Terça, 30 Novembro 1999 00:00

Uma abordagem temática sobre os gêneros textuais na EJA: comparação entre poema, reportagem e charge

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 Solange Galvão

 

Resumo

O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar uma abordagem possível dos gêneros textuais nas turmas da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto selecionamos um tema comum, o desemprego, o qual será abordado em três gêneros distintos: o poema, a reportagem e a charge.

 

Palavras-chave: Comparação; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Gêneros textuais; Língua Portuguesa; Projeto de Ensino.

 

Introdução

 

O objetivo deste artigo é relatar a experiência de estágio de 60h da disciplina Metodologia de Ensino do Português II, sendo 50h direcionadas à observação de aulas e 10h à regência, enfatizada neste trabalho, na qual aplicamos uma sequência de ensino ao 3º termo D da EJA – Educação de Jovens e Adultos.

Para trabalhar com esse perfil de alunos, selecionamos uma Escola Estadual localizada no Bairro do Rio Pequeno - Município de São Paulo, submetida à jurisdição da Diretoria de Ensino Centro-oeste. Acompanhamos as aulas de Língua Portuguesa do professor ‘D’, que leciona em escolas públicas do Estado de São Paulo há mais de 20 anos.

Simultaneamente às observações de aula, elaboramos um Projeto de 10h, constituído por quatro etapas: 1ª) contextualização temática e reconhecimento dos gêneros textuais; 2ª) comparação entre os gêneros; 3ª) aplicação dos conhecimentos sobre os gêneros e 4ª) correção coletiva e comentários.

Optamos pela abordagem dos gêneros textuais devido aos fatores que caracterizam o ensino na EJA: o perfil e a necessidade dos alunos, as exigências dos documentos oficiais e o tempo restrito. Consideramos o plano de aulas do professor e, para tanto, incluímos conceitos que seriam abordados no decorrer do semestre, entre eles, interpretação e leitura crítica de textos.

Após a contextualização temática, os alunos identificaram as características dos gêneros poema, reportagem e charge, associando estas às respectivas práticas sociais e aos meios de veiculação, e observaram como cada gênero abordou o mesmo tema: o “desemprego”.

Foi necessário alterar a dinâmica prevista no Projeto no decorrer das aulas, pois, conforme o comentário do professor “D”, “é preciso considerar o ritmo de aprendizagem dos alunos”. No entanto, foi possível abordar todos os conceitos linguísticos programados. Para alcançar o engajamento dos estudantes, criamos algumas condições comuns necessárias, na tentativa de tornar a interação agradável e produtiva.

Nas últimas aulas, os alunos responderam um questionário dissertativo que foi corrigido na sala, assim, puderam tirar dúvidas e expor opiniões sobre os tópicos apresentados. Após verificar a produção dos estudantes, observamos que a aplicação desse tipo de questões é um meio eficiente de avaliar a compreensão dos textos. É preciso, porém, que o professor esteja atento à elaboração de questões que estimulem a reflexão dos alunos as quais devem ser formuladas de modo a permitir que os estudantes exponham os conceitos internalizados de forma que não ocorra apenas a identificação de informações nos textos.

 

1  O contexto escolar

 

1.1  A escola

 

O estágio foi realizado em uma Escola Estadual localizada no Bairro Rio Pequeno. O corpo docente é constituído por 20 professores, os quais lecionam para cerca de 700 estudantes do Ensino Fundamental II – de 5º a 9º ano – manhã e tarde, e do Ensino Médio – 1º, 2º e 3º termos da EJA, que cursam o Ensino Médio em três semestres. A maioria dos estudantes reside nos Bairros Rio Pequeno e Vila Dalva, muitos na comunidade São Remo, próxima à Universidade de São Paulo.

A estrutura física da escola é agradável. As salas são amplas, organizadas e identificadas por série. Estão disponíveis uma biblioteca, uma sala de estudos e um laboratório de informática, utilizados em algumas atividades. Na sala dos professores, foram encontrados cartazes sobre algumas atividades que ocorreriam naquele 2º semestre, como a 2ª fase da 8º Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas, em 15.09.2012.

O professor falou para os alunos do 3o termo sobre a possibilidade de ingressar na universidade por meio do ProUni – Programa Universidade para Todos ou do Sisu – Sistema de Seleção Unificada, que utilizam a nota do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no Vestibular. Os alunos fizeram perguntas sobre os cursos oferecidos, ressaltando a dificuldade para conseguir emprego. Poucos jovens mostraram interesse em fazer provas de vestibulares.

 

1.2  O material didático

 

O livro didático utilizado faz parte da Coleção Linguagem e Movimento, Vol. 1, 2 e 3, de Izeti Fragata e Cortez Minchillo, distribuída aos alunos do Ensino Médio. O livro é constituído por vários gêneros textuais, como poemas, cartas, imagens e trechos de jornais e revistas, contextualizados de acordo com as normas estabelecidas pelo PNLD - Programa Nacional do Livro Didático. Para o docente acompanhado, a presença dos gêneros no material didático não implica mudança na maneira como os conceitos linguísticos são abordados em sala. Segundo o docente, “esse trabalho de transformação é função do professor”.

Em complemento, são oferecidas apostilas organizadas por uma equipe de professores os quais compõem a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP. A disciplina Língua Portuguesa faz parte da área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Esse material não foi utilizado nas aulas observadas.

O professor comentou que o material didático serve como referência, mas as aulas da EJA são preparadas de acordo com o desempenho das turmas e o tempo disponível. A metodologia de ensino do docente comporta a utilização de materiais paradidáticos, da lousa e do improviso para esclarecer as dificuldades dos alunos.

 

1.3 A linguagem na documentação escolar

 

Com referência à documentação da disciplina de Língua Portuguesa, tivemos acesso ao Planejamento Anual do professor. Quanto ao conteúdo programático, no 1º termo, os tópicos trabalhados em aula são letra, fonema, sílaba, tonicidade, acentuação, ortografia, pontuação e redação (narração, descrição e dissertação); no 2º termo - morfologia, concordância e regência verbal, crase, classe de palavras e redação e no 3º termo - a linguagem figurada (denotação e conotação), revisão de ortografia, pontuação e crase.

Atividades extracurriculares e passeios que beneficiam o aprendizado, como a visita ao Museu da Língua Portuguesa, fazem parte do planejamento, porém, nas turmas da EJA, o professor opta por adequar tais atividades à disponibilidade dos alunos durante o semestre.

