Terça, 30 Novembro 1999 00:00

A apropriação do discurso da prosa de denúncia e dos principais elementos da narrativa: enredo, narrador, personagem, espaço e tempo por alunos do terceiro ano do Ensino Médio

Escrito por 
Avalie este item
(0 votos)


Eli Pessoa do Nascimento

 

Resumo

A relação ensino-aprendizagem não deve pressupor apenas um retorno por parte do aluno. Transmitir algum conhecimento e perceber alguma evolução em seu processo de aprendizagem é uma ação importante, mas uma revisão por parte do professor de seu próprio método auxilia nessa construção. Para tanto, o gesto didático da regulação parece ser uma alternativa coerente quando se pretende observar o quanto o ensino, foi de fato, aproveitado, além de possibilitar repensar novas práticas de ensino, repará-las e adaptá-las quando necessário. Este artigo descreve uma abordagem sobre produções narrativas de alunos do terceiro ano do Ensino Médio que revelam sua apropriação do objeto ensinado por meio da avaliação, aponta suas dificuldades gerais em relação ao ensino e propicia uma reflexão sobre as práticas de ensino adotadas. O método utilizado, portanto, foi a observação das próprias produções realizadas por esses alunos, que mostraram como houve um retorno até certa medida coerente com o Projeto de Ensino programado.

 

Palavras-chave: Apropriação; Discurso; Narrativas; Práticas Didáticas.

 

Introdução

 

Este artigo tem por objetivo descrever como, a partir do Projeto de Ensino - Literatura: Escola literária sobre a segunda fase do Modernismo Brasileiro -, os alunos se apropriaram do discurso da prosa de denúncia, além dos principais elementos da narrativa, em suas produções.

Todavia, antes de avaliar o Projeto especificamente, será apresentado o contexto geral escolar e as práticas de ensino da professora com a qual fizemos o estágio; depois, as motivações e detalhes do Projeto didático; em seguida, uma avaliação breve de sua implementação e, por fim, levantaremos e observaremos os resultados.

 

1  O contexto escolar


1.2  A escola, o espaço físico e a linguagem no contexto escolar

 

O estágio foi realizado na Escola Estadual Antônio Manoel Alves de Lima, que fica na Região Sul, localizada em um bairro de periferia de São Paulo. O ensino abrange o Fundamental II, o Ensino Médio e o EJA. O entorno é constituído por casas bem estruturadas, mas, ao mesmo tempo, está próxima de habitações irregulares, ou seja, a comunidade tanto ao redor da escola quanto dentro dela é bastante heterogênea no que toca as condições sociais dos alunos: de um lado famílias mais favorecidas, economicamente, e, do outro, famílias de baixa renda.

A escola tem aproximadamente 2.200 alunos; total 52 séries divididas em três períodos: manhã, tarde e noite. A Instituição tem uma boa estrutura física: 23 salas de aulas, uma quadra esportiva, sala de vídeo, pátio amplo, uma cozinha, laboratório de informática e uma biblioteca; estes últimos desativados, respectivamente, por falta de equipamento e funcionário. Quanto à limpeza do local, os pátios, geralmente, estavam limpos, mas nas salas que frequentamos havia muitos papéis jogados no chão.

Observamos que a linguagem na escola parece bastante restrita. Nos corredores e pátio onde se concentram os alunos, há, basicamente, cartazes de empresas ou divulgação de cursos particulares. Na região mais próxima à diretoria, existem quadros que trazem as fotografias dos ex-diretores e, em outro, de vários alunos que já passaram pela escola o que, de certa maneira, faz emergir um ambiente mais afetivo. Nas salas, existe pouca divulgação dos trabalhos escolares; o que encontrei,  na maioria, foram paredes vazias, sem pichação, que traziam comunicados aos alunos sobre a proibição de se usar celular em sala de aula.

Na sala dos professores há divulgação de informações distribuída em um mural; existe desde o calendário escolar e a tabela de distribuição de aulas por professores até cartazes de inscrições de cursos oferecidos pelo governo, entre outros. Na mesa dos professores, sempre há revistas e jornais diários ou da semana.

 

2  O estágio e o trabalho docente

 

O estágio foi realizado com quatro turmas do Ensino Médio: duas do terceiro e duas do segundo, no horário da manhã.  Ateremos-nos apenas às duas turmas do 3º ano, com, em média, 30 alunos cada, pois o enfoque do estágio e a preparação de regência propõem a contemplação destas.

Considerando ser de fundamental importância a relação entre a professora e seus alunos e o papel que ela exerce no processo de ensino aprendizado é imprescindível descrevê-los. Nas duas salas que acompanhamos predomina o respeito e a tolerância. A indisciplina, tomado como parâmetro o fato da professora não conseguir lecionar, é quase nula. A professora mantém certa autoridade e controle sobre a organização da sala de aula, apesar de em certos momentos esta ser mais agitada. A docente demonstra personalidade e posturas flexíveis com os alunos, mas, ao mesmo tempo, é firme; não se mostra impositiva, porém, por meio do diálogo, consegue manter boa relação com eles.

Referente aos elementos que compõem o trabalho didático da professora, estes são, basicamente, de natureza textual e temática, todavia, com um grande foco para a literatura. Para dar um simples panorama do que foi trabalhado tomaremos como exemplo uma aula na qual a professora distribuiu em folhas de sulfite um conjunto de diversos tipos de textos relacionados à polêmica da redução da maioridade penal. Tais textos estavam divididos em: apresentação do tema - o texto informativo - e duas opiniões argumentativas - uma a favor e outra contra. Por último, existia um questionário formulado sobre os textos anteriores o qual também trabalhava a opinião do aluno.

