Terça, 30 Novembro 1999 00:00

Enquadrando o Saber: a literatura nas páginas das HQs

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Beatriz Brito Carneiro

 

Resumo

O presente artigo apresenta os resultados da implementação de uma sequência didática aos alunos do 2º ano do Ensino Médio. Durante a regência foi aplicado um Projeto de regência baseado na relação costruída entre a Literatura, representada pelo conto “A Cartomante”, de Machado de Assis, e o Gênero HQ, com o objetivo de mostrar aos alunos como tal gênero pode ser represtativo no processo de ensino-aprendizagem.

 

Palavras-chave: Contos; Ensino Médio; Gênero HQs; Sequência Didática.

 

Introdução

 

          Este artigo tem o objetivo de analisar os modos pelos quais a conjunção de múltiplos meios de ensino pode auxiliar uma aula de literatura e proporcionar uma experiência mais diversificada e abrangente aos alunos. Para tanto, escolhemos as Histórias em Quadrinhos (HQs) como instrumento principal para o estudo do conto “A Cartomante”, de Machado de Assis, em uma turma do 2º ano do Ensino Médio.

Selecionamos como objeto de estudo as relações existentes entre a arte sequencial da HQ, a adaptação do conto nesse formato e o próprio conto escrito, de modo a entendermos como os elementos deste último podem ser apreendidos, desenvolvidos e reconstruídos em um tipo de mídia tão diverso como as histórias em quadrinhos.

É de extrema importância salientar que o uso de HQs baseadas em obras literárias não deve ter a intenção de substituir a leitura do livro original. Por mais que a introdução dessa vertente tenha a possibilidade de atrair a pronta atenção de jovens leitores, ela deve ser capaz tanto de provocar o interesse do leitor pelo enredo e pelas características da obra original quanto de fazer com que tal leitor estabeleça comparações e contrastes entre o original e as soluções propostas pela HQ. Esse movimento deve ser conduzido pelo professor, disponibilizando ferramentas para leitura e pontuando argumentos necessários à análise do processo.

Para ilustrar esse projeto com maior consistência, são descritas, na primeira parte desse artigo, as características da linguagem no ambiente escolar no qual ocorreu o estágio, em relação ao espaço físico, à documentação e à interação entre os grupos da instituição de ensino.

Na segunda seção, são analisadas as práticas de ensino observadas em sala de aula, para que, na terceira parte, estudemos a implementação do gênero HQ nas aulas de literatura do Ensino Médio.

 

1  Sobre o contexto escolar

 

1.1   A escola

 

              O Estágio de Metodologia do Ensino do Português II foi realizado em uma escola pública da zona sul de São Paulo, no bairro de Santo Amaro. A escola oferece aulas apenas para o Ensino Médio.

A escolha dessa escola foi motivada, principalmente, por termos concluído os dois últimos anos do Ensino Médio nessa instituição, em 2003 e 2004 e, também, por termos sido muito bem recebidos durante a realização do estágio de Metodologia do Ensino do Português I, no semestre anterior.  Assistimos às aulas de uma professora de português que trabalha há anos nessa escola. Em 2003, ela foi nossa professora de português na instituição, durante o 2º ano do Ensino Médio. As aulas acompanhadas durante o estágio são de duas turmas do 2º ano: o 2ºM e o 2ºN. Com exceção deles, todas as outras turmas do período vespertino são do 1º ano.

Os alunos têm, em média, entre dezesseis e dezessete anos e, no geral, participam das atividades propostas. Nota-se que eles são bem menos agitados que os alunos do 1º ano (série que acompanhamos no estágio de MELP I), e o comportamento dos discentes varia entre a quase total apatia adolescente e o engajamento participativo nas aulas.

A sala na qual assistimos às aulas de português é espaçosa, como todas as salas da escola, mas não está entre as maiores. Mesmo tendo aulas de português em sistema de salas ambiente, estas duas turmas não possuem uma sala fixa. Os alunos trabalham na sala 3 às segundas e quintas-feiras, enquanto, às sextas-feiras, devem subir longas escadas que levam ao 2º andar para assistir aulas na sala 12. Como consequência, a professora precisa carregar uma pilha de livros para cerca de 30 alunos de uma sala para outra, já que todo o material fica guardado somente no andar inferior da escola.

