Terça, 30 Novembro 1999 00:00

O trabalho com regras de jogos e brincadeiras em classes de alfabetização - ler, aprender, brincar

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Heloisa Gonçalves Jordão
 


Resumo


O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar a maneira como o gênero texto instrucional é recebido e produzido por turmas do final do 1º ciclo da educação básica, ou seja, o ciclo da alfabetização, do qual fazem parte tanto os alunos alfabetizados quanto os não-alfabetizados.

 

Palavras-chave: Alfabetização; Brincadeiras; Educação Básica; Gênero Textos Instrucionais; Regras de Jogo.

 

 

Introdução


Este trabalho se propõe a analisar como o gênero ‘textos instrucionais’ é recebido e produzido por turmas do final do 1º ciclo[1] da educação básica, ou seja, o ciclo da alfabetização. Para tanto, contaremos com a seguinte organização do trabalho: i) Caracterização do contexto escolar onde a pesquisa foi realizada, ii) Como e porque o trabalho com textos instrucionais e iii) Descrição e avaliação da proposta didática aplicada.

Temos como pressupostos teóricos os trabalhos de Kleiman (1995) e de Lerner (2002) sobre as práticas de leitura e escrita na escola, bem como as contribuições de Schneuwly e Dolz (2004) que expõem, de forma clara, como deve ser organizada uma sequência didática em torno de um gênero textual, compreendendo-o como uma ferramenta fundamental para o trabalho docente.

Elegemos trabalhar com o ano final do ciclo de alfabetização por ser uma etapa da escolarização que carrega uma característica peculiar: encontrarmos alunos que já dominam a escrita convencional e alunos em processo de alfabetização reunidos nesse estágio da educação básica; por conta disso, a escolha do gênero a ser trabalhado em sala de aula e a metodologia utilizada tornam-se tarefas que já são, por natureza, complexas, ainda mais delicadas.

Toda a descrição a seguir parte das reflexões realizadas no curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa II, ministrada pelo Prof. Dr. Sandoval Nonato Gomes-Santos. A observação de aulas de Língua Portuguesa e a posterior elaboração e aplicação de uma sequência didática compõe o estágio obrigatório do programa de licenciatura da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

 

1   Sobre o contexto escolar

 

          A unidade escolar na qual foi realizado o estágio pertence à rede de ensino do município de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo. A rede conta com 23 escolas de Ensino Fundamental que, originalmente, integravam a rede estadual e passaram pelo processo de municipalização durante a década de 80. A rede municipal, bem como a maioria dos sistemas de ensino brasileiros adotou a organização do ensino em ciclos como medida contra a repetência e a evasão escolar. Outra medida incorporada pela rede foi a implementação do Ensino Fundamental de nove anos que passou a vigorar desde 2006/2007.

A escola municipal de Ensino Fundamental, lócus deste trabalho, não destoa do perfil geral da rede. Conta com, aproximadamente, 1.200 alunos matriculados no Ensino Fundamental, distribuídos em três turnos em uma infraestrutura com dez salas de aula. A média de alunos por classe é de 35 alunos. No período noturno, as salas são ocupadas pela Educação de Jovens e Adultos (EJA). A escola conta, ainda, com uma sala de informática e uma pequena biblioteca que, atualmente, não funciona devido à ausência de profissional responsável pela organização e controle do acervo.

 

1.1 A sala de aula


          A turma é composta por 35 alunos matriculados. Geralmente, estes estão organizados em fileiras individuais. Em termos de recursos pedagógicos, a sala conta com lousa, giz, cartazes, alguns jogos educativos e um baú de leitura, com histórias em quadrinhos e narrativas diversas.

 A professora acompanhada leciona há 25 anos; é formada em pedagogia e cursou pós-graduação em educação especial. A classe é bastante tranqüila; a faixa etária predominante é de oito anos. Um aluno de 10 anos frequenta as aulas como “ouvinte”: na realidade, o aluno está matriculado em uma série acima, entretanto, como ainda não está alfabetizado, a coordenação pedagógica da escola achou necessário que assistisse às aulas no 3º ano para que pudesse acompanhar o desenvolvimento da turma.