Os instrumentos didáticos utilizados pela professora são de origens diversas: livros didáticos, paradidáticos, folhas de almaço, dicionário de português, cópias de textos e jornais e a própria apostila oferecida pelo Estado. A professora disse reconhecer que é necessário ter várias fontes de material de trabalho, pois isso estimula mais os alunos. Sendo assim, a utilização do giz e da lousa é pouco frequente.

A leitura em voz alta também é um dispositivo didático bastante utilizado para ensinar e, geralmente, é solicitada a participação do aluno de maneira facultativa. Com raras exceções, a professora indica a leitura para alunos específicos.  À medida que a leitura vai se desenvolvendo a docente vai intercalando-a com explicações ou perguntas diretas para que os alunos dialoguem e respondam o que entenderam a respeito do texto, ou seja, há uma apresentação do objeto por meio do par pergunta-resposta (GOMES-SANTOS, 2009).

Quanto aos gestos didáticos, é comum a professora iniciar a aula com a memória didática, chamando a atenção dos alunos para o que já foi dito na aula anterior e, posteriormente, transmitindo as novas orientações sobre o que será feito no dia; em seguida, distribui as tarefas (ou vai fazendo isso simultaneamente). Um exemplo de memória didática ocorreu quando a docente, para dar início à aula sobre o Modernismo da 2ª geração, relembrou alguns pontos relacionados à primeira geração e reforçou, especificamente, que ainda naquele período alguns escritores propunham que, dentro do movimento antropofágico, fosse simbolicamente devorada a outra cultura sem desvalorizar a brasileira. Como exemplo a professora comentou o fato de que a pizza é, tradicionalmente, da Itália, mas foi incorporada ao Brasil, podendo ser pizza baiana, mineira etc. Assim também é o que acontece com a língua, a qual incorpora termos estrangeiros, mas mantêm os originais, além de criar novos.

Ainda referente aos gestos didáticos, a professora costuma discutir com os alunos os textos em questão, apresentando os conceitos. No entanto, na maioria das vezes não é feita uma leitura prévia e, somente durante a tarefa, os alunos vão levantando as questões. É comum eles tirarem dúvidas referentes ao vocabulário, o que evidencia que estes, por sua vez, não têm e não utilizam dicionários próprios, mas sempre consultam a professora. Esta, embora muitas vezes disponha a resposta, em outros momentos empresta seu dicionário para que eles consultem; todavia, quando percebe que persiste a dúvida ou a incerteza procura exemplificar para facilitar a compreensão.

De maneira geral, os alunos são constantemente instigados a ler e a escrever textos, além de que, presenciamos a produção de diversos gêneros, entre eles, o argumentativo, o informativo. Ocorreu, também, a entrega das respostas de exercícios que giram em torno dos textos principais. Esses textos, conforme foi apontado, são produzidos com base nos livros didáticos dos alunos e no material paradidático do qual a professora tira cópia para distribuir nas aulas e, depois, os recolhe para utilizar em outra turma.

A regulação sempre é feita por meio da cobrança da entrega de trabalhos ou das respostas de questionários produzidos na própria sala de aula, os quais, na maioria das vezes, são realizados em duplas ou em grupos, valendo pontos para a nota final. A professora também faz a regulação por intermédio de provas as quais são bimestrais.


3 Sobre as motivações para a elaboração do Projeto de Ensino proposto


3.1  Motivações

 

Este estágio foi voltado às duas turmas do terceiro ano do Ensino Médio, fato que nos faz, inicialmente, pressupor que seu conteúdo discursivo é voltado, principalmente, para a preparação de provas como o Enem e/ou vestibular. Esse pressuposto é confirmado, em boa parte, na prática, já que foi trabalhado em uma das aulas questões do Enem e, em outra, o período modernista, o qual, aparentemente, de maneira casual, tinha conteúdo voltado diretamente para o vestibular, por exemplo, o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos - um dos livros indicados para leitura no vestibular de 2013. A professora também programou trabalhar com os alunos outro livro para a Fuvest: Capitães da Areia, de Jorge Amado. Por outro lado, é comum a professora trabalhar conteúdos que não abranjam esse pragmatismo. De uma pergunta geral que direcionamos para as turmas, verificamos que, a maioria dos alunos não vai prestar vestibular público, mas quase todos irão fazer a avaliação do Enem.

Assim, diante desse contexto, procuramos conversar com a professora para combinar algo que fosse útil e significativo para os alunos. Inicialmente, ela disse que estes precisavam de leitura e propôs que trabalhássemos algo com o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado, para relacionar tal obra ao filme que ela apresentaria. Todavia, mudou de opinião e sugeriu que fosse desenvolvido algo voltado à obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, mesmo esta já tendo sido abordada na aula sobre o Modernismo brasileiro. Dessa forma, contemplaríamos outros aspectos que não tivessem sido trabalhados e aprofundaríamos os já conhecidos.

Portanto, diante do quadro exposto, nosso Projeto de Ensino foi sobre Literatura: escola literária pertencente à segunda fase do Modernismo Brasileiro, tendo como base para o desenvolvimento de tal Projeto o livro Vidas Secas, incentivados pela professora. Além disso, consideramos que o livro é solicitado no vestibular da Fuvest.

Elaboramos o Projeto de maneira que abrangesse todos os alunos, privilegiando a compreensão do contexto da obra para facilitar seu entendimento; trabalhamos, principalmente, os conceitos relacionados aos elementos da narrativa, que são importantes para todos os enredos.

Quanto ao que foi comentado pela professora sobre a obra em questão, é importante especificar que foi utilizado o conteúdo pertencente à apostila do Estado, que caracterizava, principalmente, o Modernismo da Segunda Geração, enfatizando o conceito e quais as principais repercussões na prosa e na poesia. A obra Vidas Secas foi trabalhada rapidamente, destacando um trecho do livro e mostrando a questão regionalista que o autor queria denunciar: a seca e miséria no sertão nordestino.