 

1.4 O professor

 

O professor acompanhado é formado em Letras, com habilitações em Português e lnglês, e pós-graduado em Língua Portuguesa por meio do convênio firmado entre a Universidade de Campinas (UNICAMP) e a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP).

“D” leciona em escolas públicas há 23 anos. Observando as aulas, notamos que o docente renova sua metodologia a cada semestre, resistindo à apatia que a rotina da profissão permite, em especial, nas escolas públicas nas quais, muitas vezes, os recursos são escassos. A experiência do professor é notável, pois contorna de maneira eficiente as mais diversificadas situações que ocorrem no ambiente escolar.

O docente descreveu uma trajetória de superação de obstáculos em anos de trabalho na escola pública. Afirmou gostar de tal rotina “apesar da existência de alguns problemas”. Segundo ele, “em todas as profissões há pontos negativos e positivos, dar aulas não seria diferente”. Sobre a EJA, disse que, com o passar do tempo, aprendeu a entender as diferentes realidades, individualidades e histórias de vida dos alunos.

Para os estudantes da EJA, a motivação e a inclusão são imprescindíveis. Geralmente, exercem outras atividades diárias, logo, o cansaço e o acúmulo de tarefas resultam em alta taxa de evasão escolar; assim, mantê-los na escola faz parte da tarefa do docente.

Durante as aulas, ‘D’ propôs atividades de gramática com base em artigos jornalísticos e falou sobre como ser bem sucedido em provas de concursos públicos e no ENEM. Além disso, manteve bom relacionamento com os alunos, incentivando-os a permanecer no curso.

 

1.5  O perfil dos alunos da EJA

 

Em cada turma acompanhada havia por volta de 38 alunos matriculados, sendo que estavam presentes entre 20 e 25 na primeira aula do estágio. Observamos as aulas das turmas 1ºE, 1ºF, 2ºC, 2ºD, 2ºE e 3ºD. Segundo a coordenadora pedagógica, a justificativa por haver menos salas de 3º termo é a evasão que ocorre no decorrer dos semestres. Não há reprovação por ausência, logo, as faltas são recorrentes. Essa é uma das dificuldades enfrentadas pelo professor, pois é necessário modificar o cronograma de atividades para não prejudicar alguns alunos.

Na entrevista feita com alunos do 1º termo, foi dito que retomar os estudos é essencial para cumprir as exigências do mercado de trabalho. Os alunos interromperam as atividades escolares, anteriormente, por motivos diversos: muitas mulheres deixaram a escola após o parto; alguns alunos declararam não gostar de estudar; outros precisavam auxiliar no sustento familiar.

Segundo o professor, dificilmente alunos da EJA estudam em ambiente extraescolar, portanto, não é produtivo aplicar atividades para serem realizadas em outro local. ‘D’ evita apresentar filmes longos nas aulas, pois muitos alunos, cansados, pedem para ir para casa.

Quanto ao conhecimento linguístico, os estudantes do 1º termo não demonstram domínio da Língua Portuguesa na modalidade escrita, apresentando problemas relacionados à leitura, à interpretação e à elaboração de textos; os do 3o termo leem com mais fluência, mas demonstram dificuldade de compreensão.

 

1.6 Objetos ensinados e tarefas realizadas

 

Durante o estágio, acompanhamos as aulas de gramática e de interpretação de textos no 1o, 2º e 3o termos. Notamos a reconfiguração do objeto de ensino e das atividades de acordo com a duração do curso da EJA, porém, sem redução do conteúdo.

Os alunos do 3o termo estudaram o gênero Artigo de Opinião, abordado na prova do SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - 2012. As turmas da EJA não foram avaliadas, mas o professor decidiu apresentar um exemplo do gênero, utilizando o Editorial Universidade para Todos (Anexo I), do Caderno Opinião, publicado na Folha On-line, em 03.09.2012, que distribuiu impresso aos alunos. Antes da leitura, justificou a escolha e discutiu com os estudantes o tema do texto. Explicou a função do Caderno de Opinião no jornal e a estrutura do gênero, conforme as informações seguintes, retiradas da lousa:

    •        Contextualização da questão centra
    •        Posicionamento do autor
    •        Argumentos para sustentar a posição assumida
    •        Consideração de posição contrária e antecipação de possíveis argumentos
    •        Possibilidades de negociação
    •        Conclusão


Para finalizar, explicou a diferença entre ‘opinião’ e ‘argumento’. Os alunos realizaram uma atividade cujo objetivo era identificar as características do gênero.

Nas aulas do 1º termo, o estudo da gramática normativa foi predominante: exposição seguida por exercícios adaptados e correções. O professor explicou as três conjugações verbais, terminadas em -ar, -er e -ir e entregou uma tabela aos alunos (Anexo II). O verbo ‘bisar’ chamou a atenção por não fazer parte da linguagem coloquial, causando estranhamento.

Os alunos do 1ºF estudaram a Ortografia Oficial. O professor falou sobre fonética para explicar o motivo da existência de palavras com som de ‘z’ que são grafadas com ‘s’.  Em seguida, comentou as regras para distinguir palavras grafadas com ‘s’ ou ‘z’ e com ‘s’ ou ‘ç’. Os alunos não conheciam o sentido do verbo ‘ascender’, logo, confundiram-se com o verbo ‘acender’.

Nas salas do 2º termo, foi analisado o artigo Paralímpico? Haja bobagem e submissão! (Anexo III), do Prof. Pasquale Cipro Neto, publicado em 06.07.2012, no Caderno Cotidiano. Trata-se do uso de prefixos gregos, com base na adaptação da palavra ‘paraolímpico’ para ‘paralímpico’ com o objetivo de aproximar a grafia da palavra e o nome do Comitê Internacional Paralympic. ‘D’ distribuiu cópias do texto aos alunos e explicou a formação das palavras por meio de prefixos gregos e latinos. Comentou, também, o novo acordo ortográfico, referindo-se ao uso do hífen em palavras como ‘infraestrutura’ e ‘pós-graduação’.

 

1.7  Instrumentos didáticos e gestos profissionais

 

Nas aulas observadas, a institucionalização discursiva dos saberes abordada por Schneuwly (2011) ocorreu por meio da exposição oral e da topicalização dos conceitos. O professor utilizou a lousa e o giz como instrumentos didáticos, além de jornais e artigos disponíveis na Internet.

