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Claziane Pereira de Lima

 

Resumo
O presente projeto traz para a sala de aula o gênero diário. O projeto surgiu a partir da demanda dos alunos no ano em que os Estados Unidos declararam guerra ao Iraque (2003). Assim, o tema da guerra e sua discussão entre adolescentes gerou a escolha do livro “O diário de Anne Frank”, cuja leitura os alunos realizaram de forma orientada, além de estudos e produções, como debate e carta.

 

Palavras-chave
Anne Frank, gênero diário, leitura 

 

Introdução

O presente projeto foi planejado e colocado em prática entre os meses de março a junho de 2003, em uma classe de sétima série (oitavo ano) do Ensino Fundamental II, durante o estágio realizado em uma escola particular de classe média do município de São Caetano do Sul.

Nessa escola, o Planejamento Anual de Texto funciona como meta inicial, mas não aprisiona o trabalho do professor, já que ao longo do ano acontecimentos imprevistos podem redirecioná-lo. É claro, no entanto, que se deve procurar seguir o planejamento e os Planos de Trabalho e que, havendo modificações, essas devem ser anotadas nos planos e comunicadas aos alunos, aos coordenadores e aos diretores. O planejamento não previa o Projeto Anne Frank, por exemplo, que surgiu a partir da identificação de uma demanda dos alunos.

No começo de 2003, os Estados Unidos declararam guerra ao Iraque e decidiram invadi-lo. Essa situação singular e radical, com uma cobertura imediata de toda a mídia, acompanhada por todos e, inclusive, pelos alunos da sétima série, gerou angústia e insegurança nesses adolescentes. Surgiu daí uma demanda da parte deles de discutir a guerra do Iraque e, mais que isso, discutir o próprio conceito de guerra. Foi elaborado e proposto, então, um projeto didático que trabalhasse com a leitura do livro O Diário de Anne Frank (FRANK, 2002), com a discussão do tema da guerra e com o estudo do gênero diário.

Objetivou-se trabalhar com aquilo que os alunos estavam vivenciando, mas de forma a acrescentar algo, fazendo-os pensar na importância da Língua Portuguesa e, principalmente, no papel transformador que eles têm na sociedade. A leitura de Hernández auxiliou-me a entender melhor o que buscava com o projeto: “Levar adiante um processo de aprendizagem vinculado ao mundo exterior à escola, e oferecer uma alternativa à fragmentação das matérias” (HERNÁNDEZ, 1996, p. 67). Acreditamos que a construção efetiva do conhecimento acontece valorizando-se o processo em vez do produto.

Para organização do projeto, foi preparada uma ficha, na qual se encontravam os seguintes itens:

  • Roteiro de Leitura;
  • Aspectos importantes a serem levantados durante a análise da obra;
  • Poema “A Rosa de Hiroxima”, de Vinicius de Moraes;
  • Relato de um sobrevivente, retirado do livro Sete dias de Maio (Bailey, Charles W. e Fletcher, Knebel, 1964);
  • Questões iniciais;
  • Estudo sobre o momento histórico em que se passa a obra: a 2ª Guerra Mundial;
  • Estudo sobre o gênero diário;
  • Extrapolação, utilizando o texto de Fabrício de Oliveira, aluno do 1º ano do Ensino Médio;
  • Espaço para colagem da produção artística;
  • Questões finais.

 

Talvez, algumas sementes tenham sido plantadas na vida desses jovens: a carga de informações que levaram da leitura, o conceito do gênero diário que estudaram e, principalmente, a percepção de sua importância dentro do mundo como seres transformadores e conscientes de seu papel. Segue a descrição dos módulos e, nos anexos, encontram-se algumas das produções dos alunos para cada atividade.

 

Sequência didática

Módulo I

Atividade 1

No primeiro dia de aplicação do projeto nas sétimas séries, antes de tudo, apresentei o trabalho e falei da importância dele para mim e das expectativas que tinha com respeito à sua realização, afinal o pedido da leitura dessa obra tinha partido de muitos alunos e de nossas discussões sobre a invasão dos EUA ao Iraque.

Durante essa apresentação, passei aos alunos o Roteiro de Leitura, por meio do qual eles poderiam controlar melhor suas leituras diárias, atingindo uma compreensão mais efetiva da obra. Trata-se de um cronograma de leitura, com os dias das aulas nas quais trabalharíamos o projeto e as páginas do livro que deveriam ter sido lidas até essas datas. Foram 15 aulas, ao longo de um mês e meio de trabalho, e a leitura de um livro com 315 páginas precisava ser bem organizada e dirigida. É bom deixar claro que os alunos não eram obrigados a seguir o roteiro, muitos terminaram antes, e outros, depois. Ele foi elaborado utilizando como parâmetro alunos que não têm facilidade para ler, possibilitando que todos se organizassem e realizassem uma boa leitura.

Em seguida, apresentei ainda uma lista com aspectos importantes a serem anotados, assim os alunos saberiam por onde seguir e o que seria cobrado ou, pelo menos, as informações que precisariam para realizar uma boa análise da obra. Tal lista contava com as seguintes orientações:

 

É importante anotar:

-            Os nomes de todas as personagens, dando suas respectivas características (físicas e psicológicas);

-            Fatos marcantes dentro da obra (clímax);

-            Problemas presentes na história (conflito);

-            Período em que se passa a narrativa (tempo);

-            Onde ela se passa (espaço);

-            Relações entre personagens;

-            Semelhanças e diferenças entre personagens;

-            Relações entre obra e mundo;

-            Opinião sobre os acontecimentos.

Enfim, tudo que julgar interessante para uma boa análise da obra.

 

No mesmo dia da apresentação do projeto, ouvimos o poema “A rosa de Hiroxima”, de Vinicius de Moraes, interpretado por Ney Matogrosso.

Além da música, realizei a leitura do relato de um sobrevivente da bomba de Hiroshima, retirado do livro Sete dias de maio, dos americanos Fletcher Knebel e Charles W. Bailey.

Em seguida, pedi aos alunos que anotassem suas primeiras impressões sobre o assunto, respondendo às seguintes questões:

1. O que você sentiu ao ouvir o poema de Vinicius de Moraes e ao ouvir este relato?

2. O que você espera do nosso projeto?

O objetivo da leitura da poesia e do relato para os alunos era sensibilizá-los para a realização do projeto. Acredito que este objetivo foi alcançado, pois alguns dos alunos se emocionaram bastante e fizeram anotações contundentes.

 

Módulo II

Atividades 2, 3 e 4

Depois disso, tivemos três aulas dedicadas ao estudo do momento histórico em que se insere a obra. Esta é uma etapa essencial para que os alunos reconheçam o contexto da obra. O estudo da obra e da época em que foi produzida possibilita uma compreensão real do gênero em questão, perspectiva essa que dialoga diretamente com a teoria dos gêneros do discurso, de Bakhtin. Ao longo dessas aulas, sempre conversávamos sobre a obra, tirando as dúvidas existentes sobre a história e comentando os problemas apresentados. Os alunos se envolveram bastante e muitos trouxeram espontaneamente relatos de experiências trazidas pelos pais, avós e bisavós, integrando realmente a obra com a vida. Nessas aulas, contei com a colaboração da coordenadora do Ensino Fundamental, que é professora de história por formação. Foi pedido aos alunos que fizessem uma pesquisa sobre a Segunda Guerra, visando a responder às seguintes questões:

1. Defina imperialismo e explique o papel da Alemanha nele quando invade a Polônia, no momento inicial da guerra.

2. Quais as alianças que formaram os dois grandes blocos que lideraram a guerra?

3. Por que, ao entrar em guerra, a Alemanha também decretou guerra aos judeus? O que eles significavam para os alemães?

4. O que foram, durante a guerra, os guetos, os campos de concentração e o holocausto?

5. Quais os principais objetivos representados pelos dois blocos em guerra, ou seja, o que cada lado defendia?

6. Qual foi o desfecho da guerra? Como ficou a Europa, em geral, e a Alemanha, em particular?

 

Módulo III

Atividades 5, 6 e 7

Três aulas foram dedicadas ao estudo do gênero diário, segundo o roteiro de estudo apresentado por Teresa Cochar Magalhães e William Cereja no livro Português: Linguagens (2002). Além disso, a discussão que fizemos a respeito do livro como obra literária foi pautada nas palavras de Antonio Candido em seus textos de Vários Escritos. Para as discussões, foram usadas de base as seguintes questões:

1. O que é um diário?

2. Quais as principais características desse gênero?

3. Pensando em O diário de Anne Frank, o que torna um diário uma obra literária?

 

Módulo IV

Atividade 8

Seguimos o estudo da obra, através de um trabalho extrapolativo, utilizando como base o texto de um ex-aluno meu, mas ainda aluno da escola. Achei importante para a efetivação de nosso estudo, pois, além da qualidade, o texto fez com que muitos alunos acreditassem no seu potencial de produção textual e percebessem que esse tema é pensado por todos, inclusive, por um colega da mesma instituição que já havia estado no lugar que eles ocupavam naquele momento.

Em seguida à leitura, a discussão foi proposta com a seguinte questão, que deveria ser respondida por escrito:

1. Você concorda com as colocações do autor desse texto? Por quê?

 

Módulo V

Atividade 9

Depois de toda discussão e quase finalização da leitura, os alunos fizeram uma produção artística. Com essa produção eu buscava verificar o que realmente havia ficado para eles de nossa leitura. Através dela, alguns alunos que não conseguiram se expor por meio da fala e da escrita tiveram uma oportunidade de demonstrar o que aprenderam. 

Para que essa produção acontecesse, pedi que eles trouxessem uma caixinha de creme dental e outros materiais que pudessem utilizar para representar algo significativo da leitura ou ajudar na produção. A ideia era que eles percebessem que algo tão banal pode se transformar em uma bela produção. Ou seja, comprovar o papel transformador do ser humano, como bem disse Paulo Freire (1999), afinal esse é o verdadeiro papel da educação. (Também é possível pensar nos ready-mades dos artistas das vanguardas históricas que transformavam detritos e objetos do cotidiano, materiais considerados não nobres, em obras de arte).

 

Atividade 10

Complementando nossos trabalhos, realizamos ainda uma produção textual, seguindo o gênero diário. Esse texto poderia ser destinado a qualquer pessoa envolvida em nossos estudos, tais como Anne Frank, a família Frank, Bush, Saddam Hussein, etc.

 

Módulo VI

Atividade 11

Além desse texto, foram feitas uma avaliação da leitura em forma de prova e uma avaliação do projeto por escrito, na qual os alunos tiveram um espaço onde puderam se expor e comentar a aprendizagem e, principalmente, a forma como ela foi encaminhada.

 

Atividades 12 e 13 

Durante duas aulas, realizamos também um debate acerca de todos os problemas enfrentados pela personagem Anne Frank e de toda a situação levantada por meio dessa leitura. Nesses momentos os alunos que apresentaram algum problema com a exposição escrita puderam demonstrar, por meio da fala, aquilo que aprenderam. O diálogo é sempre muito positivo e eles aprendem a ouvir uns aos outros retomando seus posicionamentos, como devemos fazer na vida cotidiana como cidadãos.

 

Módulo VII

Aula 14

Na última aula, ouvimos novamente o poema de Vinicius de Moraes, interpretado por Ney Matogrosso e os alunos puderam retomar as duas questões colocadas na primeira aula:

1. O que você sentiu ao ouvir o poema de Vinicius de Moraes?

2. O que você achou do nosso projeto?

 

Sobre a exposição “Anne Frank, uma história para hoje”

Durante a execução do projeto, tivemos a sorte de contar com a exposição “Anne Frank, uma história para hoje”, organizada pelo Centro da Cultura Judaica, situado à Rua Oscar Freire, 2.500, em São Paulo. Nessa exposição, os alunos puderam entrar em contato com documentos vindos da Holanda, além de fotos e um vídeo explicativo sobre o momento histórico e sobre a obra que leram. A visita foi monitorada e, ao final, participamos de uma oficina, na qual todos deixaram suas mensagens de paz ao mundo e respeito ao próximo, através de desenhos e textos.

 

Referências bibliográficas

BAILEY, charles W.; KNEBEL, Fletcher. Sete dias de Maio. São Paulo: Record, 1964.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: _______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004.

CEREJA, William; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português - Linguagens. 7ª série. São Paulo: Atual, 2002.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e expressão oral e escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Record, 2002.

FREIRE, Paulo. Ensinar não é transferir conhecimento. In: _______. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Coleção Leitura.

HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da escola. In: _______. Transgressão e mudança na educação.  Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

CONRAD, Gerson; MORAES, Vinicius de. Rosa de Hiroshima. In: Secos & Molhados. São Paulo, Continental Discos S/A, 1973. Faixa 9.

MORAES, Vinicius. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

PERRENOUD, Phillipe. “Os procedimentos habituais da avaliação, obstáculos às mudanças pedagógicas”. In: ____. Avaliação (da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas). Porto Alegre: Artmed, 1999.

PERNIGOTTI, J. M. e outros. O portifólio pode muito mais do que uma prova. In: Revista Pátio, ano 3, nº 12, fev/abr. Porto Alegre: Artmed, 2000.

 

* Este projeto contém arquivos anexos para download. Eles estão disponíveis logo abaixo, em "Baixar anexos".

   

Domingo, 20 Fevereiro 2011 17:15

Crônicas: leituras e leitores

 

Victor Hugo Fernandes Cremasco
Laís Sartori Rodrigues
Samar Ferraz da Silva
Maria Aparecida Mansur
José Fernando Barska

Petruciany Simone Ribeiro
Bruno Pontes Oliveira Trípodi
Maria das Mercês Dantas Rodrigues

  

Resumo
Trazendo a crônica, um gênero que narra a vida como ela é, para a sala de aula, este projeto aproxima literatura e realidade. Oferece temáticas que são capazes de desenvolver o diálogo e o senso crítico, favorecendo um processo formativo amplo. A partir de leituras de textos de variadas épocas – que agregam o saber histórico – e do uso de mídias visuais, como vídeo e fotografia – que dinamizam o trabalho –, os alunos reconhecerão os traços constitutivos que regem o gênero e partirão, a seguir, para uma oficina prática de escrita e fotografia, através da qual poderão documentar seus próprios olhares perante a vida, a sociedade, a cidade, etc.

  

Palavras-chave
Crônica, história, sociedade, mídias visuais, escrita 

 

Introdução

É possível rever as estratégias que há para o ensino de literatura. O primeiro passo para isso é reconhecer que a leitura está presente na vida dos jovens. Eles a encontram em jogos, redes sociais, mídias de lazer – filmes e músicas –, etc. Logo, não há problema em ler; o que prejudica, sim, muitas vezes, a aprendizagem, é o que se lê e como se lê. Tendo isso em vista, e procurando suavizar a inserção desses jovens no universo da leitura escolar, formativa, propomos um projeto que lhes possa mostrar que seus mundos particulares estão presentes no texto literário e vice-versa, gerando um sentimento de cumplicidade. E foi dessa necessidade de aproximação que a crônica surgiu como engrenagem decisiva. Ela é “ligeira”, bastante subjetiva, trata de temas que cabem à sociedade pós-moderna e é construída sobre os alicerces de uma linguagem desprovida de nós insolúveis; em suma, é um gênero decididamente didático e passível de escolarização. Diz Antonio Candido:

“É importante insistir no papel da simplicidade, brevidade e graça próprias da crônica. Os professores tendem muitas vezes a incutir nos alunos uma ideia falsa de seriedade; uma noção duvidosa de que as coisas sérias são graves, pesadas, e que consequentemente a leveza é superficial. Na verdade, aprende-se muito quando se diverte, e aqueles traços constitutivos da crônica são um veículo privilegiado para mostrar de modo persuasivo muita coisa que, divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das coisas.” (1992, p. 19) 

No Brasil, ao final do século XIX, a crônica era uma seção jornalística, de rodapé, que tinha a função de informar o leitor sobre os acontecimentos daquele dia ou daquela semana. A modernização do gênero se deu por uma mudança de comportamento de alguns jornalistas, os quais permaneciam nas redações aguardando as notícias: no século XX, eles trocam a postura da espera pela da busca, transformando-se em uma espécie mais compromissada de flanêurs[1], vivendo pelas cidades atrás das grandes cenas e dos grandes fatos, dos olhares que valessem um texto. Pois é quando a notícia se liberta dos moldes tradicionais e experimenta o tom literário que a crônica começa a ganhar um amplo caráter documental. Em outras palavras, ela tem um pouco de fora e um pouco de dentro. Dela, é possível apreender um cenário, uma instância e, ainda, a postura daquele que vê, e que, porque vê, livremente associa sobre aquilo, pessoalizando o quadro comum e excitando um prazer preliminar cuja essência, segundo Freud, é a alma da literatura.

A crônica possibilita, também, um saber para a vida. Por tematizar, quase sempre, questões “epidérmicas”, sempre temperadas com a mais pura realidade, como política, ética, amor, sexualidade, saúde, além das relações entre as pessoas e delas com tudo que é externo, ela humaniza.

“Esta humanização lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar, com a outra mão, certa profundidade de significado e certo acabamento de forma que, de repente, podem fazer dela uma inesperada, embora discreta, candidata à perfeição.”

(CANDIDO, 1992, p. 13)

No entanto, mais que apresentar facetas que dizem respeito à importância histórica e social de um gênero, como fizemos acima, um projeto deve aclarar potencialidades práticas que esse gênero traz ao âmbito escolar. Entre as da crônica, há, por exemplo, a oportunidade que oferece para o trabalho com temas e saberes transversais – que faz dela um instrumento interdisciplinar bastante interessante –, e a capacidade mediadora que tem entre as literaturas infantil, juvenil e adulta. De uma crônica é possível extrair certa diversão despreocupada e, ao mesmo tempo, temas relevantes, permitindo que os alunos descubram, nessa gangorra, os seus próprios traços de leitura. Permite ao professor, também, constituir uma avaliação contínua e voltada à formação de um leitor, e não só de um aluno que cumpra essa ou aquela prescrição.

Pondera Ana Maria Machado:

“Volta e meia a gente encontra alguém que foi alfabetizado, mas não sabe ler. Quer dizer, até domina a técnica de juntar sílabas e é capaz de distinguir no vidro dianteiro o itinerário de um ônibus. Mas passa longe de livro, revista, material impresso em geral. Gente que diz que não curte ler. Esquisito mesmo. Sei lá, nesses casos, sempre acho que é como se a pessoa estivesse dizendo que não curte namorar. Talvez nunca tenha tido a chance de descobrir como é gostoso. Nem nunca tenha parado para pensar que, se teve alguma experiência desastrosa em um namoro (ou em uma leitura), isso não quer dizer que todas vão ser assim. De repente, pode descobrir delícias que nem imaginava, gostosuras fantásticas, prazeres incríveis. Ninguém deveria ser obrigado a namorar quem não quer. Ou ler o que não tem vontade. E todo mundo devia ter a oportunidade de experimentar um bocado nessa área, até descobrir qual é a sua.” (2001, p. 12) 

Dando mais um passo no campo das potencialidades escolares, a crônica possibilita pensarmos em produções escritas mais prazerosas e pessoalizantes, já que nasce da “vazão da pena”. Os jovens costumam se achar distantes da criação artística, como se essa contemplasse poucos e seletos. Todavia, a simplicidade desse gênero vem provar o contrário: que qualquer um pode exercer a função de documentador de seu tempo, incluindo opinião, senso crítico e capricho estético, assim como vem provar que tudo é motivo para um texto. Basta reagir às inúmeras excitações que a vida provoca.

Concluindo, este projeto procura constituir o prazer pela leitura através do contato. Prazer, contato, essa coisa bem humana. Nosso maior prêmio é imensurável e impossível de avaliar. Um amigo não se conquista de um dia para o outro. Não se diz “olá, somos amigos” e pronto. É preciso apresentar-se, logicamente, porém, mais adiante, manter-se em uma troca de afetuosidades e segredos, a partir da qual tende a nascer uma condensação de dois em um só. É rindo e chorando ao texto e ouvindo, também, suas confissões e temores, que se sustentam os verdadeiros leitores, esses que pretendemos ver ganhando forma nas salas de aula.