Cada uma das salas é composta por uma lousa grande e um armário alto e cinza. Uma das paredes tem grandes janelas gradeadas cujos batentes ficam cheios de papeis de bala e folhas amassadas, arremessados pelos alunos. As cortinas são brancas, um tanto quanto encardidas e não suficientes para tampar a luz forte do sol da tarde. Bem iluminadas pela luz natural, as salas também contam com muitas lâmpadas e dois ventiladores de teto. Apesar de a toda a escola ser pintada de azul e branco, as paredes das salas de aula estão decoradas com um tom claro de bege do meio da parede para baixo e de branco na parte superior. As cadeiras e mesas brancas com detalhes em verde estão organizadas em cinco fileiras com uma média de oito carteiras cada. O tamanho da mesa da professora equivale ao tamanho de duas mesas de alunos e fica no canto esquerdo da sala, perto da lousa.

Normalmente, ao término das aulas, a professora pede que os alunos não saiam sem antes organizarem as carteiras. Isso é necessário não só para efeito de arrumação geral da sala, mas porque é comum a docente fazer atividades as quais exigem que as carteiras estejam agrupadas em grupos ou em duplas.

 

1.2  A linguagem no contexto escolar


1.2.1  No espaço físico

 

Como foi dito anteriormente, o sistema de salas da escola é ambiente, no qual o professor mantém-se na mesma sala durante todo o período e são os alunos que devem locomover-se pela escola na troca de aulas. Desse modo, é de se esperar que a sala contenha elementos que remetam à matéria a qual será estudada no respectivo ambiente. De acordo com o Dicionário Interativo da Educação Brasileira[1], da Agência Educa Brasil, as salas ambiente têm o objetivo de provocar a interação dos alunos com os recursos e materiais pedagógicos disponibilizados, para ampliar suas relações com o que aprendem na escola. Ademais, os materiais expostos na sala devem contribuir para ilustrar e enriquecer o conhecimento.  No entanto, não há materiais e trabalhos expostos nas salas usadas pela professora, uma vez que até mesmo ela tem que trocar de local semanalmente. Seria complicado expor trabalhos em uma sala e dar aulas em outra.

Há, de fato, textos distribuídos em murais, mas não nas salas de aulas. Grande parte desses textos visa oferecer aos alunos a maior quantidade de informações que a escola julga ser interessante para eles, além de avisá-los sobre o que devem ou não fazer no ambiente escolar. Tais avisos ficam principalmente no pátio e são de vários tipos, formas, assuntos e tamanhos.

Além de cartazes informativos, com detalhes sobre os horários de aulas, e um aviso pedindo que os alunos passem o intervalo somente no pátio, vimos outros cartazes interessantes. Estes trazem oportunidades de estágio em empresas, vagas em escolas técnicas e um cartaz sobre a Universidade de São Paulo, destacando que esta também (e principalmente) oferece acesso aos alunos de escolas públicas e que eles devem buscar mais informações sobre os programas de inclusão da universidade.

É comum que haja também cartazes comprometidos em estabelecer uma ponte de comunicação entre os professores, a direção e os alunos. Desse modo, observamos uma folha que lista os horários das aulas de educação física, no período noturno, com o nome dos professores responsáveis e as respectivas turmas.

De todos os cartazes, os que mais chamaram a atenção foram duas pequenas folhas de sulfite penduradas lado a lado, em um mural perto da lanchonete da escola. Nelas, havia duas fotos muito antigas da escola nas quais vemos alunos posando para a tradicional fotografia escolar. É uma turma somente de meninas e outra somente de meninos. As fotos são de 1957 e mostram alunos que devem estar com, aproximadamente, 70 anos de idade. Tais imagens nos fez refletir sobre como os tempos mudaram nos últimos 50 anos.

Por fim, há três cartazes que tomam grande parte da última seção do mural, os quais apresentam os horários das aulas de todas as turmas dos primeiros, segundos e terceiros anos, nos três períodos.