Com a aplicação do Projeto, tentaremos levar o aluno a observar, por meio das leituras, de que maneira a prosa da Segunda Geração Modernista demonstra teor de denúncia e crítica social e, como esta pode refletir as idéias do autor.

 

3.2   Elaboração do Projeto de Ensino

 

Podemos dividi-lo em cinco fases ou blocos (cada um com duas aulas). Contudo, antes de apresentá-las detalhadamente com o fim de facilitar a compreensão destas, faremos um breve resumo de tais fases: a primeira fase é a contextualização histórica e literária, correspondente ao período do romance citado; a segunda fase é a apresentação e a descrição dos conceitos relacionados aos elementos da narrativa; a terceira fase estabelece relações entre os elementos da narrativa e as leituras selecionadas; a quarta fase consiste em relacionar algumas leituras do livro às possíveis ideias do autor; a quinta e última fase é a aplicação da regulação.

 

3.2.1   Primeira fase

 

A primeira fase - contextualização histórica e literária - pode ser subdividida em três partes: a explicação do contexto histórico-mundial, do contexto histórico brasileiro e do período literário. Para tanto, pretendemos utilizar como gesto didático a presentificação do objeto, que consiste em apresentar o objeto de ensino, ou seja, o tema: o estudo da escola literária pertencente à Segunda Fase do Modernismo Brasileiro. Como dispositivo didático, utilizaremos o par dialógico pergunta-resposta (GOMES-SANTOS, 2009) para intermediar alguns momentos da aula. Em relação aos instrumentos didáticos, serão utilizados o giz e lousa. As tarefas serão direcionadas à contextualização da obra literária no período histórico no qual esta estava inserida.

Para iniciar a aula, diremos que a obra estudada será o romance Vidas Secas, do autor Graciliano Ramos, frisando que o objetivo é aprofundar o conhecimento dos alunos sobre esta, os complementando, já que a obra havia sido comentada pela professora anteriormente.

Após a introdução, descreveremos na lousa e comentaremos, brevemente, a obra em questão. Primeiramente, escreveremos na lousa o nome da obra, o ano em que foi publicada e a década a que pertencia: década de 30 (1930 a 1939); posteriormente, perguntaremos sobre o assunto tratado no livro, citando o problema da seca, da miséria, da ignorância e explicando que a obra aborda, essencialmente, a narrativa sobre a vida de uma família de retirantes a qual procura melhores condições de vida.

No próximo momento, diremos aos alunos que, para facilitar a compreensão da obra, estudaremos antes o contexto histórico mundial no qual o livro foi escrito, especificamente, na década de 30. Antes de entrarmos na década citada, comentaremos dois acontecimentos importantes que antecederam tal período e o influenciaram: a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, e a crise da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Conduziremos os alunos a esta conclusão por si mesmos, elaborando perguntas direcionadas os encaminhado para tal objetivo.

Na primeira parte da primeira fase será abordado o período citado, novamente, utilizando o par dialógico pergunta-resposta para instigá-los a recordar características a respeito do tal período no cenário mundial: as ideologias nazistas e comunistas, além de o surgimento dos governos ditatoriais. À medida que surgirem as respostas, as descreveremos, em tópicos, na lousa, explicando-as. Alguns conceitos serão enfatizados: Hitler difundia, na década de 30, ideias nazistas e, nesse mesmo período, as ideias socialistas e comunistas fortificavam-se em oposição às ideias capitalistas; ao mesmo tempo, destacavam-se os movimentos políticos totalitários, os quais tentaram combater o comunismo - vale ressaltar que o autor Graciliano Ramos era comunista e que poderemos constatar tal fato em sua obra.

Quanto ao contexto histórico no Brasil - segunda parte - optamos por descrever e comentar três fatos da década de 30, sempre os topicalizando na lousa. Primeiro apontaremos que o poder político estava sendo controlado pelo presidente Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, por meio de um governo caracterizado como ditatorial e também como populista. Na sequência, explicaremos que, naquele momento, houve a expansão da indústria na região sudeste, fato que atraiu muitas pessoas de outros estados do norte e nordeste e imigrantes de outros países; como consequência desse crescimento das cidades, irromperam os problemas de habitação e de criminalidade.

Passando a terceira parte, que se resume em comentar a Segunda Geração da Escola literária Modernista Brasileira, por meio do par pergunta-resposta, pretendemos incentivar os alunos a lembrar as principais características do período na literatura: o regionalismo e a denúncia dos problemas sociais. Como prováveis perguntas para chegar a tais respostas, podemos citar os seguintes exemplos:

Questões elaboradas pela estagiária: Nesse período, os escritores estavam preocupados em falar de problemas bem localizados. Qual é o nome desse elemento ou característica? O que eles denunciam?  

 

Em seguida, diremos que um dos exemplos dessa literatura é o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, explicando que é uma obra a qual denuncia problemas sociais, como já ditos anteriormente e, além disso, apontam outros os quais serão estudados mais adiante.

Nessa fase, portanto, a contextualização geral será justificada para que o aluno possa ter uma visão abrangente a respeito do período em que foi inserida a obra. Com isso pretendemos facilitar a compreensão desta.

 

3.2.2   Segunda fase

 

A segunda fase consiste em aprofundar o objeto temático e conceituar os principais elementos de uma narrativa: o enredo, o narrador, os personagens, o tempo e o espaço. O gesto didático utilizado será um dispositivo que consiste em definir tais conceitos por meio da exposição oral e do diálogo fático; estes terão como propósito verificar se os estudantes estão entendendo o discurso. Os instrumentos didáticos continuam sendo o uso de giz e lousa.

O primeiro movimento será dizer aos alunos que estudaremos os principais elementos da narrativa: características que todos os romances apresentam. Comentaremos que, a partir do entendimento destas, fica mais fácil ler qualquer livro. Para essa aula escreveremos, na lousa, em ordem vertical, tais elementos; a partir de então, faremos, brevemente, a definição de cada uma, levantando, como exemplo, o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Crepúsculo, de Stephenie Mayer.

