelos alunos o artigo de opinião.

Para começar, eu não achei o tema muito adequado. Poucos entenderam o que significava esse uso da ciência na construção dos personagens de HQ. Além disso, a reportagem era grande, cheia de argumentos de autoridades, opiniões diversas e exemplos de história das quais eles nunca ouviram falar.

Não acredito que eles devam ler apenas sobre aquilo que já é difundido, entretanto para produzir um artigo de opinião é necessário ter uma opinião, para que ela seja formada é necessário estar em contato com o assunto. Isso fugiu ao extremo em relação ao conhecimento e prática de leitura dos alunos. Eles encontraram dificuldades até mesmo para reconhecer as justificativas pelas quais os autores defendiam ou não processos científicos nas histórias.

Dessa maneira, as redações que consistiam em defender a opinião do aluno sobre o usar ou não Ciência nas Histórias em Quadrinhos se justificavam com argumentos que acabaram se tornando respostas:

“Se não fosse colocado a ciência nos Quadrinhos ele perderia a graça porque a maioria deles que fazem sucesso hoje dependem da ciência por exemplo o Batman.Sem sua tecnologia de ponta ele não passa de um homem de preto com uma capa,

Enfim, todos os desenhos que dependem de ciência e tecnologia perderiam a graça” .

Nesse texto que o aluno escreveu não existe argumentos, nem a estrutura de um artigo e a mesma coisa que ele disse no primeiro parágrafo, foi dita no segundo. Até a pontuação está errada.

Eles pouco entenderam o tema, pouco se interessaram em construir as estrutura correta de um texto, já que alguns me entregaram apenas um parágrafo e a atividade perdeu o objetivo. Mais tempo que não foi aproveitado.

Fora isso, a atividade proposta teria um contexto de preparar o aluno para o texto, levantar uma discussão, reconhecer alguns elementos textuais, reconhecer as vozes das opiniões para que ao final tudo, os frutos da experiência se convertessem nos artigos deles. Porém, o tempo não era suficiente e, sendo assim, a proposta não atingiu seu objetivo.

Seria necessária uma aula para o levantamento dos dados desses textos, onde as redações seriam devolvidas para correção e discussão com o objetivo de melhorá-las. No entanto, sem esta reflexão sobre a escrita, o aluno apenas verifica sua nota e joga o texto no lixo. E sem a reflexão o questionamento que permanece é: O que melhorou na escrita e argumentação do aluno?

 

Conclusão

Por meio do estágio de observação percebi algumas características no discurso da professora que transmitem a idéia da não necessidade de comparecer à escola em alguns dias. Esse fator põe em risco a seriedade da instituição escolar e ainda permite ao aluno conduzir o seu estudo de forma menos séria.

Essa visão é acentuada a partir de momentos durante as aulas em que se perde muito tempo no ócio. Ou seja, os professores demoram a entrar na sala, dão muito tempo para fazer os exercícios propostos, permitem que o aluno faça na sala trabalhos que foram para casa e assim, o ritmo de aula diminui. Esses fatores acarretam uma menor produção em sala de aula e menor transmissão de conteúdo.

Esses problemas se unem à leitura superficial proposta pela própria professora, pois se o livro pedido não foi retomado por ela, subtende-se que qualquer conhecimento mais profundo a respeito do mesmo não será partilhado com os estudantes o que evita uma relação eficaz e estimulante do aluno com o universo literário e, por conseqüência, com o próprio conhecimento.

Outro fator interessante é a ponto positivo dado aos alunos que fazem as tarefas pedidas. Eles compõem uma parte da nota. Assim, os alunos seriam estimulados a fazer a lição. Entretanto, essa estratégia não é eficiente, pois muitos copiam a lição dos colegas. Assim, não existe a garantia de que o aluno exercitará a teoria lecionada.

Entre essas considerações, cabe dizer que o professor não se sente estimulado a dar aula. Na verdade, por não ganhar muito, o profissional se responsabiliza por muitas aulas e não dá conta de manter a disposição e o tempo necessário no preparo e condução das mesmas.

A professora com quem fiz estágio estava, muitas vezes, cansada e preferia passar exercícios para eles fazerem sozinhos. Houve distância entre a teoria e a prática principalmente na matéria de Literatura já que os textos de obras não eram lidos com os alunos. Ela afirmava que os alunos não estavam interessados em aprender e isso pôde ser visto em muitos casos, como, por exemplo, as respostas que eles davam, o pedido para não haver aula, a não realização das lições.

Todos esses fatores contribuem para um acordo implícito na relação entre aluno/professor para que as aulas fossem conduzidas sem profundidade. Essa foi a realidade dos terceiros anos do Ensino Médio no período noturno, na escola onde foi realizado o estágio.

Penso que essas características sejam reflexos dos problemas que a Educação sofre no Brasil. O governo não destina capital suficiente para a formação de professores, manutenção das escolas, aquisição de material, sendo assim, o professor se vê em uma situação em que deve trabalhar em vários lugares. Devido ao desgaste físico, emocional e intelectual não desempenha bem o seu papel em alguma instituição. Dessa forma, o aluno não se sente estimulado, tendo em vista o seu cansaço do trabalho que realizou o dia todo e, por isso passa a imagem de quem não quer aprender. Esse conjunto torna-se muito mais do que um círculo vicioso. Ele se transforma em uma justificativa de todos os lados para que cada um não desempenhe o seu melhor papel na sociedade.

Cabe enfatizar que essas considerações são feitas de maneira geral, pois ainda há alunos que fazem as tarefas, que têm interesse em questionar alguns livros com a professora e que freqüentam as aulas com o objetivo de aprender e não apenas tirar nota.

Portanto, a Escola ainda é a instituição que deve ser preservada, pois ali se formam cidadãos. Pode ser que nem todos tenham essa consciência, mas cada um deve desempenhar o seu papel da melhor maneira possível. Mas, é preciso não se conformar com esse caos nem compactuar com ele.
 
   

 

Rafael Barreto do Prado

 

"Acabou vendo Joan Brossa 
Que os verbos do catalão 
Tinham coisas por detrás 
Eram só palavras não."
(João Cabral)

 

Introdução

Este trabalho é o relato e a análise da experiência de estágio da disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I. O olhar se volta à sala de aula considerando os aspectos sociais e estruturais como fatores condicionantes do aprendizado. Contudo, não deixa escapar às vistas as particularidades do conhecimento lingüístico trabalhados no curso de Letras.

A escola em cujo estágio foi realizado localiza-se na cidade de Santo André (ABC paulista), no bairro de Santa Terezinha: E. E. Carlina Caçapava de Melo.

Neste ponto do bairro, encontra-se uma micro-região comercial com padarias, mercados, bancos, grandes imobiliárias, concentrados numa movimentada avenida que contorna uma praça atrás da escola. É vizinho de muro da U.E., o teatro Conchita de Moraes, sede da Escola Livre de Teatro – iniciativa pública municipal.

Essa porção de Santo André é de classe média baixa (o que me preocupa é o significado dessa classificação, mas aceito-a por hora, abrindo mão, infelizmente, do rigor sociológico nessa passagem do texto), sofria há pouco tempo com graves problemas de enchentes. A duas quadras da escola, encontramos a Avenida do Estado, que sufoca o Rio Tamanduateí.

A escola também recebe alunos de outras localidades, como de bairros da Zona Leste paulistana, divisa entre São Paulo e Santo André. Ela possui aproximadamente 920 alunos e conta com 13 salas (incluindo duas de recursos – alunos especiais) para aulas que acontecem em três períodos; o quadro de docentes é formado por 47 membros. Foi fundada em 8 de março de 1951. A escola participa do programa “escola da família”, nos fins de semana recebe a comunidade para várias atividades esportivas (karatê, futebol de salão etc.), promove cursos de informática, artesanato e, ainda promove um serviço de orientação psicológica.

Posto isso, numa tentativa de orientar o leitor quanto a localização espaço-tempo, passemos para a organização do trabalho.

Na tentativa de ressaltar os pontos que avaliei mais importante (dentre eles, alguns devido à recorrência), dividi o trabalho em seis tópicos: “projeto para um Projeto”, que procura avaliar a proposta redigida (por mim) antes da ida ao campo de estágio e sua aplicabilidade; “O demônio da televisão: a formação da corporeidade vista na sala de aula”, relaciona a influência da televisão na questão do corpo, se baseando no livro de Alicia Fernandez (A mulher escondida na professora); “A luta de línguas”, focado na relação entre Português Padrão e o dito Não-Padrão, se valendo, além da observação, de uma aula durante a regência que tratou especificamente do tema; “Quando os alunos olham?”, aponta dois momentos em que os alunos se mostraram mais interessados na aula; “Escala Industrial: o sem sentido da escola”, contesta o número de alunos numa sala de aula e cumpre o papel de conclusão.

 

Projeto para um projeto

A construção do aprendizado em aula: confronto de conhecimentos

Numa sala de aula percebe-se a dificuldade dos alunos em relação à ortografia, ao entendimento de um exercício, à leitura de um texto etc. Isso quando é dada a oportunidade de se perceber as dificuldades, uma vez que para tal percepção faz-se necessário a aula em si. E esta, por sua vez, só acontece quando ambos os elementos – professor e aluno – se colocam à disposição (e em condições) de realizá-la[1].

São fatores fundamentais para que a aula aconteça[2]: o interesse e a atenção do aluno, sem as quais é presenciada a cena ridícula (já que ultrapassa o trágico) do professor falando às paredes ou a alguns alunos das carteiras da frente, enquanto o restante da turma direciona a atenção para outro foco – mais interessante e importante naquele momento (?). Essa é a situação vista e relatada por vários educadores na maioria das escolas do ensino público (médio e fundamental). A situação de desinteresse pode ocorrer por conta da constatação, a principio trabalhada como verdade, de que o aprendido na escola está descolado da realidade no sentido da falta de ser “útil”, “prático” (vale perguntar: pra quem e pra quê?).

Na cena ridícula, os estudantes são coagidos a ouvir a autoridade, a se prestar à atenção, donde a Escola perde seu sentido, pois deveriam se encontrar ali pessoas “interessadas”, dispostas, “tomadas por um querer” e não por um dever.

Para examinar (e, pretensiosamente, propor) algumas maneiras de solucionar tal situação: falta de interesse e atenção, este projeto pretende observar como o educador se apropria do conhecimento prévio do aluno e constrói o aprendizado da aula; levando em consideração as particularidades desse aluno e da região em cuja escola se localiza. Tal construção justifica-se se através disso for evidenciado como a “realidade”, o cotidiano desse aluno, não está descolado totalmente do conteúdo programático oficial . “Do ponto de vista da língua, devem adequar seu dialeto à bela linguagem que não é sua, nem a de seus pais, nem a de sua comunidade, mas a única oficial da escola (...)” [3]. Ao ensinar a bela linguagem, por exemplo, o professor coloca em confronto a realidade falada e coloquial com a norma culta. Para o cotidiano do aluno a manifestação da língua é outra. Assim, o conteúdo programático se “cola” no cotidiano do aluno pela negatividade, o que deveria acirrar as contradições.

Forma-se então uma encruzilhada (acaso seja efetivado o que foi dito até aqui).

As relações sociais, condicionadas pelo momento histórico, produzem um conjunto de valores. Os alunos estão imersos nesses valores, seja por conta da família, da escola, dos amigos ou das mídias de massa . “Acusam então os programas, os alunos ou os próprios colegas de profissão. Entretanto, por sua formação e por causa das exigências do contexto em que a escola está inserida, não deixam de transmitir certos valores aos alunos, dia após dia, ano após ano, através de certas práticas pedagógicas: a aprendizagem do sentimento de inferioridade, da submissão, a aprendizagem do ‘cada um por si', da competição, do respeito do status quo, da ordem estabelecida por outros, do medo, do conflito” [4]. O resultado da construção do aprendizado, dado pelo travejamento do conhecimento prévio do aluno e o dito oficial, deve corroborar com os valores produzidos historicamente e tido como pensamento dominante ou contestá-los.

*

Esse texto foi escrito antes da ida ao campo de estágio. Passemos agora às considerações após a experiência prática.

Diante disso, alguns momentos se apresentaram para a aplicação do projeto referido anteriormente. Vejamos a aula do dia 29/03 (ver anexo I):

“A correção se baseia na colocação, na lousa, das respostas corretas, que os alunos vão dizendo. Numa das questões, foi dado um poema do qual os alunos deveriam retirar substantivos.

Professora – Tá dando nome pra coisa? Ë substantivo.

Além de retirar os substantivos, os alunos deveriam separá-los em comum, próprio, abstrato, concreto, primitivo e derivado.

“A professora diz que alguns alunos ao invés de escrever detrit o, escreveram distrito s, no entanto, ela não explicou qual a diferença de significado”.

 Essa foi uma passagem da aula em que a professora poderia se valer dessa confusão dos alunos para fazer algo que a princípio não estava programado no exercício. Poderia fazer uma relação entre os detritos que parecem tomar conta do “nosso” distrito Federal.

Nesse mesmo dia temos outro exemplo:

A professora procura aproveitar todas as respostas dos alunos, no entanto, na próxima fala vemos que isso não ocorre:

(MAR – palavra primitiva)

Aluno – Pesqueiro!

Professora – Será?”

O aluno fez uma associação lógica entre mar – peixe – pesqueiro . Valeria aqui parar e comentar porque tal palavra não era derivada de mar, apesar de fazer todo sentido. Os pesqueiros costumam estar sobre o mar. Segundo a Norma Culta, pesqueiro não deriva de mar, no entanto, logicamente, essa associação é cabível.

Ainda nessa mesma aula, na 5ªA:

“Uma aluna diz: ‘Faz votação! '. A professora não diz nada.

P – Antes de passar para a nova classe de palavras...”

Ao mudar de assunto, a professora deixa passar uma oportunidade de falar sobre democracia e valorizar o que uma aluna falou.

E por fim, como exemplo das aulas de observação, temos, do dia 29/03:

“P – O que é a cabeça e o cabeça?

Alunos – A cabeça é a parte do corpo e o cabeça é o líder.

P – Isso... e o capital e a capital?

A's – O capital é o dinheiro e a capital é uma cidade importante...”

No exemplo de o capital e a capital, a professora poderia ter trabalhado melhor o significado dessas palavras. Falaria de política e de poder financeiro, podendo até relacionar com o momento em que uma aluna falou sobre votação, ou sobre detrito e distrito.

O que quero mostrar aqui são alguns momentos possíveis de interação entre um conhecimento prévio do aluno e o oficial. No entanto, devo deixar claro também as dificuldades. É impossível o professor perceber todos os movimentos numa sala de aula que abriga 40 alunos e, que mais da metade fala ao mesmo tempo. Além disso, evidenciou-se falha a proposição (minha, expressa no texto anterior à ida ao estágio) de que os alunos se interessariam mais pela aula, caso o processo de interação planejado acontecesse. Notei a dinâmica da aula pouco alterada, poucos alunos, além daqueles interessados de sempre, deram um minuto a mais de atenção, logo se dispersando.

Vejamos alguns exemplos durante a regência. Na aula do dia 03/05/06, na qual trabalhei o significado de Trabalho – Emprego – Profissão, comecei a aula fazendo com que os alunos introduzissem os elementos iniciais (ver anexo 2). Para começar a aula, procurei guiar-me através destas três perguntas:

– Do que vocês vão trabalhar? Ou Com o que vocês querem trabalhar?

– Qual o emprego vocês gostariam de ter?

– Que profissão vocês gostariam de exercer?

Das respostas que obtive, propus que alguns alunos fizessem mímica das profissões listadas. Mostrei, segundo o dicionário, a diferença de trabalho, emprego e profissão.

Com isso, procurei ligar elementos particulares aos conteúdos tidos como oficiais. Nas duas primeiras aulas (5ªA e 5ªB), avalio que houve êxito: os alunos se mostraram dispostos a falar e depois a escrever. Questionaram as significações do dicionário e as ditas em sala. Já na terceira aula, a turma estava completamente dispersa e fiquei perdido sem saber como intervir.

No dia 17/05/06, levei para a aula uma música que vários alunos gostam. Apesar de parecer contraditório, uma vez que essa música é trilha de uma telenovela a qual citarei num capítulo mais adiante (O demônio da televisão), me pareceu importante tentar realizar um movimento de superação e crítica à cultura de massa, no sentido de clarear para os alunos a estreiteza do que se ouve nessa música (ver anexo 2):

“Diante dos acontecimentos ligados ao crime organizado no Estado de São Paulo, abordei a significação das palavras rebelde, rebelar e rebelião. Questionei se haveria somente uma forma de se rebelar. Os alunos me responderam que não. Então comentei sobre a situação do Iraque e dos EUA. Questionei se a população brasileira não se revoltava, na prática, diante da insatisfação com o país, uma vez que esse sentimento antecede necessariamente uma rebelião. Segundo as significações retiradas do dicionário (ver anexo 2).”

Apesar de a sala ter participado ativamente, ter escrito e falado sobre várias situações de rebeldia, não tenho como afirmar precisamente se atingi o objetivo final.

Aliás, avaliar a efetividade desse projeto, de uma maneira rigorosa, dependeria de mais tempo em sala de aula e da criação de métodos avaliativos apropriados aos termos do mesmo.