Um gesto didático marcante do docente foi o estímulo à motivação dos alunos, mostrando a eles a importância da interpretação de textos em muitas interações comunicativas. Segundo ‘D’, o conhecimento linguístico refinado torna os estudantes flexíveis e adaptáveis às diversas situações. A memória didática também foi um gesto frequentemente utilizado. ‘D’ iniciou as aulas lembrando o que havia sido comentado na aula anterior ou corrigindo atividades.

Para auxiliar no controle de frequência, recolhia os trabalhos no final das aulas e os entregava nas aulas seguintes para conclusão. Apesar de parecer um gesto autoritário, essa é uma atitude necessária, pois é uma forma de incentivar a presença dos alunos nas aulas. O professor recorreu, também, ao gesto de inclusão. Muitas vezes, perguntou quais alunos tinham atividades ou avaliações pendentes. Para ele, esse tipo de preocupação evita a evasão escolar.

Com relação ao gesto de regulação da aprendizagem, com base nos estudos de Schneuwly (2011), foi possível observar a predominância de atividades elaboradas durante as aulas, valendo nota. O professor corrigiu todos os exercícios e, durante as correções, solicitou a participação dos alunos. Após a correção das avaliações, o professor conversava com os estudantes para esclarecer dúvidas pendentes. Para o docente, a atividade produzida em aula é a mais eficiente forma de avaliação da EJA, pois estimula a participação e auxilia no controle da frequência. Em todas as salas, os estudantes comentavam não poder faltar devido aos trabalhos elaborados em sala e à quantidade de “matéria passada na lousa”.

 

2  A elaboração do Projeto de Ensino

 

2.1 Justificativa

 

A principal característica que define a EJA é a heterogeneidade das turmas. Alguns estudantes saíram da escola recentemente; outros, não estudam há anos. Como reflexo da interrupção dos estudos, a maioria demonstra dificuldade para compreender e interpretar textos. A aluna A. do 3º termo, por exemplo, relatou que, quando retomou os estudos após tê-los interrompido há seis anos, teve dificuldade para lembrar o conteúdo abordado no Ensino Fundamental, e que isso, inicialmente, foi desestimulante.

Geralmente, os alunos voltam à escola para concluir o Ensino Médio buscando um emprego ou melhores posições no mercado de trabalho. Nas aulas, o professor demonstrou preocupação e tentou incentivá-los. ‘D’ ressaltou a importância da leitura crítica e da boa redação para fazer provas de concurso e participar de processos seletivos. Essa metodologia parece mercadológica, isto é, direcionada apenas ao mercado de trabalho, contudo, é uma atitude motivadora no caso das turmas da EJA.

Observando as turmas, percebemos a dificuldade dos alunos ao relacionar textos e inferir ideias; por essa razão, selecionamos como objeto desta sequência de ensino o estudo dos gêneros textuais mais presentes em avaliações. As sugestões apresentadas nos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e o Médio também contribuíram para a escolha deste Projeto:

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, os quais geram usos sociais que os determinam (BRASIL, 1998, p.21).

 

Durante o estágio, notamos que o trabalho com gêneros textuais na EJA é um desafio para o professor, logo, nesta experiência didática, buscamos auxiliar o docente, trazendo ideias sobre como aperfeiçoar a leitura crítica dos alunos, com base nos estudos de Bakhtin (1953/1997):

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN 1953/1997, p. 279).

 

Para a elaboração da sequência de ensino, consideramos, também, os estudos de Dolz e Schneuwly (2004). Segundo os autores, a introdução de um gênero na sala de aula depende de uma decisão didática, que precisa considerar os objetivos da aprendizagem. São três os aspectos relevantes para tal opção: o conhecimento e as referências dos alunos sobre os gêneros utilizados, suas capacidades de aprendizagem e os objetivos de ensino do professor.

Durante a aplicação do Projeto, os alunos do 3º D relacionaram três gêneros distintos, comparando a forma como cada texto abordou o tema “desemprego”. As atividades foram aplicadas em 10 aulas, nas quais os alunos tiveram contato com as principais características dos gêneros poema, reportagem e charge.

 

2.2 Planejamento geral

 

Na EJA, o docente tem como objetivo ensinar o conteúdo programático e avaliar o nível de assimilação dos alunos para, dessa forma, estimular o interesse pelo conhecimento, considerando as deficiências e competências destes. Na primeira fase da aplicação do Projeto, os alunos analisaram as características dos gêneros, relacionando-as ao conhecimento prévio da turma; em seguida, os estudantes associaram tais gêneros às respectivas práticas sociais e ao meio de veiculação em questão, a revista. Na fase seguinte, compararam a maneira como cada texto aborda o tema “desemprego”.

Nas primeiras aulas, criamos um contexto de compartilhamento de experiências, buscando o engajamento dos alunos e a construção de um conhecimento coletivo. Foram consideradas opiniões, vivências, informações e estatísticas. No momento seguinte, discutimos o conceito de gêneros do discurso e as características deste. Foi feita uma análise comparativa, buscando observar diferentes pontos de vista sobre o mesmo objeto temático, na tentativa de construir uma visão crítica sobre o assunto e de alcançar uma leitura mais aprofundada dos textos.

Por fim, conduzimos a atenção dos alunos aos aspectos linguísticos, evidenciando o trabalho de Língua Portuguesa. Percorremos uma trajetória de aprendizagem utilizando o recurso da memória didática, reiterando em certa aula o texto abordado em aula anterior para avaliar se houve, realmente, a compreensão deste.

 

2.3 Descrição das Fases do Projeto

 

Atividades da 1ª Fase: contextualização temática e reconhecimento dos gêneros textuais

1ª aula: inserção no contexto temático e discussão sobre os resultados do desemprego com base no relato de experiências e na exposição de opiniões dos alunos.

2ª aula: apresentação do objetivo geral do Projeto Didático, justificando a escolha do tema e dos gêneros utilizados; reconhecimento dos gêneros por meio da presentificaçãodos objetos de ensino e da leitura compartilhada dos textos, destacando as principais características de cada gênero. Nesta aula, dá-se ênfase à funcionalidade dos gêneros no contexto de suas práticas sociais, utilizando como instrumentos didáticos a exposição oral, a lousa e o giz. 

3ª e 4ª aulaṣ: recuperação dos conceitos apresentados na aula anterior por meio da memória didática; institucionalização de saberes; fracionamento dos tópicos em suas dimensões constitutivas e análise linguística dos textos que compõem cada gênero.