Na sala de espera que antecede a direção e na sala dos professores, encontramos quadros com as fotos das turmas de formandos de 2006, 2008 e 2009; do outro lado, temos uma profusão de trabalhos de alunos. Esses trabalhos, feitos em cartolina, imitam vitrais coloridos produzidos com papel celofane. A cada semana, há uma exposição dos melhores trabalhos de determinada matéria.

Encontramos muitas práticas de letramento na sala dos professores. Estas, no entanto, são raramente vistas pelos alunos. Os murais estão cobertos por cartazes, avisos, horários, cartões de serviços e, nas mesas da sala, há revistas, materiais e folhetos.

 

1.2.2  Na documentação e na interação escolar

 

O Plano de Gestão 2007 da instituição prevê que os alunos possam desenvolver suas habilidades de expressão por meio das atividades realizadas em sala de aula. Por serem alunos de Ensino Médio, prestes a entrarem no mercado de trabalho e a utilizarem o aprendizado no mundo exterior, é exigido um foco especial no desenvolvimento da capacidade de comunicação e expressão destes, tornando-os indivíduos mais independentes e cientes de sua responsabilidade na sociedade.

Sabemos, porém, que o desenvolvimento de habilidades de comunicação e expressão não ocorre somente no contexto da sala de aula, por ocasião de uma dada atividade. A interação entre os alunos é profícua em várias instâncias, uma vez que a escola configura-se, muitas vezes, como o palco principal da vida social dos alunos. Eles conversam bastante, escutam música no celular, leem livros (os previstos pela matéria e outros de sua escolha), jogam cartas no intervalo, fazem desenhos em portfólios, frequentam a biblioteca, praticam esportes na quadra, entre outras atividades. As turmas acompanhadas, no entanto, apresentam algumas diferenças no que se refere ao uso da linguagem na interação - o 2ºN é uma sala um pouco mais participativa, a qual gosta de fazer conhecer sua opinião sobre os assuntos discutidos em sala de aula. O 2ºM, por sua vez, é uma turma mais apática e, às vezes, quase não se nota conversa na sala.

Além dos textos circulando nos murais, também há as atividades de leitura e escrita praticadas durante as aulas. A professora promove várias oportunidades para que os alunos participem das aulas por meio de debates, exposições orais e, até mesmo, recitais de poemas. Em algumas aulas, eles debateram a situação de jovens durante gravidez na adolescência e também declamaram o poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Naquele momento, lembramos com certa nostalgia de quando, em nossa época, fomos incumbidos de recitar uma das estrofes: 

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi. ●

 

2 Trabalho docente e Projeto Didático

 

2.1  O estágio e o trabalho docente

 

Embora o estágio de Metodologia do Ensino de Português II tenha sido realizado na mesma instituição escolar que o estágio anterior, preferimos acompanhar professora e turmas diferentes, de modo a ter uma experiência mais variada do contexto escolar. Para tanto, acompanhamos uma professora que leciona apenas para os segundos anos do Ensino Médio, no período vespertino. A observação das aulas foi feita às segundas e às sextas-feiras, com o 2ºM e o 2ºN. O 2ºN tem aulas duplas nos citados dias, enquanto o 2ºM tem uma aula na segunda e duas na sexta. Isso tornou possível o acompanhamento de boa parte das sequências didáticas implementadas pela professora em sala de aula. Quaisquer lacunas sobre o conteúdo e práticas eram preenchidas tanto por depoimentos da docente (antes de começar cada aula, ela costumava informar-nos o que pretendia ensinar aos alunos naquele dia, além de dar detalhes sobre aulas passadas) quanto pelos comentários da turma, relembrando o que foi feito em outros dias.

Esse diálogo que conseguimos estabelecer com a docente foi, deveras, importante para a realização do estágio e a criação do Projeto a ser implementado. A professora costumava aceitar opiniões e discutir sobre quais métodos deveria aplicar e como abordar certo conteúdo. Mesmo na fase de observação, aceitou que participássemos de algumas aulas, dando-nos a oportunidade de expressar opiniões e discutir ideias relevantes com os alunos em aulas de debate, por exemplo. Isso foi essencial para o estreitamento das nossas relações, facilitando a implementação do Projeto.