No dia 22/05/06, com as 5ª séries e no dia 24/05/06, com as 6ª séries (ver anexo 2), discuti com os alunos a relação entre português escrito (o chamado Português Padrão) e português falado (o chamado Português-Não-Padrão). Para iniciar a aula, apresentei aos alunos o mundo lusofônico, partindo de questionar aos alunos quais países participantes da Copa do Mundo falavam a Língua Portuguesa e, apontei um fato histórico que unia tais países: excetuando Portugal, todos haviam sido colônias deste.

“A idéia dessa aula surgiu da tentativa de reaproveitar algumas atividades entregues a mim, dos alunos. Selecionei algumas palavras que não atendiam à norma culta, reproduzindo a fala cotidiana. Expus aos alunos e questionei quais mudanças poderíamos promover naquelas palavra para que atendessem à norma. Procurei mostrar a eles a questão do preconceito lingüístico e da variante social (ver anexo 2).”

Os alunos se mostraram interessados e participativos, principalmente na atividade de colocar na lousa palavras na forma falada e pensar em como ficariam segundo a norma.

 

O demônio da televisão: a formação da corporeidade vista na sala de aula

Para este capítulo, tomo como referência o livro de Alicia Fernandez – A mulher escondida na professora – em especial o capítulo “Discurso sobre o corpo”. Nesse capítulo, a autora examina como a corporeidade influencia a formação do pensamento-conhecimento, o processo da relação entre sujeito desejante e sujeito epistêmico, que atravessa o organismo e se vê representada no corpo.

Baseando-se nas três formas de relação do sujeito com o corpo, de Piera Aulagnier: i-) zonas sensoriais, ii-) poder do desejo e iii-) discurso cultural, Fernandez aponta fatos biológicos (gravidez, paternidade, maternidade assistida etc.) com suas leituras históricas (ocidentais) que demonstram aquelas formas.

Um dos pontos do texto que destaco, por se relacionar com meu estágio, é o tópico: “Como nascem os homens? Como nascem as mulheres?”, no qual o papel da televisão, com suas múltiplas imagens condiciona a vários modelos de comportamento e “porte” físico.

Na sala em que estagiei, observei uma forte admiração por uma novela “juvenil”(se assim puder classificar, esse hábito vicioso de se classificar tudo!) – Rebelde – que retrata o cotidiano de adolescentes num colégio de classe alta. Além da TV, os alunos (crianças, pré-adolescentes, enfim...) entram em contato com os modelos corporais e de comportamento dessas personagens, por meio de um álbum de figurinhas. As imagens são sensuais e contemplam o padrão de beleza branco, magro e ocidental.

A relação com o álbum é mais duradoura e presentificada, supera a fração de tempo da exibição televisiva. Os alunos andam com o álbum por todos os cantos, trocam figurinhas (cujo valor é atribuído socialmente, ou por ser a mais rara ou por ser a personagem mais bonita em relação ao gosto pessoal; de certa forma, assumem um segundo valor de troca), exibem pôster etc.

Além da influência direta de imagens externas, há também situações criadas na própria aula, como no dia 19/04/2006, numa sala da 5ª série, a professora colocou a seguinte frase na lousa, para que os alunos identificassem o substantivos e os adjetivos:

“Os meninos jogavam bola e as meninas brincavam com petecas coloridas”. (ver anexo 1)

Essa frase vai completamente ao encontro de uma construção reacionária dos gêneros, os meninos fortes e as meninas delicadas, com petecas coloridas. Os meninos jogavam , as meninas brincavam . “A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN, p.36).

Noutro dia (26/04/06, na 6ª série), presenciei essas conversas (ver anexo 1):

“Enquanto a professor coloca na lousa o conteúdo a respeito de Numerais, uns alunos conversam muito, dois deles começam a se ameaçar:

Aluno - Você é homem suficiente?

Aluno - Pode vir.

Outros alunos começam a falar de um garoto que seria gay.

Aluno - Mas deixa, ele que escolheu. E se você' querer' ser mulher depois de velho.”

Na primeira interação, a masculinidade se liga à força (jogar futebol). Em contrapartida à opressão de gênero (tanto para meninos quanto para as meninas), a fala de um outro aluno defende uma suposta escolha da opção sexual.

Um exemplo de atitude positiva da professora foi no episódio do dia 05/04/06, na 5ª série (ver anexo 1):

“Após o tumulto a aula prosseguiu. Um aluno foi para o banheiro, depois de sair, alguns estudantes começaram a dizer coisas em tom de chacota insinuando que aquele menino era homossexual.

Aluna - Pára! Já zoaram ele muito o ano passado.

Professora – Gente, só porque usa brinco é bicha? Não pode usar cabelo comprido? Não é assim gente!”

Aqui a professora pára a aula e questiona os alunos sobre determinados estereótipos.

É preciso atentar a tais situações na sala de aula (quando possível, já que a aula ecoa vozes de 40 tipos) e saber que existe um acumulo já trazido de fora, o qual deveria ser negado na escola, caso tal acumulo corrobore com as tradicionais construções de gênero repressoras.

 

A luta de línguas

Tentar defender a condição legítima de uma língua falada, lógica e coerente – como quer fazer crer a si a norma culta – soa, ainda (!) para muitos (!), uma contradição em termos, quando não uma “terra de ninguém na linguagem”. Sim, porque para muitos é preciso um dono institucional, de papel passado e firma reconhecida. Querem que a língua tenha um proprietário cujo braço forte lhe imponha regras. Calam-se e cegam-se diante da inerente produção coletiva da língua. Alienar o falante de sua própria manifestação é reproduzir, em outra esfera, a alienação do trabalho na sociedade capitalista.

Por conta disso, tentei anotar momentos em que poderia haver o conflito entre o PP e o dito PNP. No dia 19/04/06 (ver anexo 1), a professora colocou na lousa o seguinte exercício:

“8-) Os homem são fortes.

a-) O que há de errado com esta frase?

b-) Como ficaria se estivesse escrita corretamente?”

Após a aula, comentei com ela a respeito da variação lingüística e do preconceito lingüístico. No dia 24/04/06 (ver anexo 1), a professora ressaltou tal questão se referindo ao mesmo exercício, agora noutra sala:

“Professora – Pros meus pais, os homem tá certo. Mas a gente precisa saber o jeito normal de falar português, porque quando formos falar com alguém que fala assim, saibamos”.

Embora ela tenha comentado sobre a variação, o preconceito ganhou cores fortes no trecho “o jeito normal”. Devemos levar em conta o que diz Fiorin: “O primeiro cuidado é, pois, não considerar a linguagem algo totalmente desvinculado da vida social nem perder de vista sua especificidade, reduzindo-a ao nível ideológico” (FIORIN, p.9). Na sala de aula há um compromisso, de certo ponto coercivo, de ensinar a norma culta. Aliás, não só na sala, professores relatam que os pais, ao verem alguma palavra “errada” sem a correção do professor, costumam reclamar. Exige-se socialmente o ensino da norma como forma hegemônica, como se todos falassem esse português, apagando as diferenças regionais, etárias e de classes.

Criticar é muito seguro. Achei coerente abordar na regência o tema. Assim foi nos dias 22 e 25 de maio, cinco aulas – três para as 6ª séries e duas para as 5ª séries (ver anexo 2).

Discuti com os alunos nessa aula a relação entre português escrito (o chamado Português Padrão) e português falado (o chamado Português-Não-Padrão). Apresentei aos alunos o mundo lusofônico, aproveitando-me dos países participantes da copa que falam língua portuguesa e, apontei um fato histórico que unia tais países: excetuando Portugal, todos haviam sido colônias daquele.

A idéia dessa aula surgiu da tentativa de reaproveitar algumas atividades entregues a mim, dos alunos. Selecionei algumas palavras que não atendiam à norma culta e reproduziam a fala. Expus aos alunos e questionei quais mudanças poderíamos promover naquelas palavras para que atendessem à norma. Procurei mostrar a eles a questão do preconceito lingüístico e da variante social. Destaquei também, que a comunicação era realizável com as palavras na forma padrão tanto quanto na forma falada.

 

Quando os alunos olham

Neste tópico pretendo destacar os momentos em que percebi, em cores fortes, um interesse mais detido dos alunos. Tais momentos se deram em dois pontos bem marcados: quando a professora narrava algo, ou um texto para aula, ou uma estória qualquer; quando ela faz a correção dos exercícios. No primeiro, os alunos ficavam em silêncio, apenas ouvindo. No segundo, participavam agitados, respondendo a quase todas as questões.

Durante a narrativa, que é feita pela professora (não presenciei uma leitura coletiva), os alunos se encontram numa posição passiva diante do conhecimento, assumem a tradicional postura do bom aluno, segundo a qual deve-se ser submisso, obediente, passivo. Tais características alojam-se melhores nas mulheres por conta da coerção social (FERNÁNDEZ, p.123-124). “Por outro lado, existe um bombardeio ideológico constante dos meios de comunicação que, por um lado, exaltam o ser violento (destrutivo) como modelo masculino positivo e, por outro lado, não permitem diferenciar esses atos agressivos destrutivos da agressividade sadia e necessária para desconstruir-se e reconstruir-se como sujeito autor da própria história” (idem, p.122).

Durante a correção, o comportamento deixa a passividade, entretanto, o que move é o número de acertos. Quem acerta mais recebe a maior nota, é primeiro, vence a competição.

Ao falar dos momentos em que os alunos estão mais participativos na aula, não posso deixar de falar de um aluno cuja presença física representou pouco a intelectual. Chamarei aqui de R. Na maior parte do tempo em que estive na escola, os comentários sobre ele foram negativos: bagunceiro, não respeita os colegas, bate nas meninas etc. Quando presenciei algum professora falando com ele, o discurso seguia a mesma linha, “você não vê o que está fazendo?”, “o que você vai ser na vida? ”, “por que você não faz as lições?”.

O aluno R é um aluno opressor na sala de aula, talvez porque reproduza o quanto é oprimido fora, ele é negro e pobre. Segundo um professor, os pais trabalham o dia todo e não se interessam (ou não têm tempo!) muito pela vida escolar do filho. O que piora a situação é o caráter sectarista de alguns professores durante as conversas no intervalo, dizendo que fingem não ver esse aluno, que já não “ligam” etc. (vale lembrar que há professores que se esforçam para manter esse aluno “dentro” da aula, criar formas de participação). Eglê Franchi destaca em seu livro uma citação de Liliane Lurçat: “A desvalorização é uma forma sutil de opressão. A opressão engendra a revolta e isso é válido também para a escola. Vivida como opressão, a desvalorização pode engendrar o ressentimento. O ressentimento acumulado contra aqueles que põem sistematicamente em destaque os lados mais fracos do outro, que o ridicularizam aos olhos dos demais e que o desprezam, transforma-se em ódio ” ( “Desvalorização e autodesvalorização na escola”. Em: Democratização do ensino: Meta ou Mito?. Org. Zaida Brandão, Rio de Janeiro; Francisco Alves: 1979, pp. 62-70). Segundo esta passagem, alguns professores estão “dando um tiro no pé”.

Na aula do dia 26 de abril (ver anexo 1), a professora começou a aula com a continuação da matéria: Numeral. Enquanto ela colocava na lousa o aluno R sentou-se a minha frente, de costas para lousa e, ficou olhando as minhas anotações. Começamos a conversar. Convenci-o a ficar ali comigo enquanto eu copiava a matéria, ele me perguntou sobre o que fazia com as anotações, ele se interessou quando disse sobre ter de digitar o trabalho. Então, me contou que já teve um computador, mas não funcionava. Era o computador do clubinho dos meninos pequenos, do qual ele era o chefe.

Ao começar a parte dos exercícios, propus que fizéssemos juntos, ele disse não, porque ele não sabia. Expliquei-lhe a matéria e fizemos juntos a resolução. Evidentemente as escolas não dispõem de um professor para cada aluno “problemático”, o que fazer então com uma sala de 40 alunos?

 

Escala industrial: o sem sentido da escola

Encerrei o tópico anterior falando sobre o número de alunos e começo este da mesma forma, pois, dos problemas que presenciei e dos que foram relatados a mim, nenhum parece ser solucionável acaso este não seja.

A questão central não é o comportamento numa sala lotada, mesmo porque, reconhecemos aqui que a passividade não é a melhor postura para um aluno. Turmas de cursinho acompanham as aulas com 70 ou 100 alunos, muitas turmas de faculdade também: silenciosos, muitas vezes aceitando o conteúdo acriticamente, dessa maneira sendo condicionados a aceitar o que vem de “cima”, ou seja, de uma autoridade dada por um título de valor legal e social, sem questionamento algum. Não é essa a formação que deve ser proporcionada aos estudantes

A forma é a cristalização do conteúdo, hoje a Escola (a Educação) se propõe a formar peças para o mercado de trabalho, em seus níveis básicos prepara para o vestibular, nos posteriores o especialista é modelado para atender às necessidades do mundo contemporâneo. Além disso, submete os alunos à ordem estabelecida e tolhe o espaço de criação e de manifestação. De um lado atende a interesses financeiros e de outros políticos[5].

A professora diz para os alunos copiarem a matéria que falta emprestando o caderno de algum aluno. Mas qual a validade disso, ou até que ponto isso contribui para o aprendizado, sendo que a maioria vai copiar de qualquer jeito apenas para ter visto. Apenas para receber uma “marca de aprovado” que capacita para prosseguir em outro nível. Desse modo sucessivamente até entrar no mundo do trabalho.

Mas, o que poderia mudar com a diminuição do número de alunos numa sala? Possibilitaria principalmente um leque de atividades comprometidas com a formação pessoal e não com uma escala industrial. O professor precisaria se aproximar dos alunos (e vice-versa), perceber as habilidades e deficiências e trabalhá-las de forma a contribuir com o aprendizado do todo. Vale lembrar aqui, que o trabalho da Eglê Franchi se deu numa turma de 16 alunos. Parece simples está fórmula, no entanto veremos que é preciso ir além.

Embora estejamos reivindicando uma nova escola, temos de reconhecer que a atual não consegue cumprir nem mesmo seu desumano projeto de mercado. Não é só a Educação. Toda organização social “burguesa” já não sustenta mais nossa realidade e, a análise desse fracasso não ultrapassa a camada superficial, por exemplo, resolver a violência investindo em segurança[6], resolver o acesso público à universidade comprando vagas em instituições particulares. Essa mesma organização social, que pretende garantir a liberdade, a diversidade, a tolerância, se vale de mecanismos de intolerância institucional para pôr ponto às discussões. Ela não satisfaz o que em tese, pretensamente, propõe. E nunca atingirá isso por conta de sua própria essência contraditória. A miséria e a violência, produtos previsíveis na base de produção capitalista, se voltarão contra ele. “E, no entanto, quando a própria existência da humanidade está em jogo, o único programa realmente praticável é o programa marxiano de reestruturação radical, ‘de cima a baixo', da totalidade das instituições sociais, das condições industriais, políticas e ideológicas da existência atual, de ‘toda maneira de ser' de homens reprimidos pelas condições alienadas e reificadas da ‘commodity society'” (MÉSZÁROS, p. 55).

Diante disso, devemos reconhecer que o problema de superlotação das salas está mal posto. Diminuir o número de alunos não alteraria a formação num sentido contestador da de mercado. Talvez, pelo contrário, capacitaria melhor, com mais cuidado. Mesmo porque, as condições dadas das infra-estruturas seriam as mesmas. O problema da sala de aula não se limita às suas fronteiras. Projetos de cunho libertário, críticos da sociedade de mercado (ou consumista) se aplicados à estrutura educacional somente, tornar-se-ão perenes. É preciso vinculá-los a projetos maiores, que se expandam à rede social por completo.

 

Notas

[1] É preciso levar em consideração antes de tudo que “... o pressuposto de que os homens precisam estar em condições de viver para ‘fazer história'. Mas para viver é preciso antes de mais nada comer e beber, morar, vestir, e ainda, algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é portanto engendrar os meios para satisfação dessas necessidades (...)”. K.MARX F.ENGELS: História. Org. Florestan Fernandes. São Paulo: Ática. 1989. (p.194).

[2] Além disso, pode-se elencar o bom preparo do professor, no âmbito individual. Sem mencionar a infraestrutura do prédio.

[3] Cf. FRANCHI, Eglê. E as crianças eram difíceis... A redação na escola. São Paulo: Martins Fontes. 1990. (p. XII)

[4] op cit. (pp.XII – XIII).

[5] “E a educação de vocês não está também determinada pela sociedade? Pelas relações sociais em cujo âmbito vocês educam, pela ingerência mais ou menos direta ou indireta da sociedade por meio da escola etc.? Os comunistas não inventam o influxo da sociedade sobre a educação; eles apenas modificam o seu caráter, eles subtraem a educação à influência da classe dominante.” (MARX e ENGELS, O manifesto do partido comunista.)

[6] Basta lembrar o último maio, dias em que a normalidade veio à tona. Os eventos que pararam a maior cidade latino-americana são as marcas da decadência do controle social imputado pelo Capital.