Nestas aulas, serão abordadas as funções da linguagem, com base nos estudos do linguista russo Roman Osipovich Jakobson (2007): função emotiva, referencial, poética, fática, metalinguística e conativa. Como tarefa, os alunos identificarão, individualmente, os elementos dos gêneros, relacionando o poema Emprego (Anexo IV), de Ferréz, e a reportagem Brasil dividido (Anexo V), de Ottoni Fernandes. Verificarão a função social de cada texto, considerando a respectiva esfera.

 

Atividades da 2ª Fase comparação entre gêneros

5ª e 6ª aulas: Para os estudos bakhtinianos, os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades: as escolares, as religiosas, as profissionais, as políticas, as pessoais, as midiáticas, as publicitárias, as digitais, entre outras. Para o autor, os enunciados não podem ser produzidos fora das esferas de ação, o que significa que os gêneros são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera. Com base nessa reflexão, os alunos discutirão as possíveis intenções da esfera jornalística revista, destacando a função social desta e do jornal, além de mudanças que ocorreram nesses veículos midiáticos após o surgimento da Internet.

O gênero reportagem será recuperado por meio da memória didática e comparado à charge Indicador de desemprego (Anexo VI). Como atividade, os alunos comentarão a esfera de circulação dos textos, as características desta e a maneira como cada gênero aborda o tema.  Destacam-se, também, os aspectos relacionados ao estilo dos gêneros, isto é, à utilização de recursos linguísticos.

 

Atividades da 3ª Fase: aplicação dos conhecimentos sobre os gêneros

Esta fase será destinada à avaliação dos resultados das leituras anteriores. A regulação da aprendizagem proposta no Projeto em questão não altera as avaliações previstas pelo professor. As atividades feitas em sala de aula e a produção dos alunos serão entregues ao docente. 

          7ª e 8ª aulas: construção de uma tabela na lousa com as principais características dos três gêneros; aplicação de um questionário com perguntas dissertativas; seleção de um dos textos discutidos em aula, que será comentado pelos alunos considerando a função social do gênero e a esfera de circulação deste, justificando tal escolha.

 

Atividades da 4ª Fase: correção coletiva e comentários gerais

Os alunos receberão os questionários corrigidos, que serão comentados pela estagiária. A correção coletiva é uma forma de compartilhar conhecimento e esclarecer eventuais dúvidas. Serão apontados aspectos positivos e negativos das respostas.

 

3  Aplicação do Projeto

 

3.1   Considerações Gerais

 

Este Projeto foi aplicado à turma do 3º D, durante cinco semanas, sempre em duas aulas consecutivas. Antes de iniciar a regência, solicitamos a opinião do professor sobre a adequação da nossa sequência de ensino, pois ‘D’ acompanha os alunos desde o 1º termo, logo, conhece o ritmo de aprendizagem da turma. O docente comentou que o estudo sobre os gêneros é essencial para a formação acadêmica e profissional dos estudantes, pois o conhecimento sobre a diversidade de textos auxilia na formação de leitores críticos, que desenvolverão competências como interpretação e compreensão de textos.

A experiência de ser responsável pela organização das aulas foi enriquecedora. Além de elaborar o Projeto, foi preciso estabelecer condições de interação com os alunos. Para tanto, contamos com a convivência construída durante o estágio de observação de aulas e com a presença do professor, uma vez que a relação entre ele e os alunos era de respeito e admiração mútua. Conhecer a dinâmica da sala foi essencial para a criação de algumas condições comuns de construção de conhecimento na interação em sala de aula. Sobre essa interação, Marcuschi (2007) diz que “uma base comum é um sine qua non para tudo o que viermos a fazer com o outro – desde as atividades conjuntas mais gerais até as mais simples e estreitas ações conjuntas”.

Durante a regência foi possível avaliar, efetivamente, a dificuldade que o professor enfrenta para administrar o tempo, os recursos disponíveis na escola e a dificuldade de aprendizado dos alunos. Notamos que o trabalho docente requer experiências que vão além do desenvolvimento de um Projeto organizado, com base nos documentos oficiais sobre o ensino de Língua Portuguesa. Após tal organização é preciso criar uma situação de aprendizado real, atrativa e eficaz.

A sala de aula é uma situação de comunicação na qual é necessário haver concentração, dedicação e engajamento tanto do professor quanto dos alunos. A maneira mais eficiente de alcançar resultados positivos com os alunos da EJA é a empatia. A interação é essencial para a relação entre ensino e aprendizagem. Caso o aprendizado não esteja ocorrendo conforme o planejado é necessário adaptar a metodologia de ensino, explicar o conceito de outra maneira e reformular os exemplos com base nas experiências dos alunos.

As aulas podem não ocorrer conforme previsto no plano de aula da disciplina, logo, cabe ao professor conseguir lidar com situações imprevistas. A experiência mostrou-nos que, na EJA, ser professor é saber conduzir os alunos a um objetivo definido, utilizando os instrumentos didáticos que estiverem disponíveis no momento. Quanto aos gestos didáticos, destacamos a “escolarização” dos conceitos, que os torna acessíveis, sem redução, e a aplicação destes na sala de aula em um tempo limitado.

 

3.2 A regência

 

Durante as aulas, foi necessário improvisar ações sincronizadas às reações e ao comportamento dos alunos. Alcançamos o engajamento necessário para o ensino dos gêneros textuais partindo do tema “desemprego”. Para obter resultados positivos, inicialmente, observamos o perfil da turma para tornar o contexto da aula o mais próximo possível da realidade dos estudantes.

No decorrer da regência, observamos que o professor precisa ter a habilidade de prever as dúvidas e os problemas que surgem durante as aulas já que tais situações de aprendizagem são únicas. Por exemplo, preparamos uma apresentação em Power Point para a primeira aula, mas os recursos de mídia não estavam disponíveis, então, utilizamos o giz, a lousa, os textos e a exposição oral. A experiência de conhecer as dificuldades da turma é um diferencial do trabalho do professor ‘D’, que comentou: “há coisas que o professor só aprende na sala de aula, com o passar do tempo”.

Um aspecto que pode ser destacado como positivo na avaliação deste Projeto é a organização. Cada aula ocorreu em 45 minutos; então, tentamos estabelecer uma sequência comum, composta por introdução, desenvolvimento e conclusão, com o intuito de administrar o tempo do encontro, no total de 90 minutos cada.