No que se refere às contribuições para o andamento da aula, sugerimos que a professora trabalhasse a obra “Iracema”, de José de Alencar, com a ajuda visual de uma edição em quadrinhos do mesmo romance. Pensando nos desdobramentos que tal atividade poderia ter em nosso próprio Projeto de regência - que também aborda HQs - tivemos a chance de ver a reação dos alunos a esse tipo de material e a familiaridade que tinham com o gênero.

As turmas do segundo ano eram bem tranquilas e não apresentavam casos graves de mau comportamento. Quando bem direcionados, demonstravam bons resultados nas atividades propostas pela professora. Esta, por sua vez, variava a metodologia das aulas, aplicando os conteúdos de diversas maneiras: textos, vídeos, jogos, recitação, entre outros.

Em algumas aulas, a docente, previamente, arrumava as carteiras em grupos de quatro ou cinco alunos ou as organizava em fileiras de duplas; quando os alunos entravam na sala, percebiam que fariam alguma atividade diferente naquele dia. Alguns pareciam gostar da nova organização, outros reclamavam por estarem “mais uma vez” saindo da configuração tradicional, na qual ficavam sentados em fileiras, copiando a matéria. A maneira pela qual os gestos da professora eram realizados em sala de aula será detalhada no item a seguir.

 

2.1.1  Os objetos de ensino

 

Era notório perceber que o objeto de ensino o qual subsidiava o Projeto Didático Global das aulas de português era o discursivo. De fato, desde o começo do estágio, os alunos estudaram aspectos da Literatura Brasileira e Portuguesa, cobrindo as escolas romântica, realista, naturalista, parnasiana e simbolista. As sequências didáticas realizadas pela professora circunscreviam os aspectos literários em praticamente todas as aulas. Não observamos nenhuma aula na qual o foco principal estivesse em algum aspecto gramatical ou ortográfico da língua, por exemplo. Assim, mesmo ainda estando no segundo ano, a professora tinha a preocupação de expor os alunos a maior quantidade de obras literárias possível, principalmente, àquelas exigidas nos vestibulares de universidades como a USP e a UNICAMP.

Nas primeiras semanas do estágio, os alunos estavam aprendendo os aspectos do Romantismo. A professora criou relações entre a obra “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, e o enredo de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, que foi explicitado por meio de uma adaptação cinematográfica da obra, do diretor Baz Luhrmann, com os atores Leonardo DiCaprio e Claire Danes. Posteriormente, os alunos assistiram ao filme, “Juno”, de Jason Reitman, sobre gravidez na adolescência, que serviu para iniciar a discussão sobre a composição das obras românticas e fazer com que os alunos refletissem sobre as características do Romantismo no romance português e sobre como o ideário de amor romântico poderia ser contrastado e comparado com as peças cinematográficas. Além disso, houve um produtivo debate sobre responsabilidade, adolescência e gravidez precoce em sala de aula; os alunos tiveram a oportunidade de expressar opiniões sobre o assunto e discutir os diversos pontos de vista.

Para estudar a fase indianista do Romantismo brasileiro, houve a organização de um recital do poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Os alunos ensaiaram, entre descompassos e risadas, a declamação do poema, em grupos de meninas e meninos. Infelizmente, tais ensaios não saíram das paredes da sala de aula; eles não mostraram a atividade para o resto da escola, como a professora havia pensado em fazer inicialmente.

Com o intuito de abordar todas as obras importantes do Romantismo brasileiro e português, a professora fazia com que os alunos copiassem nos cadernos os resumos dos livros os quais não teriam tempo de conhecer e analisar profundamente em sala de aula. Os discentes ficavam em duplas copiando os resumos de um livro didático; os que concluíam a atividade recebiam visto no caderno.

Entre as leituras, as cópias e os filmes assistidos, os alunos tinham que responder algumas questões sobre a escola literária a qual estavam estudando e apresentá-las a professora, no caderno.