Nosso público-alvo é o 9º. ano (8ª série). Acreditamos que o bom desenvolvimento das atividades faça com que a carga curricular (tanto de leitura quanto de escrita) que vem com o Ensino Médio seja mais bem recebida pelos alunos recém-ingressados.

 

Sequência didática

Fundamentos metodológicos

Para o trato nas oficinas de escrita e leitura, desenvolveremos nosso edifício sobre o terreno da relação professor-aluno assentada por Lucy McCormick Calkins. Segundo ela, há uma necessidade prévia e inata de escrita em todos os seres humanos. Disseminar histórias e prazeres é um direito; no entanto, tal exercício não é, na prática, tão simples. Da formação dos jovens, que vivem, em sua grande maioria, sob o show de sombras da cultura de massa, até a concretização de intelectos atuantes, deve haver um processo de conquista, e esse processo depende diretamente de dois fatores: o professor como instituição e o material como couvert.

O desinteresse por qualquer um desses é suficiente para criar um enorme vão entre o aluno e a escola, ou, mais tecnicamente, entre o conhecimento e o lugar aonde este deve ir. Portanto, em nosso projeto, as crônicas servem de ímã para um possível encontro dos alunos com um “gênero menor” (CANDIDO, 1992, p. 13), que, entretanto, não dissolve, de forma alguma, a ideia de um ensino concreto de língua e literatura.

Calkins atenta para a criação de uma energia para escrever, encontrando nos alunos, por meio dos professores e dos materiais, a essência individual para a produção efetiva de um sujeito que tenha sua própria “voz” e seus ideais. Para isso, ensinar deve ser como subir uma escada sem degraus tendo em mãos duas tábuas. Colocamos a primeira, subimos, colocamos a segunda, subimos, rebuscamos a anterior para que nos sirva novamente, subimos, e assim por diante. É por isso que a pesquisa deve fundamentar a prática. Nosso projeto não enfatiza o produto final, mas sim o processo. As oficinas preservarão um número razoável de interações dos alunos com seus textos, para que o anseio pela melhora se confunda com os esforços do dia a dia. Afinal, o estudante tem um direito assegurado de poder ensaiar, esboçar, revisar e editar aquilo que será sua avaliação e, mais que isso, seu atestado de leitor, escritor e cidadão do mundo apto para pensar e intervir.

“Aprender o que somos, o que nos estamos tornando agora e o que podemos fazer, mediante um contexto histórico-comparativo, denso e justo, é ainda a tarefa prioritária das ciências humanas no Brasil.” (BOSI, 1987, p. 15)

 

Módulo I – Conhecendo a crônica

O trabalho multimídia

Quando pensamos em formas de contar histórias e na atração que elas exercem sobre os leitores, vem às nossas cabeças, muitas vezes, uma ideia estereotipada (e errada) de que, porque vivemos em uma época bastante influenciada pela tecnologia, as pessoas já pouco se interessam por literatura e o lirismo morreu. O preconceito subleva-se ainda mais se o objeto são os jovens, tidos, sempre, como os grandes intermediários das transições de costumes.

Analisando com um pouco mais de cuidado, porém, podemos perceber que, em meio a esse novo mundo, as formas de contar histórias somente se diversificaram, permanecendo intacta a necessidade humana de narrar. Pensando nessa diversificação, e projetando incluí-la no trabalho com alunos de uma geração nomeada por uma letra que nem de nosso alfabeto é – Y –, torna-se um desafio iniciá-los no mundo da “imaginação” sem que utilizemos recursos próximos a eles (e, por consequência, próximos a essa diversificação que eles intermediam). A visualização – por conta do cinema, da televisão, da computação, etc – e o movimento – atalho quase sine qua non, hoje, para a apreensão dos fatos – venceram a sugestão, conceito que foi, ao longo dos tempos, e ainda é, em menor dimensão, caminho para o entendimento dos efeitos causados pelas artes em geral.

Considerando esses fatores, propomos a utilização de curtas-metragens – disponíveis em grande quantidade na internet – e fotografias – as quais, pelos aparatos que se tem, podem ser facilmente tiradas ou encontradas. Confiamos que a inclusão desses recursos para motivar e alavancar o trabalho em sala de aula torna nossa intervenção mais útil e didática do que se apenas entregássemos uma folha de papel e exigíssemos que a imaginação fluísse. Ela não se destaca em tom opaco.

Tal confiança não se traduz em uma tentativa de moldarmos a imaginação dos jovens, mas, sim, de não lhes tirarmos o chão de uma só vez. A transição entre o “pronto” e o que precisa ser criado deve ser constituída paulatinamente, colorindo esse universo particular que se apresenta, inicialmente, como uma tela vazia.

No que se refere aos inúmeros materiais que podem ser contemplados, canais como o Google, o Youtube e muitos outros, conhecidos pela imensa maioria das pessoas, podem oferecer um leque incomensurável de crônicas, vídeos e fotografias. Os educadores podem e devem se aventurar nessas atividades, desde que haja, na escola em que se propõe aplicar o projeto, aparatos que deem respaldo a todo esse conceito apresentado. 

 

As primeiras aulas: o panorama de leituras

Para dar o primeiro passo e familiarizar os alunos com o gênero a ser estudado, o professor poderá reservar o número de aulas que julgar necessário para fazer um panorama de leituras. Esse panorama deverá conter um apanhado de crônicas justificadas por meio de um recorte seletivo, que pode ser temporal (nesse caso sugerimos que se evolua inversamente, indo do século XXI, ou seja, de crônicas contemporâneas, para o XIX, quando o cronista ainda entrava em cena[2]), temático (a gama de assuntos recorrentes em crônicas é enorme: política, viagens, sociedade, sexualidade, violência, amor, guerra, etc.) e até livre (caso haja espaço para um enfoque especial, fruto de agentes externos). Com a finalidade de atender à noção que está, inclusive, presente no nome da atividade – panorama –, é interessante que o professor procure variar o seu corpus, equilibrando-o entre as múltiplas possibilidades que se abrem (e elas se abrirão seja qual for o seu recorte seletivo).

Para cada aula, que, de acordo com seu andamento, dará conta de um ou dois textos, o professor poderá, seguindo os fundamentos de multimídia apontados no tópico anterior, trazer materiais que sirvam de couvert, ou mesmo de prato principal, na condução das discussões e atividades referentes às crônicas lidas. Lembramos, este projeto tem caráter sugestivo: seguem abaixo alguns exemplos de como esse trabalho com texto e mídia pode render. Cada professor, no entanto, ciente das suas turmas e consciente de seus objetivos, deverá organizar-se previamente, a fim de elaborar um cronograma que contenha crônicas potenciais e, mais que isso, bons materiais de acompanhamento, operacionalizando leituras mais leves e ricas.

 

O mineirinho, de Clarice Lispector 

Exemplo baseado em uma aula aplicada por uma das integrantes de nosso grupo, Laís Sartori Rodrigues, em seu estágio de MELP II.

 

Vídeos sugeridos para a aula: 

The Clocktower:

<http://www.youtube.com/watch?v=nMIOuPxhCVI

e o filme Tropa de Elite II

 

Ligamos nossos aparelhos de televisão, hoje, e vemos notícias de como o Rio de Janeiro está enfrentando a ‘guerra contra o tráfico’; em qualquer outro dia em que os ligarmos, veremos notícias de crimes absurdos e pessoas passando por necessidades. Esses tipos de manchete aparecem tanto, e com tal constância, que algumas pessoas, já tendo seus corações anestesiados, consideram a violência algo inerente à sociedade dos dias atuais. Nesse ritmo, vamos nos tornando “pedras”. Nessa insensatez, vamos nos desumanizando.

Há várias formas de lidar com O mineirinho, de Clarice Lispector, sendo uma delas destacar essa nossa insensibilidade à violência. Para traçar um paralelo, pode-se usar o recente filme de Zé Padilha, Tropa de Elite II, para perguntar se os alunos são mais propensos a torcer pelo “time” do policial que bate em todo mundo – Capitão Nascimento –, ou pelo do defensor dos direitos humanos – Fraga. Pode ser iniciado um debate, baseado nas respostas deles, sobre o que é crime e o que é castigo, e sobre as nossas reações diante de tais atos.  

 

cronicas-02

 

Pode-se, também, a partir do trecho “Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos”, um fragmento da crônica, trabalhar a forma como a autora explicita coisas que ocorrem com todos nós em diferentes âmbitos da vida: a incapacidade de ação e revolta, a forma como aturamos as dificuldades para que a vida não saia do eixo (ainda que esse eixo não atenda às nossas expectativas), etc. É para dinamizar essa atividade que surge o curta-metragem The Clocktower, cujo enredo consiste em uma garotinha, que faz parte da engrenagem de um relógio, que resolve sair de sua posição fixa e conhecer o mundo. Contudo, ela percebe que as coisas não funcionam da mesma forma se ela não cumprir o seu papel.

 

A última crônica, de Fernando Sabino

Fotografia sugerida para a aula:

 cronicas-01

 

Mostrando-se essa foto aos alunos, é provável (e esperado) que os primeiros olhares sejam superficiais. Uma possível e básica conclusão será: trata-se de um aniversário. A ela poderíamos dar o nome de “sondagem”. Com a colaboração do professor, porém, os alunos podem avançar alguns passos na compreensão dos sentidos potenciais da figura: um segundo nível de discussão, por exemplo, pode basear-se no tamanho do bolo, que é bem menor que os que comumente se vê. A partir daí, passo a passo, experiências pessoais tendem a ser trazidas. A menina, apesar do bolo minúsculo, sorri. Por quê? A família reatratada provavelmente é humilde, certo? O que importa mais: o objeto (símbolo) ou o carinho empenhado e envolvido por trás dele? Tudo isso visa ao envolvimento subjetivo das turmas.

Para começar a mergulhar no texto em si, pode-se perguntar à classe se é possível escrever sobre essa cena, ou seja, se há algum ingrediente nela que possa servir de retrato de um momento ou ‘estado (social)’ (como propõe o gênero crônica). O passo seguinte seria a leitura coletiva, pausada e detalhada de A última crônica, de Fernando Sabino. É importante que o educador reflita sobre os efeitos que essas estratégias trazem para as aulas, afinal, em suma, estará avaliando este projeto. Acreditamos que o gênero crônica possibilita uma maior liberdade no manuseio dos textos, pois, muitas vezes, meros parágrafos são bastante carregados de sentidos próprios (já foi possível ver isso em Mineirinho, em que um excerto foi capaz de valer o trabalho com um vídeo e, consequentemente, uma volumosa discussão).

Chegando ao segundo parágrafo, diz o cronista: “ao fundo do botequim, um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade (...) deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre (...). O pai (...) aponta no balcão um pedaço de bolo sobre a redoma. (...) O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia (...)”. Constitui-se aí, no aluno, uma contundente confluência, a partir do momento em que ele desloca exatamente as discussões feitas sobre a foto para um texto preexistente, sentindo-se amigo do mesmo e, mais que isso, de certa forma, um coautor. Ele passa a apreender bem mais claramente o que as palavras dizem, ao passo que também o faz com relação a como elas dizem. Diz o texto, ainda: “são três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo”[1].

Após a construção desse “intertexto”, pode-se ir adiante e trabalhar toda a beleza da crônica, utilizando as respostas daquela pergunta anterior, se era possível escrever algo sobre a fotografia. O texto em si, nessa altura, já terá respondido a essa pergunta. Os alunos podem tentar encontrar em suas próprias vidas alguns momentos especiais, que tenham sido tão simples e belos quanto o aniversário da personagem. Essas lembranças, conforme o tempo disponível, podem motivar um exercício de escrita, na tentativa de que se transforme em crônica outros puros e vivos olhares, assim como fez Sabino com o seu na crônica estudada.

Essas foram apenas algumas indicações práticas das infinitas possibilidades que se abrem ao trabalho do professor que buscar fundamentos neste projeto. Em meio a todas as nossas pesquisas de mídia, encontramos outros curtas-metragens com enorme potencialidade para serem usados em sala de aula. Entre eles, como referências, estão:

 

The Frat: <http://www.youtube.com/watch?v=rUD8R1d-6Ks>

A short love story in stop motion: <http://www.youtube.com/watch?v=3Af_VESR70g>

Going west: <http://www.youtube.com/watch?v=F_jyXJTlrH0>

V Water: <http://www.youtube.com/watch?v=APEIUMKCWzc>

Le coeur est un metronome: <http://www.youtube.com/watch?v=t8i4y6EwNvI>

Trois petit points: <http://www.youtube.com/watch?v=G0yC2ldpBFI>

Greed: <http://www.youtube.com/watch?v=GG67HhyL0Gs>

The Can: <http://www.youtube.com/watch?v=8gmsuw_GGhI>

 

Vale dizer, o Youtube oferece uma ferramenta de “vídeos relacionados”. Cada página elenca uma série de outras que podem ser alcançadas com um clique, as quais trazem algo próximo da que está sendo visitada no momento. Em outras palavras, estamos querendo dizer que o trabalho de garimpo se torna mais prazeroso, ao passo que não é preciso procurar-se, obrigatoriamente, por nomes ou temas. Cada vídeo pode levar o professor a outro, que levará a outro, a outro, etc. E assim será aberta uma variedade enorme de curtas-metragens.

 

Sugestões de leitura

Um livro de grande importância para este projeto foi As cem melhores crônicas brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos Santos. Nele pudemos encontrar bastantes crônicas aplicáveis em sala de aula. Citamos, abaixo, algumas (que seguem anexadas ao final do projeto):

Meu ideal seria escrever, de Rubem Braga – interessante para a primeira leitura do gênero. É metalinguística, tratando com leveza da postura do cronista perante os espetáculos do acaso.

Amor é prosa, sexo é poesia, de Arnaldo Jabor – Trata de sexualidade. A enorme quantidade de comparações que há no texto e a dinâmica que possui possibilitam um trabalho menos engessado. O professor poderá escolher algumas diferenças entre amor e sexo que aparecem na crônica para serem debatidas. Para encontrar a postura ideal para tratar do tema, é aconselhável que o professor tenha uma visão razoável da bagagem social e cultural trazida por seus alunos.

Uma proposta de atividade está no aproveitamento do próprio texto. Diz o final da crônica: “Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. Ou não, sei lá... e-mails de quem souber para o autor”.

Propor a elaboração de um e-mail para o autor, referindo-se à obra e imprimindo opiniões sobre o que foi dito e o que poderia ser, ainda, acrescentado.

Um casal feliz, de Danuza Leão – Espaço para discussões sobre sociedade, globalização e avanço tecnológico. A rapidez com que os produtos vão da utilidade para a superficialidade, o apego, o intuito da coleção e a memória familiar são pontos a serem discutidos. É possível, também, propor um link entre amor, cobiça – questões dueladas no texto – e a sociedade insegura e criminosa dos dias de hoje, na qual o verbo viver perdeu espaço para o ter.

Então, Adeus!, de Lygia Fagundes Telles – Diz respeito à tensão instalada ao final do século XX: o ser humano preocupado com a deformação da vida privada. O ritmo das evoluções, que no século XXI, sabemos, é caótico, era, há poucas décadas, uma questão mais abstrata e que impunha um caráter mais reflexivo. Discutir as virtudes e as desvirtudes dessa mudança.

Essa mocidade de hoje, de Marcos Rey – Uma crônica chamativa desde o nome. Declarar aberta a autorreflexão e trabalhar sobre três eixos do texto: o pó que vicia, os costumes antissociais e as máquinas “diabólicas”. Inicialmente, interpretá-los separadamente, inserindo, por exemplo, os conceitos de metáfora no que cabe ao pó. Que pó é este? A que ele se refere? E no caso do menino que faz serenatas, há um problema corriqueiro? Qual a diferença entre os três casos apontados no texto? A partir da última pergunta, debater as “patologias” sociais que são levantadas pela crônica: o pó e o vício como desagregações de valor, a fugacidade e os hábitos rebeldes como desvios de comportamento (discussão da masturbação e da reclusão, por exemplo) e os aparelhos eletrônicos como instrumentos de destruição da unidade humana de pensamento (a máquina vestindo o homem, e não o contrário).

A última crônica, de Fernando Sabino – Está em pauta aqui, sob duas das suas principais formas (a racial e a econômica), a temática do preconceito. Aproveitar a “deixa” do texto e incitar uma resposta às seguintes perguntas: como seria a sua última crônica? Que cena desejaria descrever? Vitalizar a beleza e simplicidade próprias do gênero, introduzindo, se for do interesse do professor, ligações com poesia e lirismo. Pensar no papel atual do negro dentro da sociedade: ele tem espaço? Cenas como a retratada por Sabino são recorrentes? Qual seria o motivo dessa recorrência ou não recorrência?

A invenção da laranja, de Fernando Sabino – Critica os processos de industrialização e transformação da natureza em produto “enlatado”. Abre-se a polarização entre os pequenos e os grandes prazeres: quais deles são, deveras, os mais importantes em nossas vidas? É possível viver sem a indústria? E sem a natureza das coisas?

Um exercício pode ser desenvolvido a partir de fotos sortidas, de vários objetos, naturais ou industrializados, que seriam distribuídas. Os alunos devem retratar possíveis processos de transformação desses objetos, tal como faz a crônica de Sabino, que propõe uma tese sobre a evolução do mercado do suco de laranja. Compreender de maneira lógica a degradação indireta de seu próprio mundo é um direito do jovem e uma obrigação da educação, sendo essa a grande ferramenta asseguradora da cidadania.

A mulher automática, de Oswald de Andrade – Destaca o conceito de “automatismo”. O professor aparece como um mediador importante entre a modernidade do início do século e a modernidade dos tempos atuais. Encontrar argumentos, no texto, que abram discussão sobre essa dicotomia. No campo textual, trabalhar a linguagem e o espaço: o vocabulário de Oswald é bastante peculiar e há ocorrências de diversos estrangeirismos; já espacialmente, o texto começa por “São Paulo”. Sem que houvesse tal apontamento, seria possível descobrir (ou, ao menos, sugerir) o lugar onde a cena transcorre?

O dia de um homem em 1920, de João do Rio – João do Rio, um “fotógrafo” da sociedade, é o dono de definições ímpares dos cidadãos da virada do século XIX para o XX. Nessa crônica, escrita em 1910, ele atenta para um futuro desesperador em 1920. É característica de uma grande parcela da humanidade acreditar em um futuro catastrófico e repleto de modernidades assombrosas. Cabe discutir em sala de aula até que ponto o texto é utópico ou verdadeiro. Diz seu início: “Dentro de três meses as grandes capitais terão um serviço regular de bondes aéreos denominados aerobus. O último invento de Marconi é a máquina de estenografar. As ocupações são cada vez maiores, as distâncias menores e o tempo cada vez chega menos. Diante desses sucessivos inventos e da nevrose de pressa hodierna, é fácil imaginar o que será o dia de um homem superior dentro de dez anos, com este vertiginoso progresso que tudo arrasta”. Algumas perguntas podem conduzir a análise desse brilhante trecho: há atualidade no fragmento? Poderia ter sido escrito por um de nós nos dias atuais?

Modern Girls, de João do Rio – É um retrato da jovialidade feminina do final do século XIX. Assuntos como imoralidade, ingenuidade e moda, os quais estão, hoje, vestidos com outras fantasias, já são discutidos no texto. No entanto, idealizar um comportamento feminino e taxá-lo é prática comum desde os tempos idos. Não só feminino, mas masculino também. Por conta disso, uma atividade interessante seria a leitura conjunta das duas crônicas de João do Rio – dessa e de O dia de um homem em 1920 – e a discussão acerca das curiosidades levantadas: as mulheres e homens de antigamente diferiam em quê das mulheres e homens de hoje? Depois, cada aluno poderia escrever uma minicrônica contando sobre o seu dia; o dia de um homem ou uma mulher do século XXI. A boa realização dessa atividade valeria, quem sabe, um módulo de exposição em homenagem a João do Rio, no qual os alunos fariam um apanhado documental de suas realidades específicas.