Explicaremos que o enredo existe em qualquer narrativa, pois são os fatos e os acontecimentos que vão se “desenrolando” durante a história; o enredo do romance de Graciliano aborda a história de uma família de retirantes - que é o sertanejo nordestino, o qual emigra fugindo da seca, procurando um lugar melhor para viver -; a narrativa de Mayer trata-se relata a vida de uma jovem que se apaixona por um vampiro e vive um amor proibido.

Quanto ao narrador, este pode aparecer em primeira ou terceira pessoa. O primeiro ocorre quando o narrador-personagem participa da história e, por isso, não sabe o que os outros pensam - como é no caso de Crepúsculo, história na qual a personagem protagonista, Bella, narra sua vida. A narrativa em terceira pessoa acontece quando alguém conta a história de alguns personagens, contudo, sem participar dela. O narrador pode ser onisciente quando sabe tudo o que acontece, inclusive, o que os personagens pensam, a exemplo do narrador que encontramos em Vidas Secas.

Os personagens são divididos entre principais e figurantes. Explicaremos que em toda narrativa existe um ou vários personagens. No caso da obra modernista, trata-se de uma família a qual descreveremos na lousa: Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos, que não têm nomes, portanto, são chamados “o menino maior” e o “menino menor” e a cachorra Baleira. A seguir, iremos contrapor esses personagens aos personagens principais de Crepúsculo, que são o Vampiro Edward Cullen, Bella Swan, Jacob Blac, entre outros.

O tempo pode ser cronológico e psicológico. Com relação ao tempo cronológico, as ações dos personagens ocorrem de acordo com a contagem deste, por exemplo, das horas, dos dias e dos anos, ou seja, há uma sequência cronológica. Quanto ao tempo psicológico, não se tem referências a esses marcadores temporais, pois a história pode ser contada a partir de fatos da memória do personagem e, por isso, o tempo não é controlado.

Por fim, explicaremos o espaço. No caso de Crepúsculo, a história acontece, principalmente, em uma escola localizada na pequena cidade, Forks, no Estado de Washington, enquanto, no livro Vidas Secas, o espaço é o sertão nordestino, marcado pela escassez de chuva.

 

3.2.3   Terceira fase

 

Na terceira fase, com mais duas aulas, estabeleceremos relações temáticas a partir de outros elementos semióticos. Apresentaremos os elementos da narrativa usando, como exemplo, diretamente as obras. O objetivo é observá-los, diretamente, em leituras previamente selecionadas de trechos do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos e “Crepúsculo” de Stephenie Mayer.

Os gestos didáticos utilizados serão, inicialmente, a memória didática, para recuperar o que foi ensinado na aula anterior, entre eles, os elementos da narrativa e a institucionalização, já que os livros serão exemplificados por meio da comparação entre trechos destes e, consequentemente, será utilizada como dispositivo didático a leitura compartilhada, com explicação prévia sobre a história de cada Capítulo a ser lido.

Como instrumentos didáticos, utilizaremos a lousa e o giz e, como subsidiária, a própria leitura e a comparação, distribuídas coletâneas1 em folha de sulfite, nas quais estarão dispostos quatro trechos: o primeiro Capítulo de Crepúsculo, intitulado À primeira vista e o Capítulo Mudança, de Vidas Secas. Utilizaremos mais dois trechos - um do segundo e outro do terceiro Capítulo da obra de Graciliano, os quais serão utilizados no bloco seguinte. Todavia, tais trechos foram selecionados para serem lidos nessa aula, porque exemplificam e complementam as categorias dos elementos da narrativa.

É importante, ainda, esclarecer que foi feita a opção pelo uso da coletânea pelo fato de sabermos que a maioria dos alunos não leu o livro, apesar da solicitação da professora e, também, por ser uma maneira mais prática, já que todos poderão acompanhar a leitura.

A escolha do livro de Stephenie Mayer justifica-se apenas por ser uma leitura muito recorrente entre os jovens e por ser uma aula praticamente voltada para esse público, a maioria entre 17 e 18 anos; é uma estratégia didática para manter um pouco mais a concentração da classe.

Para iniciar a aula, indagaremos aos discentes quais são os elementos da narrativa, que outrora já haviam sido estudados, os quais serão, novamente, dispostos na lousa na vertical. Depois a lousa será dividida em duas colunas, nas quais será colocado, de um lado, o nome do livro Crepúsculo e, de outro, Vidas Secas. As coletâneas serão distribuídas e explicaremos como os conceitos já estudados aparecem, na prática, nos textos.

Após essa distribuição, será solicitado que alguém leia o primeiro trecho, de Crepúsculo. Posteriormente, a aula será intermediada por perguntas para que possa ser preenchida, na lousa, cada categoria dos elementos a partir do texto: o narrador aparece em primeira pessoa; os personagens principais são Bella e Edward; o tempo é cronológico, o espaço é a Cidade de Forks - lugar frio e chuvoso. Da mesma maneira, trabalharemos com a obra Vidas Secas: o narrador aparece em primeira pessoa; os personagens são a família de Fabiano; parte do tempo é cronológico e parte é psicológico; o espaço é o sertão nordestino, quente e seco.

 

3.2.4   Quarta fase

 

A penúltima fase, com mais duas aulas, propõe a observação da visão crítica do autor por intermédio da obra, ou seja, como a prosa está voltada a denunciar os problemas socais. Característica própria dos prosadores da Segunda Geração Modernista Brasileira.

Os gestos didáticos utilizados serão, novamente, a institucionalização do saber.  Os dispositivos didáticos serão: exposição oral, leitura compartilhada e o uso do par pergunta-resposta. Esse último, baseado em perguntas prévias2, tem o objetivo de orientar a discussão, sem a necessidade de abordá-las integralmente.