Os conceitos foram topicalizados na lousa e serviram como base para recordar estudos anteriores. Além disso, anotávamos os exemplos citados pelos alunos. Tal gesto didático permitiu que mantivéssemos o foco em assuntos relevantes para a aula em questão e a retomada dos tópicos após as digressões. Foi necessário intervir muitas vezes direcionando a atenção dos estudantes aos aspectos linguísticos dos textos, concernentes à disciplina Língua Portuguesa, uma vez que, envolvidos pelo tema, estes fizeram muitas inserções relacionadas somente ao assunto. Apesar desse risco de foco unicamente no assunto, optar pelo Projeto temático foi produtivo, pois alcançamos o objetivo inicial, o engajamento e a participação dos alunos, e o final, o ensino e a aprendizagem das principais características dos gêneros.

Na primeira aula, os estudantes compartilharam experiências durante uma discussão. O aluno L. A., 24 anos, foi o primeiro a comentar, descrevendo sua experiência profissional e a dificuldade enfrentada para entrar no mercado de trabalho formal. Disse que voltou a frequentar a escola com o intuito de conseguir um novo emprego. Atualmente, trabalha como motoboy, sem registro em carteira profissional. Tal relato foi uma oportunidade para apresentar à sala a reportagem Brasil Dividido (2004), que trazia informações sobre o mercado de trabalho formal e o informal da época.

Iniciamos a leitura do texto por meio das imagens, isto é, pela linguagem não-verbal, que é parte constitutiva do gênero em questão. A imagem presente no texto descrevia a disposição de bancas do comércio informal no Largo da Batata, em Pinheiros – São Paulo, em 2004. Utilizando o par dialógico pergunta-resposta, fundamental para a organização conversacional, segundo Gomes-Santos; Almeida (2009), fizemos uma leitura da foto presente na reportagem. Vejamos a seguir a reconstituição de um trecho do diálogo que ocorreu entre a estagiária e dois alunos:

Professora: gente, com base nessa imagem, vocês podem me dizer sobre o que fala este texto?

Aluno 1: sobre barraca de camelô, professora.

Aluno 2: é sobre produtos genéricos, professora (risos) [o aluno estava falando sobre venda de produtos falsificados – pirataria de produtos]

Professora: é isso mesmo, [nome do Aluno 1], o texto fala sobre os camelôs. O texto discute a convivência entre o trabalho formal e o informal.

Aluno 2: claro né professora? tá difícil arrumar emprego, os caras têm que comer.

 

Os alunos foram convidados a analisar a composição do título (a cor, a fonte e a disposição destas refletem o que diz o título da reportagem, por intermédio da linguagem não-verbal). Acrescentamos que, no gênero em questão, é possível encontrar gráficos e tabelas que refletem os dados descritos. Na sequência, fizemos a leitura do texto e verificamos que grande parte do assunto havia sido abordada durante a análise das imagens. Observamos que a interação é importante para que o professor avalie o momento certo de avançar na explicação do conteúdo.

Antes da discussão sobre o tema, comentamos a esfera de circulação em questão – a revista – e a função social do gênero reportagem, com base nos conceitos abordados por Bakhtin. Explicamos que os veículos midiáticos não são neutros uma vez que a enunciação (fala/escrita) é produzida com o objetivo de construir a posição do enunciador diante de um determinado fato. Verificamos que, ao transmitir as informações, os meios de comunicação demonstram, implícita ou explicitamente, um ponto de vista sobre o que está sendo informado, com intenção de persuadir o leitor. Vejamos a reconstituição de outro trecho de diálogo entre a estagiária e duas alunas:

Professora: pessoal, vocês já perceberam que cada revista tem um público específico, há revista para jovens, para adultos. Há revista de economia, revista acadêmica...

Aluna 1: revista de fofoca, professora. Gosto de saber da vida os artistas.

Aluna 2: eu gosto de ver o que vai passar na novela. Tô perdendo a novela por causa da aula, professora.

Professora: então vocês já sabem qual tipo de revista precisam ler para saber sobre um assunto específico né?

 

O diálogo reconstituído encadeou a apresentação de uma charge que ilustra os diferentes públicos possíveis de uma mesma esfera de atividade, no caso, o jornal.

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 Fonte: http://revistamacondo.wordpress.com/category/_literatoon/page/2/, acessado em setembro de 2012.

 

Após finalizarmos o estudo sobre as esferas, retornamos ao reconhecimento de algumas características constitutivas do gênero reportagem. Na lousa, elaboramos a lista apresentada a seguir e, como tarefa, os alunos identificaram as características no texto.

Gênero Reportagem

Observar a biografia básica do autor

Destacar a data de veiculação e a esfera de circulação da reportagem

Descrever a função social do gênero

Analisar a função do título e do subtítulo

Observar a função da linguagem não-verbal

Interpretar a argumentação do autor - presença de dados de fontes como o Ipea e o IBGE, que reforçam o ponto de vista do autor

Descrever a ideia central presente no texto

 

Comentamos a relevância de compreender as características dos gêneros textuais para fazer uma leitura crítica dos textos. Os alunos anotaram o conteúdo da lousa para retomá-lo na aula seguinte, na qual seria feita a comparação entre o gênero reportagem e o gênero lírico.

Nas aulas seguintes, comparamos o texto Brasil dividido e o texto Emprego. Uma aluna comentou nunca ter visto o tema “desemprego” ser abordado em um poema. Citamos as diversas possibilidades de intercâmbio entre os gêneros. Conversamos sobre a possibilidade de a poesia abordar temas incomuns. Retornamos, então, ao poema Emprego. Para tanto, colocamos na lousa algumas questões às quais os alunos deveriam atentar-se:

Qual a ideia central do poema?

Quais marcas linguísticas revelam o posicionamento do eu lírico no poema?

Quais os recursos linguísticos presentes no gênero lírico que podem ser identificados no texto?

Quais as principais diferenças entre os textos Emprego e Brasil Dividido?

 

Os alunos fizeram uma leitura coletiva do poema. Ao final, pareciam comovidos e permaneceram em silêncio. Perguntamos o motivo do impacto que a leitura causou e por que a leitura do poema os comoveu mais que a leitura da reportagem. Uma aluna respondeu: “esse texto conta uma história triste, professora”. Partimos das impressões dos alunos para explicar as Funções da Linguagem abordadas por Jakobson (2007). Nesta aula, destacamos as marcas linguísticas do poema que refletem o uso das Funções, as quais causam diversos efeitos no leitor. Colocamos na lousa as seguintes informações:

Funções da Linguagem

Função emotiva: enfatiza o sentimento do emissor, ressaltando suas emoções.  Podemos encontrar no texto marcas linguísticas da 1ª pessoa do singular. Função presente em artigos de opinião. 