 

1.2  Descrição dos componentes didáticos das práticas de ensino-aprendizagem


Em relação aos objetos de ensino e às práticas de linguagem observados nas aulas de Língua Portuguesa acompanhadas, durante as primeiras semanas de estágio, foi possível observar que a professora privilegia momentos de leitura e escrita. Seus objetos principais são, portanto, discursivos.

É frequente a solicitação de pesquisas sobre algum tema (acontecimentos ou personagens históricos, p.e.); a professora solicita que os alunos leiam a pesquisa em voz alta e, quando o aluno recusa-se a ler, ela pede que este relate à sala o que aprendeu ao realizar a pesquisa.

Quanto aos gêneros trabalhados em sala, a professora privilegia contos e poesias. Eles realizam um Projeto de reescrita de contos, a partir da leitura de diferentes versões. Essas reescritas são registradas em um caderno reservado para este fim, guardado em sala de aula. [2].

Já em relação aos gestos profissionais e os instrumentos didáticos, foi perceptível o controle da sala por parte da professora. A maioria dos alunos executa as tarefas conforme as orientações da docente. A fim de acompanhar melhor o trabalho, solicitamos o “semanário”, documento que serve de registro para o planejamento das atividades pedagógicas. A professora disse que, como não era cobrado de forma sistemática pela coordenação da escola, fazia apenas algumas anotações pessoais[3]. Quando questionada sobre atividades diferenciadas para os alunos ainda não-alfabetizados, disse que não há necessidade, pois estes frequentam aulas de reforço e que a matéria deve prosseguir conforme o programa de conteúdos estipulado para o 3º ano.

 

2  Sobre textos instrucionais: regras de jogos e brincadeiras


Os domínios sociais de comunicação são divididos de acordo com seus aspectos tipológicos. Schneuwly e Dolz (2004) listam cinco aspectos: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. Textos de instruções e prescrições enquadram-se nessa última tipologia, descrever ações”, por haver uma espécie de regulação mútua de comportamentos.

De acordo com Kaufman (1995), os textos instrucionais são aqueles cuja função é regular e indicam formas de agir; eles descrevem etapas as quais devem ser seguidas para que se consiga fazer algo como preparar uma torta, instalar um eletrodoméstico ou realizar a manutenção de um automóvel. Como os demais gêneros textuais, os textos instrucionais apresentam tema, modo composicional e estilo específicos: numerais que indicam as quantidades ou ordenação de ações, abreviaturas, verbos no infinitivo ou imperativo, ilustrações etc.

Dentre a gama de textos instrucionais que podemos encontrar na sociedade, elegemos as “regras de jogos e brincadeiras” como textos adequados para o trabalho com alunos do 3º ano, pois: i) sua estrutura é composta por frases curtas muitas vezes numeradas, facilitando a leitura e a escrita por parte de alunos em fase de alfabetização; ii) é muito fácil que os alunos compreendam a função social desse gênero, pois, mesmo ao ser didatizado em sala de aula, ainda é possível manter suas características praticamente intactas.

Os textos previstos para a sequência didática, de certa forma, já fazem parte do repertório linguístico do aluno. Dentro dela, também estão previstos momentos nos quais os alunos colocam em prática o que está sendo descrito nas regras; assim, a função social e a prática escolar da língua escrita não serão apresentadas aos alunos de forma descontextualizada ou fragmentada.

 

2.1 O Projeto de Ensino


           O Projeto de Ensino foi elaborado de acordo com o esquema apresentado por Schnewly e Dolz (2004). O tempo previsto, inicialmente, era de 27 horas-aula, entretanto, para mantermos o tempo previamente acordado com a professora da sala, não conseguimos trabalhar um texto previsto e os exercícios a ele relacionados; segue um quadro-resumo descritivo das atividades efetivamente realizadas:


AULA

OBJETIVO

DESCRIÇÃO

1 e 2

Apresentação da situação

Comunicativa

Para que são escritas regras de brincadeiras? Quem pode escrever? Pra quem são escritas?

3 e 4

PRODUÇÃO INICIAL

Os alunos são convidados a escreverem as regras de suas brincadeiras favoritas

5 e 6

Leitura e análise da estrutura

Texto: Amarelinha – leitura individual, coletiva e análise de aspectos estruturais.