 

Módulo II – Oficinas textuais

 A partir de diversas atividades de aproximação entre os alunos e o gênero, este módulo encaminha a produção final dos alunos, que deverá ser uma crônica.

 

Aula 1 - O primeiro olhar: da crônica para a fotografia

Trata-se de, por intermédio do contato com o gênero crônica, trabalhar com os textos de modo a gerar uma maior intervenção por parte dos alunos. Neste primeiro olhar, cada aluno deverá escolher uma crônica estudada em sala de aula. Os próprios colegas poderão ajudar uns aos outros, a fim de que lembrem das questões constitutivas mais importantes de cada texto lido. É ideal que não se proíba a opção por uma crônica externa às preestabelecidas, desde que haja, logicamente, uma justificativa. Irão se manifestar, nessas escolhas, inúmeros critérios seletivos: linguagem, tema, tamanho, potencial humorístico, etc. Todos esses critérios, sem exceção, são importantes e determinam que tipos de leitor se tem à disposição. Depois de feitas as escolhas, o professor, dependendo do tempo restante, poderá pedir aos alunos: 1. uma releitura (ou primeira leitura) individual dos textos; e/ou, 2. uma argumentação oral ou escrita contendo os porquês da sua opção.

Sugestão de atividade para essa aula:

O professor poderá descontrair os alunos com um exercício de improviso baseado em rapidez de raciocínio e produção coletiva. Consistiria em uma produção cooperativa de uma só crônica. Cada aluno acrescentaria um novo fragmento ao texto (falando, se a produção for oral, escrevendo em folha itinerante, avulsa, se for escrita). Esses fragmentos todos nada mais seriam que fotografias colaborativas. Logo, a soma delas constituirá um mosaico, o qual, espera-se, respeite os traços característicos do gênero.

 

Para a aula seguinte,

o professor pedirá que cada aluno traga duas fotografias (tiradas por eles mesmos ou pesquisadas na internet) ou desenhos (para aqueles que não tiverem acesso às possibilidades anteriores). A primeira fotografia deverá “simbolizar” a crônica escolhida logo no início deste módulo. Vale lembrar, ela não tem o dever (pois não tem o direito) de representar a crônica em sua totalidade. A imagem recortada atuará apenas como registro de uma visão individual: a cena mais marcante, a emoção mais ativa, a reação mais decisiva. Essas imagens não serão avaliadas e servirão para iniciar a construção da relação entre crônica e unidade de expressão. A segunda fotografia, por sua vez, nada deverá ter com a crônica escolhida. Será um exercício livre, por meio do qual cada aluno poderá expressar aquilo que bem entender.

 

Aula 2 - O segundo olhar: da fotografia para a crônica

O professor recolherá as fotografias pedidas na aula anterior. No que diz respeito às referentes às crônicas escolhidas, ele deverá guardá-las. É o típico material que, além de dizer muito dos alunos, possibilita uma rápida interação de análise, permitindo que se veja até que ponto as atividades aplicadas estão sendo entendidas e, mais que isso, postas em prática.

Já com relação às outras fotografias, as livres, a proposta será diferente. Após recolhê-las, o professor fará uma rápida visualização. É preciso que ele as aprove enquanto matéria-prima para a produção textual. Não havendo problemas, devolverá uma a uma aos seus donos, cuja missão passará a ser percorrer um caminho inverso ao da aula anterior: os alunos deverão, a partir da imagem, escrever um primeiro esboço textual de crônica. Lembramos que, assim como a primeira fotografia não deveria (nem poderia) conter tudo da crônica escolhida, não se deve cobrar que esse novo texto respeite por completo a sua inspiração. No entanto, é parte da proposta que fique visível ao menos alguma relação entre eles (a imagem não deve algemar a escrita, mas sim motivá-la).

O professor recolherá esse esboço. A concentração do aluno-escritor em sala de aula, enriquecendo sua relação com o professor e o conteúdo, possui importância ímpar na criação de um laço afetivo entre sujeito, ambiente e produto. Tendo isso em vista, sugerimos que, ao menos nas primeiras aulas, não haja inclusão de atividades feitas em casa.

 

Aula 3 - O primeiro encontro: relações entre textos

Pensando no fato de que os alunos já terão iniciado suas produções textuais, faz-se imprescindível somar recursos que possam ir aumentando o repertório deles em momento de escrita. Isso passa, por exemplo, pela ampliação dos saberes que têm sobre a forma do gênero. No panorama de leituras, aquele do início da sequência didática, são trazidas crônicas que prezam por introduzi-los nas questões temáticas e metalinguísticas inerentes ao ato de leitura de crônicas. Tendo em vista que o aluno estará, agora, escrevendo a sua, o professor deverá se preocupar em propor atividades que o levem a reconhecer os conteúdos temáticos, o estilo e a construção composicional da crônica.

A partir desse fundamento, sugerimos a distribuição de três crônicas anônimas aos alunos. Anônimas, vale dizer, no sentido de que o professor deverá omitir seus autores, os quais, por uma questão didática, aconselhamos que sejam sempre os que já foram estudados em classe. Duas das crônicas deverão ser de um mesmo autor, enquanto a outra, logicamente, de outro[3]. Caberá aos alunos, divididos em grupos (preferencialmente trios), discutir os traços que são decisivos em uma possível determinação das autorias: vocabulário, tema, localização (se houver), aproximação com outras já lidas, etc. Deverão entregar seus palpites, ou seja, qual a crônica que não pertence ao conjunto, por intermédio de um comentário. Por meio dessa atividade, os alunos poderão perceber as nuanças e variações que há dentro de um mesmo gênero desde uma perspectiva crítica.

 

Aula 4 - O segundo encontro: relações entre autores e textos

O professor devolverá o material da aula anterior. Mesmo que determinados grupos tenham feito opções erradas, isso não atrapalhará o andamento da atividade, já que essa visa à elaboração de um raciocínio e não ao atendimento de um objetivo específico. As exceções dessa regra, no entanto, são os grupos que apresentarem comentários fracos e inconsistentes, com os quais o professor deverá conversar, procurando entender os motivos que os impediram de produzir críticas bem fundamentadas.

Os mesmos grupos se reunirão para dar mais um passo referente aos encontros. Agora, tendo em mãos apenas os dois textos que pertenciam a um mesmo autor (independentemente de a escolha da atividade anterior ter sido certa ou errada), tentarão desvendar quem seria esse autor. Por esse motivo, relembramos a importância de o professor inserir nas atividades apenas crônicas de autores que tenham feito parte do panorama de leituras. Dessa forma, os alunos terão, dentro do possível, conhecimentos prévios para lidar com traços constitutivos e saberão que o corpus de trabalho é restrito e selecionado. Mais um estágio será vencido: compreendedores do gênero e das suas características, os alunos terão atribuído ao texto um caráter subjetivo, mostrando reconhecer o discurso de um eu que se expressa e traz consigo visões de mundo e rasgos linguísticos próprios. Ficará mais estreita, então, imaginamos, a própria relação do aluno com o seu texto.

 

Aula 5 - O terceiro encontro: relações entre alunos, autores e textos

O professor devolverá o material das aulas anteriores aos alunos (duas crônicas tidas como de um mesmo autor, os porquês dessa escolha e o novo argumento que atribuiu um possível autor às mesmas duas crônicas). O último passo desses processos de cotejo passará pelo encontro dos alunos leitores/escritores com os autores estudados. Recebendo, então, seus próprios textos (as crônicas que começaram a escrever na Aula 2), os alunos os relerão e responderão à seguinte pergunta: se o seu texto fosse de outra época e de outro autor, de quando e de quem seria? Nesse momento, será completado todo o ciclo, que partiu das variantes entre textos anônimos de um mesmo gênero, passou pelas marcas que um autor pode talhar em seu texto e chegou a conclusões que possam contribuir para a reflexão do aluno na posição de autor.

 

Módulo III – Produção final

Este módulo focaliza a produção final, ou seja, as crônicas que estarão sendo escritas ao longo das aulas. Não haverá, daqui adiante, mais atividades interativas, exceto a exposição que encerrará o projeto, a qual cobrará, novamente, uma participação conjunta das turmas. 

 

Aula 6 - O fechamento: a última oficina de escrita

O professor separará essa aula para atender às últimas dúvidas teóricas do curso e permitir mais um contato dos alunos com seus textos em sala de aula.

Terminada a aula, eles poderão levá-los, pela primeira e única vez, para casa. Será garantido esse direito de mexerem em seus trabalhos mais atenta e minuciosamente, já que as crônicas já deverão ser entregues na aula seguinte.

 

Aula 7 - Montagem da exposição

Haverá a entrega definitiva das produções textuais e o início da montagem de uma exposição. Os alunos serão os responsáveis pela organização do ambiente, que será decidido e indicado pela direção da escola. A logística e os improvisos perante os imprevistos farão parte do processo de compreensão do fenômeno educacional.

O professor se deslocará junto com os alunos ao local de montagem. Ele acompanhará os trabalhos efetuando as leituras das crônicas entregues. Um por um, todos os alunos deverão ser chamados para um bate-papo construtivo, por meio do qual o professor apontará, sem nenhuma intenção avaliadora, pontos aparentemente falhos e outros altamente produtivos que tenham surgido. Após cada intervenção dessa, o aluno terá a responsabilidade de levar seu texto a algum espaço demarcado para a exposição.

O conceito dessa “mostra” traz uma apresentação dos textos produzidos, acompanhados dos seus devidos registros autorais, das fotografias inspiradoras (também com os devidos registros autorais) e de um informe, que deverá conter o nome do autor ou do texto que cada aluno mais gostou de ler durante as aulas. Todas essas escolhas e cuidados operados pelos alunos integrarão o processo simbólico de avaliação, por meio do qual o docente terá que simplesmente responder: os objetivos foram ou não atingidos?

A exposição poderá demandar mais tempo para ser montada, dependendo do número de alunos e da facilidade que eles encontrarem no trabalho coletivo de organização. Por esse motivo, é aconselhável que o professor reserve um tempo maior para essa atividade; talvez uma semana.

 

Notas

[1] Termo francês que indica pessoa que passeia ociosamente, espécie de detetive urbano. A cidade que percorre é a das transformações que ocorrem no século XIX. No caso de Paris, notabilizam-se as reformas implementadas por Haussmann. Com a construção dos boulevares e a destruição de uma centena de edifícios, ele não só concebeu novas vias de circulação para as pessoas, como também abriu a cidade à totalidade de seus habitantes. Guardadas as devidas proporções, as reformas urbanas que ocorreram no Rio de Janeiro no início da República apresentam analogias com as que Hausmann empreendeu em Paris no século XIX. A remodelação do Rio de Janeiro da Belle Époque, com a abertura de novas avenidas, demolição de casas e construção de novos prédios, propunha civilizá-la e modernizá-la, transformando-a em uma espécie de Paris dos trópicos. A literatura que representa esse processo é filha da cidade. No Brasil, (...) é o caso de autores como Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis, João do Rio, só para citar alguns. (ABREU, Jean Luiz Neves. O flanêur e a cidade na literatura brasileira: proposta de uma leitura benjaminiana. In: Mneme. Revista Virtual de Humanidades. Número 10, Volume 5. Abril/Junho de 2004. Disponível em: http://www.seol.com.br/mneme, grifos nossos)

[2] Dessa forma, os alunos podem ser introduzidos com mais suavidade no projeto, partindo de leituras que apresentam questões e linguagens próximas das que costumam vivenciar em seu cotidiano. Esse viés de integração entre o que há dentro e o que há fora da escola é um dos pontos mais importantes apresentados por essa proposta.

[3] Exemplos de proposta: duas crônicas de Drummond (Recalcitrante e Serás Ministro) misturadas com uma de Arnaldo Jabor (O mundo de hoje é travesti); duas crônicas de João do Rio (Tabuletas e Mercadores de livros e a leitura da ruas) misturadas com uma de Fernando Sabino (O homem nu), etc. Há acesso disponível na web a várias crônicas de grandes autores. O professor poderá tomar a liberdade de selecionar esse material da maneira que melhor entender. Os exemplos citados acima, de qualquer modo, estão disponíveis para download ao final da publicação.

 

Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. A câmara clara. São Paulo: Edições 70, 2009.

BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. Crônica: história, teoria e prática. São Paulo: Scipione, 1993.

BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In:__________ (org.). Cultura Brasileira; temas e situações. São Paulo: Ática, 1987, p. 7-15.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BROCA, Brito. Cronistas de outrora. In: Teatro das Letras. Campinas: Unicamp, 2003.

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever: o desenvolvimento do discurso escrito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p. 13-22.

CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneios. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 273-286.

MACHADO, Ana Maria. Bom de ouvido. In: VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 9-15.

SÁ, Jorge de. A crônica. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1987. p. 8-9.

SANTOS, Joaquim Ferreira dos (org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2004.

 

* Este projeto contém arquivos anexos para download. Eles estão disponíveis logo abaixo, em "Baixar anexos".

   

 

Andréia Manfrin Alves
Cícero Alberto de Andrade Oliveira
Fernanda Lopez
Gilsandro Vieira Sales

 

Resumo
Este projeto aborda contos e histórias de terror e tem como público-alvo estudantes do Ensino Médio. Seus principais objetivos são: desenvolver a oralidade (pela contação de histórias recuperadas pelos próprios alunos com seus familiares e colegas); estimular a leitura (aproveitando os efeitos característicos que esse gênero produz em quem o lê); e incentivar a produção escrita (promovendo a criação e recriação de contos que, ao final, poderão ser apresentados em um sarau e/ou publicados em um blog).

 

Palavras-chave
Contos de terror, contação de histórias, leitura coletiva, produção textual

 

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Introdução

Histórias de terror ou de acontecimentos sobrenaturais sempre estiveram presentes nas diversas culturas humanas: da Odisséia a Dom Quixote, de O Exorcista a Harry Potter, aquilo que escapa à explicação racional, ao mundo real, parece sempre ter fascinado o ser humano. Histórias transmitidas oralmente de geração para geração, lendas, fábulas, “causos”, contos: o que não podemos explicar também pode nos atrair (e nos explicar, em certa medida). Verdade ou mentira, real ou irreal, não se sabe ao certo; fato é que o mistério, a incerteza, a hesitação e o caráter espetacular de algumas histórias nos prendem, seja para ouví-las, seja para lê-las – e foi apostando nesse fascínio provocado pelas histórias de terror que desenvolvemos o presente projeto.

Nosso percurso vai da história de terror transmitida oralmente ao conto de terror (popular na Europa do século XIX), o qual é “irmão misterioso da poesia e síntese viva ao mesmo tempo que vida sistematizada”, gênero literário cuja origem estaria na tradição das narrativas orais, aquelas que “se transmitem à noite à roda de fogo” e que têm o poder de revelar (ou criar), expandindo a sensibilidade. A partir do recorte de um fragmento, o conto “fixa determinados limites, mas de tal modo que esse recorte atua como uma explosão que abre, de par em par, uma realidade muito mais ampla, como uma visão dinâmica que transcende” (CORTÁZAR, 1979. p. 150).

O conto, gênero de definição por vezes controversa devido à sua transformação ao longo do tempo é, de modo geral, classificado como narrativa ficcional breve, menor que a novela e o romance. Pode caracterizar-se essencialmente por sua capacidade de apresentar, de forma concisa, um acontecimento cujo eixo é um conflito que pode ou não ser resolvido ao final. Edgar Allan Poe, tido como um dos precursores do conto moderno, afirma que um bom conto caracteriza-se pela intensidade, conseguida através da brevidade e da unidade. Julio Cortázar, por sua vez, afirma que no conto deve estar presente, sempre, uma tensão constante.

Dentro do gênero conto há desdobramentos que permitem subdivisões, sendo o conto fantástico considerado um novo gênero, com traços que o particularizam. Esses traços estão ligados fundamentalmente ao sobrenatural e os temas abordados remetem à ideia aparente de fenômenos inexplicáveis do ponto de vista da razão. Aparente porque um dos elementos apontados como básicos para a caracterização desse novo gênero é a ambiguidade, que resulta de uma hesitação (tanto da personagem quanto do leitor) diante de um fenômeno. Essa hesitação, por sua vez, é gerada pelo questionamento relativo ao pertencimento ou não, ao mundo real, daquilo que foi presenciado. Tzvetan Todorov, no livro Introdução à literatura fantástica, oferece uma explicação mais detalhada desses elementos que compõem o conto fantástico:

“o fantástico se fundamenta essencialmente numa hesitação do leitor – um leitor que se identifica com a personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento estranho. Esta hesitação pode se resolver seja porque se admite que o acontecimento pertence à realidade; seja porque se decide que é fruto da imaginação ou resultado de uma ilusão; em outros termos, pode-se decidir se o acontecimento é ou não é.” (1975, p.165-166)

Essas definições – tanto a de conto, de modo geral, quanto a de conto fantástico – são essenciais para compreendermos quais são as características necessárias para a composição do segundo, objeto de trabalho que norteará a sequência didática. A partir do gênero conto fantástico, pretendemos:

1. Desenvolver a oralidade: recuperar histórias de mistério e terror que os alunos ouviam de seus familiares e fazer com que eles as reproduzam (trabalhar entonação, ritmo, respiração e outros recursos utilizados nas narrativas orais);

2. Aplicar estratégias de leitura: perceber, na construção do texto, quais os recursos que o autor utiliza para criar tensões (suspense, medo e mistério), como ele faz para compor uma personagem soturna e como o narrador adapta o mundo para prender a atenção dos leitores.

3. Estimular a escrita: incitar a transcrição de contos já conhecidos e a criação de novos.

 

As vítimas

O projeto foi desenvolvido para alunos do Ensino Médio (com idade entre 15 e 18 anos), mas pode ser adaptado para séries do Ensino Fundamental.

 

Sequência didática: dissecando em partes

Optamos por uma abordagem metodológica baseada em oficinas de leitura, escuta e produção de textos. Isso porque partimos do princípio de que a apropriação dos textos pelos alunos (tanto dos contos lidos como de suas próprias produções) é extremamente relevante para que os conteúdos não sejam trabalhados de forma estanque e desprovida de sentido.

Visamos à compreensão, pelos alunos, de que eles são parte integrante do processo ao lerem e relerem as obras, ao contarem histórias conhecidas, ao escreverem um texto e ao julgarem a qualidade da produção textual de um colega a partir dos recursos que lhes foram apresentados.

Desenvolvemos o projeto utilizando o conceito de sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly. Estabelecemos um total de treze aulas (treze é o número do azar), mas a quantidade pode variar de acordo com as características de cada turma (os professores têm total liberdade para fazer as adaptações necessárias). Os exercícios procuram criar contextos específicos para as produções oral e escrita de histórias e contos de terror.

Abaixo, esquematicamente e em ordem, apresentamos, uma a uma, as atividades que sugerimos:

 

 

Escrita

Oralidade

Leitura

Aula 01

 

♠ Contar uma história de terror para os alunos;

♠ Pedir que eles contem histórias que conheçam ou sugerir que peçam ajuda para pais, avós e familiares, caso não conheçam nenhuma história (primeira produção oral);

 

Aula 02

 

♠ Leitura dramática de A queda da Casa de Usher para os alunos;

Aula 03

 

♠ Contexto histórico dos contos fantásticos (por que esses contos se produzem em épocas passadas?)

♠ Questão para os alunos: o que lhes provoca medo?