Função referencial: enfatiza o contexto em questão, destacando a informação. Podemos encontrar no texto marcas linguísticas de 1ª pessoa do plural. Essa função é predominantemente em textos jornalisticos que buscam transmitir informaçãoes.

Função poética: enfatiza o canal, ou seja, as características constitutivas da poesia. A poesia é o foco da mensagem.

Função metalinguística: enfatiza o código, ou seja, a linguagem utilizada para transmitir a mensagem.

Função conativa: enfatiza a manutenção do contato com o receptor.

 

e explicamos:

Essas funções podem coexistir em um único texto, mas, muitas vezes, uma delas é predominante. A comoção gerada durante a leitura do poema foi provocada pela presença de uma dessas funções: a emotiva. No caso do texto Brasil Dividido, houve predominância da função referencial, enquanto, no texto Emprego, destacam-se as funções poética e emotiva. [Reconstituição aproximada de um trecho da explicação da estagiária, com base em anotações sobre a regência].

 

Uma das alunas replicou, dizendo:

Poesia é difícil, mas é bonito professora. Algumas músicas parecem poesia. Muito bonito. Mas sobre desemprego eu nunca vi. [Reconstituição aproximada do comentário de uma aluna, com base em anotações sobre a regência].

 

Partimos, então, para as principais características da poesia, que já havia sido estudada em semestres anteriores. Os alunos citaram o ritmo, os versos e as figuras de linguagem. Como tarefa, em duplas, eles identificaram no texto Emprego as marcas linguísticas que justificavam o uso da função emotiva e da função poética. Inicialmente, tiveram dificuldade. Acompanhamos a atividade desenvolvida durante a aula, esclarecendo as dúvidas.

Nas duas aulas seguintes, retomamos as esferas de atividade antes de introduzir em nossos estudos o gênero charge com o texto Indicador de desemprego. Lembramos algumas características dos gêneros apresentados nas aulas anteriores por meio da memória didática. Tal recurso, além de útil para o ensino e a aprendizagem, é um meio de inclusão, pois retoma o que aconteceu nas aulas anteriores mantendo os alunos que não estiveram presentes informados sobre o assunto.

Colocamos na lousa duas listas com as características dos gêneros estudados anteriormente e uma terceira para ser complementada durante a aula. Discutimos a relevância da linguagem não-verbal para o gênero charge. Além disso, identificamos no texto o humor e a ironia que são características constitutivas do gênero. Em Indicador de desemprego, a personagem Mafalda relaciona o “dedo indicador” e o “indicador de desemprego”. Assim, constatamos que o desemprego pode ser tratado não apenas de maneira informativa/referencial.

Como tarefa, após descrevermos as características principais dos três gêneros, os alunos formaram duplas para reler os textos anteriores e discutir as características composicionais de cada gênero. Sugerimos que fizessem a seguinte atividade:

           Com base nos textos estudados e nas tabelas construídas, escrevam um breve comentário:

Quanto às características principais

Quanto à esfera de circulação

Quanto às funções da linguagem

Quanto ao tema

 

3.3  Avaliação das atividades produzidas pelos alunos

 

Na última fase do Projeto, os alunos responderam questões dissertativas. Selecionamos um trabalho produzido para fazer algumas considerações sobre os resultados obtidos durante a aplicação do Projeto. As questões 01 a 06 foram objetivas, logo, as respostas foram semelhantes. Optamos, então, pelas Questões 07 e 08, que foram opinativas e possibilitaram uma melhor avaliação sobre a compreensão do tema:

7. Escreva com suas palavras a ideia central de cada texto e descreva a relação existente entre elas.

8. Qual dos textos você mais gostou? A qual gênero ele pertence? Justifique sua escolha com base nos estudos sobre os gêneros textuais.

 

A questão 07 tinha como objetivo a análise, a leitura e a compreensão da ideia central do texto. Nosso objetivo foi alcançado, pois a maioria dos alunos fez interpretações adequadas.

Vejamos o que respondeu um dos alunos (Anexo VII):

Questão 7

R: A ideia central do texto Brasil dividido consiste na porcentagem de brasileiros que exercem algum tipo de atividade remunerada informal, seja por opção própria ou por opção de seus empregadores, e nas implicações disso para o país. No texto Emprego, o eu lírico “conta-nos” a trajetória de mais um “chefe de família” que sem uma fonte de renda e sem condições financeiras para cuidar da própria saúde chega ao fim de sua vida. O texto Indicador de desemprego satiriza a relação entre o índice indicador de desemprego e o gesto que é normalmente utilizado para demitir funcionários, também faz referência à demissão em grande quantidade.

 

Vejamos também a resposta à questão 08, apresentada a seguir:

Questão 8

R: Gostei mais do texto Brasil dividido, que se apresenta em gênero jornalístico. No texto, o autor descreve a situação de informalidade no trabalho, apresentando dados estatísticos, características de um texto jornalístico, que torna a descrição mais confiável e aborda diferentes razões que justificam essa informalidade assim como as implicações desta para o país, sendo assim um texto completo. [grifos destacados pela estagiária].

 

As duas últimas aulas foram reservadas para discutir a correção da atividade com os alunos. Entregamos os questionários nos quais foram feitos apontamentos referentes aos aspectos gramaticais e à compreensão dos gêneros. Fizemos um comentário geral sobre o que era esperado das respostas e selecionamos alguns trechos para corrigir coletivamente, sem identificar os estudantes.

Comentamos, por exemplo, a resposta da questão 08 citada. Explicamos que o uso da expressão “gênero jornalístico” é muito abrangente, pois pode referir-se a uma reportagem, a um artigo de opinião, a um editorial e cada um desses “tipos” de texto tem características próprias e funções específicas, como vimos na charge durante o estudo das esferas. Dessa forma, o mais adequado seria dizer que o texto Brasil dividido é representante do gênero reportagem e faz parte da esfera jornalística. Quando o aluno utilizou a expressão “descrição mais confiável”, mostrou ter compreendido a função dos argumentos presentes no texto.