7 e 8

Leitura aplicada

Alguns irão jogar amarelinha, enquanto um grupo supervisiona se os colegas estão respeitando as regras

9 e 10

Ortografia e alfabetização

Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na sequência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos)

11 e 12

Ortografia e alfabetização

Entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor).

13 e 14

Leitura e análise da estrutura

Texto: Passa-anel: leitura individual, coletiva e análise de aspectos estruturais. (comparando ao 1º texto trabalhado)

15 e 16

Leitura aplicada

Serão formados grupos de cinco crianças para realizar a brincadeira Passa Anel de acordo com as regras. O professor orientará a leitura e participação

17 e 18

Ortografia e alfabetização

 Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na sequência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos)

19 e 20

Ortografia e alfabetização

Entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor).

21, 22, e 23

Análise de texto produzido por colega da turma. (leitura e análise da estrutura)

Análise coletiva de duas produções de texto realizadas por colegas da classe[4](pega-pega). Escrita das regras da brincadeira realizando as correções necessárias.

24 e 25

PRODUÇÃO FINAL

Os alunos receberão as escritas iniciais e as reescreverão com foco nos aspectos trabalhados nas atividades realizadas durante os módulos.

26 e 27

Fechamento das atividades

No pátio, realizaremos duas das brincadeiras escritas pelos alunos (de acordo com as regras descritas)


A apresentação da situação visa expor aos alunos um Projeto de comunicação que será realizado “verdadeiramente” na produção final. No caso da sequência didática em questão, foi apresentado um problema de comunicação a ser resolvido: como explicar as regras de uma brincadeira que você gosta muito a um colega? Feito o questionamento, os alunos foram convidados a começar a pensar no formato da produção, quem leria esse texto e que linguagem deveria utilizar.

A segunda etapa consiste na primeira produção. De acordo com os especialistas, se a situação comunicativa é bem definida na apresentação da situação, todos os alunos são capazes de realizar, oralmente ou por escrito, um texto do gênero que lhes foi solicitado. Essa produção tem como objetivo orientar o professor, visto que este irá, de certa forma, mostrar o que os alunos já sabem, o que precisam melhorar e, especialmente, o que eles precisam conhecer. Assim, a sequência começa pela definição de o que é preciso trabalhar; o professor deve arquivar essas produções para que sirvam como instrumento de comparação quando os alunos realizarem a produção final. Dessa forma, será possível avaliar em quais pontos os módulos conseguiram sanar as dificuldades apresentadas inicialmente pelos alunos. Para ilustrar a teoria aqui explicitada vamos observar a produção inicial de dois alunos em “níveis de escrita” distintos:

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Figura 1 - Produção inicial de aluno não-alfabetizado – J. V.[5]

Transcrição: “Pular-corda. Pular corda e muito fácil você podi usar um corda pequena e uma grande é muito legal. Você pega uma corda e os amigos vão pulando você faz uma fila cada um tem que esperar sua vez ai sim pode brincar.”


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Figura 2 - Produção inicial de aluna alfabetizada - M. V.

Transcrição: “Amarelinha bular para joca a bera e bula aiquei que becar a betra itapro amico”

Por meio da análise dessas duas produções iniciais é possível que o professor obtenha diversas informações, por exemplo, se, nos módulos, deverá preocupar-se com atividades que visem à correspondência entre fonemas e grafemas devido às trocas de consoantes realizadas pelos alunos que ainda não dominam a escrita convencional. Já em relação à produção da criança alfabetizada é interessante notar que a aluna tem internalizado como devem ser os procedimentos da brincadeira, entretanto, mostra dificuldades para ordená-los em um texto escrito, pois, provavelmente, nunca leu ou foi solicitada a escrever esse tipo de texto; todavia, aprende as regras das brincadeiras por observar a atitude dos colegas enquanto brincam ou por eles terem explicado oralmente. É interessante notar como a aluna preocupa-se em dizer as qualidades da brincadeira, como se estivesse conversando com um colega, buscando persuadi-lo a participar desta. Esse tipo de recurso linguístico foi muito utilizado nas produções iniciais.