 

Aula 04

 

♠ Distribuir o conto A queda da Casa de Usher;

♠ Releitura dele (pela classe) em voz alta, observando entonação, ritmo e respiração;

Aula 05

♠ Os alunos escreverão uma história (estranha, de algum fato sobrenatural) que conheçam (primeira produção escrita);

 

 

Aula 06

♠ Selecionar trechos de gêneros diversos (notícias, narrativas, poemas) e distribuí-los aleatoriamente aos alunos. Numa caixa, colocar papéis com “estados de espírito” (apreensivo, triste, perturbado, etc.). Explicar que os alunos deverão ler os trechos em voz alta e de acordo com o “estado de espírito” sorteado;

Aula 07

 

♠ Distribuir fichas com imagens (ambientes sombrios, casas abandonadas, pessoas soturnas) e pedir para os alunos descreverem o que viram.

♠ Localizar no conto, a partir de uma nova leitura, passagens em que haja descrição de pessoas e ambientes.

Pergunta-chave: Você acha que a descrição é importante nesta história? Por quê?

 

Aula 08

 

 

Leitura de um novo conto – Ligéia. A partir dele, trabalhar as figuras de linguagem (hipérbole, sinestesia, metáfora).

Aula 09

 

 

♠ Entregar os textos produzidos pelos alunos na quinta aula, já avaliados.

♠ Selecionar trechos “problemáticos” (coesão, coerência, ortografia) e corrigí-los coletivamente.

Aula 10

♠ Retomar os textos da última aula e pedir que os alunos os reescrevam.

 

 

Aula 11

♠ Com os textos reformulados, separar a sala em grupos e pedir aos alunos que escolham o melhor entre seus textos.

♠ Cada grupo deverá escolher um representante para fazer a leitura dramática desse conto para o restante da turma.

Aula 12

♠ Apresentação final dos contos escolhidos.

♠ Votação dos textos que poderão ir para um blog e que poderão ser apresentados para o restante da escola em um sarau.

Aula 13

 

♠ Sarau e possível apresentação dos textos no blog de Contos de Terror.

 

           

Módulo I

Atividade 1 - Conterrorizando

A primeira aula é fundamental para o bom andamento do projeto, pois é nela que o professor precisa conquistar os alunos e fazer com que eles se envolvam na atividade.

Na apresentação da proposta, o professor informa que a turma irá contar, ler e escrever contos de terror e, no final do projeto, os melhores trabalhos serão publicados em um blog e lidos em um sarau temático, que poderá ser realizado para toda a escola ou apenas na sala de aula, dependendo da disponibilidade. Além de serem conquistados pelo projeto, os alunos precisam estabelecer um vínculo afetivo com o gênero e, para isso, uma boa apresentação é imprescindível.

Propomos, nessa primeira aproximação, que o professor conte (utilizando todos os recursos que tornam uma narrativa oral “viva”, isto é, o trabalho de respiração, a entonação, o gestual, a mímica, etc.) uma história de terror (ele tem a liberdade de escolher uma história de que goste, que o tenha marcado ou tido importância em sua vida, para que o prazer de contá-la seja maior). Após isso, ele pode pedir aos alunos que contem outras histórias que conheçam. Para aqueles que não conhecem nenhuma, pode pedir que as colham junto a seus familiares e colegas (esse contato é uma forma interessante de, simbolicamente, trazer a família para a escola e aproximar o aluno da cultura familiar, muitas vezes enfraquecida por conta da falta de diálogo). É aconselhável certa antecedência nessas recomendações para que a programação inicial não seja prejudicada.

A apresentação de um conto pelo professor mostra aos alunos qual é o resultado final que se espera: saber contar um conto de terror; depois disso, os contos trazidos por eles dão uma ideia sobre quais as visões que se tem sobre a atividade proposta. Elas são decisivas, pois guiam o trabalho docente. É nesse momento, ainda, que o professor explicita as capacidades que espera ver nos alunos ao final do projeto, encaminhando o processo de avaliação.

 

Atividade 2 – Caindo na armadilha

Feito o trabalho de sensibilização (partindo inicialmente da oralidade), o professor lerá, na segunda aula, um conto para a classe. Sugerimos A queda da Casa de Usher, do escritor norte-americano Edgar Allan Poe (não apenas por tratar-se de um dos mestres do gênero que baseia o trabalho, mas também porque seus textos podem ser facilmente encontrados em bibliotecas públicas e de escolas, além de sites, facilitando o acesso do docente e dos estudantes ao material).

O trabalho de leitura dramática do texto apresentará para os alunos o segundo objetivo deste projeto, que é ensiná-los a ler (em voz alta) um conto de terror. Por isso é importante que o professor ensaie o conto com antecedência, preparando sua apresentação. Ao ler, ele se expõe, mas:

“se ele [o professor] puser ali o seu saber dominando seu prazer, se sua leitura for ato de simpatia tanto para o auditório quanto para o texto e seu autor, se ele conseguir fazer entender a necessidade de escrever despertando nossas mais obscuras necessidades de compreensão, então os livros se abrem largamente, e a multidão daqueles que se acreditavam excluídos da leitura se colocam bem ali atrás dele.” (PENNAC, 1995, p. 196)

A Queda da Casa de Usher narra a história de um homem que recebe uma carta de um amigo de infância (Roderick Usher) dizendo que está muito doente e pedindo a sua presença. O chamado é prontamente atendido. Chegando à mansão dos Usher, esse homem se depara com um cenário sombrio (“muros frios”, “troncos apodrecidos”, “fileiras de juncos”, “tudo tornava a paisagem depressiva e gelada”) e fatos estranhos começam a acontecer. A leitura dos primeiros parágrafos do conto já revela o tom dessa narrativa, que precisaria ser mantido e reproduzido (na medida do possível) pelo professor. Para criar-se a atmosfera de mistério e suspense na leitura é crucial que seja empregado um tom grave e reticente. Terminada a leitura, o professor pode fazer algumas perguntas para os estudantes: Qual a sua impressão sobre o conto?; Qual a impressão do personagem sobre o lugar?; O narrador tem certeza do que está acontecendo com ele?; Você conhece alguma história que tem uma casa parecida com a do conto? Entretanto, é bom lembrar que os alunos trazem suas próprias impressões e perguntas e é fundamental que tenham a oportunidade de apresentá-las e discutí-las. É importante que digam o que pensam para que, só depois, então, haja uma sistematização das questões estruturais do gênero.

 

Atividade 3 – Definindo o gênero

Esta atividade visa a um esboço de definição (informal, da própria sala) do conto fantástico. Para fazê-lo, pode-se questionar os alunos sobre o que lhes provoca medo ou terror; a intenção é de trazer à tona as sensações que as histórias desencadeiam e, a partir delas, sistematizar e definir aspectos estruturais do gênero. 

Nesse momento, pode ser interessante, também, trabalhar o aspecto histórico do conto fantástico, falando de seu surgimento (Todorov o situa no século XIX, apesar de existirem novelas góticas no XVII e XVIII) e de uma de suas principais características, a de possuir, historicamente, um caráter transgressor, já que:

“uma série de temas que provocam freqüentemente a introdução de elementos sobrenaturais: o incesto, o amor homossexual, o amor a vários, a necrofilia, a sensualidade excessiva... cada um desses temas foi, de fato, freqüentemente proibido, e pode ser ainda em nossos dias... A condenação de certos atos pela sociedade provoca uma condenação que ocorre no próprio indivíduo, proibindo-o de abordar certos temas tabus. O fantástico é um meio de combate contra uma e outra censura (...). ” (TODOROV, 1969, p. 161)

Alguns aspectos não podem faltar no momento da sistematização da estrutura dos contos fantásticos: a hesitação, o narrador em primeira pessoa e a descrição. Frases que exprimem incerteza, torpor, e a utilização de verbos no imperfeito, por exemplo, criam a sensação de hesitação. As indagações que eventualmente o narrador faz a si mesmo podem confirmar sua incerteza com relação aos eventos ocorridos.

A ideia de ambiguidade é reforçada pela presença do narrador em primeira pessoa: ele testemunha os fatos, mas as coisas que lhe sucedem são de tal forma estranhas que ele duvida de que elas possam ser verdadeiras. Isso faz com que o leitor também tenha dúvidas (hesite) sobre a veracidade ou não dos fatos, como ocorre no seguinte trecho:

“E eu que me dispusera a passar semanas naquele lugar! ... O fato é que ali estava eu. E nem me lembrava bem de Roderick... Sei que minha imaginação trabalhara tanto que parecia haver realmente, em torno da mansão e no domínio inteiro, uma atmosfera própria”. (POE, 2005, p. 76)

A descrição dos cenários feita pelo autor e a escolha do léxico são bastante importantes na criação da sensação de suspense:

“Era, de fato, muito antigo. E o tempo desbotara tudo. Muitas plantas pequenas cresciam no telhado, descendo pelos beirais. Isso, porém, não significava estrago na construção. Pelo contrário, esta se encontrava intacta. Nada desmoronando. Mas parecia haver uma violenta contradição entre o ajuste perfeito das pedras e seu estado de esfarinhamento, de fragmentação isoladamente. Dava mesmo a impressão de uma estrutura apodrecida durante longos anos, mas que o contato com o ar exterior a fizera manter-se de pé”. (POE, 2005. p. 76)  

“Desbotara”, “desmoronando”, “esfarinhamento”, “fragmentação” e “apodrecida”, termos usados na caracterização da casa, vão se sobrepondo e construindo um cenário de “ruínas”, bastante apropriado para uma história de mistério. Em todo o conto esses recursos são utilizados; logo, destacá-los para os alunos é fundamental para que possam colocá-los em prática na produção dos seus próprios contos (a caracterização morfológica e sintática desses termos também merecem atenção).

 

Atividade 4 – Aprendendo a “dizer” o conto

 Este é o momento de distribuir o texto A queda da casa de Usher (que poderá ser a tradução direta do original de Edgar Allan Poe ou a adaptação feita por Clarice Lispector) aos alunos.

O conto, já lido pelo professor, será agora relido junto com os alunos, que o terão em mãos. Essa estratégia de apresentar o texto “materializado” somente depois deles terem tido contato por meio da escuta é uma forma de fazer com que se interessem pela forma com que o texto escrito é construído. Entra aqui a idéia de tecer, que está na origem da palavra texto. Ao ler, apenas, o professor está apresentando uma forma mais próxima da oralidade (apesar do material lido estar escrito), já que ao ouvir apreendemos estruturas nucleares e elementos principais do que está sendo lido. Mediante a visualização do texto, possibilitada pela leitura conjunta, é que o aluno perceberá os reais recursos textuais utilizados pelo autor, tais como encadeamento de orações, divisão por parágrafos, pontuação, aliterações, assonâncias e outros recursos estilísticos.

Aqui, pode-se dar destaque à entonação, ao ritmo e à respiração, demonstrando aos alunos que a leitura deve contemplar esses aspectos se quiser transparecer o clima que o autor procurou criar quando escreveu a história.

 

Módulo II

Atividade 5 – Pondo a mão na massa

Os aspectos da oralidade e da leitura trabalhados nas cinco aulas anteriores já poderão, a essa altura, convergir para o trabalho escrito. As narrativas orais colhidas pelos alunos com seus familiares serão passadas para o papel, e é interessante que esse processo seja trabalhado com mais profundidade.

As diferenças entre oralidade e escrita são nítidas e o professor pode explorá-las. A hesitação e a repetição presentes na fala são traços que geralmente inexistem no texto escrito. A fala, como sabemos, possui mais fluência e é mais imediata que a escrita, que exige um processo mais cuidadoso de construção que visa à clareza de sentido. 

Para exemplificar, o professor pode pedir a algum aluno que conte rapidamente uma história sobrenatural que tenha escutado (a lenda do lobisomem, por exemplo) e, ao mesmo tempo, transcrever na lousa a fala desse aluno, destacando que estão sendo reproduzidos, tais quais foram produzidos, os traços de oralidade, como repetições, hesitações e auto-correções de fala. Ao final, o professor pode reescrever esse trecho na forma considerada recomendável. 

 

Atividade 6 – Treinando a leitura

Após a produção escrita da aula anterior, propomos uma “quebra” na seqüência. Entram em cena outros gêneros. O professor pode selecionar trechos de notícias, piadas, poemas, receitas, artigos, e distribuí-los aleatoriamente aos alunos. Em um recipiente (caixa ou saco plástico), seriam colocados papéis contendo “estados de espírito” (preferencialmente relacionados às emoções reincidentes em contos de terror: apreensivo, triste, amedrontado, perturbado, nervoso, deprimido, assustado, aterrorizado, etc).

O docente explica aos alunos que eles lerão os trechos em voz alta de acordo com o “estado de espírito” sorteado. Essa atividade pode tornar-se divertida na medida em que uma receita, por exemplo, pode ser lida como se fosse uma história de terror, causando, no mínimo, um estranhamento necessário para despertar o interesse por diferentes formas de leitura.

Essa atividade ajuda a perceber o quanto é importante uma leitura atenta, baseada na descrição fornecida pelo autor, e também que cada gênero textual solicita uma leitura diferente. O texto que toca em assuntos sobrenaturais, por exemplo, deve ser lido de acordo com estados de espírito próximos a esse, com as tensões, pausas e modulações de voz que dão o caráter sombrio necessário à leitura. O fundamental dessa atividade é que o aluno perceba que quem dá essa atmosfera sombria é, além do autor, com a descrição dos acontecimentos, o próprio leitor, ao realizar a leitura dentro das exigências do gênero.

 

Módulo III

Atividade 7 – Aspectos descritivos

O professor pede aos alunos que façam, oralmente, a descrição de imagens (em cartões ou fichas em cartolina) de espaços e personagens relacionados ao contexto das histórias de terror (ambientes sombrios, casas abandonadas, pessoas soturnas), a fim de que percebam o quanto é relevante a presença desses elementos. A seguir, sugerimos o retorno à leitura do conto trabalhado, buscando que os alunos identifiquem nele possíveis descrições semelhantes às comentadas. Uma pergunta-chave pode conduzir essa atividade: Você acha que a descrição é importante neste conto? Por quê?

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Atividade 8 – Contextualizando o conto

Como o objetivo deste trabalho é que os alunos, além de lidarem com a oralidade, a escrita e a leitura, também conheçam o gênero conto de terror, nesta aula apresentaremos um novo conto para leitura: Ligéia, também de Edgar Allan Poe. A partir dele, propomos uma atividade voltada às figuras de linguagem. Partindo do princípio de que os contos de terror as contém (hipérbole, metáfora, sinestesia, etc.), é pertinente uma exposição sobre elas aliada ao trabalho com o texto, visando à percepção exata dos efeitos que trazem ao gênero.

Nas citações a seguir, fizemos o levantamento de dois trechos dos contos trabalhados. O primeiro é de Ligéia, cuja citação remete à metáfora utilizada pelo narrador para comparar a personagem principal ao “esplendor de um sonho de ópio, uma visão aérea e encantadora”:

“Em beleza de rosto, nenhuma mulher jamais se igualou. Era o esplendor de um sonho de ópio, uma visão aérea e encantadora, mais estranhamente divina que as fantasias que flutuam nas almas dormentes das filhas de Delos”. (POE, 1954, p.74)

Em A queda da casa de Usher há, já no primeiro parágrafo, um exemplo claro de sinestesia, quando o narrador se refere a “um dia pesado, escuro e mudo de outono”.

 

Atividade 9 – O retorno às produções dos alunos

Neste momento, os alunos já tiveram contato com elementos importantes dentro dos contos de terror, como descrição, figuras de linguagem e estados de espíritos, que dão a eles sua “fisionomia” peculiar. Portanto, chega a hora de retomar as produções realizadas na Atividade V, para que, em princípio, sejam feitas as correções levantadas pelo professor referentes a problemas textuais encontrados, como coesão, coerência e ortografia.  

Nossa sugestão é que essa correção seja realizada coletivamente, por meio de uma transparência ou da transcrição do trecho problemático na lousa. Todos os alunos terão a oportunidade de retrabalhar a escrita, adequando-a à norma culta padrão “exigida” para os textos escritos.

 

Módulo IV

Atividade 10 – Aprimorando a escrita

Nesta etapa, os alunos já realizaram atividades diversificadas que lhes permitiram refletir a respeito das características próprias dos contos de terror. Nesta aula, eles farão a releitura e a reescrita de seus próprios textos, tendo em vista enriquecê-los a partir desse novo repertório. Seria proveitoso que sentassem em duplas e, antes das alterações finais, trocassem os textos, possibilitando um intercâmbio de sugestões. Sugerimos que o professor circule pela classe dando atendimento individual a quem necessitar de ajuda.

 

Atividade 11 – Adequação de leitura: contar expressivamente

Divididos, agora, em grupos de quatro alunos, cada um deverá ler seu texto para os colegas. O grupo escolherá o melhor entre eles. Deverá ser decidido, ainda, quem lerá para a sala o texto escolhido e, tendo sido feita a escolha, deverão ser sugeridas estratégias para a leitura, como, por exemplo, a adequação do tom de voz a um determinado trecho da história, representando ansiedade, medo, susto, etc. Essa atividade coletiva retoma o trabalho de desenvolvimento da habilidade de contar uma história.

 

Atividade 12 – Preparativos finais

A aula que antecede o sarau será dedicada à escolha dos melhores contos. Cada aluno selecionado pelos grupos deverá realizar sua apresentação. A classe decidirá quais contos farão parte do blog e quais serão apresentados no sarau. Nesta aula também serão combinados os detalhes de ambientação do sarau que, além dos contos, poderá conter leituras dramáticas de poesias ou apresentações musicais. Como tarefa, os alunos poderão delegar os trabalhos de digitação dos contos e de preparação dos cartazes de divulgação.

 

Atividade 13

A última atividade é a realização do sarau. Em seu decorrer, poderá ser feita a divulgação do blog com a coletânea de histórias.

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Os alunos serão avaliados a partir de suas produções finais (o que deve ficar claro logo na apresentação do projeto). Pretende-se que a avaliação seja contínua, isto é, aula a aula.

Como procuramos explorar os vários aspectos componentes do conto, cada produção feita pelos alunos (depois da apresentação dos temas) pode ser avaliada:

- Produção Oral (contar e ler uma história em voz alta) – o aluno conseguiu aprender as técnicas para contar uma história: criar o clima que o gênero cobra e prender a atenção do público?

- Produção escrita (escrever um conto) – o aluno utiliza as técnicas de construção de um conto fantástico (cenários com descrições características, hesitação, ambigüidade) que foram comentadas em sala de aula? 

É importante que a avaliação seja feita juntamente com os alunos, justificada, ponto a ponto, para que eles possam ver quais as expectativas que foram atingidas e quais as que não foram. Se todos os critérios forem devidamente expostos ao longo das aulas, o aluno se sentirá seguro ao ser avaliado. Além da avaliação do professor, deverá ser levada em conta a da sala (o público para o qual os contos – orais e escritos – foram produzidos).

 

Referências bibliográficas

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: _________. Vários escritos. São Paulo: Duas cidades, 1995. p. 235-263.

CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In: ________. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: _______. Exprimir-se em francês. Edições de Boeck, 2001.

HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da escola. In: _________. Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática ensinar na escola: norma e uso na Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

PENNAC, Daniel. Como um romance. São Paulo: Rocco, 1995.

POE, Edgar Allan. A queda da casa de Usher. In: ________. Histórias Extraordinárias (tradução e adaptação de Clarice Lispector). São Paulo: Ediouro, 2005.

POE, Edgar Allan. Ligéia. In: Antologia de contos de Edgar Allan Poe. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.

________________. A narrativa fantástica. In: ________. Estruturas Narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1985.

 

* Sugerimos, para criação de blogs, o site http://www.blogger.com; já para a obtenção de variadas imagens relacionadas ao universo do terror, nossa dica é a boa e velha área de pesquisa do Google: http://images.google.com.br.

 

* Este projeto contém arquivos anexos para download. Eles estão disponíveis logo abaixo, em "Baixar anexos".