Os instrumentos didáticos, por sua vez, são o giz, a lousa e a coletânea para que seja feita a leitura dos últimos dois trechos selecionados de Vidas Secas: Capítulo II “Fabiano” e Capítulo III “Cadeia”. A escolha de tais Capítulos justifica-s e à medida que podemos interpretar, em cada Capítulo, tanto a defesa de comunismo, que revela uma crítica ao capitalismo, quanto a insatisfação com o governo, por parte do autor Graciliano Ramos. Estas possíveis interpretações têm o objetivo de sensibilizar o aluno e encaminhá-lo a perceber de que maneira o autor pode transmitir valores por meio de um romance de denúncia.

Antes de iniciar a leitura, será explicado aos alunos que por meio dos trechos do livro de Graciliano Ramos podemos perceber as ideias do próprio autor. Com isso, pretendemos ressaltar que, além de a obra refletir os problemas da seca, detectamos, também, o comunismo; ideias que o autor defendia e que, inclusive, levou-o a ser preso em 1936, após criticar o governo.

Depois da breve explicação, pediremos que alguém leia o Capítulo II – “Fabiano” que retrata o momento em que o personagem tinha conseguido estabelecer-se em uma fazenda para trabalhar e refletia sobre sua condição de ser um homem ou não, concluindo que, na verdade, não o podia ser, pois era apenas um “cabra” ocupado em guardar as coisas dos outros. Destacaremos aos alunos que, no contexto da obra, somente quem tinha propriedades poderia ser considerado “um homem”. Antes de discutirmos as ideias presentes nesse Capítulo, perguntaremos se os alunos têm dúvidas referentes ao vocabulário e, sanadas tais dúvidas, faremos as perguntas prévias, topicalizando na lousa o que tal trecho denuncia.

Para dar continuidade, solicitaremos que outro aluno leia o Capítulo III – “Cadeia”, o qual retrata o personagem Fabiano sendo coagido, humilhado e oprimido pelo soldado - o que pode representar, justamente, a opressão do governo. Após a leitura o procedimento a ser seguido será o mesmo aplicado com relação à leitura do Capítulo anterior: sanar dúvidas sobre vocabulário e formular perguntas sobre o trecho, descrevendo na lousa as conclusões.

 

3.2.5   Quinta fase

 

Por fim, a última fase consiste em observar como o aluno apreende um romance de denúncia e os elementos da narrativa. O gesto didático utilizado será o da regulação; os instrumentos serão, mais uma vez, o giz, a lousa e, agora, a distribuição de tirinhas e quadrinhos cortados, além das folhas dos alunos, nas quais deverá constar a escrita da atividade solicitada.

Para a tarefa proposta, temos duas opções de atividades:

Proposta 1: criar uma história livre que contenha uma denúncia social.

Proposta 2: criar uma história a partir de pequenas tiras e quadrinhos com uma sequência de imagens.

 

Para tanto, explicaremos que, independentemente da opção escolhida, é imprescindível incorporar na narrativa os elementos estudados em sala: o enredo, o narrador, o personagem, o tempo e o espaço em que se passa a história. Para desenvolver essa atividade, a apresentação será feita pela ordem discursiva. A lousa será usada para descrever as seguintes orientações: mínimo de dez linhas, máximo três páginas.

 

4. Avaliação do Projeto de Ensino implementado

 

A implementação do Projeto Didático foi feita no decorrer de dez aulas, no terceiro ano do Ensino Médio: turma 3ºB. Diferentemente do Projeto inicial, que tinha sido planejado para a aplicação do conteúdo em blocos de duas aulas contínuas, alguns blocos foram realizados em duas aulas separadas, o que implicou na readaptação de alguns dispositivos didáticos, como o uso da memória didática para recuperar algo que já tinha sido falado na aula anterior.

Além disso, houve algumas imprevisibilidades que, de maneira geral, não interferiram ou afetaram a apresentação do Projeto, mas contribuíram para complementá-lo, como a participação da professora em alguns momentos, contribuindo com exemplos para a explicação e organizando a classe em alguns momentos, quando os alunos estavam muito agitados, ou quando tivemos que definir para os alunos mais alguns conceitos fora do programado inicialmente; por exemplo, tivemos que falar sobre o discurso direto, indireto e indireto livre devido a algumas dúvidas que surgiram na explicação dos elementos da narrativa.

Foi possível reforçar durante as aulas, principalmente, a ideia norteadora do objeto, que era conduzir o aluno a observar como a prosa modernista da Segunda Fase estava comprometida com uma literatura engajada. A leitura e a discussão dos textos selecionados de Vidas Secas também corroboraram nesse sentido.

A participação dos alunos ela foi bem ativa, sobretudo na primeira aula na qual a classe estava com um número de alunos bem reduzido; talvez isso tenha influenciado na desinibição de alguns deles. O dispositivo didático utilizado, o par pergunta-resposta, no primeiro bloco pareceu funcionar satisfatoriamente à medida que os alunos participavam das aulas respondendo sem muita hesitação os acontecimentos e fatos relacionados aos contextos históricos geral e brasileiro, demonstrando, por sua vez, um domínio relativo sobre o assunto por parte dos alunos.

Já na apresentação dos conceitos dos elementos da narrativa, que se deu na segunda fase, a participação dos alunos pareceu mais retraída. Ao interrogá-los sobre o fato de estarem ou não entendendo, em virtude de poucas respostas, pensamos em hipóteses imediatas como a falta de compreensão e/ou desinteresse pela aula; esta conduziu-nos, inclusive, a repetir e enfatizar exemplos de que cada um representava, sem recorrer diretamente à leitura dos textos.