Como foi dito, iniciamos o desenvolvimento dos módulos a partir do diagnóstico inicial dos problemas comunicativos que devem ser trabalhados. Schneuwly e Dolz propõem que as atividades e os exercícios devem compor um arsenal bem diversificado, que relacionem, intimamente, a leitura e a escrita. Os autores sugerem três grandes grupos norteadores: i) Atividades de observação e de análise de textos que podem ser realizadas a partir de um texto completo ou parte dele; ii) Tarefas simplificadas de produção que impõem limites aos alunos e minimizam problemas de linguagem os quais, habitualmente, devem ser trabalhados simultaneamente e iii) A elaboração de uma linguagem comum com o intuito de construir um vocabulário próprio, de caráter mais técnico, da análise linguística para a resolução de problemas de ordem notacional e gramatical.

A partir da tabela descritiva exposta, é possível observar a organização em espiral: as atividades foram trabalhadas em quatro eixos – partindo, dentro de cada um deles, do mais simples ao mais complexo. Das 19 horas-aula destinadas aos módulos temos a seguinte distribuição:


Atividades destinadas à leitura e à análise da estrutura de “texto bem escrito” – 4 horas-aula

O texto foi fornecido pela professora. As atividades visavam à ampliação de repertório e a escrita de um quadro contendo as características do gênero; tal quadro é o que podemos chamar de instrumento de capitalização das aquisições: uma forma de organizar a linguagem técnica a partir da construção progressiva de conhecimentos sobre o gênero (favorece uma atitude reflexiva). Durante o desenvolvimento das aulas de leitura e de análise da estrutura, fomos criando uma tabela com as características principais do gênero. Ao final da aula 14 tínhamos a seguinte listagem:

Para escrevermos regras de jogos e brincadeiras:

     Nome da brincadeira ou jogo;

     Número de participantes;

     Idade para poder jogar;

     Pode ter desenho ou não;

     Coisas que podem ser feitas;

     Coisas que não podem ser feitas;

      Objetivo.

Figura 3 – Quadro de aquisições sobre o gênero


Atividades de leitura aplicada – 4 horas-aula como um laboratório

Os alunos testavam a real aplicabilidade das regras ao tentarem realizar as brincadeiras, exatamente, da maneira como as regras foram escritas. Esse tipo de atividade foi desempenhado com participação intensa de todos os alunos: enquanto um grupo lia, outro grupo executava. No decorrer da brincadeira, percebiam que algumas regras não estavam claras e precisavam ser reformuladas, então, voltávamos para a sala a fim de incrementar a escrita do texto.


Atividades que visavam o trabalho com aspectos notacionais e alfabetização - 8 horas-aula

Essas atividades estão incluídas no que os autores chamam de tarefas simplificadas, por exemplo, inserir uma parte que falta em um dado texto. Embora não seja o objetivo principal, por usar nessas atividades os mesmos textos trabalhados em leitura e análise da estrutura, estes também colaboram para o incremento da linguagem própria do gênero. O exemplo a seguir mostra como esse tipo de atividade foi realizado; a grade de palavras na parte de baixo da folha constava apenas nas atividades entregues para alunos em processo de alfabetização, dessa forma, eles poderiam consultar tal grade no momento de realizar a tarefa, como um suporte para que com o domínio de apenas algumas relações grafema/fonema pudessem completar o texto:

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 Figura 4 – Atividade simplificada para aluno J.V.

Três horas-aula

Destinas à leitura, à análise e à revisão de textos produzidos pelos próprios alunos. Das quatro tarefas a eles solicitadas durante os módulos, este foi, sem dúvida, o tipo de atividade mais desafiador; foi a primeira vez que foram convidados a utilizar os conhecimentos a respeito do gênero “regras de brincadeiras” conquistados durante as últimas aulas.

Em primeiro lugar, foi realizada uma leitura individual com os dois textos; depois, ocorreu a leitura em voz alta pela professora. Então, alguns alunos começaram manifestar-se a respeito dos erros de ortografia e do uso de palavras inadequadas (por exemplo, o uso do termo “etc.”). Após os primeiros comentários, a professora solicitou que os alunos recorressem ao quadro que foi sendo construído no decorrer das atividades. Juntos, analisamos, de acordo com o quadro, o que estava faltando a cada um daqueles textos. Feito o exercício os alunos reescreveram as regras da brincadeira “pega-pega”. Ex: (observe como o aluno ficou “preso” a sequência estabelecida na tabela construída pela sala).