   

 

Alex Fabiano Nogueira
André de Oliveira Lima
William Mur

 

Resumo
O projeto utiliza os conhecimentos prévios dos alunos sobre a mitologia grega para trabalhar o gênero tragédia. Esses conhecimentos vêm de um jogo de videogame muito popular entre os estudantes, chamado God of War. Por meio de múltiplas leituras da peça "Prometeu acorrentado", de Ésquilo, e da comparação entre os enredos da dessa e do jogo, o projeto visa a mobilizar nos alunos a capacidade de reconhecerem os elementos do gênero tragédia, efetuarem uma leitura dramática respeitando a sinalização e a entonação textual e, por fim, ampliarem seus conhecimentos sobre a mitologia grega.

 

Palavras-chave
mitologia grega, videogame, tragédia

 

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Introdução

O projeto é dividido em três módulos principais, sendo que cada um deles contempla objetivos específicos:

1-      Comparar diferenças e semelhanças entre a mitologia clássica e o jogo de videogame God of War.  

2-      Ampliar a capacidade de leitura e entendimento dos alunos e trabalhar as diferenças entre gênero narrativo e dramático, ressaltando suas características discursivas.

3-      Utilizar o tema do herói que desafia um poder superior e a importância da função do coro como traços que ajudam a identificar o gênero tragédia.                   

Os instrumentos para alcançar os objetivos citados existem e estão ao alcance do professor: o conhecimento prévio dos alunos – o jogo – e o material – no caso, o livro – distribuído a eles.

 

Sobre o jogo

God of War é um jogo de videogame desenvolvido pela empresa norte-americana SCE Studios Santa Mônica para a plataforma Playstation. Lançado em 2005, teve mais duas continuações que seguiram a estrutura e a narrativa da primeira versão. O jogador controla o personagem Cratos, um soldado espartano responsável por inúmeras vitórias do seu exército. Cratos, em uma de suas batalhas, faz um acordo com Ares, deus da guerra, para se tornar o mais forte dos guerreiros mortais. Tomado pela sensação de poder, comete várias atrocidades e em um de seus ataques vê, em meio à destruição, sua mulher e filha mortas por suas próprias mãos. A consciência desse ato terrível o abala, fazendo com que negue continuar a ser servo de Ares.

Cratos, assim como Prometeu e quase todos os protagonistas das tragédias, foi responsável por sua própria dor, na medida em que suas ações o levaram ao sofrimento[1]. Consciente de seus erros e disposto a repará-los, passa a servir aos deuses do Olimpo, enfrentando missões que remontam àquelas dos heróis gregos, como matar o Minotauro, buscar a Caixa de Pandora, derrotar a Medusa, etc.                             

Cratos existe na mitologia grega, mas é citado apenas como mais um guerreiro de Esparta. Os criadores do jogo o “promoveram”, tornando-o a figura central da ação e preenchendo seu universo com os principais personagens da mitologia, cujas características foram mantidas intactas. Zeus, por exemplo, é mesquinho e vingativo, tal como surge na peça de Ésquilo. É essa possibilidade de interação oferecida por meio de Cratos, através da qual o jogador pode, por exemplo, “bater” em Zeus ou salvar Afrodite, que aproxima o aluno do universo mitológico. Temos então, uma oportunidade de aproveitar essa proximidade para trabalhar o gênero tragédia em sala de aula.

 

1 - A identificação do que é trama de videogame e mitologia grega

 

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Cena do jogo : Cratos encontra Prometeu.

O jogo God of War 2, o segundo da série, apresenta uma teogonia parecida com a da peça Prometeu acorrentado. Nele, Cratos, além de ser revelado filho de Zeus, descobre como este chegou a ser o senhor dos deuses. Isso faz com que ele se junte aos titãs para derrotar Zeus e os deuses do Olimpo. Na peça, esse fato já era previsto, pois Prometeu diz que Zeus seria destituído de seu posto da mesma forma que destituiu seu pai. Um descendente seu iria desafiá-lo e tomar seu lugar. Mas enquanto na peça essa figura é Hércules, no jogo o protagonista é Cratos. Isso ocorre por conta da uma liberdade criativa que comumente aparece em jogos. Há, portanto, tanto no videogame quanto na peça, uma disputa pelo trono olímpico.

Além da própria peça, o livro contém uma interessante introdução à mitologia grega, que traça um panorama iniciado com a criação do universo pelos deuses Gaia e Urano e encerrado com o final da Titanomaquia, na qual Zeus é declarado o senhor do Universo. Para evitar uma abstração excessiva, que poderia comprometer o entendimento por parte dos alunos da sexta série, o professor pode desenhar na lousa uma árvore genealógica dos deuses gregos, aproveitando-se de uma imagem concreta para explicar e aprofundar o trabalho de esclarecimento sobre o tema.

Abaixo, uma sugestão:

 

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Sugestão de explicação para o diagrama 

Antes da existência do universo, havia o “nada”, que os gregos chamavam de Caos. Dele, surgiram Gaia e Urano. Ela representava a terra-mãe e ele o escuro espaço. Da união dos dois nasceram seres monstruosos que representavam o feio (medusas e hecatonquiros) e, em contrapartida, a geração de doze deuses que representavam o belo, conhecidos como os titãs. Eram eles: Ceo, Cronos, Hipérion, Jápeto, Crio, Oceano, Mnemosine, Febe, Reia, Téia, Têmis e Tétis. Urano, o pai, por medo de ser destronado, não queria que nenhum dos filhos nascesse. Manteve-os presos no ventre de Gaia até que Cronos, deus do tempo, conseguiu libertar a si e aos irmãos, tornando-se o rei dos titãs. Ele ainda vingou-se do pai, cortando seus testículos[2] e enviando-o ao inferno. Porém, antes de morrer, Urano profetizou que, assim como acabara de ser, Cronos também seria destronado por seu filho.         

Já como senhor do Universo, Cronos se uniu a Reia e tiveram seis filhos. No entanto, logo que nasciam, ele os engolia. Quando Zeus nasceu a história foi diferente: Reia deu a Cronos uma pedra envolvida em uma manta de bebê e ele a engoliu acreditando ser seu filho. Isolado em uma montanha, Zeus cresceu e cumpriu a profecia de seu avô: obrigou seu pai a vomitar os irmãos e, junto com eles, lutou contra os antigos titãs em uma guerra que durou dez anos – a Titanomaquia –, terminando como vencedor e senhor do Universo. A história de Prometeu só pode ser devidamente entendida se contextualizada a partir desse momento, pois conforme consta no diagrama, ele é filho do titã Jápeto e irmão do deus Atlas.

Essa etapa do projeto tem como objetivo a ampliação dos conhecimentos das turmas sobre mitologia grega, visando a que eles os mobilizem no contato com o jogo de videogame.

                                 

2 - Sugestões para leitura da peça e trabalho com discurso direto no gênero tragédia    

Esta etapa pode ter início com a abordagem da ausência de narrador no texto teatral, pois a constituição deste pelo discurso direto é uma ótima oportunidade para trabalhar suas características que se contrapõem às do discurso indireto.

Em vez de fazer isso por meio de uma aula somente teórica, sugerimos que o professor peça para a classe, após a leitura da peça, dividir-se em dois grandes grupos:

  • Os alunos que estiverem à direita do professor, por exemplo, contarão a história da peça para a outra ala, que, enquanto isso, irá escrevendo aquilo que está sendo dito. O professor poderá conduzir o exercício para assegurar que na narrativa apareçam as falas das personagens: – “E o que disse Prometeu? Disse que...”. Assim, em um segundo momento, quando os alunos efetuarem a leitura da versão escrita da narrativa, muitas peculiaridades das duas formas de discurso ficarão evidentes, o que possibilitará que eles próprios, com a ajuda do professor, possam sistematizá-las. Ao longo da atividade, guiado pelo professor, um quadro poderá ir se formando na lousa: 

 

Discurso direto: reproduz exatamente as palavras das personagens; permite a reprodução mais viva das características e peculiaridades da fala no tempo presente do acontecimento. Exemplo:

Ninfas: – Prometeu! Você tem certeza de que as suas profecias não passam de desejos seus?

Discurso indireto: o narrador transmite, com as suas palavras, apenas o essencial da fala da personagem; é construído com a ajuda de verbos dicendi, como “falar”, “dizer”, “perguntar” (conjugados no passado, já que o discurso é uma seleção daquilo que já foi dito), somados a “que” ou “se” (para perguntas). Exemplo (pode ser selecionado do texto de algum aluno):

- As ninfas perguntaram para Prometeu se ele tinha certeza de que as suas profecias não representavam apenas os seus próprios desejos.

Depois de feito esse exercício, os alunos terão mais familiaridade com o texto, o que facilitará o trabalho de leitura entonativa. Durante essa leitura, o professor poderá evidenciar a importância da pontuação no texto, pois tal elemento serve para dar a entonação adequada, que seja capaz de exprimir os sentimentos das personagens. Nessa etapa, é importante que o trabalho de sensibilização de leitura seja orientado para que os alunos sintam-se envolvidos na leitura coletiva. Seria interessante estimulá-los a ouvirem seus colegas, para que ajustem o tom de voz entre eles, e também o ritmo, visto que os estudantes estão em graus diferentes de desenvolvimento. Para isso, o professor pode acompanhar em voz alta as primeiras leituras e estabelecer um andamento apropriado para toda a classe, evitando que alunos com alguma dificuldade se sintam excluídos. Outro ponto importante é deixar claro para os alunos que o texto teatral é, essencialmente, um diálogo entre personagens. Dessa forma, o professor pode orientá-los a olharem uns para os outros, ao menos nas pausas entre os diálogos, para ressaltar a ausência de narrador e envolvê-los com o enredo. Isso facilitará a produção final da sequência: uma leitura dramática em que todo o aprendizado desenvolvido durante o trabalho será mobilizado.              

 

3 - Características do gênero tragédia: o conflito do herói e a função do coro

Para levar o aluno a identificar o gênero tragédia, serão trabalhados os seguintes pontos: o conflito do herói contra uma instância superior, no caso Zeus, e o coro e suas funções. O professor poderá: 1. orientar os alunos para que pesquisem outros textos com as mesmas características e os comparem com Prometeu acorrentado; 2. sugerir que pesquisem outras obras de Ésquilo e Eurípedes (havendo retorno, o material trazido poderá ser utilizado para leituras coletivas); ou 3. Levar, como material-reserva, trechos da obra Agamenon, de Ésquilo, e aproveitar a segunda peça existente no livro entregue aos alunos – Alceste, de Eurípedes – (ambas dialogam com Prometeu acorrentado, seja na concepção da figura do herói, seja na presença do coro).    

O conflito contra uma instância superior é também o elemento central na concepção do jogo de videogame, e a comparação de Cratos com Prometeu é o eixo dessa etapa. A sugestão de trabalho para o professor é que compare e discuta com a turma o perfil dos protagonistas. Como em todas as etapas anteriores, a participação dos alunos precisa ser intensa. Sem ela, o trabalho não funcionará, pois são eles os portadores das ferramentas para a comparação: o conhecimento sobre o jogo e sobre as personagens que contém. Ao professor, cabe comentar o conflito de Prometeu e recorrer, quantas vezes for preciso, à teogonia desenhada no primeiro módulo e à introdução contida no livro.

Quanto ao coro, ele é um “personagem” coletivo, e essa característica pode gerar questões interessantes. Durante a leitura da peça, o professor poderá informar, por exemplo, que, no gênero tragédia, ele tem várias funções: fornece conselhos, opiniões, incita questões e, por vezes, toma parte ativa na ação. Ao coro compete também criticar valores de ordem social e moral e ainda representar o papel do espectador ideal, ou seja, da voz da opinião pública, reagindo aos acontecimentos e ao comportamento das personagens. É a manifestação da visão do dramaturgo sobre possíveis reações que o público teria com relação à obra.                

                                              

Sequência didática

São estimadas sete atividades divididas em três módulos.      

 

Módulo I – Atividades I e II

O professor apresentará o projeto e os alunos serão convidados a falar sobre os personagens mitológicos que conhecem, seja por meio do contato com o videogame em questão, seja por qualquer outra fonte. Aqueles que apresentarem um conhecimento mais amplo o transmitirão à turma, abrindo a possibilidade de um debate. Após esse momento, com a mediação do professor, será lido o prefácio do livro Prometeu acorrentado, no qual está explicada, de forma clara e simplificada, a teogonia grega. O professor fará uma árvore genealógica dos deuses gregos e, por meio dessa imagem desenhada na lousa, aprofundará as diferenças e as semelhanças entre a trama do videogame e a história da mitologia grega. Sugere-se que os alunos tragam dicionários para a segunda aula.

 

Módulo 2 – Atividades III, IV e V

Visando à primeira produção, os alunos farão uma leitura coletiva da peça, cujo objetivo é encaminhar a aplicação do exercício que abordará as diferenças entre os discursos direto e indireto. Nele, quem estiver à direita do professor, por exemplo, contará a história da peça para o restante da turma, que, enquanto isso, escreverá o que está sendo dito. Sendo completada essa atividade, os alunos de cada grupo irão à lousa, que será dividida em duas partes (uma para a transcrição do discurso direto e outra para a da narração). Palavras que gerarem dúvidas serão consultadas nos dicionários e comentadas ao final da aula.

Segunda leitura em grupo da obra: cada aluno lerá um trecho em voz alta. Esse é o momento no qual o professor poderá identificar os problemas de leitura e de expressão da turma e, com base nesse diagnóstico, conduzir a leitura estimulando os estudantes a ouvirem os colegas. Esse estímulo à escuta pressupõe que ajustem o tom de voz entre eles, e também o ritmo, ressaltando principalmente as pontuações do texto. O professor acompanhará a leitura em voz alta quando achar necessário, a fim de estabelecer um andamento apropriado para toda a classe, evitando que alunos com alguma dificuldade se sintam excluídos. Por fim, serão pedidas pesquisas para a aula seguinte, as quais deverão conter trechos ou exemplares de peças de Ésquilo e Eurípides (ou de outros autores, mas que dialoguem com as características apresentadas na peça lida), além de materiais que dialoguem com o tema – figurinhas, gibis, livros, etc.

 

Módulo 3 – Atividades VI e VII

O professor avaliará e compartilhará com a sala as impressões sobre os materiais trazidos e poderá utilizá-los para aprofundamento das discussões sobre o tema. Como “estepe”, o professor levará cópias de trechos da peça Agamenon (Ésquilo) e Alceste (Eurípedes) e destacará a caracterização desses heróis (que dão título às obras), o papel do coro e as semelhanças entre os enredos das peças. Nessa aula, por meio das discussões disparadas por esses materiais, o professor aprofundará a noção do gênero tragédia através de comparações. Também haverá a apresentação dos outros materiais trazidos pelos alunos, como uma forma de abrir mais um espaço para que eles se expressem e para que o professor possa conhecê-los. Seria interessante abrir, ainda, um espaço para uma avaliação geral de tudo que foi trabalhado ao longo da sequência didática. O professor poderá estimular a turma a comentar como via o videogame antes e como passou a vê-lo após as atividades realizadas. 

Divisão da sala em “Prometeus”, “Ios”, “Coros” e assim por diante. Antes da leitura dramática, a sala será organizada para que os alunos consigam se entreolhar. Ao professor, caberá conduzir a leitura de forma a explicitar que o texto teatral é um diálogo entre personagens[3]. Para isso, será preciso que ele fique atento a cada pausa entre os diálogos, a cada entonação pedidas nas falas e a todos os recursos que a pontuação pode oferecer, além de que verifique o gestual dos estudantes e dê dicas sobre uma boa respiração no ato da leitura. Será realizada, portanto, a produção final: a leitura dramática.   

 

Notas

[1] Essa característica recorrente na trajetória dos heróis pode ser utilizada como ponto de partida para a abordagem das semelhanças e diferenças entre o jogo e a mitologia.

[2] Os testículos de Urano caíram no mar e deles nasceu Afrodite, deusa da beleza (lado esquerdo inferior da figura).

[3] Embora o texto teatral tenha como característica o fato de possuir narrador, esse conceito não é absoluto. Em alguns textos teatrais, existem personagens que fazem o papel de narrador para o público. Mesmo no gênero tragédia, o coro pode cumprir essa função.

 

Referências bibliográficas

AGUIAR, Luiz Antonio. O mais atual do teatro clássico. 2ª edição. Rio de Janeiro: Difel, 2010. v. 2.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 18ª. edição. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

GOD OF WAR. Desenvolvedora: SCE Studios Santa Monica. Plataforma: Playstation. Sony, 2005.

Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/C/coro.htm>. Acesso em: 17 out. 2010.

WILLIS, Roy. Mitologias: deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o mundo. São Paulo: Publifolha, 2006.

 

Glossário

Agamenon, de Ésquilo: Agamenon descreve a morte do rei nas mãos de sua esposa, Clitemnestra, furiosa e desejosa de vingança – tanto em virtude do sacrifício de sua filha, Ifigênia, cometido por Agamenon antes da Guerra de Troia, quanto pela manutenção da profetisa troiana Cassandra como concubina de Agamenon. O fim da peça inclui uma previsão do retorno de Orestes, filho de Agamenon, que vingará seu pai.

Ares: filho do famoso Zeus (o soberano dos deuses) e Hera. Embora muitas vezes tratado como o deus olímpico da guerra, ele é mais exatamente o deus da guerra selvagem, ou da sede de sangue. Os romanos identificaram-no como Marte, o deus romano da guerra e da agricultura.

Ártemis: na Grécia, era uma deusa ligada inicialmente à vida selvagem e à caça. Durante os períodos Arcaico e Clássico era considerada filha de Zeus e de Leto, irmã gêmea de Apolo; mais tarde, associou-se também à luz da lua e à magia. Em Roma, Diana tomava o lugar de Ártemis.

Atena: também conhecida como Palas Atena. É, na mitologia grega, a deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, da estratégia, das artes, da justiça e da habilidade. Filha de Zeus, nasce de sua cabeça, plenamente armada.

Caixa de Pandora: Pandora foi a primeira mulher que existiu, criada por Hefesto (deus do fogo, dos metais e da metalurgia) e Atena (deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, da arte, da justiça e da habilidade), auxiliados por todos os deuses e sob as ordens de Zeus. Cada um lhe deu uma qualidade. Recebeu de um a graça, de outro a beleza, de outros a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Hermes, porém, pôs no seu coração a traição e a mentira. Feita à semelhança das deusas imortais, Zeus a destinou à espécie humana, como punição por terem os homens recebido de Prometeu o fogo divino. Foi enviada a Epimeteu, a quem Prometeu recomendara que não recebesse nenhum presente dos deuses. Vendo-lhe a radiante beleza, Epimeteu esqueceu quanto lhe fora dito pelo irmão e a tomou como esposa. Epimeteu tinha em seu poder uma caixa que outrora lhe haviam dado os deuses, que continha todos os males. Avisou a mulher que não a abrisse. Pandora não resistiu à curiosidade: abriu-a e os males escaparam. Dali em diante, os homens foram afligidos por eles.

Coro: conjunto de atores que interfere nas peças, representando o povo – os espectadores – ou multidões. Pode cantar ou declamar, reagir à cena, dar conselhos aos personagens ou fazer comentários diretos para o público, dando informações complementares ao que está acontecendo. Em algumas peças, ele se divide, formando os subcoros.

Ésquilo: foi um dramaturgo da Grécia Antiga. É reconhecido frequentemente como o pai da tragédia, além de ser o mais antigo dos três trágicos gregos cujas peças ainda existem (os outros são Sófocles e Eurípedes). De acordo com Aristóteles, Ésquilo aumentou o número de personagens usados nas peças para permitir conflitos entre eles; anteriormente, os personagens interagiam apenas com o coro. Apenas sete, de um total estimado de setenta a noventa peças feitas pelo autor, sobreviveram na modernidade.

Minotauro: no contexto da mitologia grega, é uma criatura meio homem e meio touro. Ele morava no Labirinto, que foi elaborado e construído a pedido do rei Minos, de Creta, para mantê-lo por lá, bem longe do povo. Foi morto por Teseu.