 

2.1.2  Os gestos didáticos

 

A professora promovia diversas atividades para variar o aprendizado das obras literárias. Para tanto, havia a leitura de alguns trechos, a transmissão de filmes e a posterior produção de relatórios e de discussões em sala de aula. É interessante notar, no entanto, que a maneira pela qual as aulas eram dadas variava de um modo mais inovador, por exemplo, a realização de jogos no estilo de perguntas e respostas sobre a matéria; também aplicava o método mais tradicional - cópia de resumos do livro diretamente para o caderno.

A presentificação da matéria era bem explícita, uma vez que a professora sempre colocava, no canto da lousa, todos os pontos que seriam analisados na aula do dia, além de comunicá-los oralmente sobre as atividades propostas.

Os gestos didáticos utilizados pela docente apresentavam caráter multimodal e diversificado, algo que auxiliava os alunos a entenderam a matéria por meio de diferentes meios: o livro, a imagem e o som.  A obra “Iracema” foi apresentada aos alunos, primeiramente, em forma de quadrinhos, para que estes tivessem a imagem como auxílio para a compreensão do enredo.

A leitura da obra em sala de aula foi feita por meio de áudio, em que os alunos ouviam a estória e depois discutiam seus pontos principais. Esse movimento foi essencial para a elementarização do conteúdo, descrita por Schneuwly (2000) como “a evidenciação das dimensões essenciais do objeto, que fazem dele um objeto de estudo, guiando a construção mesma da aprendizagem”.[2]

Além disso, havia forte institucionalização do conteúdo, já que tudo que os alunos aprendiam seria cobrado no Provão realizado bimestralmente. A regulação ocorria por meio de constantes vistos, das provas específicas da disciplina, das correções e dos elogios feitos em sala de aula. Existiam, também, momentos de explicação direta, nos quais a professora explicava a matéria e as características das obras para os alunos, como em uma palestra; nessas aulas, havia pouca discussão e alguns alunos pareciam apáticos e desanimados.

 

2.1.3  Os instrumentos didáticos

 

As aulas eram equipadas com giz e lousa, além dos livros didáticos que os alunos utilizavam para copiar a matéria. Além disso, a professora, frequentemente, utilizava a sala de projeção para a transmissão de filmes, de som e mostrar figuras que ilustram as obras ensinadas.

Para os instrumentos didáticos de caráter discursivo, havia a explicação oral, a discussão em forma de debate, em algumas aulas, a leitura de textos e o par pergunta-resposta, abordado por Gomes-Santos (2009). Este último só era realizado com eficiência quando a professora prometia recompensar os alunos com pontos de participação.

 

2.1.4  As tarefas

 

As tarefas eram numerosas e variadas nas aulas de português. Quando introduzido um novo tópico, os alunos deviam responder um conjunto de perguntas a respeito deste, que eram “vistadas” no caderno. Havia a cópia de textos diretamente dos livros, a produção de relatórios dos filmes, pesquisas sobre livros que não foram profundamente estudados em sala de aula, recitais de poemas, debates, entre outros.


2.2  O Projeto Didático “A Literatura nas páginas das HQs”

 

A escolha do trabalho com HQs foi motivada pela vontade de tornar as aulas de Língua Portuguesa mais atrativas para os alunos, acessando uma área de suas vidas - as histórias em quadrinhos - que poderia ser interessante e útil para o aprendizado de literatura. Gênero considerado um tanto quanto relegado pela academia, o estudo das HQs sofreu muita resistência em seus primórdios, na década de 70. “Eles [intelectuais da época] simplesmente não os consideravam dignos de atenção (...) afirmando que as histórias em quadrinhos definitivamente não pertenciam ao meio acadêmico”, de acordo com Vergueiro[3]. Atualmente, presente como gênero passível de estudos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a HQ configura-se como uma oportunidade real de aproximar os alunos do estudo de obras literárias brasileiras que parecem, a princípio, um conjunto de frases, palavras e ideias que não pertencem ao mundo destes; e que, infelizmente, são linguisticamente estranhas a eles.