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Figura 5 – Atividade do aluno N.C.


Para finalizar a sequência solicitamos a produção final. Entregamos aos alunos suas produções iniciais para que analisassem se cumpriam a função comunicativa de uma regra. Fizemos algumas observações gerais e, a partir delas, com o apoio do quadro que já havíamos construído, os alunos iniciaram a escrita. A seguir, utilizaremos as produções iniciais e as produções finais para realizarmos a análise e a avaliação da sequencia didática descrita.

 

3 Considerações sobre o Projeto implementado


Dentro da sequência didática apresentada, procuramos realizar percursos variados em função das capacidades e dificuldades, considerando que, no mesmo grupo, convivem alunos com escrita convencional e alunos que ainda não foram alfabetizados, trabalhando esse aspecto de forma a enriquecer a aula. Para que tal processo seja eficaz, Schneuwly e Dolz salientam alguns passos importantes que devem ser observados pelo professor: i) Analisar as produções dos alunos; ii) Escolher as atividades indispensáveis; iii) Prever e elaborar, para casos de insucesso, um trabalho mais profundo e intervenções diferenciadas; iv) Vários itinerários são possíveis, entretanto, a ordem dos módulos não é aleatória (certas atividades apresentam uma base para a realização de outras).

Durante todo o desenvolvimento da observação e da aplicação da sequencia didática, como geração de dados, utilizamos as anotações em caderno de campo e, com a autorização da professora, foi possível recolher as atividades desenvolvidas pelos alunos. Não fizemos nenhum tipo de gravação audiovisual. Com dados dessa natureza em mãos, a melhor maneira de analisarmos os pontos positivos e negativos do Projeto Didático desenvolvido é a comparação das escritas iniciais com as finais. Para tanto, elegemos três alunos com níveis de escrita distintos:

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Figura 6 - Aluno L.S. alfabetizado – produção inicial

Transcrição: Zérinho

Duas pessoas tem que girar a corda e a outra que vai pular entra dentro, primeiro tem que passar por baixo, se a pessoa conseguir ela vai para a segunda etapa a segunda etapa ela tem que entrar pular uma vez e sair de dentro, depois pula duas vezes se errar começa tudo de novo”

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Figura 7 - Aluno L.S. alfabetizado – produção final 

Transcrição: Zérinho

Participantes: de 3 à 10

Idade: de 5 à 20 anos.

1 - Duas pessoas tem que girar a corda.

2 - Uma pessoa tem que passar por baixo da corda

3 - Depois tem que entrar dentro da corda pular um e sair depois tem que entrar pular duas vezes e depois sair e vai indo até pular cinco vezes.

4 - Quem não conseguir pular tem que começar tudo de novo

Objetivo: Ganha quem conseguir pular cinco vezes.


Ao compararmos as duas escritas do aluno L.S., observamos que, embora na primeira produção já apresentasse linguagem apropriada ao tipo de texto, o estudante preocupou-se em utilizar “estruturas em forma de tópicos” iniciadas pelos que são necessários à organização e à regulação da brincadeira como número de participantes e idade adequada.

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Figura 8 - Aluna C. L. alfabetizada – escrita inicial

Transcrição: “Pula-corda. Pula-corda é uma bricadeira muito legal porque quando a corda bate você tenque pula.

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Figura 9 - Aluna C.L. alfabetizada – escrita final

Transcrição: Pula-corda

Numero de participantes: 1 de cada vez

Idade para porder jogar: de 6 pra cima

É assim primeiro você faz uma fila e depois ver quem vai bater de um lado e vai bater do outro e lês comesão a bate e quando a corda chegar e baicha a criança tem que pula, mas se ela cair ela devera pasar a vez.

Obegetivo: Pular sem cair.