 

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. “Estudos das ideologias e filosofia da linguagem”. Em: Marxismo e filosofia da linguagem . Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. Col. Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. C. Cruz. Ed. Hucitec: São Paulo, 1988. (pp.31-38)

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Ed. Lucerna: Rio de Janeiro, 2003. (37ª edição, revista e ampliada).

FERNÁNDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora. Trad. Neusa Kern Hickel. Artes Médicas: Porto Alegre, 1994.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. Ática: São Paulo, 1995. (pp.5-22).

FRANCHI, Eglê. E as crianças eram difíceis... A redação na escola. Martins Fontes: São Paulo, 1987.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. Em: Estudos Avançados: Instituto de Estudos Avançados. V. 12, n.º 34, 1998.

MÉSZÁROS, István. A necessidade do controle social. Trad. Mário Duayer. Cadernos Ensaio, Ed. Ensaio: São Paulo, 1987.

 

* Este projeto contém arquivos anexos para download. Eles estão disponíveis logo abaixo, em "Baixar anexos"

   

Sábado, 01 Dezembro 2007 00:00

Um exercício do ver: a linguística

 

 Joseane Terto de Souza

 

Este trabalho desenvolve-se a partir dos estágios de observação em Metodologia do Ensino de Lingüística I e II, ministradas pelo professor Valdir Barzotto.

Neste texto, procurei refletir como duas Instituições Privadas de Ensino Superior, A e B[1], procuram ensinar aos seus discentes de Letras o que vem a ser a lingüística como ciência, num primeiro momento, em Lingüística I.

No segundo semestre, em Lingüística II, foquei minhas observações somente em uma Instituição procurando perceber como são feitas as pontes entre o conhecimento lingüístico e o ensino de Língua Portuguesa.

  

O exercício do olhar

Um dos acréscimos na formação docente da disciplina d

e Metodologia do Ensino de Lingüística é a possibilidade de passar de aluna, envolvida nas/com matérias da graduação, à posição de observadora numa sala de graduação. O exercício de observar obriga a um olhar mais crítico e a uma reflexão maior do ensino de Lingüística.

O afastamento possibilita um maior aguçamento do que é a ciência da linguagem, qual o seu papel nas salas de aula e como esse ensino permite aos graduandos refletir a sua realidade lingüística.

Neste ponto, a observação de duas universidades com propostas diferentes: Instituição A e a Instituição B, proporcionou uma reflexão mais rica.

Enquanto a primeira, “objetiva formar profissionais capacitados a atuar no campo da tradução e da interpretação”, a segunda, “organiza-se em disciplinas e atividades voltadas para a formação de docentes de língua portuguesa e de uma língua estrangeira (inglês ou espanhol)”.

Na Instituição A, observei a disciplina - Lingüística: Linguagem, Língua e Fala, totalizando 16 horas. No curso da Instituição B, observei as disciplinas: Lingüística I, Lingüística II e III, ministradas por dois professores distintos, no curso de Letras; e Lingüística II, no curso de tradução, ministrada por uma terceira professora. Totalizando nesta Instituição 30 horas.

Como proposta para o segundo semestre, procurei analisar como a realidade lingüística aparece no ensino de Língua Portuguesa, já que no primeiro semestre apenas detive às observações na forma que são transmitidos os conceitos lingüísticos.

Para que esse estudo pudesse ser mais abrangente, dentro do possível, optei por observar mais uma vez a Instituição A, agora, escolhendo as disciplinas Língua Portuguesa: Sociolingüística, 30 horas, e Língua Portuguesa: Teoria da Gramática, 10 horas. Ambas as disciplinas são ministradas pela mesma docente.

Um maior tempo dentro da mesma Instituição poderia dar maior percepção de como são/estão os conceitos lingüísticos.

Desta forma, busquei perceber como são trabalhados nas disciplinas de Língua Portuguesa os conceitos lingüísticos, primeiro em A, e posteriormente em B. 

  

As primeiras observações na Instituição A

A primeira Instituição a permitir o estágio de observação foi a Instituição A, que tem cerca de 30 anos de fundação. Posteriormente, surgiu a possibilidade de estagiar na Instituição B.

A disciplina Lingüística: Linguagem, Língua e Fala é oferecida aos alunos do 3º semestre, porém, a docente me avisou que era uma nova disciplina e estava entrando pela primeira vez na grade curricular. A aula ocorre uma vez por semana, com duração de uma hora e meia, ministrada por uma professora que foi muito receptiva, apresentando-me a sala.

O curso na Instituição é voltado para um público bem definido, o aluno de tradução/intérprete, principalmente, o de inglês, a apresentação do curso no sítio é bem clara neste sentido.

É bem focado: tradução e interpretação. Se quiser dedicar-se ao exercício do magistério, caberá ao aluno procurar uma complementação pedagógica. Todas as disciplinas do curso de inglês estão neste foco: são quatro disciplinas de lingüística, duas delas aplicadas à língua inglesa , doze à língua portuguesa e vinte quatro à língua inglesa.

Já o curso de Letras com habilitação em espanhol/português está voltado para o bacharelado e a licenciatura, mas não tive contato com este curso. A habilitação de espanhol, bacharelado e licenciatura, é apresentada como referência em sua área, além de ser “moderno e ágil”. O “ágil” pode ficar por conta dos seis (06) semestres da grade curricular. Pelo que pude perceber, a “menina dos olhos” é o curso de inglês.

Para explicar os tópicos da disciplina, são adotadas apostilas elaboradas pela docente, e enviadas por correio eletrônico aos alunos uma semana antes. Estes me enviaram todo o material que já tinha sido utilizado.

Não foi adotado nenhum livro ou mesmo capítulo de livro para essa matéria, apenas apostilas, porém, a professora sempre procura trazer indicações bibliográficas, de filmes e de artigos para os alunos.

  

As aulas

Não pude acompanhar o semestre inteiro da disciplina, iniciei quase no final do semestre, acompanhei apenas oito aulas, mas pelo que pude observar a disciplina objetiva permitir aos discentes uma reflexão do que é a sua língua, como mesmo ressalta a professora – “o que quero e que posso dar é uma bagagem para os alunos do que seja lingüística e como ela está presente constantemente no seu cotidiano. Quero que, ao verem televisão, lerem o jornal ou assistam a um filme, consigam enxergar as possibilidades de sua língua”.

A primeira aula foi continuação da semana anterior, pautada na apostila “Os estudos da linguagem e a lingüística” fundamentada no livro de Julia Kristeva – História da Linguagem, porém no rodapé há a citação de outros textos utilizados: Lições de lingüística geral, de Eugenio Coseriu; Princípios de lingüística geral, de J. Mattoso Camara Jr. e O que é lingüística, de Eni Orlando. Consultando também os dicionários de Ducrot e Todorov e o de David Crystal.

Lendo a apostila e comparando-a aos textos que a embasaram, pude perceber que a docente elaborou a apostila usando, principalmente, a primeira e a segunda parte do livro de Kristeva, e alguns tópicos d' O que é lingüística?

Pelo acompanhamento das aulas e das conversas com a professora, os trechos escolhidos para fazerem parte da apostila são os que dão uma apresentação mais geral da história da lingüística, e os aspectos mais relevantes desta história. Essa impressão parece corroborar com suas aulas.

Na sua explanação, a professora desenha uma linha do tempo (já dada na semana anterior) para relembrar o surgimento da lingüística. Lembra que para a lingüística se tornar uma ciência precisou adotar o vocabulário das ciências biológicas, isto é, de uma linguagem científica.

A professora acrescenta ainda que ao olhar qualquer objeto você fará sempre recortes conforme seu ponto de vista, de sua formação – Saussure já dizia “o ponto de vista faz o objeto”. Nenhum cientista é neutro, essa distância não é absoluta. Explica o que é a língua, as dicotomias, porque para Saussure o importante era a sincronia, algumas das metáforas de Saussure, a diferença de Saussure e Chomsky, procurando sempre exemplificar.

Para um melhor aprofundamento das questões a professora indica o livro de Eleonora Albano, Falando de ouvido – sobre aquisição de linguagem e o dicionário American Heritage que ao final apresenta uma lista de palavras provindas do indo-europeu. Destacando que indo-europeu não era uma língua falada por algum povo, mas uma ampla família lingüística.

Na segunda aula, a docente retoma as dicotomias de Saussure. Ressalta para a classe que tudo é muito superficial (durante a sua formação houve um semestre todo do “curso do pai”), é importante para os futuros profissionais um maior aprofundamento dessas questões.

Termina a aula com um exercício em grupo de seis alunos, para a professora é a melhor forma, pelo reduzido tempo, de explicar questões como o par mínimo e a distribuição.

Na terceira aula a professora explicou a aquisição da linguagem por meio da psicanálise, pela simbolização. Coloca que a primeira simbolização da criança é a presença e a ausência materna – o que é fundamental, pois a língua é feita dessa presença e ausência.

Cita os estudos de Leopold Verner, na década de 60, sobre aquisição da linguagem e a impermeabilidade à correção que a criança tem até certa idade.

Coloca também os estudos dos dêiticos de Benveniste e como isso está relacionado com a percepção da criança dela mesma e dos outros.

Retoma as questões do signo/palavras e de como está relacionado com o recorte que se faz do sistema. Lembra o documentário “Corações e mentes” que mostra o pré conceito de que os orientais não sentem dor como os ocidentais. Para contrastar essa idéia aparece uma cena de uma mãe chorando sobre o corpo do filho, e a partir dessa cena dá-se o jogo do que é pré concebido e o que é real. Você não vê porque seus olhos não querem ver.

Explica o desenho do significado e significante de Saussure e indica Os escritos de Saussure.

Lembra também que o significado tem que estar colado ao significante, exemplifica com as pessoas que cantam em outro idioma sem saber o que está cantando; na verdade essa pessoa está produzindo sons e não significados. O signo é relacional, você recorta o signo em relação ao outro, exemplo disso ocorre em frases como: cocadaboa, casasamarelas, euaprendo alguma coisa, entre outras.

Na quarta aula a apostila usada é “A teoria Saussuriana” embasada no Curso de Lingüística geral, de Saussure, mas também houve a consulta ao texto As idéias de Saussure ou em inglês Ferdinand de Saussure, de Jonathan Culler, no rodapé da apostila a professora indica que tanto a tradução como a versão em inglês encontra-se na Biblioteca da Universidade de São Paulo. A professora disponibiliza para a sala a sua xerox da versão em inglês.

Pensando na forma como foi estruturada a aula e a própria ressalva que a professora fez sobre não aprofundar na fonologia, pois há dois semestres centrados neste tema, a seleção está direcionada para os temas mais gerais do livro, de forma a dar um panorama geral do Curso e alguns conceitos fundamentais ao estudante de Letras, como as quatro dicotomias. Indica como básico para os alunos lerem do livro o capítulo “Objetivo da Lingüística”.

Retoma a escolha de Saussure pelo estudo sincrônico (pelos falantes do aqui e agora).

Para explicar o eixo sintagmático (relacionado com a semântica) e o paradigmático (organização de palavras numa frase) a docente exemplifica com uma poesia em inglês e as possibilidades de escolha, e qual o tradutor escolheu. E é um problema para o tradutor essas opções do campo semântico, pois o filtro usado será a sua língua materna.

Indica o livro Sobre a metáfora ou em inglês On Methaphor, do filósofo americano Davidson sobre o jogo de deslocamentos do significado.

A quinta aula trata das noções gerais de fonética e fonologia, e parece corroborar com as impressões sobre a escolha do que foi selecionado do livro para a apostila.

A partir de um excerto de Albano[2] explica as diferenças entre a fonética e a fonologia; a diferença da sociolingüística de hoje (trabalha com as diferenças) a de Saussure (que o importante é a semelhança).

Que somente quando se conhece a língua você sabe onde cortar o segmento ouvido (o contínuo), isto é, as palavras, e essa são de difícil definição para os lingüistas – no senso comum é cada pedaço que tem sentido integral.

Indica o filme “Victor, o menino selvagem” que trata bem a questão do contato lingüístico para a aquisição de linguagem.

Coloca ainda, que muitos procuraram à origem da linguagem na sociologia, na história, no mito, na aquisição de linguagem (por exemplo, Pinker). É uma questão muito complexa, tanto que James Joyce ao consultar Jung (por causa de sua filha esquizofrênica) lhe fala: “aonde você nada de braçada, a sua filha se afoga”. A própria Bíblia trás essa questão – “o verbo se faz carne, e habitou entre nós”.

As últimas três aulas são dedicadas a tirar dúvidas e a revisão do conteúdo por meio de questionário.

O exercício seria uma forma de o aluno ler a apostila, lembrar do que foi dado e se precisar tirar dúvidas, fazer via correio eletrônico com a professora. Ela ressalta que o questionário não é parecido com o que será cobrado na prova.

 

Algumas considerações

Se por um lado, o curso por “n” motivos (seja pela falta de tempo, pelo público-alvo, por ser na teoria uma coisa e na prática outra) não faz a adoção de livros para a disciplina, por outro lado, tem como ponto forte a formação da docente.

Suas explicações são consistentes e ela busca sempre trazer novos elementos (música, filmes, livros, artigos) para os discentes.

Percebe-se que suas explicações são direcionadas para tentar sanar essa falha do curso. Ela sempre encoraja os alunos a pesquisarem fora da sala de aula, e pelo que pude acompanhar, alguns deles acabam se sentindo tão estimulados que produzem trabalhos que chegam a ser até premiados[3].

  

Continuando o exercício do olhar, agora na Instituição B

Depois que iniciei na primeira Instituição obtive resposta que poderia iniciar o estágio no curso de Letras na Instituição B que, pelo seu tempo de existência, é considerada um curso tradicional.

A possibilidade de estagiar em três disciplinas diferentes (Lingüística I, II e III) me pareceu uma nova possibilidade de observar o ensino de lingüística.

As trinta horas observadas na Instituição se dividem em: doze horas em Lingüística I , doze em Lingüística II (duas delas no curso de Tradução) e seis horas em Lingüística III. Todas as aulas têm duração de duas horas. Cada disciplina é ministrada por um professor diferente que tem em comum a mesma formação acadêmica.

O curso de Letras está direcionado para a formação de docentes de língua portuguesa e de uma língua estrangeira (inglês ou espanhol).

Já o curso de Tradução busca formar profissionais com domínio instrumental e técnico em francês ou inglês, além de prepará-los para a elaboração e revisão de textos.

Minhas observações serão focadas no curso de Letras, já que tive contato apenas uma vez com o curso de Tradução. Optando também pelo curso de Letras, pois já observava o curso de Tradução na Instituição A.

A grade do curso de Letras, tanto de Português/Espanhol quanto de Português/Inglês, foca principalmente, a formação de docentes de língua portuguesa. Na grade há sete disciplinas de lingüística.

  

Linguística I

A disciplina de Lingüística I, segundo a docente, objetiva dar um conhecimento abrangente do que seja essa Ciência e os seus principais autores. A partir do segundo semestre haveria um aprofundamento de uma área (semântica, pragmática, sociolingüística, entre outras).

A primeira aula que assisti com a professora houve um trabalho em grupo sobre um trecho de um livro sorteado aleatoriamente. Depois de lido o excerto deveria ser apresentado para a classe (em cinco minutos) o que foi entendido. Os temas foram: palavra é signo, variação lingüística, língua e sociedade, visão de mundo, lingüística e gramática normativa.

Para a semana seguinte são pedidos os capítulos “Linguagem animal”, de Edward Lopes e “Comunicação animal e linguagem humana”, de Benveniste.

Nas duas aulas seguintes há uma discussão sobre o capítulo de Edward Lopes e Benveniste. Há ainda a explicação da diferença entre linguagem humana e comunicação animal, entre signo e índice e da dupla articulação de Malmbeg.

A professora trás sempre um material de apoio para ajudar na reflexão ou mesmo para ajudar na memorização. Da leitura desse material, os alunos fazem muitas perguntas, e as fazem até realmente acharem que compreenderam.

Os alunos querem saber se o som precede a grafia. A docente responde que não necessariamente, porque há muitas tribos ágrafas, mas há quem diga que os desenhos rupestres surgiram antes da fala.

Antes de terminar a aula a professora passa um questionário “para pensar” sobre língua, cultura e visão de mundo.

As duas semanas de aulas seguintes são para explicar as funções de linguagem de Jakobson, tendo como apoio o capítulo das funções, do livro Lingüística e comunicação .

A professora explica um pouco do contexto histórico e o porquê dessa teoria estar mais preocupada com a teoria da comunicação do que as teorias lingüísticas. Para ajudar na memorização a docente dá uma folha com um resumo das funções. Traz ainda dois exercícios para ajudar no entendimento.

Para dar um panorama geral dos autores que trabalharam com as funções da linguagem, a professora desenha uma tabela no quadro com os autores: Büchler (1934), Jakobson (1961), Dell Hynes (1968), Lyones (1977) e Brown e Yule (1983). Coloca que não irá se aprofundar nesses autores, mas que é importante saber quem são eles, e quais elementos do processo comunicativo aparece em cada teórico.

No último dia de observação, a professora convidou todos os alunos a assistirem a uma apresentação de Trabalho de Graduação Individual (TGI) de uma aluna que estagiou no Timor Leste.