Por meio das HQs e das imagens fixas, pretendemos fazer com que os alunos estivessem mais estimulados a conhecer a obra de grandes escritores da literatura brasileira, como Machado de Assis. A ideia não estava em apenas ler a obra adaptada em forma de quadrinhos, mas incitar a curiosidade de procurar e conhecer a obra escrita; comparar e contrastar as diferenças de linguagem entre elas e fazer com que produzissem seu próprio quadrinho, tendo a obra literária estudada como pano de fundo.

 

3  A Implementação do Projeto de Ensino

 

A sequência didática elaborada previa que o gênero HQ fosse trabalhado de maneira extensiva e qualitativa, isto é, que deixasse sua tradicional função de simples ilustração de exercícios sobre figuras de linguagem em livros didáticos de português e se configurasse no principal objeto de estudo das aulas. Além disso, era interessante que os alunos compreendessem as HQs como um gênero textual tão capacitado para o ensino/aprendizado em sala de aula como a dissertação ou a argumentação, por exemplo.

Por mais que alguns considerem que as histórias em quadrinhos são uma espécie de leitura fácil e descompromissada, a intenção era enfatizar a riqueza de práticas discursivas presentes no gênero e as maneiras pelas quais os significados poderiam ser transpostos, compartilhados e enriquecidos na junção entre o texto e a imagem em uma sequência com quadros.

Para a implementação do Projeto, escolhemos trabalhar com o 2ºN, tanto por questões de disponibilidade de horário quanto por achar que eles seriam mais convidativos para o Projeto.

 

1ª Fase (2 aulas)

Nesta 1ª fase do Projeto, os alunos conheceriam o gênero HQs e suas vertentes. Temendo que a aula ficasse excessivamente expositiva e cansativa, preparamos atividades dependentes da participação dos alunos para a construção dos significados. Essa aula foi dada na sala de projeção, espaço com uma televisão de 42 polegadas fixada na parede e um aparelho de DVD. Do outro lado, havia uma lousa grande que cobria grande parte da parede. A sala tinha várias cadeiras avulsas, sem carteiras individuais, contando somente com duas mesas grandes e redondas, além da mesa da professora.

As salas da escola são ambiente e cada turma sabe para que local deve se dirigir em cada horário. O 2ºN, turma escolhida para a implementação do Projeto, estava chegando na sala 3, no andar abaixo da sala de projeção. Enquanto arrumavamos os aparelhos e organizavamos as carteiras, a professora disponibilizou-se para conduzir os alunos até a sala de projeção. Essa era a primeira aula deles na segunda-feira e o movimento de troca de salas consumiu tempo precioso da aula; demorou cerca de 10 minutos para que todos chegassem e estivessem acomodados nas carteiras.

Organizamos as cadeiras de modo que ficassem sentados de costas para a televisão, encarando a lousa do outro lado; isto era necessário porque pretendiamos explicar e transmitir orientações gerais sobre o Projeto e sobre o que deveriam fazer nas aulas. Antes de iniciar, a professora fez a chamada e apresentou-nos à sala, agora como a “professora” que iria desenvolver um Projeto sobre quadrinhos. Por mais que os alunos já me conhecessem por causa das observações de aula que realizadas por quase três meses, foi muito significativa minha reapresentação como professora para eles. Isso fez com que a aula parecesse mais importante e que os alunos prestassem mais atenção. Não era apenas a “aula da estagiária”. Claro, o índice de atenção foi reforçado quando os alunos foram avisados que também seriam avaliados pelas atividades realizadas naquelas aulas. Comunicamos aos alunos a natureza do Projeto e iniciamos uma discussão sobre o que eram HQs na opinião deles; perguntamos se já haviam lido esse tipo de texto. Muitos balançaram a cabeça, afirmativamente, como se estivessemos fazendo uma pergunta óbvia; uma das alunas disse: “É impossível ninguém ter lido uma história em quadrinhos!”.

Definimos as HQs como a arte sequencial, de acordo com Eisner[4], e pedimos que os alunos virassem para o outro lado da sala, de frente para a televisão. Julgamos que a mudança de posição fosse benéfica para que saíssem da posição estática de meros observadores da aula.