            A aluna organizou e detalhou melhor as regras da brincadeira na produção final; observou o uso de termos próprios do gênero como “participantes”, “um de cada vez”, “passar a vez”, “objetivo”, uso de verbos no imperativo e no infinitivo etc. Embora a estrutura de tópicos, bem como alguns aspectos da linguagem, possa ser aprimorada, é nítido o avanço entre as produções da aluna.

            Analisaremos, agora, a escrita de um aluno não-alfabetizado:

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Figura 10 – Aluno J.B. não-alfabetizado

Podemos deduzir da escrita do aluno J.B. que, ao ser solicitado a corrigir a escrita das regras de “pega-pega”, iniciou seu trabalho copiando o quadro que a sala formulou para servir de guia para a escrita de textos deste gênero. Depois, tentou iniciar os tópicos “nome da brincadeira” e “participantes”.[6] Infelizmente, esse tipo de resultado é bastante comum nas classes nas quais estão concentrados alunos que ainda não dominam o código escrito e alunos com leitura e escrita fluentes. Dada a problemática desse cenário, o professor não consegue contemplar as dificuldades de cada um.

Acrescentando à heterogeneidade a enorme quantidade de alunos (38 neste caso), podemos transformar o trabalho docente em uma missão verdadeiramente heróica. Muitos alunos com dificuldades na alfabetização tornam-se verdadeiros “copistas”: sentam-se, abrem seus cadernos e copiam tudo da lousa ou de outro suporte. Muitas vezes, o aluno tem o caderno repleto de atividades, mas nenhuma delas fez sentido em sua construção das habilidades de leitura e escrita.

 

Considerações Finais

 

            Conforme pode ser observado, a partir das atividades expostas neste trabalho, a sequência didática implementada funcionou de maneira muito satisfatória quando pensamos nos alunos que já escrevem convencionalmente.

           Os alunos ainda não alfabetizados demonstraram interesse e participaram, especialmente, das atividades que classificamos como “atividades de leitura aplicada” ora tentando ler para compreender as regras de brincadeiras desconhecidas, ora ouvindo as instruções de colegas que já sabem ler com fluência.

        O trabalho com os alunos sem escrita/leitura convencionais surtiria melhores resultados se dispuséssemos de mais tempo para desenvolvermos outros módulos de forma a contemplar todas as suas necessidades comunicativas. Entretanto, de maneira geral, todas as atividades propostas foram bem aceitas. A situação comunicativa foi clara: os alunos sabiam o porquê estavam lendo e para quê estavam escrevendo; perceberam que não é fácil ditar ou escrever regras e que existe uma linguagem e uma organização textuais específicas.

            O gênero escolhido faz parte da realidade linguística, cultural e social das crianças. Embora tenham sido retirados da sua realidade concreta – a qual ocorre espontaneamente sem a interferência de um adulto/professor – ainda conservou suas peculiaridades e fins sociais.

               Finalizamos com as palavras de ROJO:

No campo da compreensão e da leitura – decorrente da formação do leitor – trata-se mais de despertar a réplica ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia dos signos, que de ensinar o aluno a reconhecer, localizar e repetir os significados dos textos – no dizer de Marcuschi (1996), exercícios de “copiação” ao invés de compreensão.

 

Referências


KAUFMAN, A. M.; RODRIGUEZ, M. E. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artmed, 1995.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura – teoria e prática. Campinas, SP. 1995.

LERNER, D. Ler e escrever na escola: O real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed. 2002.

SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras. 2004.

THOMAZI, A.R.G. Práticas de leitura na escola: entre a formação humana e a formação escolar. In: COELHO, M. I. de M.; COSTA, A. E. B. (Orgs.). A educação e a formação humana: tensões e desafios na contemporaneidade. Porto Alegre: Artmed, 2009.

ROJO, R. A concepção do leitor e produtor de textos nos PCN´s: Ler é melhor que estudar. In: M. T. A. Freitas; S. R. Costa (Orgs.) Leitura e Escrita na Formação de Professores, p.31-52. São Paulo: Musa/UFJF/INEP-COMPED.