Quanto às aulas que consistiram nas leituras dos trechos do livro Vidas Secas e Crepúsculo, os alunos voltaram a participar das aulas com mais intensidade, perguntando sobre o vocabulário desconhecido - o que já era previsto -, principalmente os mais específicos e incomuns, utilizados na obra de Graciliano Ramos como “cambaio”, “cuia”, “aió a tiracolo”, “obstinação” etc.

Referente aos instrumentos didáticos empregados em cada fase, estes desempenharam um papel importante em cada aula; a utilização do giz foi essencial para marcar e concretizar na lousa o que era exposto oralmente e servia para a própria ordem e explicação dos objetos.

A escolha da coletânea para a leitura também foi essencial na terceira e quarta fases, pois, como previsto, possibilitava que todos tivessem acesso ao material e pudessem se prontificar para leitura, resultando em uma maior compreensão do objeto de ensino. Todavia, quando observado em âmbito de leitura como tarefa, esse instrumento revelou algumas peculiaridades.

A escolha do livro Crepúsculo para ser confrontada com Vidas Secas, sem entrar no mérito de ser uma literatura menor ou maior, mas por ser algo atual, mostrou-se um instrumento importante para a adesão voluntária e a participação na leitura por alguns alunos que já o tinham lido; muitos não tinham lido a obra de Graciliano Ramos. De maneira geral, a leitura compartilhada foi realizada com êxito à medida que foram lidos todos os trechos selecionados e, depois, foram tiradas as dúvidas sobre cada vocábulo.

Quanto à fase da regulação, que consistiu em propormos duas opções de atividades - criar uma história que denunciasse algum problema social ou uma história livre, baseada em tirinhas, ambas baseadas na utilização dos elementos da narrativa - podemos dizer que tivemos um pouco de resistência no início.

Muitos alunos, sabendo que tal tarefa não “valia nota”, mostraram-se desinteressados em realizá-la. Para conseguir a adesão destes, foi necessário conversar diretamente com eles, explicando a proposta.

Apesar da resistência inicial, houve considerável engajamento por parte dos alunos e, consequentemente, muitas produções da atividade solicitada. Os resultados foram os mais variados: houve a produção tanto de histórias influenciadas pelas tiras quanto fictícias, que denunciavam algum problema social; encontramos até a produção de textos dissertativos.

Para concluir, as práticas didáticas foram passíveis de serem aplicadas e não sofreram muitas variações na implementação, o que possibilitou a transmissão do objeto basicamente como programado.


5  Uma reflexão sobre a apropriação do discurso da prosa de denúncia e dos principais elementos da narrativa: enredo, narrador, personagem, espaço e tempo por alunos do terceiro ano do Ensino Médio

 

5.1  Considerações Iniciais

 

Tomando como base a citação de Bernard Schneuwly “A regulação, baseada em critérios implícitos ou explícitos, contribui de maneira decisiva para a construção do objeto”, pretendemos, nesse quadro, refletir e avaliar a atividade final que os alunos do terceiro ano desenvolveram na fase da regulação, ou seja, as narrativas, para percebermos como foi constituído o aprendizado.

Antes de analisarmos, propriamente, o conteúdo da avaliação, é necessário descrever alguns resultados práticos iniciais e fazer algumas considerações.

Como apontamos anteriormente, a proposta de avaliação consistia em duas opções: fazer uma história com tema livre, com tom de denúncia ou fazer uma história seguindo uma sequência de tirinhas, que foi distribuído na aula. Como resultado, obteve-se no total 16 produções, quase todas realizadas na própria aula, com exceção de duas, que foram entregues depois. Do total desses 16 textos, quatro foram feitos em dupla. Dessas narrativas, no entanto, apenas oito foram classificadas como prosa de denúncia, levando em consideração, para essa classificação, principalmente, o teor crítico e o desenrolar de um acontecimento ou fato; sete textos não apresentaram denúncia e apenas um foi identificado como plenamente dissertativo.

Diante desse resultado, para facilitar a análise presente neste artigo, nossas observações versarão apenas sobre a proposta 1, ou seja, as oito históriasa sobre denúncia ou crítica social, com a finalidade de responder à reflexão proposta inicialmente, além de verificar como foi realizada a apropriação do discurso de denúncia nessas produções e a adaptação dos elementos da narrativa. Para essa análise, teremos como parâmetro o romance escrito por Graciliano Ramos Vidas Secas, que serviu, inclusive, como fio norteador dessa perspectiva. Assim, as narrativas da proposta 1 foram anexadas e as demais só serão utilizadas para efeito de comparação, visto que não atendem ao objetivo da reflexão inicial.

 

5.2  Análise dos textos

 

Quanto à análise das oito narrativas enquadradas como prosa de denúncia, os aspectos a serem refletidos são: a utilização do próprio discurso de denúncia; o grau de realismo, admitindo realismo como fatos que podem ser associados ao cotidiano; o emprego do diálogo na história, que pode ser considerado como referência aos dois trechos lidos em Vidas Secas; o tipo de narrador e os personagens escolhidos; além de outras considerações que forem pertinentes.

Podemos observar em relação ao primeiro aspecto que as narrativas com perspectiva de denúncia social contemplaram diversos temas: violência, desigualdade social, exploração pelo governo, repressão social com relação aos moradores de rua, denúncia sobre a precariedade do atendimento público em hospitais, o preconceito homofóbico e a injustiça social; sendo possível, ainda, outras leituras e interpretações.

As histórias desenvolvidas mostram diversos problemas sociais em forma de enredo; em algumas histórias, o título remete, diretamente, ao tema, como é o caso de uma narrativa intitulada “Violência Doméstica” (Anexo III), na qual o aluno inicia com um tom dissertativo - “Como a própria palavra já designa” - contando um fato o qual diz ter acontecido na vida real - “Irei contar um fato em que aconteceu na vida real”. Nessa história, o aluno descreve a personagem Antônia como uma mulher “guerreira e batalhadora”, que, devido a um mal entendido, acaba sendo espancada pelo marido bêbado - “Cláudio chega em casa já depois de tomado umas, entra no quarto daquele jeito, espancando fisicamente a Antônia”.