Antes que a aluna iniciasse a apresentação, a professora colocou que não era um projeto para ensinar gramática, mas sim de como é possível se comunicar através da música. Comunicação é muito importante para os povos, e neste momento, essencial para o povo timorense.

Convida os alunos a se dedicarem ao estudo de sua língua materna, e a futuramente participarem do projeto que irá para Moçambique.

  

Linguística II

A disciplina de Lingüística II focou a pragmática, estudando o princípio de cooperação (máximas conversacionais) e os atos de fala. Para maior entendimento da matéria, o professor passou quatro exercícios.

Do conteúdo passado, o professor cumpre a proposta que está na página de apresentação do Curso, ou seja, volta-se para “uma formação clássica”. Como a sala não faz perguntas, não dá para saber como são recebidas essas informações.

Em Lingüística II, no curso de Tradução, não pude fazer uma maior observação, pois só assisti a uma aula, e essa era de correção de exercícios. O que pude notar é que é uma turma que quase não participa da aula.

  

Linguística III

A disciplina de Lingüística III foca o estudo da lingüística histórica e é ministrada pelo mesmo professor de Lingüística II.

O conteúdo passado foi: a mudança lingüística e os níveis de análise lingüística e as línguas vistas pela perspectiva histórica.

Para explicar a mudança sonora é desenhada uma tabela que compara o indo-europeu com o irlandês antigo, exemplificado também com o latim e o português; fala do livro A língua de Eulália, de Marcos Bagno que dá pistas sobre como ver as mudanças da língua.

Explana ainda sobre as mudanças gramaticais, analogia, mudanças semânticas (neologismo, arcaísmo e deslocamento semântico). Indica como leitura o livro de Callou Leite, Como falam os brasileiros.

Na aula de perspectiva histórica, explica a lingüística histórico-comparativa do século XIX. Dá um panorama geral, sem se aprofundar nas explicações, diz que, para um maior aprofundamento, deveria ter um semestre de historiografia lingüística.

 

Algumas considerações

Ao contrário da Instituição A, nessa há a adoção de livros, de capítulos de livros e artigos. Os professores são doutores, formados em Instituições públicas, porém não percebi uma cobrança, em Lingüística I e II, para que os alunos dessem retorno do que estavam lendo.

Quem procurou estimular um retorno do que estava sendo dado foi a professora de Lingüística I, que fazia os alunos explicarem para a sala o que tinham entendido da disciplina.

  

Buscando um novo olhar na Instituição A

No primeiro semestre, o afastamento da posição de aluna ouvinte para aluna observadora, nas disciplinas de graduação no curso de Letras, tornou possível o exercício de um olhar mais crítico e a uma maior reflexão do ensino de lingüística.

Esse afastamento foi essencial para um maior aguçamento da ciência da linguagem, o seu papel nas salas de aula e se o ensino permite aos graduandos refletir sobre o seu conhecimento lingüístico.

Como proposta para o segundo semestre, procurei analisar como essa realidade aparece no ensino de língua portuguesa, já que no semestre anterior a disciplina observada foi a de Lingüística: Linguagem, Língua e Fala. 

 

O ensino de Linguística na Língua Portuguesa

Iniciado o segundo semestre, havia a opção de fazer o estágio em uma outra Instituição de ensino ou permanecer em uma das já observadas. Optei por observar mais um semestre na Instituição A o que permitiria um estudo mais longitudinal do ensino de Lingüística.

Como proposta para o segundo semestre, procurei analisar como o conhecimento de lingüística aparece no ensino de Língua Portuguesa, tentando perceber como são trabalhados nessas disciplinas os conceitos lingüísticos.

Sendo uma das definições de lingüística[4] o “estudo científico da língua”, espera-se que as disciplinas ofereçam aos discentes a possibilidade, a partir de sua língua, de fazer ciência. Partindo desta definição foquei minhas observações no que a Instituição oferece aos seus alunos.

Ao contrário do que tinha ocorrido no semestre anterior, no qual só acompanhei só as aulas finais, por ter aberto precedentes, observei todo o semestre.

A disciplina de Língua Portuguesa: Teoria Gramatical visa, de forma geral, discutir a “tensão entre sujeito e língua”, e entre os objetivos da disciplina de Língua Portuguesa: Sociolingüística também está a discussão da “tensão entre sujeito e língua”.

  

As aulas de Língua Portuguesa: Teoria gramatical

Comecei o estágio assistindo a Língua Portuguesa: Teoria Gramatical da qual observei 10 horas, porém ao assistir Língua Portuguesa: Sociolingüística - achei que poderia (como foi) ser mais produtivo para as minhas observações uma disciplina em que houvesse trabalhos aplicados.

Na primeira aula a professora fez uma breve contextualização da história da Teoria Gramatical. Coloca que por causa da Guerra, entre o século XX e 1920, há um êxodo de cientistas para os Estados Unidos.

Entre esses cientistas estava Franz Boas que fez estudos comparativos para verificar a evolução da língua. Estudou com Sapir, porém não se destacou como o seu mestre, mas seus estudos foram importantes. Não se ligou ao grupo evolucionista da língua.

Outro cientista advindo deste êxodo foi Palov, conhecido pelos seus trabalhos de estímulo-resposta. Ganhador de um Nobel. Estava entre os cientistas da Teoria do comportamento (“Não sei o que se passa na mente”).

Essa teoria ficará vigente até 1950, com a entrada de Chomsky, chamado de mentalista. Para ele o mais importante pesquisador de estímulo-resposta foi Skinner.

A professora fala da divergência entre Skinner e Chomsky sobre o artigo “Verbal Behavior” de Skinner. Desenhando o seguinte esquema:

figura1

Na aula seguinte a professora retoma a explicação sobre o behaviorismo e sobre o que Chomsky chama de LAD ( Language Advantaged Device) – uma rede de neurônios que só os seres humanos nascem com esse dispositivo. É o que se chama de faculdade (capacidade) da linguagem, algo inato.

Para Chomsky não há nada em comum entre o homem e os animais, estes nascem com uma programação limitada.

Introduz o que vem a ser a Gramática Universal (GU): princípios gerais em todas as línguas do mundo. Por exemplo, se todas as línguas têm pronomes, mas são usados de forma diferente esses princípios irão se adaptar a língua que você fala.

A capacidade é inata, a competência é adquirida e está na gramática. Nasce-se com a capacidade para aprender qualquer língua, ao entrar em contato com uma ou duas línguas adquire-se o conhecimento destas.

O bilingüismo é a capacidade de grau. Você tem as duas competências operando e há uma língua que fica “meio” que de lado, mas está lá e o grau é diferente. O bilingüismo não é perfeito em duas línguas, você sempre fala uma melhor. A pessoa tem um comportamento lingüístico diferenciado.

Em uma outra aula a docente começou a explicar o capítulo 1, de Carlos Mioto, Florianópolis: Insular, 2000. Na verdade esse capítulo foi divido ao longo de algumas aulas.

A professora iniciou explicando a importância de se ter ciência, de se ter um objeto de estudo e uma teoria. Retoma um pouco da história da teoria gramatical, gramática gerativa (GG) e gramática universal (GU).

Na aula seguinte a professora constrói um paralelo com as explicações do físico Marcelo Gleiser, no programa “ Poeira das estrelas” do Fantástico, ao explicar o surgimento do Universo com a lingüística. A lingüística é como a física, exige um maior esforço para seu entendimento. Com um pouco de empenho é possível entender o que é um modelo teórico e um postulado.

A proposta de Chomsky foi fazer da Lingüística uma ciência como, por exemplo, a Física. Quando ele postulou que a pessoa nasce com a capacidade da linguagem (inatismo), seus estudos não comprovavam seu postulado.

Não há no conceito de Chomsky o “certo” ou “errado”, porque esses conceitos só existem na gramática normativa ou tradicional, para ele é gramatical ou agramatical (há ou não erros na sentença).

E* - João viu [cadeira a]

artigo ___

Para Chomsky só existe erro de estrutura se for estrangeiro ou tiver uma patologia. Ele não faz estudo de corpus, mas por intuição. Por isso, não é preciso uma comprovação empírica, e isto é possível, pois os estudos de física são feitos dessa forma.

Na outra aula a docente explicou o conceito de gramática, a partir da página 17 do livro de Mioto. A aula foi reforçada pelo resumo “Receita de estudo caseiro do ‘pudim de passas' da lingüística” e pelo artigo “Novos Horizontes no Estudo da Linguagem”, parte II, artigo publicado na revista DELTA, vol 13, 1997.

 

As aulas de Língua Portuguesa: Sociolingüística

A disciplina é dada aos alunos do 6º período que já viram os conceitos fundamentais de lingüística e os de teoria gramatical. Optei por observar mais estas disciplinas por terem como avaliação seminários apresentados pelos alunos sobre algum ponto da matéria dada.

Perguntei a docente qual seria o objetivo do curso, ela me respondeu que espera que ao final da disciplina os alunos percam alguns preconceitos com relação aos diferentes “falares” e fazê-los perceber que o português é muito mais rico do que é estudado nas gramáticas.

A professora explana um breve histórico da disciplina começando por relembrar os conceitos de Saussure sobre língua, as dicotomias, porque para ele o importante era a sincronia, algumas das metáforas do “pai”, a diferença de Saussure e Chomsky, procurando exemplificar.

Como procurava ver como os alunos entendem os conceitos lingüísticos e como os aplicam na língua portuguesa, procurei assistir mais as aulas de Sociolingüística, 30 horas, do que as de Teoria Gramatical.

Na segunda aula a docente explicou o “nascimento” da Sociolingüística. Começou explicando que o interesse de estudar a relação entre o social e a língua surgiu na China. Cita os principais estudiosos da relação língua e sociedade no ocidente:

Basil Bernstein – especialista inglês em sociologia da educação. Observa a diferença no uso da língua. Seus estudos partem do social. Lançou o livro Black English Vernacular (BEV).

Labov critica a separação entre o lingüístico e o social a partir deste livro de Bernstein.

William Bright – faleceu em 2006, organizou o congresso no qual nasceu a sociolingüística. Vários pesquisadores participam apresentando seus trabalhos, entre eles estavam: Labov, Dell Hymes, John Gumperz, Einar Haugen, entre outros.

O nome sociolingüística foi o nome inventado por Bright para juntar os trabalhos de sociologia e de lingüística. Ele criou o nome, mas não é o criador da matéria, o “pai” é coletivo.

Seus estudos mostraram que existiam variações e elas não eram livres, variavam conforme a classe social. A professora exemplifica usando o fonema /r/ para o caipira, para o carioca e para o paulista. Essa variação não é livre depende das regras sociais. A variação identifica a origem.

Ressalta que como o curso é de um semestre focará no trabalho de Labov para explicar a sociolingüística, pois seu trabalho definiu mais esta ciência.

Na aula seguinte a docente continua a desenhar um panorama histórico da sociolingüística. A aula se pautou no capítulo 1, “A luta por uma concepção social”, do livro de Louis-Jean Calvet, Sociolingüística: uma introdução crítica. Trad. Marcos Marcionilo, São Paulo: Parábola, 2002; e no capítulo 1 “Sociolingüística (parte I)”, do livro Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Vol. 1. Fernanda Mussalim, Anna Christina Bentes (Orgs.) São Paulo: Cortez, 2001.

Acredito que a professora escolheu esses dois capítulos para dar um panorama sobre o surgimento da sociolingüística e começar introduzir a questão da variação. O decorrer da aula parece confirmar essa observação.

A outra aula foi baseada no capítulo 2, “Línguas em contato”, do livro de Louis-Jean Calvet, Sociolingüística: uma introdução crítica. Trad. Marcos Marcionilo, São Paulo: Parábola, 2002; e na parte II (do capítulo 1 de Sociolingüística) do livro Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Vol. 1. Fernanda Mussalim, Anna Christina Bentes (Orgs.) São Paulo: Cortez, 2001.

Ao adotar estes capítulos parece que a professora procurava introduzir a idéia de variantes lingüísticas e sociais, línguas francas, pidgin e crioulos. O transcorrer da aula confirma essa impressão. Um dos grupos que apresentarão o seminário se interessa por este ponto do curso.

Fala sobre variante padrão ou de prestígio e variante não-padrão ou estigmatizada. Cita seu exemplo quanto chegou em “Sum Paulo”. Que fatores como idade, sexo e ocupação motivam a distinção (lexical e sintática).

Na aula seguinte a docente define os conceitos de variação e variante, e porque se ignorou a variação lingüística (antes o estudo da lingüística era considerado algo uniforme) e de como é importante ter mente que as línguas variam na hora de ensinar a língua materna.

A aula foi pautada no capítulo 1 “A sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um grupo social”, do livro Sociolingüística: os níveis da fala, de Dino Preti. Além desse capítulo, a professora deixou quatro apostilas no xerox (relacionado também as aulas anteriores).

Na aula seguinte a docente explica o problema da uniformidade lingüística a partir do capítulo 2, “A Norma e os Fatores de Unificação Lingüística na Comunidade”, do livro Sociolingüística: os níveis da fala, de Dino Preti.

Na semana seguinte a professora reuniu os cinco grupos que apresentariam os seminários para verificar como estavam os pesquisas. Para dar um parâmetro aos alunos do que ela esperava do trabalho, deixou no xerox o que foi produzido pela turma anterior: “O erro sob a mira da sociolingüística”.

A partir deste ponto, passo a observar somente as aulas de Sociolingüística em que os alunos apresentarão seminários num segundomomento.

Os temas apresentados nos seminários são: “Crioulização do português”; “Spanglish”; “Falar e escrever, eis a questão”; “A norma culta” e “A polêmica sobre os ‘estrangeirismos' no cotidiano brasileiro”.

Os temas foram escolhidos pelos alunos que já tinham algum interesse pela temática, e a partir de uma bibliografia básica indicada pela professora os alunos deveriam pensar qual a melhor forma de explicar para a sala.

De forma geral, os grupos foram atrás de outros livros e artigos para explicar o assunto, fazendo pontes com o ensino da língua materna. O grupo, por exemplo, de estrangeirismos foi ao shopping fotografar as vitrines para mostrar que 70% das vitrines não são nomes em português.

O mais interessante desses grupos não foi notar que houve um trabalho de pesquisa e uma busca por material, e sim notar como os alunos apresentam os conteúdos estudados, ou seja, de que forma eles apresentam seus valores dentro do que é ensinado.

Desses cinco grupos o que mais chamou a atenção foi justamente o que apresentou os estrangeirismos, para eles as palavras estrangeiras só entram na língua portuguesa por causa da falta de escolaridade da população que assiste à televisão.

Os meios de comunicação de massa seriam os grandes responsáveis pela falta de cultura brasileira, e os estrangeirismos são apenas reflexo da ignorância da população. Já os estudados tendo consciência da sua língua evitariam esse tipo de palavras, só usariam os estrangeirismos nas situações necessárias, como, por exemplo, no trabalho ou numa escola bilíngüe.

Dessa modo, foi muito importante assistir aos seminários porque uma coisa é ensinar a linguística, outra é a aceitação desses conteúdos. E este é o grande desafio do professor desta disciplina.

Como este aluno não teve, provavelmente, acesso nos anos escolares básicos de conceitos linguísticos, no ensino superior em Letras fica difícil que os discentes percebam a linguística como uma ferramenta de auxílio.

Devesse pensar de que forma o conteúdo linguístico pode aparecer em todos graus de escolaridade, pois se somente ensinado no ensino superior pode não auxiliar na formação do docente, criando uma impermeabilização a linguística.

 

Considerações finais

Define-se[6] lingüística como o “estudo científico da língua”, então as disciplinas de lingüística devem oferecer ao aluno de Letras a possibilidade, a partir de sua língua, de fazer ciência.

O afastamento do papel de aluna, deste ponto, possibilitou um maior aguçamento do que é a ciência da linguagem, qual o seu papel nas salas de aula e como esse ensino permite aos graduandos refletir a sua realidade lingüística.

Dessa forma, ao término do estágio considero que o objetivo do professor de lingüística deve ser semelhante ao professor de português para ILARI[7], deve “ampliar a capacidade de comunicação, expressão e integração pela linguagem da população atingida por seu trabalho (...)”.

Assim, o professor pode tentar sensibilizar o seu aluno de que a Lingüística é uma ferramenta interessante para ele, como professor de Língua Portuguesa, e não a ciência “que aceita tudo”. Uma forma de transmitir uma visão “desautomatizada” dos fatos correntes da língua.

Tendo a consciência de que os lingüistas não “aceitam tudo”, mas têm um papel político que é o de transferir os seus conhecimentos adquiridos, além de combater os que se proclamam especialistas e estão desvinculados da pesquisa científica.

Cabendo ao docente trazer a Lingüística o mais próximo da realidade dos alunos, como, por exemplo, na construção de paralelos com o seu cotidiano, ou seja:

(...) ensinar lingüística nos cursos de Letras não é passar receitas prontas para os problemas de análise sintática, nem expor magistralmente teorias e modelos prestigiosos junto à própria comunidade dos lingüistas (...). (ILARI, 1985: 11)

De forma geral, acho que os alunos das Instituições observadas são estimulados a conhecer sua realidade lingüística, mas somente um maior acompanhamento dos cursos permitiria saber se ao final da graduação o aluno adquire essa sensibilidade.