 

Heloisa Gonçalves Jordão

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP na área de Linguagem e Educação. Bacharel em Letras Português/Espanhol pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Durante a graduação, desenvolveu trabalho de pesquisa na área de Filologia Românica (DLCV). Atualmente desenvolve pesquisa voltada às práticas de ensino-aprendizagem de língua e à circulação e o ensino de gêneros textuais em sala de aula. Atuou como tutora do curso a distância de Especialização em Gestão do Currículo oferecido pela Rede São Paulo de Formação Docente (SEESP-USP).

 

Anexo I

Sequência de ensino com 25 aulas

Gênero: Textos instrucionais.

Público alvo: 3º ano do Ensino Fundamental I – final do ciclo de alfabetização.

Duração aproximada do episódio: 27 horas-aula.


Aulas 1 e 2: Apresentação da situação e conversa com os alunos sobre as brincadeiras prediletas - “Como ensinar um colega a brincar?”; escrita inicial – “escreva como brincar/participar de sua brincadeira favorita”.


Aulas 3 e 4: Módulos. Leitura e análise da estrutura: leitura, em duplas, de texto com regras de jogo conhecido (Amarelinha); leitura realizada pelo professor; levantamento de aspectos peculiares a estrutura do texto.

 Idade: a partir de 5 anos.

Texto 2: Amarelinha (para não-alfabetizados)

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Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:

1.     Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:

2.     Cada jogador precisa de uma _____________.

3.     Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .

4.     Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.

5.     Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)

6.     A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

 Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.

 

PESSOA

NÚMERO

DESENHO

CASA

JOGADOR

AMARELINHA

CÉU

PEDRINHA

PARTICIPANTES

 

Texto 2: Amarelinha (para alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:

1.  Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:

2.  Cada jogador precisa de uma _____________.

3.  Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .

4.  Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.

5.  Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)

6.  A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.


Aulas 5 e 6: Leitura aplicada. Será selecionado um grupo de cinco crianças para jogar amarelinha no pátio. Os demais alunos estarão com as regras em mãos, observando se os colegas respeitam as etapas pré-estabelecidas e se elas funcionam adequadamente.


Aulas 7 e 8: Ortografia e alfabetização. Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na seqüência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos); entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor os alunos).

Texto 2: Amarelinha (para não-alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:
1.    Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:
2.    Cada jogador precisa de uma _____________.
3.    Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .
4.    Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.
5.    Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)
6.    A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.

PÉ    PESSOA    NÚMERO    DESENHO    CASA
JOGADOR    AMARELINHA    CÉU    PEDRINHA    PARTICIPANTES

Texto 2: Amarelinha (para alfabetizados)

Número de ____________ : 1 a 6.

Idade: a partir de 5 anos.

Regras:
1.    Desenhe a ____________ no chão como no _______ ao lado:
2.    Cada jogador precisa de uma _____________.
3.    Quem for começar joga a pedrinha na casa marcada com o _________1 e começa a pular de casa em casa, partindo da casa 2, até o_______ .
4.    Só pode por um ____ em cada casa de cada vez. Quando há uma casa ao lado da outra, pode colocar os dois pés no chão.
5.    Quando chegar no céu, o _________ vira e volta pulando da mesma maneira, pegando a pedrinha quando estiver na casa 2 (sem colocar o pé no chão)
6.    A mesma __________ começa de novo, jogando a pedrinha na casa 2.

Perde a vez quem: pisar nas linhas do jogo, pisar na ______ onde está a pedrinha, não acertar a pedrinha na casa onde ela deve cair, não conseguir (ou esquecer) de pegar a pedrinha na volta.

Objetivo: ganha quem pular todas as casas primeiro.


Aulas 9 e 10: Leitura aplicada. Entrega de regra de brincadeira não citada/pouco conhecida (passa-anel); análise da estrutura do texto (comparando ao texto anterior).

Texto 3: Passa-anel

Idade: a partir de 4 anos.

Participantes: no mínimo 5 crianças.

Organização:

O primeiro passo é decidir quem será o “passador”. Ele deve esconder o anel (ou outro objeto pequeno) entre as mãos fechadas;

Os jogadores ficam um ao lado do outro com as palmas das mãos encostadas.

Hora da Brincadeira:

Quem esconde o anel deverá passar as suas mãos no meio das mãos de cada um dos participantes, deixando cair o anel na mão de uma delas, sem que ninguém perceba.