Falamos, também, sobre a utilização da expressão “texto completo” na justificativa da escolha da reportagem para a resposta à Questão 08. Explicamos que tal expressão pode não ser adequada, já que, assim como a reportagem, os demais gêneros também são completos, cada um a sua maneira. Lembramos que todos os gêneros têm uma função social específica e que não há hierarquia entre eles. Esse foi o esclarecimento geral com o qual finalizamos nossos comentários, complementado que cabe ao leitor crítico compreender as funções dos gêneros para tornar a leitura mais aprofundada, tentando perceber os diversos níveis de linguagem, como o uso da norma culta e da língua coloquial, a relação entre a linguagem verbal e a não-verbal, a presença dos aspectos semânticos e os elementos de composição textual.

 

4  Abordando as funções sociais dos gêneros na sala de aula

 

No Projeto aplicado, tentamos relacionar os textos aos contextos sociais dos quais os alunos fazem parte. Os estudos bakhtinianos sobre os Gêneros do Discurso mostram o quanto tal atitude é complexa. Segundo o autor, os gêneros estabelecem uma interconexão entre a linguagem e a vida social. Em um dos Capítulos da obra Estética da Criação Verbal, Bakhtin afirma que os Gêneros do Discurso são tipos de enunciados “relativamente estáveis”, caracterizados por “conteúdo temático”, “construção composicional” e “estilo”. Vejamos sobre o que trata cada uma dessas características:

      Conteúdo temático: é o domínio de sentido de que se ocupa o gênero. No Projeto, utilizamos textos que abordam a discussão sobre o desemprego/emprego.

       Construção composicional: é o modo de organizar a estrutura do texto, considerando o tempo, o espaço e a relação de interlocução. A construção composicional também está relacionada à contextualização, logo, é a responsável pela função social que o texto exerce.   

      Ato estilístico: é a seleção de meios linguísticos, ou seja, abrange os estudos lexicais, gramaticais, norma padrão e linguagem coloquial, figuras de linguagem e de pensamento, entre outros aspectos.

 

No decorrer das aulas, tentamos mostrar aos alunos que cada gênero tem uma forma específica; que, na reportagem, os argumentos são utilizados para tornar o texto verídico e fundamentar o ponto de vista do autor, de maneira aparentemente imparcial enquanto, no poema, ocorre a descrição de um caso particular, utilizando recursos literários; já na charge, são utilizados, também, o humor e a ironia.

O estudo dos gêneros auxilia os alunos na leitura e na compreensão dos textos. Tentamos mostrar que, assim como a realidade é diversa e mutável, os gêneros são incontáveis e passíveis de mudança. Dessa forma, novos contextos sociais de comunicação implicarão o surgimento de novos gêneros.

Abordamos, também, o estudo das esferas de atividade de cada gênero, relacionando os textos às respectivas funções sociais que exercem na realidade dos alunos. Entender a diversidade dos gêneros é compreender as várias faces da realidade em que vivemos.  No caso da EJA, a relação entre a aprendizagem e a realidade é motivadora, pois os estudantes levam às salas de aula diferentes vivências, formando turmas com perfis heterogêneos.

O período de regência nos fez perceber a possibilidade de aplicação de inúmeras abordagens sobre os gêneros na sala de aula. Inicialmente, é necessário avaliar a turma e adequar os conceitos ao perfil dos alunos, selecionando a melhor forma de apresentar a circulação desses gêneros no contexto escolar, de maneira eficaz. O docente deve criar situações nas quais os alunos possam entrar em contato com os textos, conhecer as características destes e aprofundar o conhecimento sobre as funções sociais.

Dependendo do perfil da turma, o docente pode trabalhar com os gêneros escritos ou orais, primários ou secundários. Os gêneros primários são os mais próximos e espontâneos, relacionados ao contexto imediato. Já os gêneros secundários são mais abordados nas salas de aula por serem elaborados e exigirem contextualização e conhecimento prévio dos alunos.

Outra abordagem possível é o estudo de gêneros híbridos, comuns em provas de vestibular ou em anúncios publicitários. A seguir, temos o exemplo de uma imagem presente na obra Os melhores poemas de José Paulo Paes, seleção de Davi Arrigucci Jr., na qual a placa de trânsito teve seu sentido ampliado ao campo da literatura, possibilitando outras interpretações:

image002 

Fonte: http://acasadevidro.com/2010/06/21/o-pao-dividido-homenagem-a-jose-paulo-paes/, acessado em setembro de 2012.

 

No exemplo, a seguir, foram relacionados dois gêneros, uma receita e um poema:

image003

Fonte: http://temperodevo.blogspot.com.br/2013/03/imagine-que-loucura-ser-feliz-todos-os.html, acessado em setembro de 2012.

 

Em nossa sequência didática, optamos por trabalhar com a comparação entre gêneros distintos partindo de um eixo temático, e alcançamos bons resultados. Esta experiência com o estudo dos gêneros é um exemplo de inúmeras possibilidades de abordagem e adequação de um tema complexo às turmas da EJA. Para tanto, selecionamos como plano de fundo uma metodologia de ensino fundamentada na implantação de uma base (tema) comum, com o intuito de construir conhecimento coletivo. 

 

Considerações Finais

 

Finalizamos este artigo demonstrando grande admiração pelo trabalho docente. Durante a regência, pude conviver com profissionais que não inventam um modelo de aluno ideal, ao contrário, interagem com o aluno real, com suas deficiências e competências, como se este fosse uma rocha bruta a ser lapidada.

Observamos como as dificuldades são enfrentadas, diariamente, na escola pública, por professores que tentam transformar um contexto árido em um espaço fértil, reflexivo, utilizando gestos e instrumentos didáticos simples, que podem transformar a vida de muitos estudantes.

Acompanhamos a determinação e a vontade de aprender dos alunos da EJA e a coragem destes para retornar à sala de aula com o objetivo de enfrentar a defasagem do ensino e disputar um lugar melhor no espaço competitivo que é o mercado de trabalho. Durante algumas aulas, acrescentamos informações sobre os gêneros textuais, contribuindo para que aqueles estudantes pudessem construir seu percurso como leitores críticos e, consequentemente, buscando conquistar melhores oportunidades.

                A relação com o docente foi permeada por respeito e admiração. No período que estivemos juntos na sala de aula, vi que o professor é um profissional exemplar e incentivador. Nossa convivência fez-me compreender que, para lecionar, é preciso gostar da atividade docente e investir nela. Com a passagem do tempo, virá o acúmulo de experiências positivas.