A sequente definição e exemplificação do gênero ocorreu por meio do par pergunta-resposta. A ideia era acessar os conhecimentos dos alunos sobre as histórias em quadrinhos que conheciam, de acordo com os slides que eram mostrados. Essa parte da aula foi feita com uma apresentação de slides os quais relacionavam os quadrinhos às primeiras pinturas rupestres e egípcias, além de mostrar outras vertentes das HQs, tais como o cartum, a charge, a caricatura, as tiras, as graphic novels e as próprias histórias em quadrinhos (HQ é o nome dado ao macro-gênero que contém o subgrupo de histórias em quadrinhos).

Os slides mostravam primeiro a definição da vertente e depois um exemplo. Apesar de tentar fugir desta ordem de exposição, achei difícil estabelecer as diferenças entre os tipos de texto sem que os alunos conseguissem defini-los antes. Portanto, para diminuir o efeito unilateral de  definição-exemplificação, perguntava antes se os alunos sabiam o que era uma charge, por exemplo, depois mostrava a definição (que era lida em voz alta por um dos alunos) e fechava a explicação com a projeção de um exemplo.

Na segunda parte da aula, os alunos deveriam aplicar o conhecimento do gênero e de suas vertentes por meio da análise de materiais. Para tanto, a sala foi dividida em grupos de 4 a 5 alunos e cada um deles tinha a tarefa de analisar uma tira, um gibi, uma graphic novel, uma história em quadrinhos, um cartum, uma charge e uma caricatura. Para direcionar o estudo do material, cada grupo recebeu a ficha de estudo a seguir:

 

Ficha de Estudo

    1.Que tipo de HQ é esta?

_____________________________________________________________________

    2.Quais características do material analisado confirmam a resposta da pergunta acima?

_____________________________________________________________________

   3.Que mensagem está sendo transmitida pelo material? Explique.

_____________________________________________________________________

 

Não havia previsto o problema que causou a resposta à última pergunta para os grupos que analisavam HQs muito longas, tais como livros com várias histórias em quadrinhos ou graphic novels. Seria impossível supor que os alunos soubessem do que se tratava a história sem tê-la lido completamente. Nestes casos, alguns alunos interpretaram o conteúdo pela capa ou escolheram uma tira qualquer para ser analisada.

Após a análise, os alunos deveriam escolher um porta-voz para descrever o material analisado. Foi um pouco difícil fazer com que eles falassem e muitos só concordaram com a condição de não precisarem levantar de suas carteiras. Ao final da aula, recolhemos as fichas de estudo e os materiais analisados. A docente estava todo tempo observando, além de auxiliar-nos no controle dos alunos e na distribuição das fichas e dos materiais.

 

2ª Fase (2 aulas)

A 2ª fase, também na sala de projeção, começou acessando a memória didática dos alunos. Como a implementação era feita em duas aulas, semanalmente, tinhamos que relembrá-los sobre o que tinham estudado na semana anterior. De modo a recordar as definições, foram projetados alguns exemplos de HQs com alternativas abaixo; os alunos deveriam dizer que tipo de HQ era aquela e apontar quais elementos no material indicavam a tal escolha.

Na sequência, a aula foi focada nos elementos físicos das HQs. Da mesma maneira que é importante que o alunos saibam como um texto literário é organizado formalmente (com narrador, personagens, tempo, espaço etc.), era fundamental que conhecem os elementos componentes de uma HQ, afinal, a sequência didática previa que houvesse produção dos alunos. Desse modo, conheceram os elementos internos dos quadrinhos — diversos tipos de balões de fala e elementos visuais que auxiliam na construção do sentindo.

Para que a definição dos elementos fosse feita de modo menos direto e mais lúdico, mostramos algumas cenas do filme “Scott Pilgrim versus O Mundo” (2010), adaptação ao cinema de uma graphic novel escrita pelo canadense Bryan Lee O’Malley. Por ser baseado em quadrinhos, o filme - que também é uma arte sequencial, por assim dizer - conjuga uma série de elementos existentes nas HQs: cenas diferentes aparecendo ao mesmo tempo na tela, separadas por uma divisão em quadros; o uso de onomatopeias para caracterizar algum som ouvido no filme (o “ding dong” da campainha, por exemplo); metáforas visuais que traduzem algum sentimento dos personagens (pequenos corações que emanam do beijo de um casal apaixonado ou uma lâmpada acesa no topo da cabeça para representar uma ideia). Após a projeção dessas cenas ocorreu uma discussão geral sobre os elementos identificados.