No final o “passador” pergunta a um jogador que ficou com as mãos vazias, se ele sabe quem está com o anel.

Se a pessoa acertar, será o novo “passador”, se errar receberá um castigo.

O “passador” repete a pergunta, quem acertar se encarregará de passar o anel.


Aulas 11 e 12: Leitura aplicada. Serão formados grupos de cinco crianças para realizar a brincadeira passa-anel de acordo com as regras. O professor orientará a leitura e participação.


Aulas 13 e 14: Ortografia e alfabetização. Ditado interativo de trecho inicial do texto (o professor dita e na seqüência realiza a escrita na lousa chamando a atenção dos alunos a aspectos ortográfico-fonológicos); entrega de texto faltando algumas palavras (aos alunos em processo de alfabetização a atividade constará de um banco de palavras para orientar melhor os alunos).

Texto 4: Passa-anel (para não-alfabetizados)

Idade: a partir de 4 anos.

Participantes: no mínimo 5 ___________.

Organização:

O primeiro passo é decidir quem será o “____________”. Ele deve esconder o __________ (ou outro objeto pequeno) entre as mãos fechadas;

Os _________ ficam um ao lado do outro com as palmas das mãos encostadas.

Hora da Brincadeira:

Quem esconde o anel deverá passar as suas __________ no meio das mãos de cada um dos ___________, deixando cair o anel na mão de uma delas, sem que ninguém perceba.

No final o “passador” pergunta a um jogador que ficou com as mãos vazias, se ele sabe quem está com o anel.


Aulas 15 e 16:

Análise coletiva de duas escritas realizadas no inicio da seqüência por alunos.

Texto 5

Texto escrito por aluno 1: PEGA PEGA

Tem que tirar 2 ou 1 quen sair por utimo ele tem que pegar outra pessoa se ele pegar aoquem ta com ele etc...

Texto escrito por aluno 2: PEGA-PEGA

Primeiro iscolher o pegador e escolher o piqui. Depois o pegador temta pegar o colega. Quamdo pega o colega está com ele e começa di novo.


Aulas 17 e 18: Descrição oral em sala das regras da brincadeira: esconde-esconde; realização da brincadeira no pátio.


Aulas 19 e 20: Leitura realizada pelo professor de regra da brincadeira: esconde-esconde. Escrita individual das regras da brincadeira esconde-esconde.

Texto 6

Esconde-esconde e pique-esconde.

Jogadores: 3 ou mais.

Onde brincar: em um espaço amplo que tenha possíveis “esconderijos”.

Regras:
Um jogador é escolhido para “bater cara” (fazer a contagem do tempo). Ele deve fechar os olhos e, rosto virado para uma parede ou um poste (o “pique”), começar a contar o tempo (determinado antes do início do jogo).

Enquanto ele conta, os outros devem se esconder. Assim que termina, ele sai à procura dos amigos. Quando encontra um jogador, grita seu nome e corre para o pique, onde deve bater três vezes, gritando: "Fulano, 1, 2, 3". Para se salvar, o jogador encontrado deve ser rápido o suficiente para chegar ao pique primeiro. Se não conseguir, está fora da jogada.

Os escondidos não precisam esperar serem encontrados para tentar se salvar.
Se perceberem que o pegador está afastado, podem arriscar sair do esconderijo e correr para o pique, grintando também "Fulano, 1, 2, 3".

A brincadeira pode durar minutos ou horas, dependendo de quão bons são os esconderijos e de quantas crianças estão participando. O último a ser pego faz o papel de pegador na próxima rodada.


Aulas 21 e 22: Correção da escrita da aula anterior por um colega da sala.


Aulas 23 e 24: Escrita final. Os alunos receberão as escritas iniciais e as reescreverão observando os aspectos observados nas atividades realizadas durante os módulos.


Aulas 25 e 26: Fechamento. No pátio realizaremos duas das brincadeiras escritas pelos alunos (de acordo com as regras descritas).

Observação: Nas aulas de análise da estrutura (aulas: 3 e 4, 9 e 10) será elaborado um quadro de características do gênero a fim de orientar as escritas subsequentes).

Fonte dos textos: http://criancas.hsw.uol.com.br

 


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