Porém, é importante termos em mente que o ensino de lingüística não deve tomá-la como apenas um objeto, da mesma forma que não se deve ver o aluno como algo que se deva ser ensinado de forma esquemática:

Faculdade > aluno > profissional/professor

É importante pensar o aluno como um todo, como alguém que lida com “a historicidade da linguagem, o sujeito e suas atividades lingüísticas e o contexto social das interações verbais”. (GERALDI, 1997: 7)

figura2

Desse modo, os cursos de “Letras precisam também assumir a agilidade suficiente para formar um profissional sensível à diversidade das situações sociais, capaz de trabalhar basicamente com a língua falada (...)”. (ILARI, 1985: 14)

 

Notas

[1] Por uma questão de sigilo, as Instituições observadas serão denominadas genericamente de Instituição A e Instituição B, assim, podendo analisá-las de forma mais isenta.

[2] Fonética é uma ciência natural que torna o som lingüístico como realidade física, enquanto a Fonologia é uma ciência social, uma vez que encara o som lingüístico como realidade semiológica.

[3] Estava presente quando o aluno foi entregar (e agradecer o incentivo da professora) o livro que continha um texto seu baseado em sociolingüística e que foi selecionado para ser publicado pela UNESCO. Este texto foi um dos cem escolhidos de 51.253 inscritos.

[4] R.L. TRASK, Dicionário de linguagem e lingüística. trad. Rodolfo Ilari; ver. técnica Ingedore Villaça Koch, Thaïs Cristófaro Silva. São Paulo: Contexto, 2004. p. 177.

[5] LAD (dispositivo de aquisição da linguagem) seria um órgão mental hipotético cuja função específica é a aquisição da primeira língua. Porém, nos últimos anos, o próprio Chomsky parece ter abandonado sua proposta de um LAD em favor de uma teoria ainda mais forte: o modelo da fixação, ou marcação, dos parâmetros.

[6] R.L. TRASK,. Dicionário de linguagem e lingüística. trad. Rodolfo Ilari; ver. técnica Ingedore Villaça Koch, Thaïs Cristófaro Silva. São Paulo: Contexto, 2004. p. 177.

[7] Rodolfo Ilari, A Lingüística e o ensino de Língua Portuguesa, 1985, p. 7.

 

Referências bibliográficas

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1993.

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.

_____________. A Lingüística e o ensino de Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

KRISTEVA, Julia. História da Linguagem. Lisboa: Portugal: Edições 70, 1969.

TRASK, R.L. Dicionário de linguagem e lingüística. trad. Rodolfo Ilari; ver. técnica Ingedore Villaça Koch, Thaïs Cristófaro Silva. São Paulo: Contexto, 2004.
  
   

 

 Bruna Atalla

 

Introdução

Este artigo baseia-se no relatório de estágio realizado no Colégio Anglo, unidade Tatuí, no Ensino Fundamental, em que eu conduzo as aulas de Leitura de 5ª a 8ª séries. A disciplina Leitura é oferecida aos alunos do Ensino Fundamental II e não é apostilada, cabendo ao professor a tarefa de montar o curso.

A escolha dessa escola se deu por dois motivos: em primeiro lugar porque eu poderia utilizar as horas do trabalho como horas de estágio. Em segundo, porque o curso de Leitura deste ano foi organizado por mim.

A partir disso, seria extremamente producente apresentar parte deste curso, uma vez que ele poderia ser avaliado por mim e pelo professor, o que abre a possibilidade de aprimoramento para os próximos semestres.

Sendo assim, neste trabalho, vou apresentar o conteúdo e elencar os aspectos positivos e negativos do curso, além de lançar sugestões de novas metodologias e novos materiais. É importante ressaltar que, a partir do segundo semestre, o curso de Metodologia fez com que eu alterasse algumas práticas e inserisse novos textos e métodos.

A série escolhida para este trabalho foi a 5ª série do Ensino Fundamental, pois foi a turma com a qual eu não obtive sucesso e que a prática em sala de aula foi muito difícil. Para a melhor compreensão do conteúdo da 5ªsérie, apresentarei também o plano de trabalho das outras séries, a fim de deixar explícita a continuidade do curso.

 

5ª série

Objetivos

•  Prazer pela leitura.

•  Perceber a ressemantização e a subversão de valores nos contos populares. Exemplos de contos: Contos de Grimm e Andersen, Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque), O Príncipe Desencantado (Flávio de Souza), Poesias e Jogos Dramáticos.

Livros sugeridos

•  Pobre Corintiano Careca, Ricardo Azevedo;

•  Bisa Bia, Bisa Bel, Ana Maria Machado;

•  A Bolsa Amarela, Lygia Bojunga Nunes;

•  O Saci, Monteiro Lobato.

Obs: Os textos serão distinguidos como ficcionais e não-ficcionais. Será, entretanto, feita uma breve discussão sobre o gênero Novela.

 

6ª série

Objetivos

•  Compreender os elementos da narrativa ficcional a partir de contos e começar a refletir sobre gêneros discursivos.

Livros sugeridos

•  O Signo dos Quatro, Sir Arthur Conan Doyle;

•  Alice no País das Maravilhas, Lewis Carrol;

•  20 mil léguas submarinas, Júlio Verne.

 

7ª série

Objetivos

•  Fazer os alunos atentarem às coerções genéricas, isto é, às regras a que os textos se submetem e de que forma, muitas vezes, elas são desestabilizadas.

Livros sugeridos

•  Um Sonho no Caroço do Abacate, Moacyr Scliar;

•  Um Estudo em Vermelho, Sir Arthur Conan Doyle.

 

8ª série

Objetivos

•  Percepção da heterogeneidade discursiva, principalmente das intencionais, como a intertextualidade.

Livros sugeridos

•  A Metamorfose, Franz Kafka;

•  A Revolução dos Bichos, George Orwell;

•  Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley.

Para escolher os livros de cada série, baseei-me no PNLD de 2004, no site da editora Ática e no site Educarede, que indicam livros para cada série. Embora as datas do estágio sejam do segundo semestre, e as matérias registradas de fato coincidam com este período, será essencial para este relatório valer-se de dados do primeiro semestre.

 

Relatório de Observação e Regência

5ª série do Ensino Fundamental

Eu tenho três preocupações com a 5ª série. A primeira é de conquistá-los, pois eu ainda não os conheço. A segunda é de mostrar que ler é prazeroso. E a terceira é conciliar prazer e dever, sem banalizar o curso. Este, portanto, tem de ser divertido e sério ao mesmo tempo. A priori, com os textos que eu havia selecionado, achei que seria tarefa fácil, pois assim o foi no ano passado. A minha ingenuidade, porém, residiu no fato de eu me esquecer de que os públicos variam. E a diferença entre a 5ª série do ano passado e essa 5ª eram gritantes.

O primeiro dia que entrei na sala de aula, já tive um estranhamento, pois eu entrei na sala entre objetos voando de todos os lados. Meninas gritavam histéricas e meninos corriam para todos os lados com as vozes não menos baixas que as das meninas. Tinha certeza de que eu conteria a sala, mas o trabalho foi difícil todo o ano.

 

04/02/04

Fiz a minha apresentação, passei os avisos sobre avaliação e materiais e fiz a seguinte dinâmica:

•  Dividi a turma em grupos.

•  Cada grupo deveria fazer perguntas e tarefas para o outro realizar.

•  A surpresa é que a tarefa criada deveria ser realizada pelo próprio grupo criador.

•  O objetivo era mostrar que deveria haver cooperação entre eles. Que era essencial que todos se ajudassem quanto a materiais e dificuldades que tivessem em relação à matéria.

O resultado foi o pior possível. Todos criaram atividades com o intuito de colocar o outro numa situação de constrangimento. Quando eu os informei quem era que deveria realizar as tarefas, a revolta foi grande. E a gritaria também.

O resultado da segunda dinâmica não foi melhor, mesmo depois de eu ter conversado com eles em relação à cooperação. A dinâmica era a seguinte:

•  Todos deveriam sentar em círculos em suas carteiras.

•  Cada um com uma folha de sulfite colocaria o próprio nome no topo.

•  As folhas iriam sendo passadas ao colega ao lado para que estes deixassem recados.

Houve muitas ofensas entre eles e, a partir dali, já era claro: a sala não era unida e era extremamente indisciplinada, no conceito mais amplo que disciplina possa assumir.

A última brincadeira foi com um poema do Sérgio Caparelli, O Buraco do Tatu. O objetivo era criar os três últimos versos, a partir dos primeiros: O Tatu cava um buraco/ Um buraco muito fundo... Não foi um trabalho de improvisação, eles tiveram tempo para elaborar. E nesse tempo, a dependência dos alunos foi grande em relação a mim. Queriam saber se estava certo, se estava bom, se não estava errado. Frases como: “Eu não consigo” ou “estou com dificuldade”, foram extremamente comuns. Como se de fato eles achassem que seriam punidos caso fizessem errado, ou feio. Aliás, em todas as séries, foi uma dificuldade fazer os alunos se soltarem, pois eles parecem estar sempre agindo sob um olhar punitivo de bronca ou de nota.

Em todas as atividades propostas, eles perguntavam se valia nota. E se eu dizia que valia, eles entravam em pânico. É provável que eles tenham sido habituados assim ao longo da vida escolar. Isso é positivo em muitos aspectos, em outros, entretanto, fica claro que o aluno se torna inseguro com suas próprias idéias.

Voltando à atividade: os alunos se sentaram em círculo e cada um leu o verso criado. Eu fazia com que batessem palmas a cada leitura. Como são muito falantes, a dificuldade encontrada foi fazer a leitura fluir, isto é, fazer leitura- palmas- leitura. Para o outro começar era necessário um tempo até que a roda fizesse silêncio. E obviamente, havia sempre um aluno que criticava a criação do outro.

As aulas que continuarei relatando abaixo estão organizadas em forma de tópico. A grande questão é: o que colocar na lousa? Eu não sabia. Eu preparava a aula e quando discutia com eles alguns aspectos observava aquilo que era necessário “mandar copiar” e o que não era. Errei nesse sentido no meu ponto de vista. Primeiro porque isto dá a impressão de que a aula não foi preparada. Segundo porque algum aluno sentado ali no fundo, que não participou da discussão e eu que não observei, pode ter a necessidade de um tópico na lousa que os outros alunos não têm.

Dessa forma, creio que o ano que vem as aulas devem ser preparadas por mim de modo que esteja esquematizado no papel o que colocaria na lousa.

 

11/02/05

Distinguir dois tipos de história: - real ou - irreal ® ficcional

Perguntei à sala de que língua havia se originado o português ao que todos responderam em uníssono: “do latim”. Assim, fiquei à vontade para explicar:

•  Fingere> fingir> ficção, para explicar que a ficção é um fingimento.

•  Leitura de uma ficção: No dia em que o gato falou, Millôr Fernandes.

•  A leitura será feita pelos alunos em voz alta e em seguida por mim.

-Discussão oral sobre o texto:

•  Pedir que alguém faça um comentário aleatório.

•  Pedir que reflitam sobre expressões idiomáticas e digam se conhecem a origem.

•  Refletir sobre os perigos da experimentação. Lembrar da lenda urbana (?) do gato no microondas.

•  Por que o autor colocou nas notas de rodapé “Construção do Estado?”

•  Discutir a moral da história, pedir outros exemplos e fornecer-lhes outros.

A discussão foi produtiva, embora tenham existido dificuldades para ouvir a pessoa que estava comentando, pois enquanto um estava falando, outro estava atirando giz. Ao longo do tempo, percebi que quatro alunos na sala faziam uma diferença muito grande. Quando eles, ou um deles não estava, a aula fluía tranqüilamente.

Certa vez assisti a uma palestra de um ator-professor (como ele se auto-intitulava) que falou sobre uma peça teatral em que uma atriz foi substituída por outra. O resultado foi que em uma determinada cena com a atriz anterior as pessoas choravam, e com a substituta eles riam. Utilizou esse fato para exemplificar o que acontece na sala de aula quando se mexe em uma única peça: a aula fica diferente. Recentemente, passei por isso: assisti a uma peça duas vezes. Na segunda vez, uma única atriz tinha sido modificada e o entrosamento entre os atores foi bem diferente.

Era o que acontecia nessa sala. Desses três alunos que modificavam a produtividade da minha aula, um mudou de escola; e os outros dois ficarão para conselho. Provavelmente vão repetir o ano.

•  Tarefa em sala de aula: enumerar palavras desconhecidas no caderno e procurar no dicionário. Ao final vistei o caderno de todos.

 

18/02/05

Atividade de Interpretação

Conto: No dia que o gato falou (Millôr Fernandes)

Disciplina: Leitura

•  No excerto “Manso e inteligente, seu olhar era humano”, do primeiro parágrafo, o autor insere uma nota de rodapé. O que você acha que o autor quis dizer com essa nota?

•  Observe, no terceiro parágrafo, o trecho “O papagaio viu no brilho do olhar da dona o seu (dele) terrível destino e tentou escapar. Por que você acha que o autor colocou o pronome (dele) entre parênteses?”.

•  O papagaio do conto, segundo Millôr Fernandes falava pelas tripas do Judas. O autor ainda acrescenta nas notas que “ninguém sabe de onde veio essa expressão”. Enumere três expressões que você conhece e que também não imagina de onde vem.

•  Por que você acha que o autor disse que o prédio que desabou é uma construção do Estado?

•  Explique a moral da história, relacionando-a com o texto. Você conhece alguém que não acredita em suas próprias criações?

A questão que apresentou maior dificuldade foi a primeira. Quase ninguém conseguiu responder. Não perceberam a comicidade da nota, provavelmente porque ainda não houve reflexão sobre o comportamento dos homens. Na questão três, eles também apresentaram dificuldades por não se lembrarem ou talvez por não possuírem repertório cultural suficiente.

 

04/03/05

•  Leitura do Príncipe Desencantado, do Flávio de Souza.

- Discussão: O texto dramático (explicar que este é um texto para ser encenado e que encenar é dramatizar).

•  No texto dramático existe o narrador?

•  O que substitui o narrador?

•  Quem sabe a diferença entre discurso direto e discurso indireto?

Discurso direto: quando a personagem fala.

Discurso indireto: quando o narrador conta o que a personagem falou.

 •  O texto dramático possui discursos diretos ou indiretos? Por quê?

•  Como não existe mais narrador, como sabemos o que se passa com as personagens?

•  Explicar Rubricas:

As rubricas são indicações das ações e sentimentos das personagens e de elementos do cenário. Dessa forma o ator pode se orientar, isto é, saber o que ele deve fazer.

•  Em seguida os alunos fizeram a leitura dramatizada dessa peça. Todos gostaram muito da atividade. Um grupo de alunos se dispôs a decorar e a encenar a peça, três semanas depois. Providenciaram o figurino, cenário e ampliaram algumas falas.

•  A paródia: é uma imitação cômica. Exemplo de músicas que eles inventam a partir de outras. Entreguei a eles também “Ai que Saudades”, de Ruth Rocha e “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu, a fim de mostrar outro exemplo de paródia.

 •  Estereótipo: é uma imagem fixa e inalterável. Exemplo do CDF.

Atividade proposta (no caderno)

•  Qual conto de fadas é parodiado em O príncipe desencantado?

•  Os estereótipos das personagens dos contos de fadas foram mantidos ou subvertidos?

•  Como se chama a descrição dos sentimentos, movimentos e reações das personagens no texto dramático?

•  As personagens e suas ações estão adequadas à época em que se encontram?

 

01/04/05

A Poesia

•  Vocês sabem o que é um acróstico?

•  Ler acrósticos.

O que mais vou querer?

Para auxiliar na produção de acróstico, fizemos a seguinte atividade:

•  Levantamento de características físicas psicológicas, positivas e negativas.

•  Levantamento alfabético relacionado às características elencadas.

•  Atividade: Fazer um acróstico homenageando um colega.

A atividade foi produtiva, os alunos gostaram muito e toda aula, quando eu entrava, tinha um acróstico com o meu nome na lousa.

Mais poesia

•  Ler Bão balalão e mostrar a versão musicada do Secos e Molhados.

•  Em seguida, ler O açúcar, Ferreira Gullar.

•  Qual a diferença entre os dois poemas?

Muitos responderam que “um rimava e o outro não”.

A partir disso comentei que esse poema sem rimas contava fatos e que, portanto ele tinha um caráter narrativo, sendo possível fazer uma paráfrase.

Atividade: Vamos parafrasear O Açúcar?

•  Parafrasear é contar com suas próprias palavras. Sendo assim, quando parafraseamos um texto, obtemos uma paráfrase.

A dificuldade encontrada pelos alunos foi se desvincular das palavras utilizadas pelo autor. Normalmente, eles escreviam ipsis litteris. Por esse motivo pedi para que refizessem a atividade substituindo as palavras que eu destaquei.

 

15/04/05

•  Retomei a aula passada: estereótipo, paródia, poesias.

•  Bronca sobre o comportamento das aulas anteriores:

•  Não prestam atenção ao que foi proposto.