Playstation: é um console de videogame fabricado pela empresa Sony, lançado em 3 de dezembro de 1994, no Japão, e em 9 de setembro de 1995, nos Estados Unidos.

Sequência didática: é um termo educacional usado para definir um procedimento encadeado de passos, ou etapas, para tornar mais eficiente o processo de aprendizado.

Teogonia: genealogia dos deuses. Lista ou diagrama que indica as relações entre os deuses e suas sucessivas gerações.

Titãs: na mitologia grega, os titãs estão entre a série de deuses que enfrentaram Zeus e os deuses olímpicos na sua ascensão ao poder.

Titanomaquia: na mitologia grega, foi a guerra entre os titãs, liderados por Cronos, e os deuses olímpicos, liderados por Zeus, que definiria o domínio do universo. Zeus conseguiu vencer Cronos em uma luta que durou dez anos.

Tragédia: é uma forma de drama que se caracteriza pela sua seriedade e dignidade. Frequentemente envolve um conflito entre uma personagem e algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade.

Zeus: na mitologia grega, é o rei dos deuses, soberano do Monte Olimpo e deus do céu e do trovão. Seus símbolos são o relâmpago, a águia, o touro e o carvalho. Sempre foi considerado um deus do tempo, sendo os raios, trovões, chuvas e tempestades atribuídas a ele. Mais tarde, foi associado à justiça e à lei. Seu equivalente na mitologia romana era Júpiter.

 

Prometeu-05

Cena do jogo: Zeus olha para Cratos

   

Domingo, 20 Fevereiro 2011 17:01

Adaptação do cordel ao gênero teatral

 

Cecilia Helena dos Santos Fico
Éwerton Silva de Oliveira
Livia Mara Ganzella
Rita de Cássia Fernandes de Souza
Thaís Keiko Matsuy

 

Resumo
presente projeto traz para a sala de aula um processo de adaptação do gênero cordel ao gênero teatral. Primeiramente, os alunos reconhecerão a importância cultural do cordel por meio de leituras e debates relativos a textos propostos. O mesmo acontecerá com as peças teatrais. Por fim, baseando-se nos conhecimentos adquiridos ao longo dessas aulas, os alunos, divididos em grupos, farão suas próprias adaptações, apresentando-as, ao final, na forma de cenas dramáticas.

 

Palavras-chave
adaptação textual, literatura de cordel, cultura popular, teatro

 

Introdução

A fonte de inspiração para o tema deste projeto foi uma reportagem de capa da Revista Discutindo Literatura, cujo assunto era a importância do cordel para a literatura brasileira. Indo ao encontro da matéria, chamaram nossa atenção os comentários sobre adaptações de cordéis para outros gêneros, tendo destaque, entre esses, o dramático. Achamos interessantes, também, as referências a inúmeros escritores canônicos, como Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Castro Alves, Dias Gomes, Ariano Suassuna e Jorge Amado, que, além de terem sido profundos conhecedores da literatura de cordel, escreveram obras reconhecidas neste gênero, colocado, muitas vezes, à margem das letras brasileiras[1].

Por ser uma produção originária do Nordeste, o cordel revela a realidade e a cultura de sua região, emanando um conhecimento sobre outro e, consequentemente, sobre nós mesmos, uma vez que os nordestinos tiveram papel ativo na história de São Paulo. Candido, em A literatura e a formação do homem, comenta esse poder que a literatura tem de revelar uma realidade e uma cultura:

"Isto posto, podemos abordar o problema da função da literatura como representação de uma dada realidade social e humana, que faculta maior inteligibilidade com relação a esta realidade." (1972, p. 808)

Sendo o cordel uma manifestação cultural considerada “popular” e tendo suas origens na tradição oral[2], adaptá-lo torna-se um desafio, principalmente quando, assim como ocorre em nosso projeto, o produto final é “erudito”. Contudo, esse desafio faz parte da pluralidade que é própria da cultura brasileira, comentada por Bosi:

"Ocorre, porém, que não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e dos nossos discursos (...). A cultura das classes populares, por exemplo, encontra-se, em certas situações, com a cultura de massa; esta, com a cultura erudita; e vice-versa." (1987, p. 7)

No campo das habilidades específicas, estamos interessados em possibilitar aos alunos a participação em um processo intenso de reescrita, seja na elaboração do cordel, seja na adaptação desse ao teatro. Sobre a importância da reescrita, que deve ter função formativa, e não somente avaliativa, Schneuwly comenta:

"Dito de outra forma, o escritor pode considerar seu texto como um objeto a ser retrabalhado, revisto, refeito, mesmo a ser descartado, até o momento em que o dá a seu destinatário.” (2004, p. 112)

Antes de escrever, porém, eles também desenvolverão o ato da leitura. Por meio dela é que poderão tomar nota das estruturas e peculiaridades de ambos os gêneros, tendo, assim, condições de diferenciá-los e, mais importante que isso, sentir como um ecoa no outro. Sobre a importância da leitura para a escrita, Garcez comenta:

“Nosso convívio com a leitura de textos diversos consolida também a compreensão do funcionamento de cada gênero em cada situação. Além disso, a leitura é a forma primordial de enriquecimento da memória, do senso crítico e do conhecimento sobre os diversos assuntos acerca dos quais se pode escrever.” (2008, p. 23)

Essa leitura anterior à produção escrita poderá proporcionar aos alunos a oportunidade de ampliarem seus repertórios de temas a serem desenvolvidos em textos futuros, assim como poderá mudar seus pontos de vista acerca da importância da literatura para a aquisição de informações.

Sugerimos os cordéis Preservando para melhorar[3], de Elmo Nunes, e Proezas de João Grilo[4], de João Ferreira de Lima. Já com relação aos textos teatrais, sugerimos Sonho de uma noite de verão[5], de William Shakespeare, O Auto da Compadecida[6], de Ariano Suassuna, e O pagador de promessas, de Dias Gomes. Considerando que adaptar um texto requer enorme esforço e envolvimento, tanto de leitura e pesquisa na sondagem, quanto de escrita e criação na transposição, o professor poderá trabalhar com cenas em vez de peças integrais. Ou, então, para homogeneizar o conteúdo, poderá dividir entre as turmas as cenas de uma mesma peça. Fica a critério de cada um.

 

Sequência didática

Módulo I – Conhecendo os gêneros

Parte 1 – Cordel 

Após uma breve introdução, por parte do professor, do gênero cordel, atentando para sua origem, principais características e temas mais frequentes, a classe será dividida em grupos para a realização de duas atividades: uma primeira relativa a leitura e uma segunda a escrita. Na primeira, o professor distribuirá diferentes fragmentos de cordéis, alternando entre Preservando para melhorar e As proezas de João Grilo. Para direcionar os alunos nesse contato inicial, poderão ser feitas perguntas acerca do conteúdo e da forma dos textos:

1. Qual é o tamanho do cordel?
2. Como é a ilustração (como ela foi feita e quais suas características)?
3. É escrito em prosa ou em verso?
4. Como ele é dividido?
5. Qual é o esquema rímico?
6. Tem uma metrificação uniforme? Se tem, qual é?
7. Qual é o tema?
8. Quem conta a história? Ela está em primeira ou terceira pessoa?

 

Os alunos debaterão as impressões que tiveram e farão uma apresentação daquilo que ganhou mais destaque e que levantou maior curiosidade. Seria interessante, também, que cada grupo lesse o fragmento que recebeu, dividindo os novos conhecimentos e enriquecendo o trabalho, já que o cordel, gênero fundamentado na oralidade, possibilita esse exercício com extremo requinte. A quantidade de aulas para realização dessa atividade é relativa; dependerá do rendimento e do envolvimento das turmas e da disposição do professor em investir mais ou menos neste projeto.

A seguir, vem o primeiro contato com a escrita. Os mesmos grupos produzirão uma estrofe que possua ritmos característicos do cordel. O tema de cada grupo será fornecido pelo professor. Dentre os temas poderão estar questões atuais, como ecologia – o desmatamento e a seca –, a saúde pública, a vida cotidiana, etc. Ao término dessa atividade, o professor poderá fazer uma correção mais detalhada das estrofes, com indicações e sugestões, e separar a aula seguinte para que haja um reencontro dos alunos com seus textos. Desse modo, terão como refletir sobre os erros e reescrever uma nova versão, revisitada e com melhor acabamento. Ao final, farão a leitura dessas produções para a sala.

 

Parte 2 – Texto teatral

Mais uma vez as atividades serão voltadas à construção do saber pelos próprios alunos. Um novo questionário poderá guiá-los no contato com as cenas distribuídas, as quais serão, preferencialmente, aquelas já adaptadas do cordel, como O Auto da Compadecida e O pagador de promessas:

1. Existem diferenças em relação aos tamanhos do texto teatral e do cordel?
2. No texto teatral, como estão indicadas as ações das personagens?
3. É escrito em prosa ou em verso?
4. Como ele é dividido?
5. Possui um narrador? Se possui, qual é sua função para o desenvolvimento da cena?
6. Qual é o tema?
7. Aponte outras diferenças entre o texto teatral e o cordel.

 

Apêndice – Além da sala de aula.

Sugerimos, para que os alunos possam enriquecer suas experiências, uma possível visita a uma peça teatral. Inúmeros portais divulgam peças por toda a cidade, com imensa variedade de conteúdos e preços. Não sendo possível, o professor poderá passar algum filme que tenha sido feito a partir dos textos estudados em classe, a fim de explicar as formas e as diferenças das linguagens teatral e cinematográfica. São opções: O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, e O Auto da Compadecida, de Guel Arraes.

 

Retornando à sala de aula, o professor poderá conversar com os alunos sobre a peça ou o filme a que assistiram. Após isso, os grupos seguirão o molde da Parte 1 e apresentarão seus pareceres, lendo, também, os fragmentos das peças que utilizaram. Pode-se salientar com mais profundidade, nesse momento, questões referentes a entonação, cadência e pontuação, além das posturas vocais e corporais, tão importantes em uma dramatização.

 

Módulo II – A adaptação

Caminhando para a produção final, os alunos poderão escolher um novo cordel a ser utilizado. Começarão, em sala de aula, a adaptar esse texto ao gênero dramático. A duração deste módulo também é relativa e imprevisível, sendo importante garantir ao menos um reencontro deles com seus textos.

Essa etapa é certamente a mais complexa, pois mobiliza elementos lingüísticos da peça teatral que é preciso ensinar aos alunos. O professor, para organizar o trabalho, poderá optar basicamente por dois caminhos: 1. propor aos alunos uma pesquisa sobre a estruturação de um texto teatral, ou seja, as partes que o compõem e suas características; 2. realizar ele próprio essa pesquisa e expô-la para a classe. A opção dependerá em grande parte do tempo disponível, mas não há dúvida de que, sendo pelo primeiro caminho, o aprendizado terá sua qualidade mais garantida.

Depois de conhecer a natureza do gênero a ser produzido, é preciso cuidar do processo de transposição, o que, claro, só poderá ser feito em grupo, pois nesse caso a interação e a negociação dos pontos de vista só tornarão mais rico o trabalho. Mas é sempre bom lembrar que trabalhar em grupo não é algo que se aprende de uma hora para outra; talvez seja o aprendizado mais difícil (o próprio professor conhece a dificuldade de trabalhar em equipe) e o mais profícuo.

Terminada a adaptação, haverá uma troca, nos moldes da dramaturgia coletiva, entre todas as cenas. Ela se dará através de um sorteio. Cada grupo, logicamente, deverá ter em mãos uma cena que não a sua. O projeto se encerrará com as apresentações, que poderão se expandir para toda comunidade escolar e até para festivais, como os do SESI, por exemplo.

 

Notas

[1] “Qual seria então o lugar do rap, da literatura de cordel, das letras de músicas e de tantos outros tipos de produção, em prosa ou verso, no ensino da literatura? Sem dúvida, muitos deles têm importância das mais acentuadas, seja por transgredir, por denunciar, enfim, por serem significativos dentro de determinado contexto, mas isso ainda é insuficiente se eles não tiverem suporte em si mesmos, ou seja, se não revelarem qualidade estética. Gramsci, em 1934, já estabelecera uma diferença entre valor cultural e valor estético: 1. Muitas obras de grande valor cultural têm escasso valor estético, até mesmo porque não se propuseram a isso. É o caso, por exemplo, dos escritos de José do Patrocínio; outros, mesmo produzidos por artistas não letrados, mas que dominam o fazer literário – ainda que quase instintivamente – certamente deverão ser considerados no universo literário. Patativa do Assaré, por exemplo, e tantos outros encontrados no nosso rico cancioneiro popular”. (Orientações Curriculares Nacionais - grifos nossos)

[2] A literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente oral e depois impressa em folhetos rústicos, os quais eram expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, fato que deu origem ao nome. O cordel chegou ao Brasil no período colonial, difundindo-se, como sabemos, na região Nordeste.

[3] Trata o tema da preservação do meio ambiente, tão recorrente na atualidade.

[4] Aqui há um exemplo típico de adaptação, já que a peça O Auto da Compadecida teve origem direta do cordel. Outro texto desse tipo, importante para inspirar os alunos, pois aparece nos dois gêneros estudados, é O pagador de promessas.

[5] Material interessante por conter questões ligadas à juventude e por ter sido escrito por um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, William Shakespeare.

[6] O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, sofreu influência dos seguintes cordéis: Proezas de João Grilo, de João Ferreira Lima, O cavalo que defecava dinheiro e O dinheiro (o testamento do cachorro), ambos de Leandro Gomes de Barros

 

Referências bibliográficas

BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In: _______. (org.). Cultura brasileira; temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. p. 7-15.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e Cultura, 24(9), setembro de 1972. p. 803-809.

GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação; o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

 

Bibliografia de apoio

Revista Discutindo Literatura. São Paulo, Escala Educacional, Ano 4, Número 19.

Disponível em: www.discutindoliteratura.com.br.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: _______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BELINKY, Tatiana; GOUVEIA, Júlio. Teatro para crianças e adolescentes: a experiência do TESP. In: ZILBERMAN, Regina (org.) [et al]. A produção cultural para a criança. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Orientações Curriculares Nacionais. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Ensino Médio. Conhecimentos de Língua Portuguesa. Conhecimentos de Literatura. Brasília: 2006.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf

CALKINS, Lucy McCormick. A Arte de ensinar a escrever: o desenvolvimento do discurso escrito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

HAVELOCK, Eric. A equação oralidade-cultura escrita: uma fórmula para a mente moderna. In: OLSON, D. R.; TORRANCE, N. (org.). Cultura Escrita e Oralidade. São Paulo: Ática, 1995.

HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da escola. In: ______. Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

MATEUS, J. A. Osório. Notícia de um folheto de cordel. In: ______. Escrita do Teatro. Amadora: Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand (Impressa Portugal-Brasil), 1977. p. 107-121.

NOVELLY, Maria C. Jogos teatrais para grupos e sala de aula. Trad. Fabiano Antonio de Oliveira. Campinas: Papirus, 1994.

ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Trad. Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus, 1998.

PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Trad. Jasna Paravich Sarhan. Organização e prefácio de Boris Schnaiderman. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1984.

  

Corpus

GOMES, Dias. O Pagador de promessas. São Paulo: Agir, 1961.

LIMA, João Ferreira de. Proezas de João Grilo. Fortaleza: Tupynanquim Editora, 2001.

NUNES, Elmo. Preservando para melhorar; diálogo Ecológico. Buritizal, Poranga. Ceará, Fortaleza: Tupynanquim Editora, 2007. 1a ed.

PACHECO, José. O grande debate de Lampião com São Pedro. São Paulo: Luzeiro, s/d.

SHAKESPEARE, William. Sonho de uma noite de verão. São Paulo: Scipione, 1986.

SUASSUNA, Ariano. O Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 2002.

    

Domingo, 20 Fevereiro 2011 16:53

Formando leitores

 

Andréa Trench de Castro

 

 

 

*Agradeço à professora Rosana, à direção da EE Zuleika de Barros e aos 
queridos alunos, que me receberam de braços abertos e ansiosos 
por aprender, sem os quais este trabalho não seria possível.
 

 

 

 

 

Resumo
O projeto apresenta um trabalho com o gênero sinopse em sala de aula, a ser produzido pelos alunos a partir de leituras de livre escolha, em grupos, gerando trocas, discussões e atividades com o objetivo principal de formar leitores.

  

Palavras-chave
Formação de leitores, sinopse, leitura livre 

  

Introdução

O presente projeto foi desenvolvido na Escola Estadual Zuleika de Barros no 2° ano do Ensino Médio. Em razão disso, faremos aqui, primeiro, a exposição da sequência didática das atividades tal como foi concebida e, em seguida, comentários a respeito dos resultados obtidos na prática da sala de aula.

O projeto Formando leitores aborda uma etapa fundamental no desenvolvimento do aprendizado: o momento da seleção do livro e do investimento na leitura como componente intelectual e também afetivo. Planejado em nove atividades que podem ser divididas em até doze aulas, o projeto tem como base fundamental promover a escolha livre de um livro em pequenos grupos de preferências comuns e a produção de uma sinopse, a partir da elaboração de um concurso em que os alunos tenham que ressaltar as qualidades de seus livros e as justificativas de suas escolhas. O projeto, por tratar-se de um conjunto de atividades que incentivam a prática da leitura como atividade habitual dos alunos, pode destinar-se tanto a alunos do Ensino Fundamental II quanto a alunos do Ensino Médio.

É importante pontuar que a elaboração e o desenvolvimento do projeto resultaram de outras pesquisas realizadas acerca do interesse dos alunos do Ensino Médio pela leitura. Em parte, orientei-me pelas sugestões e contribuições dos próprios alunos ao serem entrevistados a respeito do tema[1]:

“Fazer um projeto onde os alunos possam se descobrir, dando várias opções de autores para que os alunos possam escolher um e se identificar com ele. Sempre tem um que gostamos, que nos identificamos. Também mudar o espaço da leitura, sair um pouco da sala de aula, mudar o ambiente, fazer com que os alunos troquem ideias sobre as leituras. A gente vai da casa pra escola, e da escola pra casa, todo dia...” (Aluna do 1° ano do EM, que declarou não gostar de ler).

“Na escola, antes de introduzir a literatura, os professores poderiam sugerir que os alunos procurassem um livro que tivesse a ver com eles, que tivesse a "cara" deles, e que depois fizessem uma análise. Sugerir leituras mais atuais.” (Aluna do 3° ano do EM, que declarou gostar de ler).

Assim, resolvemos partir de um “tema-problema”, como proposto por Hernández (1996), em que trata da elaboração de projetos inovadores que proponham realmente novos nortes para o trabalho em sala de aula. Segundo o autor, alguns aspectos que os projetos podem potencializar na escola são:

a) Aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da subjetividade (...) o que implica considerar que a função da escola NÃO É apenas ensinar conteúdos (...);

c) Levar em conta o que acontece fora da escola, nas transformações sociais e nos saberes, (...)” (p.61)

O projeto Formando leitores foi concebido a partir da consideração dos aspectos mencionados acima: a necessidade de aproximar-se do universo cultural e social do aluno, tentando minorar o rechaço que vem ocorrendo pela leitura e pelo estudo da literatura; e também a premência de levar-se em conta o que está ocorrendo fora da escola – nesse sentido, a necessidade de investigar as preferências e vínculos que os alunos estabelecem com a leitura em suas vidas acadêmicas e também não-escolares. Do mesmo modo, o tema-problema nos foi sugerido pelos alunos, quando apresentaram, como mostramos, algumas possibilidades de trabalho com a leitura.

Assim, nosso percurso ao longo do projeto foi justamente o de formar leitores, mediante a escolha livre de livros pelos alunos, capaz de dar-lhes a oportunidade de:

1) encontrarem-se na leitura;

2) terem contato com leituras contemporâneas;

3) identificarem-se com o que estivessem lendo, a partir de suas próprias sugestões e experiências.