Em outro exemplo, “Os Impostos” (Anexo IV), podemos observar uma crítica aos altos impostos cobrados pelo governo. A história, contada em terceira pessoa, remete à vida do personagem Emílio, que, por não conseguir pagar os impostos de sua casa, acaba sendo despejado, tornando-se um mendigo.

No relato “Desigualdade Social” (Anexo II) o personagem Felipe, nordestino, que procurava melhores condições de vida em São Paulo, é vítima do desemprego e da corrupção que influenciam nas grandes diferenças entre ricos e pobres. Assim, ele também acaba tornando-se um morador de rua.

O tema “violência”, por sua vez, relata a história de vítimas fatais em duas histórias: “Video-Game” (Anexo VII), que apresenta o preconceito homofóbico, é um romance interrompido com uma bala letal; e “Volta fatal” (Anexo I), na qual uma discussão leva uma pessoa de “bom caráter” à morte.

O aspecto dessas histórias em relação ao grau de realismo que tinha em Vidas Secas pareceu ter sido contemplado, já que não percebemos alusões a um mundo fantástico. Para tanto, foi importante as referências espaciais a vários lugares: “Numa noite de lua cheia ia Carla, andando sozinha pela rua escura...” (Anexo VI), “... vivia em uma vila pobre” (Anexo VIII), “Sentei em um banco na praça” (Anexo V) e a história já citada, Violência doméstica, a qual relata que a agressão ocorreu em casa.

Outro aspecto que pode ser observado é o tipo de narrador adotado. O narrador em primeira pessoa só aparece uma vez enquanto o em terceira predomina. Diferentemente de Vidas Secas, o narrador não é onisciente. O mesmo ocorreu em relação ao diálogo caracterizado na obra, mas só abordado em duas histórias: Violência doméstica e
Video-game.

Nas histórias criadas pelos alunos, encontramos relações que podem ser estabelecidas entre os personagens destas e os personagens de Vidas Secas. Na história Desigualdade social, o personagem Felipe faz alusão ao personagem Fabiano, à medida que ambos são nordestinos, buscam melhorar de vida e são ignorantes. Porém, diferente de Fabiano, Felipe procurava melhores condições de vida em São Paulo, passando por dificuldades uma vez que é analfabeto, portanto, não encontra emprego: “Chegando em São Paulo, Felipe não conseguiu emprego, pois, não estudou, é analfabeto. Onde ele mora? Embaixo de um viaduto”.

Em outro momento, também ocorre, implicitamente, um grau de interferência do discurso da aula sobre a narrativa, na história presente no Anexo V, sem título. Nesta, está presente o problema dos moradores de rua, além de discutir a humilhação e a opressão sofrida por um homem que tem tatuagens e, por isso, é agredido pela polícia: “ele chutou a canela do rapaz que saiu mancando. Na realidade se trata de uma violência despropositada assim como a sofrida pelo personagem Fabiano, no Capítulo III – Cadeia, que, inclusive, foi abordada em sala de aula.


Considerações Finais

 

Diante do quadro exposto, percebemos que alguns alunos conseguiram apropriar-se do discurso de denúncia em seus textos de maneira adequada, utilizando diversos elementos da narrativa para apresentá-los. Em contraponto, ainda que o foco tenha sido o discurso literário, ao observarmos a linguagem e o estilo utilizados nessas produções, detectamos nas histórias muitos problemas de linguagem e da própria estrutura da narrativa. Há muitos erros ortográficos, de pontuação e acentuação. É comum, por exemplo, a repetição de vocabulário e, embora algumas histórias tenham sido mais bem elaboradas quanto à utilização da linguagem, o tom informal foi recorrente, por exemplo, quando escrevem “daí”, “até que então” etc.

Com relação à estrutura da narrativa, duas não foram nomeadas e outras duas foram intituladas “História”. Além disso, em algumas, há uma confusão de tempos verbais utilizados, presente e passado, ao descrever os acontecimentos; isso causa, muitas vezes, problemas de coesão e estranheza na leitura, apesar de não afetar o sentido geral, mostrando, além de uma falta de domínio dessa estrutura, pouca prática de leitura.


Conclusão

 

Concluímos que, apesar de os alunos demonstrarem ter conseguido apropriar-se do discurso da aula, focado na literatura, o Projeto de Ensino foi insuficiente para dar conta de aspectos mais específicos como a questão da linguagem escrita e da estrutura do próprio gênero narrativo. Esses problemas, contudo, não se reduzem apenas às produções da proposta 1, mas abrange todas as histórias elaboradas na fase da regulação, o que, por sua vez, apontou novos desafios dentro do citado Projeto.

O próprio método de regulação pode ser questionado uma vez que, ao propormos dois métodos de avaliação a proposta 2 não se enquadrava na perspectiva de análise e, por isso, foi desconsiderada.

De modo geral, os resultados da regulação permitem repensar e adequar novas possibilidades para que alguns problemas possam ser reparados e sanados, pois como justificou Bernard quanto aos obstáculos que encontram os alunos “[...] o professor deve reagir”.

 

Referências

CEREJA, R. C. W. R.; MAGALHÃES, C. M; Português: linguagens. Volume único: Ensino Médio. 1ªed. São Paulo: Atual Editora, 2003.

LEITE, L. C. M. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). São Paulo: Ática, 1985. Série Princípios. (p.25-70).

RAMOS, G. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 1973.