•  Como chegarão na 6ª série?

•  Algumas atividades são trabalhosas, mas os resultados são sempre gratificantes.

•  Lembrar o teatro feito por eles: foi trabalhoso, mas o resultado foi excelente.

•  A sala fez silêncio e pareceu ter acatado. Quando propus a nova atividade, entretanto, foi como se eu não tivesse falado nada. Tive um sentimento de impotência.

•  Atividade do dia: Jogo Dramático (as regras estão na ficha em anexo).

•  Pedi para que eles escrevessem a história em grupo e em seguida dramatizassem.

A principal dificuldade foi não atender ao que foi proposto. Esse fato foi recorrente ao longo do curso e, na maioria das vezes, isso não representou incompetência de leitura, como demostram outras atividades que eles realizaram. Ao contrário, foi desatenção e desinteresse.

Isso mostra que o meu projeto de sedução no primeiro semestre fracassou. Até agora encontrei o problema da desorganização da lousa, o que representa uma falha da metodologia. Seria só isso? Os alunos gostam de mim, os textos são interessantes do meu ponto de vista e de autores de livros de didáticos, mas a aula não é producente.

A partir desse ponto vale uma observação. O meu curso é o único que não é apostilado, não tem a famosa PE (prova específica) e os alunos não sabiam (descobri recentemente) que eu elaboro questões para a temida PI (prova interdisciplinar). Mas por que só com essa sala? Seria então um problema de clientela aliado ao problema de metodologia e do caráter informal do curso? Creio a priori que seja isso.

 

A coordenadora me chama para uma conversa

A minha coordenadora, professora de Geografia do Ensino Fundamental me chamou para termos uma conversa. Segundo ela, os alunos estavam indo mal na Prova Interdisciplinar porque não sabiam interpretar texto e isso era responsabilidade minha. Na hora, eu fiquei abalada psicologicamente, com um imediato sentimento de culpa e respondi que, “tudo bem, ia pegar no pé com interpretação”.

Mais tarde parei para pensar. Achei estranho porque, muitas vezes, os alunos me surpreendiam, ao fazer inferências que apresentavam certo grau de dificuldade. Além disso, como duas aulas de Leitura semanais poderiam resolver o “problema de interpretação?” E, porque eu era a única da área de Língua Portuguesa que recebia a culpa? E o professor de Gramática, que inclusive tem uma frente de Leitura em sua apostila?

Em seguida, fui pedir auxílio da professora da área de Língua Portuguesa no quesito interpretação. Expus o fato e a minha reflexão sobre ele. Ela esteve na reunião em que coordenadora disse: “Eu sei que a culpa é da Bruna” e disse que ela “arrepiou os cabelos” e acrescentou que “a responsabilidade é de todas as matérias”.

De qualquer modo, ela me aconselhou a trabalhar com textos mais denotativos. Na minha ânsia de atender às necessidades do Colégio, entrei na internet e selecionei uma notícia para cada série. O critério era “graus de inferência”. Escolhi para a 5ª série um texto com as informações explícitas, na maioria das vezes, como forma de diagnóstico.

 

06/08/05

Revisão e Dinâmica

•  Distinguir dois tipos de história › real e irreal

•  Nome que damos à história irreal › ficcção>fingere>fingir

•  Enumerar tipos de histórias ficcionais e não-ficcionais. Enumerar em que tipos de textos essas histórias são contadas.

•  Ficcionais: romance, conto, fábula, novela, teatro etc.

•  Não ficcionais: notícia, reportagem, relato de experiência, entrevista, etc.

•  Mostrar gêneros diferentes e pedir para que os alunos identifiquem. Fazer perguntas para alunos menos atenciosos.

•  Qual o gênero que a gente mais leu?

•  Características do gênero dramático:

•  O narrador dá lugar à voz das personagens;

•  O discurso, portanto, é direto;

•  O próprio nome da personagem marca a sua fala;

•  Aparecem as rubricas.

•  Vimos, em seguida, textos dramáticos parodiados. O que é paródia?

Segundo o dicionário Aurélio: Paródia s.f.imitação cômica de uma composição literária. 2.P;extensão. Imitação burlesca.

•  Como foi a paródia que vimos?

•  Foi uma paródia da Bela Adormecida. Qual era nome?

•  O Príncipe Desencantado desconstruiu vários estereótipos? O que é estereótipo?

•  Estereótipo é uma imagem fixa e inalterável.

•  Mostrar Monalisa.

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 Com perguntas estimuladoras à sala, cheguei à conclusão junto com os alunos de que:

•  As duas fotos representam uma paródia de Monalisa, de Leonardo da Vinci.

•  A “Monalisa” à direita é o estereótipo da mulher americana, fato observado a partir do título (Monalisa after one week in U.S.A), dos cabelos loiros, e os bustos grandes.

•  A “Monalisa americana” subverteu as formas da “Monalisa original”.

Essa revisão foi muito importante, pois reforçou alguns conceitos fundamentais do primeiro semestre. Alguns alunos que não haviam compreendido anteriormente compreenderam nessa aula.

•  Indicar o livro: Pobre Corinthiano Careca, do Ricardo Azevedo e pedir para que me esperem avisar o dia que chegará à livraria.

•  Propus no final da aula uma dinâmica a fim de introduzir o conceito de Literatura oral ou literatura popular.

 

A dinâmica

•  Todos em pé formaram um círculo. Um aluno ficou no meio com uma bolinha na mão. O aluno do centro deveria dizer uma frase jogar a bola para alguém do círculo. Quem pegasse a bola deveria recontar a frase do outro e acrescentar.

Depois que todos se sentaram eu expliquei (e coloquei na lousa) que Literatura Oral (ore>grego>boca) é aquela transmitida de boca em boca, de geração em geração. Por exemplo, um pai conta para o filho, que conta para o filho e assim sucessivamente. O objetivo da dinâmica era mostrar que com as histórias de tradição oral acontecia parecido com o que aconteceu na brincadeira: quando a história vai passando de boca em boca, um aumenta, outro diminui, outro modifica. Dessa forma, a mesma história pode ser contada de várias maneiras diferentes, preservando apenas o tema principal.

 

14/08/05

•  Fiz uma leitura com os alunos de um conto de tradição oral chamado “O Diabo e o Granjeiro”, da Tatiana Belinki, para ilustrar a atividade da aula passada.

•  Expliquei que essa é uma história de tradição oral que foi recontada por uma escritora.

•  Além disso, acrescentei que se outro autor a tivesse escrito, poderia ter feito diferente de acordo com seu estilo, obviamente, preservando-se a idéia principal.

Na seqüência da aula, saí da literatura oral para analisarmos o conto “O menino e o velho” da Lygia Fagundes Telles.

•  Leitura de um conto da Lygia Fagundes Telles será feita por eles em voz alta e em seguida por mim, esclarecendo nesse processo as dúvidas vocabulares.

•  Atividade proposta: Parafrasear o conto.

Eu sempre me preocupo em fazer a leitura oral por dois motivos: primeiro para que os alunos observem o tom adequado da leitura (sinistro, alegre, duvidoso) e percebam como a leitura se torna mais interessante e gostosa quando a leitura é bem feita. Além disso, enquanto eu faço a leitura, faço alguns gestos, como por exemplo, na hora em que o velho arruma o colarinho. Acho que isso mostra como eu estou inserida naquele mundo fictício e como isso é prazeroso.

Os alunos precisam perceber que o professor realmente gosta e acredita naquilo que está fazendo. Mesmo que às vezes eu tenha que fingir que estou gostando, considero isso um primeiro passo para que o aluno também se interesse pelo conteúdo.

Isso eu observei através dos meus professores e também através da minha prática em sala de aula. Uma das situações se deu no dia em que eu li esse conto, três alunos muitos indisciplinados faltaram. Os que ficaram aproveitaram muito a aula e entraram no clima da leitura.

 

A paráfrase

Infelizmente não fiquei com as atividades das paráfrases, mas da minha correção, o que lembro e que vale ressaltar foi a extrapolação dos alunos. Muitos disseram que o menino matou o velho porque ele (o menino) era muito mal. Outros até disseram que o velho espancava o menino. Essas extrapolações, entretanto, não foram realizadas de forma positiva, pois não havia no texto nenhum dado que as justificasse.

O termo extrapolação que eu estou utilizando, deve-se a alguns conceitos apreendidos na aula de Metodologia II. Segue abaixo.

 

Pressupostos para uma leitura adequada (pois a leitura errada existe):

•  Conhecimento de mundo/leitura de mundo

•  Conhecimento lingüístico ® do código, da gramática (figuras de linguagem).

•  Conhecimento discursivo ® autoria

 

Níveis de leitura:

•  Fragmentário, Parafrástico, Global e Extrapolativo.

A partir disso foi possível observar mais claramente através dos equívocos dos alunos, qual o tipo de conhecimento estava faltando. Na verdade, esses conceitos norteavam as minhas atividades propostas e correções das atividades, entretanto, eu não as tinha claramente organizadas na minha cabeça.

•  Depois da paráfrase, passei questões interpretativas sobre o conto:

•  No primeiro parágrafo, a autora estabelece dois paradoxos (idéias contrárias) quando se refere ao mar.

•  Quais são esses paradoxos?

•  O que você acha que a autora quis dizer com eles?

•  A narradora desse conto passou o tempo todo observando o menino e o velho. Essa narradora é apenas observadora ou é também onisciente, isto é, sabe o que se passa na mente das personagens?

•  Segundo o texto, nós podemos inferir que o menino trabalha? Se sim, qual a sua profissão mais provável?

•  Quando a autora narra “Pão Preto? Ele lembrou...” você acha que quem lembrou o quê?

•  Releia o primeiro e o segundo parágrafo e escreva todas as características que explicitam as diferenças sociais entre o menino e o velho.

•  A casa do ator de cinema a quem a autora compara o velho era alegre ou sinistra? Descreva essa casa.

•  O que o narrador diz que pode nos dar pistas sobre o caráter do velho?

•  Quando o narrador reencontrou os dois protagonistas (personagens principais), houve algumas transformações nessas personagens?

•  No antepenúltimo parágrafo a narradora volta a falar do filme. Qual você acha que foi a intenção da autora?

•  Faça uma comparação entre as imagens que a narradora compôs do mar entre o primeiro e o último parágrafo.

 

Os Contos Populares

Um professor forneceu-me uma apostila organizada por ele: “Coletânea de textos extraídos da tradição oral”, da qual pude aproveitar em minhas aulas uma série de elementos da Literatura Popular.

Comecei pelas adivinhas, trava-linguas e provérbios, propondo atividades relatadas na aula seguinte.

Nas aulas posteriores li diversos contos folclóricos da apostila, comentando que a lenda ou o mito tentam explicar o que é inexplicável e que acabam se tornando sabedoria popular.

 

26/08/05

Propus uma gincana com as adivinhas, na tentativa de fazê-los participar da aula. De fato participaram, mas deflagrou-se uma guerra entre os grupos. Um queria ser melhor do que o outro, acarretando uma disputa nada saudável com direito a ofensas verbais e físicas (sim, físicas). Relato a atividade a seguir:

•  Dividi a sala em cinco grupos.

•  Cada grupo deveria ler a adivinha para outro grupo, que arriscaria a resposta certa.

Alguns acertaram as adivinhas mais fáceis. Houve reações de estranhamento quando eram reveladas a eles respostas que nem imaginavam. Comentários como “nada a ver!” foram muito freqüentes como na adivinha abaixo, cuja resposta é relógio.

Um palácio tem doze damas

Cada dama tem quatro quartos

Todas elas usam meias

E nenhuma usa sapatos

Obviamente, os alunos passavam a ver sentido, depois de estabelecidas todas as comparações, para se chegar à resposta correta. Em seguida, com os mesmos grupos formados propus uma atividade com trava-línguas. Quem travasse a língua perderia ponto.

Os alunos se divertiram e, dessa vez, foi mais tranqüilo, pois eles precisavam fazer silêncio para verificar se o outro grupo não ia se enroscar.

A atividade seguinte foi com provérbios. Digitei todos os provérbios da apostila e cortei-os pela metade como ilustrado abaixo:

A caixa menos cheia É a que mais chocalha

A galinha da vizinha É mais gorda que a minha

•  Cada um deveria ficar com uma parte e achar o seu par.

Alguns sentiram dificuldade, pois não acreditavam que a sua metade era a metade do outro como em: Água fria/ Não escalda pirão. Esse estranhamento se deu, provavelmente, pela ausência de rimas e também por nunca terem ouvido falar.

Sempre que propunha essas atividades, dizia a eles que se tratava de tradição oral, ou seja, do que é transmitido de boca em boca. Mas , o que me deixava mais deprimida era quando eu perguntava na aula seguinte o que era tradição oral, eles não sabiam responder.

Imaginei que talvez tivessem faltado exercícios de fixação. Mas como, com exercícios teóricos, tornar agradável uma atividade que pode ser tão produtiva e prazerosa sem os mesmos?

 

O Cordel

A Literatura de cordel encaixou-se perfeitamente no tema que eu estava desenvolvendo: literatura popular. Utilizei um livro intitulado “O Cordel na Sala de Aula” que fornece alguns dados sobre essa literatura e fornece algumas metodologias.

A questão enfatizada pelo livro é que não se deve teorizar sobre o cordel, mas tentar promover um encontro afetivo entre o aluno e essa literatura.

 

14/10/05

Antes do início da aula, coloquei varais na sala e prendi os cordéis com pregador. Isso despertou a curiosidade deles, Eles olhavam, abriam, perguntavam o que era e até riam com alguns versos lidos aleatoriamente.

Com os cordéis pendurados corrigi exercícios da aula anterior e na aula seguinte falei dos cordéis como quem conta uma historia informalmente. Depois, chamei alguns alunos para escolherem um cordel e lerem para a sala. Pedi para eles pegarem “As proezas de João Grilo”, que poderia gerar mais riso na sala.

A leitura, no início, foi um pouco truncada, pois os alunos não sentiam o ritmo dos versos. Por isso, fiz questão de ler alguns trechos.

 

A Expo-Anglo

O colégio Anglo promove todos os anos uma exposição temática em que cada professor deve relacionar a sua matéria a um tema proposto. O tema de 2005 foi água, então tive a oportunidade de aproveitar o cordel para discutir a questão da seca.

Dessa forma, levei na aula seguinte, em transparência “A Triste Partida” e “O ABC da Seca, Patativa do Assaré, para que pudéssemos ler e discutir.

Depois de ler e parafrasear parte do poema, conversei com os alunos sobre a temática da seca. Chegamos juntos à conclusão de que é natural que a seca seja bastante abordada no cordel, já que ele se instalou na região Nordeste e sua prática mais comum se dê exatamente nessa região.

O que eu tentei deixar claro é o caráter não científico da espera pela chuva, pois normalmente a questão da seca na literatura de cordel é atribuída não a algo natural, mas como sendo um castigo de Deus.

Com a ajuda da professora de Educação Artística, eu e os alunos montamos uma sala de Literatura de Cordel, abordando a questão da seca e da religiosidade. As paredes da sala foram cobertas de papel craft, para representar a região seca e cordões com os livretos pendurados preenchiam o alto da sala. Havia uma televisão em que as pessoas podiam assistir ao “Lunário Perpétuo”, show de Antonio Nóbrega, e painéis com a historia do cordel e com a biografia de Patativa do Assaré.

Na parede, sobre o papel, os alunos fizeram desenhos e escreveram frases relacionadas à seca.

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O resultado da exposição foi muito positivo, pois os alunos das outras series fizeram muitas perguntas durante a montagem e ficaram muito curiosos com os folhetos e com o vídeo.

No dia da exposição, aberta ao publico, os alunos se revezaram para fazer a monitoria da sala, principalmente os que não eram da 5ª serie. Alguns pais também se mostraram bastante curiosos, pois nunca tinham visto um folheto de cordel.

Na aula seguinte, conversei com os alunos sobre o cordel e poucos sabiam falar a respeito, então, caindo no desaconselhável tecnicismo, apliquei uma atividade com perguntas sobre a história do cordel e a relação entre a seca, o cordel e a religião.

 

22/10/05

O Cordel, pela sua composição, é intrinsecamente ligado à música, por isso pesquisei algumas canções famosas a partir de cordéis. As que encontrei do Luiz Gonzaga, não agradariam meu público, provavelmente, e a minha situação não estava boa para arriscar a chocá-los, ou pior, enfadá-los. Então, levei uma peleja do Caju e Castanha que era possível que eles gostassem por se tratar de um tema atual.

Expliquei e coloquei na lousa o que era uma peleja (muito comum nos cordéis) em seguida coloquei para eles ouvirem uma peleja da dupla. Aproveitei a ocasião para relembrar os trava-línguas, colocando a musica “Duvido você dizer”, dos emboladores.

Os meninos, principalmente, gostaram bastante e até criaram versos uns para os outros. Algumas meninas torceram o nariz e me disseram: “Bruna, você é louca, cada coisa que você traz!”

 

04/11/05

O Teatro

Nesse dia, levei as crianças a São Paulo para assistirmos a peca “Avoar”, do Vladimir Capella. O objetivo era fazê-los refletir sobre a cultura popular, a oralidade e sobre suas vidas. Queria que eles refletissem em que tipo de ambiente eles estavam inseridos e o que eles esperavam para eles.