Com o intuito de elaborar um projeto que se apresentasse de fato como ruptura com o que vem sendo feito na escola, procuramos abdicar das leituras obrigatórias, ignoradas pelos alunos, que muitas vezes arriscam-se a más notas devido à total ausência de entusiasmo pela sua realização. Intencionamos, assim, dar um primeiro passo para a construção do aluno como leitor, buscando trazer suas contribuições individuais e saberes específicos para o campo de visão e para a análise do professor. O aluno e a sua cultura serão, por assim dizer, objeto de estudo privilegiado.

Outro autor que nos ajudou a nortear a concepção deste projeto foi Alfredo Bosi, em Plural, mas não caótico (1999). Trata-se do texto de abertura do livro organizado pelo autor, que parte da tese de que a cultura brasileira não é homogênea, não havendo uma matriz que determine os nossos comportamentos e discursos. Bosi identifica três diferentes níveis de cultura: a de massa, a das classes iletradas e a erudita, esta conquistada geralmente pela escolaridade média e superior. Em seguida, explora essa pluralidade de culturas que coexistem na sociedade brasileira e traça suas principais diferenças, concluindo seu texto com a ideia de que essa coexistência não indicaria um meio caótico, mas sim plural, passível de reconhecimento e de análise. 

Partindo também desse pressuposto, pensamos que é fundamental levar ao âmbito escolar essa "pluralidade de culturas" que ilustra a prática social brasileira. As leituras exigidas pela escola são quase que eminentemente eruditas, selecionadas por essa instituição como fundamentais para a formação do leitor. No entanto, esse leitor se forma a partir do contato com as diversas produções escritas e orais, legitimadas por diferentes linhas de força da cultura. Querer que o leitor brasileiro se forme, portanto, a partir do contato intenso com uma só cultura, desde cedo selecionada e imposta segundo uma linha de força, é ignorar o processo natural que caracteriza a pluralidade no nosso cenário, no qual estão imersos textos e criações dos mais diversos níveis e tipos, os quais necessariamente levarão o leitor a selecionar suas leituras, não esperando que haja um só gosto ou preferência.

Acreditamos que o processo de formação de leitores necessariamente inclui os textos da cultura de massa, veiculados pela mídia, já que é nessa sociedade que está imersa a grande maioria dos nossos alunos.

 

Sequência didática

Módulo I - Apresentação da primeira parte do projeto - escolha livre de leitura - e leitura do primeiro capítulo de Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino (1999)

A primeira atividade é apresentar a situação aos alunos, enfatizando que participarão de um projeto de leitura e escrita. A ideia, entretanto, é explicar somente a primeira etapa do trabalho, isto é, a escolha absolutamente livre de uma leitura, com o intuito de criar uma expectativa nos alunos e motivá-los para o projeto. É de suma importância que o professor tenha o calendário de aulas previamente organizado e, claro, para que não haja dúvidas quanto à sua execução, com as datas marcadas para a leitura parcial e final dos livros. Após combinar com os alunos as datas planejadas, o professor pode abrir um espaço e dedicar um tempo para as dúvidas que surjam.

Em seguida, o professor realiza a leitura do primeiro capítulo adaptado de Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino (anexo), e os alunos a acompanham com uma cópia em mãos. A utilização desse texto, que trata de leitores, tem como objetivo instigar uma conversa sobre escolha de livro e leitura em si. Se houver tempo, os grupos já podem começar a organizar-se e a pensar em livros que gostariam de ler.

Comentários sobre o resultado dessa etapa

 A apresentação do projeto mostrou-se adequada e bem planejada, pois ocorreu breve e objetivamente. Os alunos entenderam a proposta e mostraram-se, de início, entusiasmados e receptivos. A agitação foi praticamente imediata, já que estavam ansiosos por escolher seus grupos e livros. Salientamos que teriam uma semana para a escolha definitiva dos mesmos e a entrega de uma proposta, com uma breve justificativa. Após esse momento, foram planejadas as datas para a conclusão de pelo menos metade e para a conclusão integral das leituras. Como se mostraram animados com o projeto, não houve objeções quanto às datas, embora tenham feito restrições ao tamanho dos livros.

A leitura do primeiro capítulo do romance de Calvino também se deu de forma clara, descontraída e apresentou resultados positivos imediatos. Discutimos em conjunto as intenções do autor ao escrever o texto e os alunos logo perceberam que se tratava de uma nova maneira de escolher e ler um livro, baseada em critérios pessoais e subjetivos. A organização dos grupos logo começou e os alunos discutiram um pouco as leituras que lhes interessavam.

             

Módulo II – Início do trabalho com o gênero sinopse

Para essa atividade, o professor deve conferir se todos os alunos já estão reunidos em grupos, se já escolheram os livros a serem lidos e se todos os têm ou estão providenciando. Após essa breve conversa sobre grupos e materiais, além da entrega das justificativas dos livros escolhidos, o professor começa a trabalhar com o gênero sinopse. Ele escolhe uma sinopse interessante e instigante em algum livro ou veículo de comunicação que atraia a atenção dos alunos para que juntos possam analisá-la e formar o quadro de características do gênero. É interessante que a sinopse escolhida seja de um livro conhecido pelos alunos, a fim de que possam participar mais ativamente da análise do texto. Após a leitura em voz alta, o professor pede aos alunos que identifiquem o gênero; obtendo a resposta, instiga-os a distinguir características entre sinopse, resumo, comentário e crítica, acionando conhecimentos prévios. É hora, então, de lançar na lousa um quadro de características do gênero, que pode conter os seguintes elementos:

  • breve resumo do livro, mas se distingue porque não conta ou comenta o fim, apenas instiga o leitor para a sua descoberta;
  • comentários de especialistas ou escritores renomados;
  • referência a outras obras do autor ou a sua biografia;
  • comentários elogiosos à obra ou ao autor;
  • escolha criteriosa dos adjetivos e qualidades do livro;
  • aspectos que ultrapassam o livro em si e sua história, como a vendagem e a famosa lista dos best sellers;
  • perguntas ou dúvidas que o leitor só poderá responder se ler o livro;
  • trecho do livro, escolhido cuidadosamente pelo autor da sinopse.

Além desses, há outros elementos dos quais os alunos ou o professor podem fazer um levantamento, dependendo da sinopse analisada.

Comentários sobre o resultado dessa etapa

Antes de passar à exposição do trabalho inicial com o gênero, é importante descrever e comentar o momento da conversa incial. Os grupos se formaram rapidamente e vários alunos já tinham interesses específicos que foram tentando conciliar com os outros colegas. Observou-se um movimento de troca e discussão entre eles acerca de leituras que já haviam feito ou que gostariam de fazer. Como se previra, as escolhas giraram em torno dos best-sellers do momento, cujas posições defendiam empenhadamente, animados com a possibilidade de ler o que quisessem e sobretudo de poder convencer os colegas a realizarem as mesmas leituras.

Era o que esperávamos: que questionassem a si mesmos e entre eles sobre interesses pessoais e gostos, e como conciliariam isso com o universo da escola.

A seguir, expomos brevemente os grupos de livros em torno dos quais giraram as escolhas dos alunos. 

  • Livros que tratavam mais diretamente da realidade e do mundo em que vivem, além de contar trajetórias que sejam polêmicas ou verossímeis, explicitado inclusive nas justificativas dos alunos. Alguns exemplos são:

 

O Diário de Bridget Jones: comédia romântica que conta a história de uma jovem que não sabe muito bem como lidar com seus problemas e enfrenta desafios como ter de parar de fumar, arrumar um namorado ou encontrar um emprego de que realmente goste;

Depois daquela viagem: autobiografia de Valeria Piassa Polizzi, que contraiu AIDS aos 15 anos de idade e que conta como aprendeu a viver com a doença;

Quarto de menina: conta a vida de uma garota que terá de lidar com a separação dos pais, com a nova madrasta e com os sofrimentos decorrentes dessa situação.

  • Best-sellers do momento, bastante veiculados pela mídia, indicados por amigos ou escolhidos como consenso geral entre os componentes dos grupos, ou ainda porque esses componentes já haviam lido outros livros dos mesmos autores. São eles: O menino do pijama listrado, A cabana, Querido John, O beijo das sombras, Diários do Vampiro.
  • Interesses literários específicos que foram discutidos pelos grupos e, aparentemente, aceitos em consenso. Alguns exemplos são:

 

Crime e Castigo, de Dostoievski: escolhido por um grupo que alegou gostar muito de romances e indicado por um dos alunos;

Lucíola, de José de Alencar: escolhido por um grupo que alegou gostar de literatura do século XIX. A própria professora fez a sugestão quando os alunos trabalharam com o romance Senhora, do qual haviam gostado.

  • Houve também grupos de alunos que fizeram suas escolhas levando em conta a facilidade de acesso ao material (tinham os exemplares em casa, não sendo preciso comprá-los). Foi o que aconteceu, por exemplo, com A hora da estrela e Laços de Família, de Clarice Lispector.
  • Livros que versavam a respeito de interesses próprios e pessoais de cada aluno, geralmente defendidos com muita ênfase e de cujos temas os alunos já tinham algum conhecimento. Alguns exemplos são:

 

Percy Jackson – O ladrão de raios, após justificativa de dois componentes do grupo de que se interessavam por mitologia. Pareciam, de fato, ter algum conhecimento do assunto;

As Crônicas de Nárnia, cujo grupo gostava de ler literatura juvenil, ficção e histórias sobrenaturais.

    

Após essa breve explanação e agrupamento dos interesses é importante ressaltar que, ao contrário do que pensam alguns professores, os jovens, muitas vezes, lêem fora da escola e têm posições e justificativas bastante definidas.

Mediante interesse dos alunos pela saga Crepúsculo, escolhemos uma sinopse desse livro para análise e discussão.

O trecho foi colocado na lousa para que lessem e dissessem de que tipo de texto se tratava. Os alunos citaram diferentes gêneros e depois que chamamos a atenção para alguns elementos, chegaram à sinopse sem ter muita clareza do que significava. Trabalhamos seus principais elementos e fizemos um quadro das características do gênero com comentários e apontamentos dos alunos. Comunicamos que teriam que fazer um trabalho sobre sinopse e que lhes daríamos instruções mais precisas na aula seguinte.

 

Módulo III – Continuação do trabalho com o gênero sinopse

Nessa atividade, o professor entrega uma ficha com diferentes sinopses e pede que, em grupos, os alunos discutam e realizem uma comparação entre os textos, tomando como referência elementos do quadro que construíram na aula anterior. O texto comparativo deve ser feito individualmente, para que o professor possa analisar a produção de cada aluno e evitar cópias ou uma divisão desigual do trabalho. É importante que oriente a comparação de elementos textuais, e não gêneros de livros ou histórias. O professor pode auxiliar o trabalho, dado que esse tipo de atividade não é muito realizado na escola.

Como possivelmente não haja tempo suficiente para que completem o trabalho e redijam um texto comparativo coerente em sala de aula, os alunos podem ser orientados a entregar em uma próxima aula, ou quando o professor julgar conveniente. Ele pode, ainda, acrescentar uma aula ao cronograma, para que finalizem o trabalho em sala. É importante que o professor atribua uma nota a essa atividade (que não será a de maior peso no projeto) e que os alunos saibam que estarão sendo avaliados.

Comentários sobre o resultado dessa etapa

Fornecemos aos alunos uma cópia com sinopses dos seguintes livros: Harry Potter e a Câmara Secreta, de J.K. Rowling; Olga, de Fernando Morais; O que realmente importa?, de Anderson Cavalcante; Os sofrimentos do jovem Werther, de Wolfgang Goethe; Bridget Jones: no limite da razão, de Helen Fielding; e Predadores, de Pepetela.

As escolhas basearam-se nos seguintes aspectos:

  • fornecer uma amostragem ampla do gênero visado (Dolz, Noverraz, Schneuwly, 2004);
  • fornecer sinopses de variados gêneros e de livros que os alunos pudessem reconhecer, pelo título ou pela temática;
  • contrastar sinopses de obras literárias e autores consagrados com famosos best-sellers.

 

Esperávamos que os alunos levantassem aqueles aspectos do gênero trabalhados na aula anterior: 

  • uso de perguntas e adjetivos instigantes;
  • menção a obras consagradas;
  • sinopses de autores renomados, que funcionam como "especialistas";
  • livros que fazem parte de uma série e usam esse elemento como estratégia de divulgação.

 

Embora não houvesse sido previsto, apontamos a primeira dificuldade que o projeto apresentou e que deve ser melhorada ou repensada para uma próxima aplicação: os alunos tiveram bastantes dúvidas na realização do trabalho comparativo. A principal dificuldade identificada foi que eles, em sua maioria, tentaram comparar livros e enredos, e não sinopses.

Assim, ressaltamos algumas constatações:

  • o trabalho comparativo se apresenta como um desafio aos alunos;
  • a ampla variedade de textos gerou certa dificuldade, devendo-se na primeira aula sobre o gênero realizar uma prévia do trabalho de análise comparativa.

 

Apenas uma minoria de alunos, concentrada nos que têm bagagem de leitura e conseguem analisar mais criticamente os textos, pode realizar com sucesso a atividade. Esses tiveram excelente desempenho, mostrando domínio de análise e de estratégias de elaboração de sinopses.

A dificuldade encontrada pelos alunos evidencia a importância do trabalho com os módulos:

Os pontos fortes e fracos são evidenciados; as técnicas de escrita ou de fala são discutidas e avaliadas; são buscadas soluções para os problemas que aparecem. Nos módulos, trata-se de trabalhar os problemas que apareceram (...) e de dar aos alunos os instrumentos necessários para superá-los. A atividade de produzir um texto escrito ou oral é, de uma certa maneira, decomposta, para abordar, um a um e separadamente, seus diversos elementos.

(Dolz, Noverraz, Schneuwly, 2004, p. 103)

É importante ressaltar que alunos considerados de fraco rendimento tiveram bom desempenho, porque fizeram uma discussão eficiente com outros que têm mais facilidade na realização das propostas de Língua Portuguesa, ressaltando-se a importância de atividades coletivas. Consideramo-las pertinentes e adequadas; no entanto, devem sofrer ajustes e partir de um trabalho prévio de comparação entre textos do mesmo gênero.

 

Módulo IV – Exposição acerca das leituras

Em seus grupos, os alunos devem falar sobre o andamento da leitura. Esse deve ser o segundo momento de avaliação, ficando a critério do professor a atribuição da nota. É importante perceber o envolvimento e abrir espaço para que cada aluno fale de suas escolhas, expectativas e resultados de leitura – em andamento ou terminada. Também deve-se observar se a escolha da leitura foi realmente um consenso entre o grupo ou se há alunos descontentes ou insatisfeitos e que acabam aceitando determinada opção por não terem buscado outra. Perguntas que podem instigar essa discussão a respeito da leitura são: 

  • Você está gostando do livro?
  • Você abandonaria a leitura em algum momento?
  • Suas expectativas foram mantidas?
  • Você esperava mais do livro ou ele está superando suas expectativas iniciais?

 

Comentários sobre o resultado dessa etapa

Essa atividade também se fez adequada e pertinente para esse momento do projeto.

Os alunos mostraram-se interessados e envolvidos com os livros que haviam escolhido. Ansiosos, muitos queriam contar parte da história na tentativa de convencer ou seduzir outros, o que constitui parte central do projeto: a troca e o fluxo de sugestões, ideias, representações e comentários acerca da leitura. Muitos afirmaram que as expectativas estavam sendo superadas e que a ideia inicial não era o que realmente o livro continha.

Como previsto durante a elaboração e execução do projeto, a maioria dos alunos havia concluído a metade da leitura e um número expressivo lido todo o livro – alguns, inclusive, em menos de uma semana. Muitos, que alegavam falta de tempo, estavam descobrindo novos elementos na leitura, autores, temas de interesse, despertando a vontade de continuar lendo. Poucos manifestaram vontade de abandonar a leitura e quase todos fizeram comentários sobre elementos que estavam despertando gosto.

Constata-se algo que havíamos previsto: se bem motivado e abordado, o projeto abre possibilidades aos alunos de encararem as leituras de forma instigante; eles podem confirmar expectativas iniciais e discutí-las com colegas. Salienta-se, novamente, o caráter dialético da leitura, que ao ser realizada por um grupo em que todos compartilham os mesmos interesses, constitui-se troca saudável e eficiente.

A estratégia de trabalho também se mostrou adequada, bem planejada e eficiente. Os alunos passaram, primeiramente, por um momento individual, que permitiu identificar-se com o livro, manifestar o gosto pela leitura e tecer suas primeiras considerações. Posteriormente, realizaram trocas e diálogos que permitiram um avanço ainda maior nas leituras e uma mobilização contrária à apatia que geralmente os domina quando encaram propostas como essa. Nessa atividade os alunos criam um ambiente em que a leitura é somente parte de um processo maior.

Essa parte do projeto aborda recursos importantes para a expressão oral, como justificativa, argumentação e persuasão, já que os grupos tentam convencer seus colegas da qualidade de seus livros, tentando estimular seu interesse.

           

Módulo V – Apresentação da atividade final e acompanhamento das leituras com cada grupo

Neste módulo, o professor deve apresentar a atividade final – confecção, pelos grupos, das sinopses que serão expostas em um mural, em data a ser combinada, para um concurso.

O professor faz isso de forma motivadora, para que os alunos se empenhem e se interessem pela atividade. Seria conveniente eleger um prêmio para o grupo vencedor (uma excursão a algum lugar interessante, um vale-livro de uma livraria conhecida e acessível, livros que o próprio professor queira doar, um ingresso para alguma atividade cultural, entre outros).

Sugestão de organização da atividade:

1. Os alunos fazem durante a aula a sinopse individual dos livros que estão lendo e a entregam no mesmo dia;

2. O professor as comenta, indicando pontos positivos e pontos a serem melhorados, e devolve;

3. O professor reúne os alunos em duplas ou trios para que escrevam uma sinopse em conjunto, a partir das sugestões e comentários feitos nas produções individuais. A orientação será para que escolham aqueles pontos que consideram fortes na composição de cada colega e os reúnam em um texto para integrar o concurso.

 

Ao concluir a apresentação da atividade final, o professor realiza um acompanhamento das leituras. Sugestões de perguntas:

  • Vocês já terminaram de ler o livro?
  • Qual parte vocês acham que deveria integrar a sinopse?
  • Quais elementos do livro podem surpreender, atrair ou chamar a atenção do leitor?
  • O que não pode faltar na sinopse de vocês?
  • Como vocês podem atrair a atenção dos colegas da sala?
  • O que há de mais interessante no livro?

 

Comentários sobre o resultado dessa etapa

Os alunos entusiasmaram-se bastante com a ideia do concurso entre sinopses e alguns comentaram elementos que gostariam de introduzir e aspectos dos livros que chamariam atenção dos colegas, pensando na produção textual e na configuração da sinopse (é bom lembrar, tendo apenas uma indicação do que seria essa atividade). 

O acompanhamento das leituras mostrou-se fundamental, pois pudemos perceber o envolvimento e as dificuldades dos alunos e, como supuséramos, que alguns não haviam terminado a leitura. Eles mostraram grande honestidade no que diz respeito às possibilidades da leitura e sua conclusão. Ficaram à vontade para levantar questões e explicar dificuldades e não houve problemas de comunicação.

           

Módulo VI – Produção das sinopses individuais

Nesta atividade, os alunos terão que, individualmente, escrever uma sinopse do livro que estão lendo. O professor pode passar pela sala assessorando o trabalho e dando sugestões. É importante que a proposta seja realizada em sala de aula, podendo o professor acompanhar o trabalho de todos alunos.

Comentários sobre o resultado dessa etapa

A atividade se realizou sem problemas ou imprevistos e os alunos entregaram na mesma aula as sinopses produzidas.

Na aula seguinte, houve a devolução das sinopses, “corrigidas”, comentadas e com o acréscimo de sugestões, pontos a serem melhorados e indicações dos aspectos positivos.