SCHNEWLY, B. L’objet enseigné. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Des objets enseignés em classe de français – Le travail de I’enseignant sur la rédaction de texts argumentatifs et sur la subordannée realtive. Rennes. Tradução GOMES-SANTOS, S. N. FR: Presses Universitaires de Rennes, 2009, p.29-43. Tradução GOMES-SANTOS, S.N. Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo, 2011.

 

Eli Pessoa do Nascimento

Graduanda em Letras cursando Bacharelado e Licenciatura em Português/Espanhol pela Universidade de São Paulo (USP, 2013). 

 

Anexos


Anexo A - Coletânea

Crepúsculo - Capítulo “À primeira vista”

Minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas abaixadas. Estava fazendo 24°C em Phoenix, o céu estava um azul perfeito e sem nuvens. Estava vestindo minha camiseta preferida: sem mangas, de renda furadinha. Usava-a como um gesto de despedida. Minha bagagem de mão era um parka. Na Península Olímpica, no noroeste do estado de Washington, nos Estados Unidos, existe uma cidadezinha chamada Forks que está quase que constantemente coberta por nuvens. Nessa cidade desimportante chove mais do que em qualquer outro lugar do país. Foi dessa cidade e da sua sombra depressiva e onipresente que minha mãe fugiu comigo quando eu tinha só alguns meses de vida. Era nessa cidade que eu era obrigada a passar todos os verões até completar 14 anos. Aquele foi o ano em que bati o pé. Então, nos últimos três verões, meu pai, Charlie, passou duas semanas de férias comigo na Califórnia.

Agora era em Forks que ia me exilar, algo que fiz com muito custo. Eu detestava Forks.

Eu amava Phoenix. Amava o sol e o calor escaldante. Amava a cidade vigorosa e grande. — Bella — minha mãe me disse - pela milésima vez - antes de eu entrar no avião. — Você não precisa fazer isso.

 

Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Capítulo I – Mudança

NA PLANÍCIE avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.

- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.

A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.

O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.

- Anda, excomungado.

O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e aobstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.

 

Capítulo II – Fabiano

Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

 

Capítulo III – Cadeia

Atravessaram a bodega, a corredor, desembocaram numa sala onde vários tipos jogavam cartas em cima de uma esteira

- Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem gente. Os jogadores apertaram-se, os dois homens sentaram-se, o soldado amarelo pegou o baralho. Mas com tanta infelicidade que em pouco tempo se enrascou. Fabiano encalacrou-se também. Sinhá Vitória ia danar-se, e com razão.

- Bem feito. Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo. - Espera aí, paisano, gritou o amarelo.

Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou. Foi pedir a seu Inácio os troços que ele havia guardado, vestiu o gibão, passou as correias dos alforjes no ombro, ganhou a rua

- Vossemecê não tem direito de provocar os que estão quietos.

- Desafasta, bradou o polícia. E insultou Fabiano, porque ele tinha deixado a bodega sem se despedir.

- Lorota, gaguejou o matuto. Eu tenho culpa de vossemecê esbagaçar os seus possuídos no jogo?

Engasgou-se. A autoridade rondou por ali um instante, desejosa de puxar questão. Não achando pretexto, avizinhou-se e plantou o salto da reiúna em cima da alpercata do vaqueiro.

- Isso não se faz, moço, protestou Fabiano. Estou quieto. Veja que mole e quente é pé de gente.

O outro continuou a pisar com força. Fabiano impacientou-se e xingou a mãe dele. Aí o amarelo apitou, e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava o jatobá.

- Toca pra frente, berrou o cabo.


Anexo B - Perguntas Prévias sobre a leitura de alguns trechos de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Resumindo os dois Capítulos: A obra denuncia ou não denuncia um problema social? Quais são eles: O do latifundiário e o da opressão policial, o problema da autoridade, a violência.


Capítulo II - Fabiano

Fabiano estava feliz?

         Eles viviam bem?

         A casa era dele ou dos outros?

         Ele se achava um homem? Por que?

Qual era a função dele?

O que deixa subtendido e leitura? Pra ser homem precisa ter sua própria terra.

O que ele denuncia? Denuncia o problema do latifundiarismo. O fazendeiro tem muitas terras, enquanto a maioria não tem nada. De maneira sutil defendo o comunismo.

 

Capítulo III - Cadeia

Eles vão jogar e se sentam em uma mesa. Qual é a atitude do soldado? Ele é agressivo, grosso e ignorante.Porque ele resolve sair?

O policial vai atrás dele e o empurra. Fabiano faz alguma coisa? O que ele diz?

O soldado amarelo fica contente com a resposta dele? Ele procura encontrar uma maneira de provocá-lo. Qual é esta maneira? É certo o que ele faz?

E Fabiano cai na provocação? O que acontece com ele? Ele é humilhado.

O autor neste trecho está denunciando um problema. Qual é este problema?

A questão da excessiva autoridade.

O soldado também pode ser interpretado como o governo que só serve para bater e humilhar.


Anexo I - Produção dos alunos - A volta fatal

image001

Anexo II - Produção dos alunos - Desigualdade Social

image002

Anexo III - Produção dos alunos - Violência Doméstica

image003

Anexo IV - Produção dos alunos - Os impostos

image004

Anexo V - Produção dos alunos - sem título

image005

Anexo VI - Produção dos alunos – História

image006

Anexo VI - Continuação

image007

Anexo VII - Produção dos alunos - Video-game

image008

Anexo VII - continuação

image009

Anexo VIII - Produção dos alunos - História

image010

Anexo VIII - Continuação

image011



1 Anexo A - Coletânea elaborada.

2 Anexo B - Lista com perguntas específicas para a aula em questão.

a As narrativas estão anexas para consulta.

Ler 23379 vezes Última modificação em Sábado, 23 Novembro 2013 01:08

Deixe um comentário

Verifique se você digitou as informações (*) requerido onde indicado.
Basic código HTML é permitido.