A peça faz parte do Projeto Escola do grupo Silvio Santos, é indicada para todas as séries do Ensino Fundamental. Ao final da peça, todos os alunos recebem um livreto intitulado “Caderno do Aluno”.

 

11/11/05

Esse seria meu último dia de aula com os alunos e eu tinha um peso sobre as minhas costas, pois tinha fracassado com eles. Senti vergonha diante deles e senti vergonha diante de mim, mas fingi empolgação, como sempre.

Na aula seguinte, os alunos fariam atividade para nota, então utilizei essa aula para conversarmos sobre a peça e sobre o livro, a partir dos quais eles fariam uma atividade na aula seguinte.

 

Conclusão

Tentei ilustrar de forma sucinta o decorrer do curso de Leitura da 5ª serie do Ensino Fundamental. O objetivo desse curso foi o encontro do aluno com a literatura popular, muitas vezes legado ao segundo plano em termos de Literatura.

O primeiro semestre consistiu em uma tentativa de sedução dos alunos, isto é, uma tentativa de conjugar leitura e prazer. A literatura popular, entretanto, teve maior expressividade no segundo semestre.

O grande problema encontrado nesse curso foi o da metodologia, que não foi muito bem definido por mim e também pelo fato de eu não ter sabido ambientar os alunos antes do contato com determinados textos.

Creio que as reflexões feitas por mim ao longo do ano e durame esse trabalho servirão de subsidio para a montagem do curso no próximo ano.

 

Referências bibliográficas

LUCIO, Ana Cristina Marinho & PINHEIRO, Helder. Cordel na Sala de Aula. Livraria Duas Cidades, 2001.

OLIVEIRA, Alberto. Setao Despedaçado. Coqueiro, s/d.

ENSINAR E APRENDER, LNGUA PORTUGUESA. Vols. 1,2 e 3. Material fornecido pela secretaria da Educação e elaborado pelo CENPEC.

Sites:

www.educarede.com.br

www.atica.com.br

www.odialetico.hpg.ig.com.br

 
  

 

Alexandre Antoniazzi Franco de Souza
Elisabete Marin Ribas

 

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

(João Guimarães Rosa)

 

Este projeto foi concebido visando o incentivo à leitura de obras literárias do cânone brasileiro, através de um trabalho interdisciplinar junto à matéria de Química. A idéia surgiu a partir das aulas de regência ministradas pelo aluno Alexandre Antoniazzi Franco de Souza quando, como estagiário, conseguiu desenvolver parcialmente as atividades aqui propostas junto à professora Flávia Eliza Egydio Leva na Escola Estadual Profª Flávia Vizibeli Pirró.

No decorrer da proposta foram trabalhados vários gêneros literários, mas não tivemos a preocupação com nomenclaturas ou estudos específicos sobre tais gêneros, pois nosso objetivo era o incentivo e despertar para a Literatura de um modo amplo e não apenas em um determinado aspecto. Acreditamos que a pluralidade de gêneros, num momento inicial, auxiliou o alcance de nosso objetivo, já que estavamos diante de alunos tão distantes da Literatura, esta, apresentada por meio de novos cronistas, bem como através de grandes nomes, como Guimarães Rosa, que foi nosso foco final.

Enfim, apoiados nas idéias trazidas por Hernándes, buscamos através de nosso projeto:

a)  estabelecer as formas de pensamento atual como problema antropológico e histórico chave;

b) dar um sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais que nos ajude a compreender melhor a complexidade do mundo em que vivemos e

c) planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

(HERNÁNDEZ, 1998, p. 73)

As propostas acima pareceram-nos ousadas, porém no decorrer da aplicação das atividades, foram abraçadas e refletidas, servindo como fundamental ferramenta em cada passo dado na busca de um trabalho através de projetos que trouxessem um repensar da natureza da Escola e de como desenvolver o saber que leve a um conhecimento significativo dentro deste espaço.

 

Objetivos do projeto

O objetivo foi fazer com que os alunos conhecessem textos literários clássicos/ canônicos, em especial da prosa de Guimarães Rosa. Por fazer conhecer entende-se criar oportunidade para que os alunos lessem textos clássicos, guiando-os nessas leituras, a fim de que delas pudessem extrair significados.

Por que e pra que fazer os alunos entrarem em contato com estes textos?

“... a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os “seus” clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois da escola.”

(CALVINO, Ítalo. “Por que ler os clássicos?”. p. 12-3)

Se por um lado, entre estes textos e os textos com os quais os alunos estavam acostumados, havia um hiato enorme que precisava ser suprimido, por outro lado acreditamos que se fossem apresentados aos alunos e não se somassem a nada que eles já conheciam, não fariam nenhum sentido e seriam rejeitados.

Foi necessário criar elos (para formar uma corrente) entre o conhecimento, partindo do que o aluno já trazia em seu repertório e, a partir daí, cada um tendo um ponto de partida diferente, pretendíamos chegar até onde desejávamos: o contato com a prosa de Guimarães Rosa. Dessa forma o projeto tinha um “mesmo” ponto de chegada (sabendo que na verdade é impossível determinar até onde vão os alunos, que tipo de relação terão com os textos), mas inúmeros pontos de partida, tão vários quanto eram os alunos na sala de aula. Enfim, o nosso papel seria, em sala de aula, conduzir os alunos, incentivando-os, para que mergulhassem no mar da Literatura, mas não “nadassem à toa” ou “morressem na praia”. Assim como disse Hernándes, através de tal proposta com projetos, tem-se uma organização de aulas e conteúdos mais complexos, trazendo uma também maior compreensão da matéria e dos temas, fazendo com que o docente atue mais como guia que como autoridade.

Como já dito, os professores não foram “nortes”, mas condutores de um longo caminho, sem deixarem-se tornar um fim em si mesmos. Nosso foco estava nos alunos e não só no seu desenvolvimento cognitivo, mas, ainda pautados nas palavras do professor espanhol, “os projetos podem contribuir para favorecer nos estudantes, a aquisição de capacidades relacionadas com: a autodireção (...), a inventiva (...), a formulação (...), a integração (...), a tomada de decisões (...) e a comunicação interpessoal (...)”.

Passemos agora à descrição das propostas de atividades e desenvolvimento.

 

Sequência didática

Nesta viagem pela literatura, traçamos o que chamamos de “mapa” com a síntese dos conteúdos, visando uma melhor orientação ao colega professor. Fica aqui um convite para o “faça você mesmo” e, devido a isso, nossas considerações e resultados estarão apenas ao final.

Duração: 10 aulas (aproximadamente)

Cronograma de aulas

Aula:

Tema:

Conteúdos específicos:

1

Início do projeto: trabalho com frases invertidas – exemplos e elaboração.

•  Vocabulário;

•  marcas de oralidade na escrita;

•  pontuação.

2

Análise das frases elaboradas pelos alunos.

•  Vocabulário;

•  marcas de oralidade na escrita e suas possibilidades de usos;

•  pontuação.

3

Crônica: Da difícil arte de redigir um telegrama .

•  Ambigüidade do enunciado;

•  Figuras de linguagem: Eufemismo.

•  Pontuação.

4

Manchetes de jornal.

•  Gêneros do discurso;

•  Pontuação;

•  Estruturas textuais: crônica, telegrama e textos jornalísticos

5

Camões

•  Escolas literárias: o Classicismo e a poesia de Camões;

•  Inversões;

•  Esquema de rimas.

6

A nossa língua e as outras línguas.

•  Língua materna e língua estrangeira;

•  Comparação entre duas línguas: igualdades e diferenças;

•  Figuras de linguagem: Metáfora . (tendo o foco no rio como metáfora da vida.)

7

Contextualização: Guimarães Rosa – Vida e Obra.

•  Escolas literárias: as tendências contemporâneas na Literatura Brasileira;

 

8

Conto: A terceira Margem do Rio .

•  A sintaxe de Guimarães Rosa.

9

Continuação do conto e criação de textos.

•  Estrutura e característica do Conto;

•  Técnicas de Produção textual.

10

Heráclito – Fim do projeto em sala de aula e início de um novo projeto de vida com a Literatura.

•  Aforismos;

•  Ditados populares;

•  Heráclito e o pensamento grego;

•  Revisão do projeto: como éramos no início e como chegamos ao fim.

 

Na tentativa de facilitar compreensão e aplicação do projeto, as propostas de atividades serão descritas aula a aula, já que ele se organiza dentro destas.

 

Aula 1

Objetivos específicos

•  Descontrair o aluno e fazê-lo empreender o trabalho de reelaboração de suas próprias frases, a partir da desmistificação da idéia de que há só uma forma correta quando se escreve (mito reiterado pela inculcação da gramática normativa).

•  Sensibilizar os alunos para as diferentes formas de se escrever uma mesma informação e para os conseqüentes efeitos dessas modificações.

•  Esclarecer que a idéia de uma frase errada/ inapropriada se refere ao contexto do seu uso e não a suas características intrínsecas.

Conteúdos

Vocabulário, marcas de oralidade na escrita, pontuação.

Estratégias

A aula pode ser começada, pedindo aos alunos que digam o que pretendem aprender nas aulas de Português, com o pretexto de fazê-los falar. Partindo de uma frase dita por eles, de preferência sobre algo interessante que lhes seja significativo, não necessariamente sobre as aulas, incitá-los a jogar com as diversas possibilidades de inversão dos termos dessa frase e com a inclusão ou modificação de palavras nela, para verificar os diferentes efeitos que produzem (sobre qual termo recai a atenção, qual das orações transmite a informação com mais expressividade e por que etc.). Pode-se incitar os alunos com a pergunta recorrente “De que outra forma podemos dizer isso?”.

Feita essa introdução, passar na lousa as seguintes frases:

O telhado da casa foi derrubado por uma violenta tempestade.

Uma violenta tempestade derrubou o telhado da casa.

A violência da tempestade foi tanta que arrancou o telhado da casa.

Uma puta tempestade arrancou a porcaria do telhado da casa.

(Adaptado de POSSENTI: 1996: pp. 91)

Repetindo o tratamento dado às frases dos alunos, abordamos a oralidade e os diferentes tipos de registros (registro “mais ou menos” neutro, mais popular, mais vulgar, mais formal, mais rebuscado, etc.), a partir do acréscimo ou troca de palavras (violência, tanta, puta, porcaria) e da inversão sintática das orações acima.

Lição de casa

Como lição de casa, irão partir de outra frase e criarão tantas outras quanto quiserem, contanto que escrevam sobre algo de que gostem, sobre algo que realmente lhes desperte prazer.

 

Aula 2

Objetivos específicos

•  Fazer os alunos notarem os diferentes efeitos estilísticos produzidos nas frases feitas em casa.

•  Investigar e atribuir ao vocabulário e/ou à morfossintaxe das frases esses efeitos.

Conteúdos

Vocabulário, marcas de oralidade na escrita, pontuação.

Estratégias

A aula inteira será dedicada à verificação das frases feitas pelos alunos em casa. Primeiro todos aqueles que querem ler as frases que escreveram, lerão. É importante incentivar aqueles que não fizeram, mas se quiserem, poderão fazer as frases na aula.

Escolher dois ou três alunos que tenham feito frases que contenham grande variedade de registros e escrevê-las na lousa para análise dos colegas, quanto ao efeito que produzem e os recursos (pontuação, letras maiúsculas, escolha do léxico etc.) que foram mobilizados para produzir esse efeito.

Questionar os alunos sobre o efeito que quiseram dar à frase ou o efeito que a frase produz “à revelia” da vontade deles; surgindo embate de interpretação da mesma frase, questionar se o significado está na frase, nas palavras, ou se somos nós que damos significado a elas.

Chamar a atenção para o tipo de registro: formal/informal (vulgar, rebuscado, charmoso, agressivo, etc.) e propor, como coadjuvantes importantíssimos, os recursos para causar esses efeitos. Pedir, então, para cada aluno reescrever as frases que criou numa folha de papel e entregá-la mais tarde ao professor, numa gradação da mais coloquial a mais formal. É importante deixar que eles decidam se começam pelo mais “vulgar” ou a frase com a estrutura mais simples, ou, ainda, a mais próxima à oralidade. Daí em diante verificar o que eles entendem por coloquial e formal.

Lição de casa

Como lição de casa, irão ler a crônica Da difícil arte de redigir um telegrama de Jô Soares. Deverão responder à pergunta “Qual solução deram para a redação do telegrama?”.

 

Aula 3

Objetivos específicos

Prática de leitura.

Conteúdos

Ambigüidade do enunciado, pontuação.

Estratégias

Começar a aula com a leitura feita pelo professor da crônica Da difícil arte de redigir um telegrama. A leitura deve ser deliciada, com calma e prazer, para instigar os sentidos dos alunos e, ao mesmo tempo, explorar os recursos do texto. A partir do efeito das frases, questionar sobre os recursos usados (pontuação, letras maiúsculas, escolha do léxico, etc.), para se produzir esse efeito.

No caso da pontuação como auxílio de compreensão, baseados no que disse Mauro Ferreira, “a língua falada dispõe de recursos muito variados para exprimir suas pausas e entonação. Na língua escrita, essas pausas e entonações são representadas pelos sinais de pontuação”. Isso deve ser demonstrado na leitura inicial do texto em sala.

Depois, chamar o maior número de alunos para ler o texto em voz alta, a fim de evidenciar na leitura os efeitos das diferentes propostas de redação do telegrama. Quando derem a entonação errada ou desrespeitarem a pontuação, o professor deve interromper e ler o trecho, como modelo, para o aluno reformular o modo como leu.

Em seguida, propor a pergunta: “Por que era tão difícil escrever o telegrama?”. Discutir com os alunos a relação entre a organização das frases (escolha de vocabulário e pontuação) e a intencionalidade das personagens da crônica ao redigi-las.

Lição de casa

Como se estivessem escrevendo um e-mail, propor que os alunos elaborem uma nova versão para o texto do telegrama, mas dessa vez, usando todos os recursos que esse suporte (o e-mail) permite.

 

Aula 4

Objetivos específicos

Ao final da aula, o aluno deverá conhecer as características de gêneros como a crônica, textos jornalísticos e a importância da pontuação como recurso para evitar a ambigüidade na escrita. Além disso, através das manchetes e textos jornalísticos, alertar os alunos para a degradação do Rio São Francisco.

Conteúdos

•  Gêneros do discurso;

•  Pontuação;

• Estruturas textuais: crônica, telegrama e textos jornalísticos.

Estratégias

A partir dos dados coletados na aula anterior, verificar as sugestões de conteúdo para o telegrama, lembrando que o objetivo é escrever uma mensagem clara com o menor número de palavra e recursos lingüísticos, como a pontuação.

Visto isso, fazer uma comparação com manchetes de jornais, as quais devem, em primeiro lugar, chamar a atenção do leitor para que tenha curiosidade de ler a notícia. Apresentar como exemplo as reportagens sobre a polêmica da transposição do Rio São Francisco, ocorrida nos meses finais de 2005. As questões que levantamos para nortear o trabalho em sala de aula são:

- Qual a visão de um jornal como a Folha de São Paulo?

- Como é vista por um informativo de fundo religioso? Qual a posição das manchetes? Como se percebe isso?

- Qual das manchetes demonstra maior neutralidade diante da polêmica?

A partir das chamadas, já se prevê os objetivos, características e cunhos textuais, além dos significados embutidos em suas palavras.

 

Folha de São Paulo:

BISPO SE REÚNE COM LULA E ATACA TRANSPOSIÇÃO

 Boletim virtual da CPT – (Comissão Pastoral da Terra):

BISPO QUE FEZ GREVE DE FOME PELA REVITALIZAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO SE REÚNE COM LULA

Estado de São Paulo:

LULA RECEBE BISPO QUE FEZ GREVE DE FOME

Boletim Virtual da Fraternidade Mestre Jesus:

BISPO ENCERRA GREVE DE FOME - ALÍVIO!

 

Lição de casa

Ao final da aula, sugerimos atividades envolvendo pontuação e frases ambíguas. A questão maior para os alunos, neste momento é como escrever dizendo realmente aquilo que se quer dizer. Dependendo da dinâmica da classe, os exercícios podem ser feitos em sala, junto ao professor, desde que este incentive sempre a participação e o registro em caderno dos conteúdos.

Exercícios
(Adaptados de Ferreira, Mauro. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD, 1992)

 

1) Explique as diferenças de sentido entre as duas frases abaixo:

 a) O tribunal condenou: eu não absolvo.

 b) O tribunal condenou: eu não, absolvo.

 

 a) Eis o que lhe dei: champanhe francês, não cachaça.

 b) Eis o que lhe dei: champanhe francês não, cachaça.

 

2) Leia atentamente a seguinte frase

“O rapaz revoltado começou a agredir o advogado.”

Se, usando vírgulas, separamos o termo revoltado, a frase continuará tendo o mesmo sentido? Explique.

 

Aula 5

Objetivos específicos

A modelo das análises que foram empreendidas até agora no nível da frase, investigar as diferentes formas de organização do texto, entendido como unidade mínima de significado.