Fui aluna da rede pública de ensino durante toda minha vida escolar e agradeço a oportunidade de poder voltar à sala de aula com um novo olhar: o de professora.
Ao finalizar este artigo, concluirei, também, mais um ciclo da minha vida acadêmica, a Licenciatura, sabendo que daquele lugar problemático e desacreditado sairão alguns alunos que poderão construir sua própria trajetória, alcançando resultados que pareciam inatingíveis.

 

Referências

ARIGUCCI Jr., D. Os melhores poemas de José Paulo Paes. p.129. São Paulo: Global, 1998.

BAKHTIN, M. M. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo. Martins Fontes: 2003.

FIORIN, J. L. Os gêneros do discurso. In: Introdução ao pensamento de Bakhtin.
São Paulo. Ática: 2006.

Linguagem em (Dis)curso / Universidade do Sul de Santa Catarina. v.1, nº1 Tubarão. Periódicos. Quadrimestral. ISSN 1518-7632. Santa Catarina. Ed. Unisul: 2000.

GOMES-SANTOS, S. N; ALMEIDA, P. S. Pergunta-respota: como o par dialógico constrói uma aula de alfabetização. RBLA, v.9, nº1, p.147, Belo Horizonte, 2009.

JAKOBSON, R. Linguística e Poética. In Linguísica e Comunicação. Traduzido por BLIKSTEIN, I. FFLCH/ECA – USP. São Paulo. Ed. Cultrix: 2003/2007.

MARCUSCHI, L. A. Atos de referenciação na interação face a face. In Cognição, Linguagem e Práticas Interacionais. p.104 a 123. Rio de Janeiro. Lucerna: 2007.

SCHNEUWLY, B. L’objet enseigné. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés em classe de français – Le travail de I’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordonnée relative. Rennes, FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Capítulo II – O trabalho docente. Tradução de Sandoval Nonato Gomes-Santos. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2011 [Uso restrito].

 

Sites

Escola Estadual Prof. Daniel Paulo Verano Pontes://www.eedanielveranopontes.net/parceiros/U3JXOgNyAzc=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VG4KYQZuVGA=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VGMDYg5vCTlaN1E7DzgAP1IgVjIGIQVmDDxRagpxADsHPAVzBmVVIg==!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&;">http://www.eedanielveranopontes.net/parceiros/U3JXOgNyAzc=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VG4KYQZuVGA=!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&/VGMDYg5vCTlaN1E7DzgAP1IgVjIGIQVmDDxRagpxADsHPAVzBmVVIg==!@0d220c096bc9c8ed80c4bf151ae19aa7!&

PCN + Ensino Médio – Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf

Apostilas do MEC para a EJA: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&;view=article&id=13536%3Amateriais-didaticos&catid=194%3Asecad-educacao-continuada&Itemid=913

Emprego e Trabalho. Coleção Cadernos de EJA. Caderno do Aluno. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/03_cd_al.pdf

 

Solange dos Santos Galvão

Bacharelado em Língua Portuguesa e Linguística (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, Brasil, 2012). Licenciatura em Língua Portuguesa (Faculdade de Educação/USP, 2012). Analista Sociocultural com experiência no desenvolvimento de cursos da área de Língua Portuguesa (Centro de Formação dos Servidores/Iamspe, 2013). Instrutora do Curso Dicas Úteis de Língua Portuguesa (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, 2013).

 

Anexos

Anexo I - Editorial Universidade para Todos, Caderno Opinião. In: Folha on-line, publicado em 03.09.2012, às 03h30min.

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1147413-editorial-universidades-para todos.shtml

 

Anexo II - Lista de Verbos aplicada pelo Professor de Língua Portuguesa.

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Anexo III - NETO, Pasquale Cipro. Paralímpico? Haja bobagem e submissão! In: Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, 06.07.2012.

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Anexo IV - FERRÉZ. Emprego. In: Revista Caros Amigos. Ano 6. Nº 71/2003.

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Anexo V - FERNANDES Jr., Ottoni Fernandes. Brasil dividido, In: Revista Desafios do Desenvolvimento. Ano 1. Nº 4/2004.

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Anexo VI - Quino. Indicador de desemprego. In: Emprego e Trabalho. Coleção Cadernos de EJA. Caderno do Aluno.  P. 6

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Anexo VII - Atividade produzida por um dos alunos, comentada no artigo.

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Anexo VIII - Questionário. Atividades aplicadas aos alunos.

Nome:_____________________________________Série:________________

Professor:_________________________________Disciplina:______________

ATIVIDADES: Abordagem temática sobre os gêneros textuais na EJA: comparação entre poema, reportagem e charge.

Gêneros Utilizados: Emprego, Brasil dividido e Indicador de Desemprego.

As questões serão feitas durante a aula, individualmente, e deverão ser entregues ao professor. 

1.Cada texto analisado nas aulas anteriores representa um gênero textual. Quais foram os gêneros abordados e quais as principais características de cada um deles?

2.Em qual esfera os textos foram veiculados? Comente a função social da esfera?

3.A linguagem não verbal faz parte da composição desses gêneros? Faça uma leitura das imagens, relacionando-as aos textos.

4.Os títulos são componentes dos gêneros textuais? Comente-os (incluir subtítulo e legenda).

5.Considerando os conceitos de Jakobson sobre as funções da linguagem, qual a função predominante em cada gênero estudado nas aulas anteriores? Justifique sua resposta.

6.Qual é o aspecto linguístico recorrente no poema Emprego? Qual efeito essa recorrência produz na leitura do texto?

7.Escreva com suas palavras a ideia central de cada texto e descreva a relação existente entre elas.

8.Qual dos textos você mais gostou? A qual gênero ele pertence? Justifique sua escolha com base no que estudamos sobre os gêneros textuais.

5ª e 6ª aulas:Para os estudos bakhtinianos, os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades: as escolares, as religiosas, as profissionais, as políticas, as pessoais, as midiáticas, as publicitárias, as digitais, entre outras. Para o autor, os enunciados não podem ser produzidos fora das esferas de ação, o que significa que os gêneros são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de cada esfera. Com base nessa reflexão, os alunos discutirão as possíveis intenções da esfera jornalística revista, destacando a função social desta e do jornal, além de mudanças que ocorreram nesses veículos midiáticos após o surgimento da Internet.

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