 

Módulo VII – Produção das sinopses em duplas ou trios

O professor começará a trabalhar com a produção das sinopses em uma oficina de escrita. Os alunos devem realizá-la em seus grupos originais. Se forem de cinco ou seis componentes, devem dividir-se em duplas ou trios para que o trabalho possa ser menos disperso. O professor lhes dá a recomendação de que aproveitem aquilo que acham mais interessante de cada sinopse produzida individualmente e façam um só texto que contenha a contribuição de cada um. Assim, devem definir elementos de maior importância que deverão constar, resgatando o que discutiram nos módulos anteriores: será um trecho do livro? Como selecioná-lo? Será a crítica de um escritor renomado? Será um comentário estimulando a leitura? Haverá a menção da lista de best-sellers?

O trabalho deve ser feito e entregue na mesma aula, pois os alunos tiveram outra aula para fazer suas sinopses individuais e passaram por esse primeiro momento de encontro com o texto. O professor deve acompanhar aspectos citados anteriormente em relação ao trabalho coletivo em sala de aula.

Comentários sobre o resultado dessa etapa

Juntamente com a aula de produção individual, essa foi, a nosso ver, a aula mais importante do projeto. Os alunos dedicaram-se para entregar o melhor texto que pudessem; iam e voltavam, revisavam, reliam, pensavam em como poderia ser melhorado, se faltava algum elemento. A atividade adequou-se perfeitamente ao momento do projeto.

Esquematicamente (...) podemos distinguir quatro níveis principais na produção de textos: 1. Representação da situação de comunicação: o aluno deve aprender a fazer uma imagem, a mais exata possível, do destinatário do texto (...), da finalidade visada (...), de sua própria posição como autor ou locutor (...) e do gênero visado; 2. Elaboração dos conteúdos: o aluno deve conhecer as técnicas para buscar, elaborar ou criar conteúdos. (...); 3. Planejamento do texto: o aluno deve estruturar seu texto de acordo com um plano que depende da finalidade que se deseja atingir ou do destinatário visado; cada gênero é caracterizado por uma estrutura mais ou menos convencional; 4. Realização do texto: o aluno deve escolher os meios de linguagem mais eficazes para escrever seu texto.

(DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 104, Grifos nossos)

A partir dos níveis principais com os quais se trabalha a produção de textos, constatamos que os alunos foram contemplados com todas essas informações e lidaram de forma eficaz com os instrumentos de que dispunham para a produção das sinopses.         

Eles tinham perfeita noção de seus destinatários, da finalidade da escrita e do gênero visado. Estavam munidos de informações e instrumentos para a “elaboração dos conteúdos” e a “realização do texto”, tiveram contato com uma amostragem do gênero, analisaram as estratégias de elaboração para sua construção, compararam sinopses de diferentes gêneros e que apresentavam diferentes estratégias e tiveram contato com o gênero numa primeira produção individual.

O resultado das produções atingiu os objetivos, pois, além dos aspectos que concernem ao trabalho com os níveis de produção textual, acima de tudo, os alunos puderam reconhecer-se como verdadeiros autores, utilizando a escrita como um projeto pessoal.    

“terão seus altos e baixos como escritores, mas isto sempre ocorrerá dentro do contexto do envolvimento pessoal com a escrita. (...) A escolha do tópico é parte desse processo, mas o principal é que, quando convidamos as crianças para que escolham sua forma, voz e audiência, bem como seu tema, damo-lhes a posse e a responsabilidade por aquilo que escrevem. Isto transforma a escrita, de uma tarefa designada em um projeto pessoal.

Quando a escrita torna-se um projeto pessoal para as crianças, os professores não necessitam adular, pressionar, seduzir e motivar. O ato de ensinar se transforma. Com um leve toque, podemos guiar e estender o crescimento das crianças e de sua escrita. Além disso, nosso ensino torna-se mais pessoal e essa é a maior diferença.”

(CALKINS, 1989, p. 19 - Grifos nossos)

Esse pode ser considerado o aspecto fundamental do envolvimento com a realização da atividade, mostrando o quanto gostaram da leitura e o que essa significou. Os alunos puderam ter “voz” e “audiência”, sendo lidos, apreciados e julgados e tendo consciência da importância de seus trabalhos.

                       

Módulo VIII – Concurso das sinopses e votação

Os alunos devem ler as sinopses (que estarão expostas em murais da sala, digitadas e sem identificação de nomes e grupos) e criticá-las, buscando identificar elementos que haviam estudado: de que recursos o grupo lançou mão para fazer com que a sua fosse uma boa sinopse? Ela estimula o interesse do leitor? Se a selecionarmos, por que o estaremos fazendo? 

O professor promoverá uma votação individual e, ao final, contabilizará a mais votada.

Comentários sobre a realização dessa etapa

Os alunos ficaram muito entusiasmados e ansiosos logo ao iniciarmos a preparação do ambiente para a votação, colando as sinopses nas paredes da sala. Conseguimos superar as expectativas nesse momento. Não esperávamos que a votação fosse tão acirrada e que os alunos se envolvessem tanto com a atividade. Em um dos comentários finais acerca do projeto, uma aluna comentou justamente a votação – que havia sido essencial para prender a expectativa dos alunos e muito interessante para encerrar o projeto.

Em seguida, pedimos aos alunos que, silenciosamente, circulassem pela sala e lessem todas as sinopses, pensando naquela que julgariam a melhor. Nesse momento, os alunos sentiram-se orgulhosos de seu trabalho e puderam reconhecer-se como autores e escritores. Esse também parece ter sido outro dos pontos altos do projeto – houve uma identificação total dos alunos com o que haviam escrito, sentindo-se responsáveis e donos de sua produção.

É essencial que as crianças estejam profundamente envolvidas com a escrita, que compartilhem seus textos com os outros e que percebam a si mesmas como autores. Creio que estas coisas estão interconectadas. Uma sensação de autoria nasce de uma luta para imprimir no papel algo grande e vital, e da observação de que as próprias palavras, impressas, atingem os corações e as mentes dos leitores.

(CALKINS, 1989, p. 22) 

Durante a escolha das melhores sinopses, os alunos iam espantando-se com a escrita dos colegas e surpreendendo-se com as próprias.

O critério pareceu falhar, pois os alunos buscavam votar nos grupos ou nos alunos que, aparentemente, superaram-se. Isso mostra um olhar compreensivo e afetivo para com os colegas; no entanto, excelentes sinopses não foram votadas. Uma das concepções de Hernández sobre bons projetos é “uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem aprender, se encontrarem o lugar para isso.” (1996, p. 82); assim, esse critério dá a oportunidade a esses alunos de engajarem-se com estudos, escrita e leitura. Se fosse de outra forma, talvez eles nunca tivessem a oportunidade de serem aplaudidos ou verdadeiramente olhados pela turma.

A votação nos causou certa inquietação por não contemplar excelentes trabalhos que haviam de fato garantido todos os elementos das sinopses aprendidas em salas de aula. Por outro lado, a alegria dos que não lidaram mais diretamente com os elementos do gênero, mas que foram reconhecidos pela sala, também nos causou grande satisfação, pois o projeto, além de tudo, tomou dimensões inclusivas.

Seguem algumas sinopses que receberam maior quantidade de votos. Primeiramente, as duas vencedoras:

 

DEPOIS DAQUELA VIAGEM

No mundo radical onde vive o adolescente nos dias de hoje, século XXI, tudo se torna curioso e polêmico. Valéria Polizzi vive sua primeira aventura em um romance nada bem-sucedido, onde acha que tudo é belo e maravilhoso e, aos 16 anos, descobre que contraiu o vírus da AIDS. Sim, ela é HIV positivo!

Este livro conta a trajetória de uma jovem que, mesmo portando uma doença contagiosa, não deixa de embarcar em suas viagens, estudos e até mesmo, fazer grandes amizades.

“Depois daquela viagem” é um livro de determinação, divertido e, ao mesmo tempo, frágil; afinal, a vida de Valeria não é fácil, nem para ela e nem para ninguém.

Às vezes achamos que todas as relações podem ser prazerosas, mas será que estamos preparados para as consequências futuras?

           

A sinopse usa recursos interessantes, como o diálogo com o público leitor: jovens e adolescentes iniciando sua vida sexual e pensando que tudo será “um mar de rosas”, como pontuam as autoras. Além disso, os alunos trabalharam bem com o uso dos adjetivos, claros e precisos: “divertido”, “frágil”, “prazerosas”, “nada bem-sucedido”. Utilizaram uma pergunta fechando o texto, o que deu certo tom de aviso e convite à leitura.

Vejamos a segunda sinopse vencedora:

 

QUERIDO JOHN

O que significa amar realmente uma pessoa, mesmo com a distância?

John é um jovem rebelde que resolveu alistar-se no exército. Após três anos volta para sua cidade natal e se apaixona, por uma belíssima moça chamada Savannah, com qual passou belos momentos juntos, mas John teve que voltar ao exército e seu grande amor Savannah prometeu a ele espera-lo nos 11 meses que seria sua próxima licença.

A comunicação entre eles eram apenas por cartas, e uma delas mudou tudo. Que acabou transformando duas vidas para sempre.

Então John teve que tomar a decisão mais difícil de sua vida em nome do seu grande amor.

           

Há um bom uso das estratégias do gênero, como, por exemplo, a pergunta inicial, abrindo e instigando a curiosidade do leitor, e a sentença final, instalando o suspense. Apresenta problemas relevantes no que diz respeito à pontuação, concordância e coesão textual, além de adjetivos repetitivos e simples, que não foram avaliados pelos alunos.

Para finalizar, transcrevemos as duas sinopses que nos pareceram mais bem acabadas:

 

A HORA DA ESTRELA

“A hora da estrela” é uma obra de Clarice Lispector, a mais conhecida entre os escritores brasileiros e de muito sucesso. Seus livros agradam a todos que gostam de literatura.

Esta história é uma dedicatória da autora, onde ela se põe no lugar de um “autor” apaixonado, entretendo os leitores com seus pensamentos intrigantes. Envolve uma simples mulher que possui uma vida difícil, sem cultura e totalmente vazia. O autor tenta pôr esperanças em sua vida com pessoas e situações inesperadas. Teria ela uma chance na vida?

Você irá se envolver muito nesta história a cada página lida, por meio dos relatos e situações de vida da personagem.

 

SHERLOCK HOLMES – O SIGNO DOS QUATRO

“... é como se você ouvisse o violino de Holmes e visse a preocupação nos olhos de Watson.”

Mistério... Suspense ... Ação...

Na renomada obra de Sir Arthur Conan Doyle: Sherlock Holmes – O Signo dos Quatro, veremos Holmes e Watson numa aventura sombria.

Com seu método peculiar de dedução e o auxílio de seu fiel amigo, dr. Watson, Holmes desbanca a Scotland Yard de uma forma genial!

LEIA...

E descubra os mistérios que cercam a linda sra. Morstan...

“Uma gama de emoções comprimida em 109 páginas.” (N.Y. Times)

           

Ambas estão bem escritas e abordam de forma precisa as características do gênero. No entanto, essas abordagens são bem diferentes.

A sinopse de A Hora da Estrela pretende ser mais intelectual; “apela” para o público leitor de literatura e aborda o renome de Clarice; revela um bom uso de adjetivos; antecipa a história sem fazer um resumo e revela um contato íntimo da autora com a própria obra, pois traz elementos da interpretação.

A sinopse de Sherlock Holmes abusa de características e estratégias de produção do gênero. Seus principais elementos são o excelente uso dos adjetivos; uso do comentário do “especialista” ou do “crítico”; uso das aspas para introduzir um trecho do livro; bom e adequado uso da pontuação, como as reticências; diálogo que estabelece um jogo direto com o leitor; e a menção pertinente ao fato de “desbancar a Scotland Yard”.

           

Módulo IX – Finalização do projeto, entrega dos prêmios e comentários dos alunos

O professor entrega o prêmio aos vencedores e pode pedir-lhes uma breve avaliação do projeto, que pode ser em forma de comentários orais ou escritos (a serem entregues).

É nesse momento que ele poderá avaliar pontos fortes e fracos do projeto e se algo deve ser melhorado e aperfeiçoado para uma próxima aplicação.

Comentários sobre a realização dessa etapa

A finalização do projeto ocorreu de forma muito construtiva. Os alunos manifestaram claramente suas opiniões, que foram, em geral, muito positivas. Vários aspectos do projeto foram contemplados e positivamente analisados.

-                Eu nunca leria esse livro se não tivesse tido a oportunidade...

-                Foi legal ter voz para dizer o que pensamos, o que gostamos de ler e o que fazemos fora da escola...

-                Foi muito importante o trabalho em grupo, meu amigo me ensinou a gostar de literatura;

-                Esse projeto seria importante no 1° ano, quando começamos a ter que ler literatura, e poderia ser aplicado em todas as séries uma vez ao ano;

-                Gostei de passear pelos sebos e livrarias, descobri vários livros que não conhecia (alunos que compraram outros livros os mostram imediatamente);

-                Nunca achei que meu irmão leria um livro tão grande com tanto ânimo, mesmo eu lendo todos os dias...

-                Me animou a ler o que eu gosto, a ler o que eu quero e a ler fora da escola...

-                Achei que finalizamos o ano bem, gostei de ter lido literatura ao longo do ano, não acho que as aulas de literatura sejam chatas, por isso escolhi “A hora da estrela”;

-                Achei que foi importante o tempo curto de leitura (três semanas) porque isso não tirou o nosso foco, não nos distraiu do projeto e da própria leitura.

 

As principais sugestões e críticas dos alunos com relação ao projeto foram: a necessidade de mais tempo para ler e realizar as propostas, um trabalho maior com o gênero e a verificação mais exigente do professor com relação às leituras, afinal alguns sentiram-se injustiçados por terem lido e outros não.

           

Notas

[1] Esta pesquisa foi realizada em escola da rede particular de ensino, em 2008, com alunos do 1° e 3° ano do Ensino Médio. Consistiu em uma série de entrevistas com alunos e professores a respeito do gosto pela leitura e do ensino da literatura.

 

Referências bibliográficas

BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In: _______. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1999.

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

DOLZ, Joaquin, NOVERRAZ, Michèle, SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:_______. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

EZPELETA, J.; ROCKWELL, E. A escola: relato de um processo inacabado de construção. Currículo sem fronteiras, v.7, n.2, Jul/Dez 2007.

Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss2articles/rockwell-ezpeleta.pdf

HERNÁNDEZ, Fernando. Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da Escola. In: ______. Transgressão e mudança da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

BRASIL. Conhecimentos de Literatura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf

 

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Domingo, 20 Fevereiro 2011 15:55

Número 4 - Propostas para a sala de aula

1. Por um outro ensino

Dirceu Villa de Siqueira Leite, João Batista Vieira Jr.

2. Simbolismo e Impressionismo: um apelo aos sentidos

Mara Lucia Faria Costa

3. A poesia marginal dos anos 70

Mariana Bruno Chaves, Mariana Vitale T. da Silva, Norival Leme Junior

4. Oficina de poesia

Adriana Moreira, Carolina Yokota, Letícia Fonseca, Nancy Hino, Teresa Raquel

5. Música e poesia

Alison Paulo da Luz, Cibele Cesário da Silva, Edvane Rubim Soares, Ibis Natalia do Nascimento, Lucinara Chessa
 
Domingo, 20 Fevereiro 2011 15:13

Número 5 - Apresentação

 

Os textos deste número (e do número 4) foram produzidos em diferentes semestres da disciplina de MELP, nas turmas sob a responsabilidade da professora Neide Luzia de Rezende, e se encontram em diferentes níveis de acabamento. Entretanto, todos, selecionados pelo mérito, padecem com maior ou menor gravidade de um mesmo problema: a falta de planejamento de atividades linguísticas mais intimamente vinculadas aos textos e/ou gêneros selecionados para o trabalho.

Tal dificuldade é comum neste momento de mudança de paradigmas, em que o trabalho com o texto (concebido quase hegemonicamente enquanto gênero do discurso) é a unidade básica do ensino de língua portuguesa: operacionalizar a gramática no texto ainda é um desafio para o professor de português, seja ele o antigo, em exercício, seja o novo, em formação.

São várias as razões dessa dificuldade, que vão desde uma representação há muito instalada entre os docentes de língua portuguesa, a de que uma boa aula ainda é a que se sustenta na gramática normativa de estudo das orações, até o desalinho entre formação básica e formação docente, passando por inúmeros outros obstáculos.

Conscientes disso, os professores e licenciandos de MELP vão buscando encontrar um caminho, e esta revista de certo modo tenta apontar os lugares a que se tem chegado.

Também como o número anterior da Revista MELP, este traz propostas para a sala de aula, organizadas em sequências didáticas, segundo perspectiva teórica de Dolz e Schneuwly. Também está presente a ideia de projeto pedagógico baseada em Fernando Hernández (ver Apresentação, Revista MELP n. 4).

Entretanto, tais vínculos teóricos e metodológicos não significam que esses trabalhos sejam reproduções fiéis do que os autores estudados propõem. Muitas foram as liberdades tomadas, tendo sido preservadas, porém, suas ideias de base, sobretudo no que se refere à ênfase no processo de formação do aluno e na operacionalização de seus saberes.

O aluno proveniente do curso de Letras, dotado dos recursos que adquiriu em sua trajetória acadêmica e profissional (algumas vezes ele já tem experiência na docência), tem, na Licenciatura, a oportunidade de aproveitar seus conhecimentos sob uma nova ótica, tendo em vista o seu futuro papel. Por outro lado, as perspectivas adotadas igualmente levam o licenciando, nas proposições que mobiliza, a não se esquecer, ele próprio, do polo da aprendizagem – o aluno da escola básica, de quem será professor em breve. Esse foco é fundamental para o trabalho de ensino, que, tradicionalmente, se centra nos conteúdos a serem ensinados e, com frequência, não dá a necessária importância ao processo de aprendizagem. Procurou-se selecionar, para este número, propostas que abarcassem uma heterogeneidade de “gêneros” e que se situassem em diferentes universos semióticos. São práticas culturais presentes no universo das crianças e dos jovens, que, trazidas enquanto tais para a escola e submetidas a uma dimensão de aprendizagem, podem oferecer – a exemplo do que tradicionalmente se espera do texto literário – um espaço extraordinário de formação e uma abertura para um modo particular de apreensão do mundo.

Assim, nas propostas que se busca desenvolver em algumas turmas de MELP, são legitimados e valorizados gêneros decorrentes de diferentes níveis da cultura, de modo a promover na escola – lugar de elaboração do conhecimento e de reflexão crítica – um saber mais aprofundado sobre nossa cultura passada e presente, o qual, espera-se, seja o alicerce de uma cultura futura igualmente dotada de multiplicidade.

Cruzam-se nas propostas deste número 5: 1. leitura de romances e escrita de sinopses, em um projeto cujo desenvolvimento foi cuidadosamente relatado (Formando leitores); 2. cordel e teatro (Adaptação do cordel ao gênero teatral); 3. mitologia grega e videogame, a partir do livro Prometeu acorrentado, distribuído pelo governo às classes de 7º ano (Uma sequência didática baseada na leitura de Prometeu acorrentado, de Ésquilo); 4. contos populares de terror e contos fantásticos (Conterrorizando: da história de terror ao conto); 5. diário, colagens, música e exposição, a partir da leitura do diário de Anne Frank (O diário de Anne Frank: sequência didática em torno do gênero diário); 6. crônicas e estratégias para a sua utilização, que incluem cinema e fotografia (Crônicas: leituras e leitores); e, por fim, 7. rádio e a variedade de gêneros escritos e falados que veicula (Tá ligado?! - Criando uma rádio na escola).

Esperamos que tanto os professores já formados quanto os que estão em processo de formação possam extrair das ideias aqui apresentadas possibilidades e lampejos para o trabalho de sala de aula, quando não sequências didáticas inteiras para desenvolver com seus alunos.

Comitê editorial

    

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