Conteúdos

Lírica de Camões, esquema de rimas.

Estratégias

Ler com os alunos a paráfrase do soneto de Camões “ Sete anos de pastor Jacob servia”. Se alguém conhecer a história, já que se trata de um episódio bíblico, pedir para contá-la aos colegas. Esse é um bom gancho para a próxima atividade: atribuir adjetivos às personagens da história.

Os alunos devem assinalar as palavras que não compreendem e, no caderno, escrever o significado invocado no texto, após terem consultado dicionários e/ou discutido essas palavras com os colegas.

Em seguida, pedir que digam à turma o resultado da pesquisa. Caso não tenham selecionado os vocábulos “servilmente”, “resignado”, “se submete” e “esposar-se”, solicitar, então, que os pesquise agora.

Após esse trabalho de familiarização com o texto da paráfrase, fazer com os alunos a leitura do soneto de Camões e pedir para explicitarem as diferenças entre os dois textos, uma vez que tratam do mesmo assunto.

Se houver longo silêncio ou dificuldade dos alunos em se expressarem, perguntar se ambos os textos comunicam exatamente as mesmas informações ou, ainda, se comunicam as mesmas informações exatamente da mesma forma.

Evidenciar os recursos estilísticos mobilizados por Camões, como as rimas e a escolha do vocabulário.

Lição de casa

Os alunos deverão parafrasear a última estrofe do soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver,”, além de assinalar na poesia as palavras de que desconhece o significado e pesquisá-las, como fez em classe.

 

Aula 6

Objetivos específicos

Mostrar aos alunos que, muitas vezes, uma outra língua traz maior facilidade de compreensão do que um texto em português que utilize demasiado uso de inversões, ou que lance mão de formas indevidas de pontuação, produzindo a ambigüidade. Além disso, salientar a importância de saber uma outra língua, sem deixar de compreender e aprimorar nossa língua materna.

Conteúdos

•  Língua materna e língua estrangeira;

•  Comparação entre duas línguas: igualdades e diferenças;

•  Figuras de linguagem (Metáfora). O rio como metáfora da vida.

Estratégias

Primeiramente apresentar aos alunos a versão em espanhol da música Al outro lado del rio. Após esta etapa, fizemos a leitura textos complementares que serviram para introduzir o trabalho que seria dotado de curiosidades como a origem do cantor e compositor, a indicação ao Oscar 2006 e a encomenda da música feita pelo diretor de cinema Walter Salles. Depois disso, pede-se que os alunos circulem as palavras que conhecem e sabem seu significado, buscando valorizar, como sempre, o conhecimento prévio do aluno. Depois, caso haja a possibilidade, tocar a música para que a conheçam e, se for necessário, tocá-la mais de uma vez.

Feito isso, convidar os alunos a darem opinião sobre o que eles acreditam que fala a música. Anotar as idéias na lousa, mostrando como seria a forma escrita das idéias colocadas oralmente. Em seguida, o professor entrega a tradução da música, e a partir daí, reelaborar a pergunta, questionando se era realmente esse tema que eles acreditavam estar na música em espanhol. Introduzir o conceito de língua materna e língua estrangeira. Apontar a diferença entre as duas línguas, suas igualdades e voltar à questão das formas de se dizer. Perguntar se foi mais fácil desvendar o soneto de Camões ou a música em espanhol? Por quê? Caso haja a possibilidade, utilizar o conceito de mote na lírica e nos textos discursivos.

Ao final da aula, introduzir a conceito de Figuras de Linguagem, apontando sua importância na literatura e seu uso no discurso diário. Mauro Ferreira introduz o tema muito bem em sua gramática, dizendo que:

“As figuras de linguagem mais significativas nascem da intenção ou da necessidade do falante (ou escritor) de dizer as coisas de uma maneira nova, diferente e criativa. O que pretende, quando se usa a linguagem figurada, é fazer com que o ouvinte (ou leitor) se surpreenda, sensibilize-se e, assim, fique mais atento ao que está sendo falado (ou escrito). A utilização de linguagem figurada não é um privilégio dos grandes escritores. Todos nós fazemos uso desse tipo de linguagem. (...) o conhecimento das figuras, obviamente, não tem uma finalidade em si mesmo, isto é, não se trata de conhecer as figuras simplesmente para saber o nome delas. A importância em reconhecer figuras de linguagem está no fato de que tal conhecimento, além de auxiliá-lo a compreender melhor os textos literários, leva-o (...) a descobrir maneiras novas, bonitas e diferentes de dizer muitas das coisas que você pensa, sente e fala.” (FERREIRA: 1992: pp.434)

Tal definição vem ao encontro do fio condutor de nosso projeto, que mais do que acumular conhecimentos, busca despertar no aluno a autonomia da busca pelo conhecer, principalmente através da leitura.

E a figura de linguagem mais significativa em nosso contexto é a Metáfora. Definida como mudança do sentido comum de uma palavra por um outro sentido possível que, a partir de uma comparação subentendida, tal palavra possa sugerir [1], ela surge em nossa música traçando o paralelo entre o rio e a vida. O professor deve mostrar isso ao aluno, sem usar a nomenclatura específica, que pouco nos diz, mas sim com o exemplo do texto. E aproveitar o momento para indicar a diferença entre Metáfora e Comparação.

Lição de casa

Elaborar frases buscando o sentido metafórico da mensagem. Caso os alunos apresentem dificuldade, devido ao breve período de explicação na aula, pode-se pedir pesquisas de frases em livros didáticos de Português.

 

Aula 7

Objetivos específicos

Apresentar principais fatos da vida e da obra de Guimarães Rosa, buscando despertar nos alunos o interesse por sua literatura.

Conteúdos

• Escolas literárias: as tendências contemporâneas na Literatura Brasileira;

Estratégias

Dependendo dos recursos disponíveis na escola, inicialmente seria feita uma apresentação sobre a vida de Guimarães Rosa. Nestes dados, buscaríamos abordar aspectos curiosos da sua literatura, além do próprio ato de escrever. Um dos pontos principais seria a questão das cadernetas e da importância delas na obra rosiana. Através dos dados descritos nelas, Guimarães Rosa conseguiu transpor para a literatura algumas texturas, odores e cores do que o cercava. Se houvesse tempo, sugeriríamos a visita à exposição sobre o tema, como a dos manuscritos do autor que aconteceu no IEB – Instituto de Estudos Brasileiros, dentro da Universidade de São Paulo.

Além dos elementos da biografia, a literatura que resgata a oralidade é um fator de fundamental abordagem dentro do presente projeto. Porém, vemos a dedicação e importância de tais elementos orais na prosa de Rosa, ou seja, ele escreveu assim, pois é o fruto de uma imensa pesquisa possibilitou a ousadia em sua literatura. É mais do que escrever como se fala.

Lição de casa

Pesquisa biográfica de Guimarães Rosa.

 

Aula 8

Objetivos específicos

Introduzir os alunos à sintaxe da prosa de Guimarães Rosa.

Conteúdos

Primeiro parágrafo do conto “A terceira margem do rio”, vocabulário, regionalismo na linguagem, pontuação.

Estratégias

Ler o primeiro parágrafo do conto, de modo a evidenciar a função da pontuação.

“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa”.

Pedir que os alunos procurem no dicionário as palavras que não entendem. A partir daí discutir o regionalismo na linguagem (“alembrar”, “estúrdio”), o efeito da ordem das palavras na frase (“as diversas sensatas pessoas”) e, enfim, o uso estilístico da pontuação (“Só quieto.”).

Invocar a seguinte citação de Guimarães Rosa (a epígrafe deste artigo):

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."

Explicitar que o presente projeto neste artigo dialoga com o de química, que tem como tema o rio São Francisco. Incitar, então, a curiosidade dos alunos, questionando-lhes sobre qual seria a “terceira margem” do título do conto e o que representa o rio. Indagar-lhes por que o pai manda fazer “para si” uma canoa.

Lição de casa

Depois de familiarizar os alunos com o texto, propor-lhes de dar continuidade à história, imaginando sobre o que o autor estaria contando no texto.

 

Aula 9

Objetivos específicos

Despertar o interesse do aluno para a leitura da obra de Guimarães Rosa, mostrando que uma literatura baseada na oralidade necessita de tanta atenção quanto um outro texto baseado na norma culta, relembrando os gêneros até aqui trabalhados.

Conteúdos

•  Conto: “A outra margem do rio” ;

•  Léxico de Guimarães Rosa.

Estratégias

Assim como feito anteriormente, a leitura em voz alta com os alunos, com pausas em trechos específicos para esclarecimento de léxico e idéias trazidas pelo autor pautará a aula toda. Uma sugestão de atividade é a nomeação de um aluno, que munido do livro Léxico de Guimarães Rosa , poderá buscar os significados dos termos regionalistas usados por Rosa. Vale ressaltar que é de fundamental importância a leitura anterior feita pelo professor, para que este já vá para a sala com um léxico básico preparado, tendo em mente que em determinados momentos, o resgate do significado partirá dele próprio, de maneira que a leitura tenha fluidez e cative os alunos.

Também não se deve incentivar uma primeira tentativa de leitura em silêncio, pois a prosa do autor encontra-se intimamente ligada com o oral, de maneira que a leitura em voz alta facilita a compreensão do texto.

Lição de casa

A leitura será feita até certo ponto do conto. Ao ser suspensa, os alunos deverão ser convidados a terminarem o conto. Como seria o desfecho da história? Os textos serão lidos e entregues na próxima aula.

 

Aula 10

Objetivos específicos

Mostrar aos alunos, através dos textos escritos por eles, como foi valorizado nosso poder de comunicação, apontando que, assim como Rosa, podemos escrever, não só textos literários, mas também crônicas como a de Jô Soares ou textos jornalísticos, como os que traziam a polêmica sobre o Rio São Francisco, alertando que a comunicação é imprescindível nos dias de hoje e que, assim como ela pode nos confundir ou manipular nossas opiniões, por outro lado, ela pode ser um recurso de defesa, principalmente se sabemos utilizá-la a nosso favor quando por nós escrito, ou ainda, quando resgatamos do que lemos o que está implícito sob as entre linhas.

Conteúdos

•  Aforismos;

•  Heráclito e o pensamento grego.

Estratégias

Colocar na lousa a frase: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio” e, a partir dela, incentivar os alunos a opinarem sobre seus significados.

Registrar as idéias na lousa, sempre verificando concordâncias e discordâncias entre os alunos. Ao final, apresentar Heráclito e o conceito de aforismos, que são frases não provindas de textos, incitando à reflexão e trazendo conteúdos claros ou obscuros, que são considerados verdades e versáteis, podendo ser encaixados em vários acontecimentos e fatos da vida. Diferentes dos ditados populares que são anônimos e surgem do coletivo, eles são, em sua maioria, criados por Heráclito e usados em obras de outros grandes pensadores, como Aristóteles.

Como último exercício, pode-se pedir aos alunos que indiquem frases significativas para eles, independentes de origens textuais, ou autores. Aos menos participativos, indicar a possibilidade de versos de música, ou frases familiares, como as famosas lembradas através do jargão: “Minha mãe sempre dizia...”.

A partir desta frase, nosso objetivo é encerrar o projeto, mostrando aos alunos as mudanças pelas quais passaram através das leituras feitas. Como forma de agradecimento pelo empenho e participação no projeto, os alunos receberão cadernetas semelhantes à de Guimarães Rosa, para que anotem dados importantes, registrando-os de maneira que não se percam na “correnteza” da vida. Na capa haverá a inscrição da frase de Heráclito, numa última tentativa nossa de resgatar a reflexão diante de textos, fatos e contextos vividos por esses alunos, a partir de agora.

 

Fim da viagem

Acreditamos que, por meio das atividades e abordagens propostas, alcançamos nossos objetivos. Embora não tenha ocorrido em todas as aulas, ainda assim houve grande participação dos alunos, que em diversos momentos mostraram-se muito estimulados, contribuindo para o sucesso da proposta. Mais que um método, o trabalho com projetos é uma das alternativas de desenvolvimento amplo dentro da Escola, que assim como o conhecimento, que cresce conforme as leituras, estudos e experiências, o projeto embora se apresentando aqui como uma estrutura cristalizada, no seu desenvolver e na prática de cada docente, adequa-se, não ao professor, aos diretores ou à proposta pedagógica da escola, mas sim ao aluno.

 

Notas

[1] (FERREIRA: 1992: 436).

 

Referências bibliográficas

ARANTES, Valéria Amorim (org). Jogo e Projeto. Lino de Macedo e Nilson José Machado. São Paulo: Summus, 2006.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp. 12/ 3.

CEREJA, Willian Roberto. Panorama da Literatura Portuguesa. São Paulo: Atual, 1997.

___________________ . Literatura Brasileira: ensino médio. São Paulo: Atual, 2000.

FERREIRA, Mauro. Aprender e praticar Gramática. São Paulo: FTD, 1992.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação – os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998, pág. 61-91.

MARTINS, Nilce Sant´Anna. O Léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: Edusp, 2ª edição.

PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana. São Paulo: Campus, 2004.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras - Associação de Leitura do Brasil, 1996.

ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

TORRALVO, Izeti Fragata. Sonetos de Camões – edição comentada. Cotia: Ateliê editorial. 2001.

   

Sábado, 01 Dezembro 2007 00:00

Número 2 - Apresentação

 

"Porque há para todos nós um problema sério. Este problema é o do medo."
(Antonio Candido, Plataforma de uma geração)

 

A Revista MELP é uma publicação que reúne artigos elaborados a partir da experiência de pesquisa nos estágios da disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I e II.

No estágio, o aluno de Letras deve cumprir um período de observação e um período de regência. Naquele ele faz anotações sobre as aulas, sobre os métodos do professor, sobre a relação dentro da sala; já nesta, deve intervir no processo de aprendizagem, assumindo a condição de professor e desenvolvendo atividades com os alunos anteriormente observados.

A revista se coloca então, como um meio de divulgar tais experiências, de modo a contribuir para a reflexão da formação do aluno de Letras e, para a reflexão do processo ensino-aprendizagem, publicizando trabalhos que antes seriam potenciais acumuladores de poeira.

Além destas possibilidades mais nobres, o aluno de graduação tem a oportunidade de publicar um artigo na e sobre a graduação. Experiência que o coloca diante de situações-chave para sua formação: elaboração de texto científico, resgate de reflexões já passadas, exposição de suas idéias, políticas de publicações etc.

Procuramos ver nos textos selecionados (e priorizar na seleção) o que entendemos como sendo o caráter do processo de aprendizagem e, qual postura deva ter o futuro e o atual professor. Sendo assim, é possível encontrar nesta publicação textos que tratam da potencialização de mudanças sociais as quais atravessam o indivíduo numa fase de extrema importância em sua vida: a escola.

Os textos escolhidos têm um movimento similar, ao passo que relatam experiências positivas na escola, procuram propor alternativas 'as experiências negativas. Nada inovador tal processo, no entanto este óbvio (elementar) muitas vezes nos escapa, ora porque se dilui nas queixas, ora é abafado pelas condições precárias de trabalho e de formação profissional.

Comitê editorial

  

Quinta, 01 Junho 2006 00:00

Sumário dos textos publicados

 

NÚMERO 1 (2006) - EDIÇÃO IMPRESSA

 

O instante complexo da vacilação na sala de aula

Claudemir Belintane

 

Oficina de leitura e escrita para o vestibular

Érica Salatini

 

Procuram-se formadores de alunos escritores

Rosana Ribeiro Ramos

 

Leitura e escrita para o vestibular: a relação dos alunos com o ensino superior

Acauam Silvério de Oliveira

 

Sobre autonomia docente

Daniela Eufrásio

 

O que pensam e o que querem nossos jovens sobre o futuro profissional

Vanessa Fabíola de Faria

 

Leitura, produção de textos e escolha da profissão: um trabalho com vestibulandos

Carlos Vininicius Veneziani dos Santos e Carolina Machado

 

A autoridade posta em questão

Cinthia Ferreira Monteiro

 

(Ad)ministrar aulas

Patrícia Maria Palladino Pécora

  

Quinta, 01 Junho 2006 00:00

Número 1 - Apresentação

 

Esta revista pretende ser mais uma contribuição à reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa que pode interessar a estudantes de Letras, professores, coordenadores pedagógicos e demais interessados na área.

Os trabalhos aqui publicados foram produzidos a partir dos relatórios de estágio, que têm um caráter de pesquisa na escola, realizados na disciplina de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, por alunos de Licenciatura em Letras da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Como parte das atividades do Laboratório de Leitura e Expressão Criadora, o LALEC, foi composto um coletivo de estudantes voluntários para que a revista pudesse ser concretizada. Esses alunos tiveram o trabalho de divulgar a ideia de criação de uma revista, incentivar seus colegas a escreverem trabalhos a partir da experiência de estágio, recolher os textos, fazer a revisão e montar o projeto para solicitar financiamento.

A todos eles, assim como aos autores, agradecemos pelo empenho e esperamos contar sempre com novas equipes interessadas em trabalhar pela continuidade da revista.

Agradecemos também à Pró-reitoria de Cultura e Extensão pelo apoio financeiro à publicação.

Valdir Heitor Barzotto 

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