Compondo os elementos dos quadrinhos, existe uma série de balões de fala que servem propósitos específicos. Para que a aula não se tornasse mera listagem desses elementos, propomos uma diferente experiência visual para os alunos: foram preparados, em papelão, os principais balões das HQs (de diálogo, de pensamento, de sussurro, de grito/emissão eletrônica, de fala coletiva, além do recordatório, elemento que representa as intromissões do narrador na história) para que os alunos tivessem uma real visualização do material e pudessem interagir com ele. Esses balões eram mostrados aos alunos, que discutiam o seu uso e, depois, analisavam um exemplo destes nos slides.

Depois de terem estudado a fundo tais elementos, os alunos deveriam agrupar-se e criar o que denominamos “Tirinha Viva”; deveriam desenvolver uma tirinha com, no máximo, quatro quadros cujos personagens seriam eles mesmos. Um dos estudantes serviria como narrador e, usando os balões de papelão, posicionaria cada um deles próximo à cabeça do personagem, indicando seu tipo de fala (pensamento, sussurro etc).

A atividade pretendia tanto avaliar o entendimento dos alunos a respeito dos elementos das HQs quanto desenvolver a capacidade de expressão oral e criatividade. Isso funcionou muito bem com alguns grupos que fizeram tirinhas bem criativas e algumas até com humor. No entanto, outros grupos não quiseram vir até a frente da sala para mostrar o trabalho. Infelizmente, não contavamos com tal reação e transparecemos visível desapontamento (principalmente por ter passado tanto tempo preparando os balões em papelão). Nem mesmo o estímulo da professora e dos outros colegas que já haviam apresentado serviram para fazê-los apresentar o trabalho. No fim, o sinal da próxima aula tocou e todos foram embora.

 

3ª Fase (2 aulas)

A escolha de trabalhar HQs com essa turma não foi aleatória. Isso ocorreu porque eles já haviam lido a obra Iracema em quadrinhos e estudado algumas tirinhas no 1º semestre. Ainda sim, para harmonizar o Projeto com o currículo previsto pela docente, incluímos a adaptação em quadrinhos do conto A Cartomante, de Machado de Assis. Tal obra e o conto Noite de Almirante, do mesmo autor, já estava na grade de obras a serem estudadas pelos alunos. A professora gentilmente cedeu as aulas que seriam destinadas ao estudo de A Cartomante para que fosse possível a implementação do Projeto.

Durante as discussões sobre como os conteúdos deveriam ser aplicados, a professora sugeriu que os alunos tivessem contato, primeiramente, com a obra em HQ e, depois, com o conto escrito por Machado. Todavia, houve um problema com as salas de projeção: era apenas uma sala para vários estagiários ávidos em implementar seus Projetos. Portanto, durante as duas semanas seguintes, não pude utilizar a sala para mostrar aos alunos as imagens da HQ. Por esse motivo, resolvemos inverter a ordem prevista e trabalhamos, primeiro, a leitura do conto escrito com os alunos.

Felizmente, o livro didático que eles utilizavam continha uma versão conto. Subimos com os quase 30 exemplares da sala dos professores até o andar da sala de português. Nessa aula, os alunos leriam o conto em voz alta e, a cada trecho importante, a leitura seria pausada para dar lugar a algum comentário relevante sobre o enredo. A ideia era que, ao final dessa fase, os alunos conseguissem identificar o narrador, o foco narrativo, o espaço, o tempo, os personagens e o enredo da obra.

Ao primeiro contato, alguns alunos reclamaram que o texto era muito longo. De fato, passamos as duas aulas lendo o conto e tivemos que tentar manter o interesse dos alunos pelo enredo por meio de um estilo um tanto quanto folhetinesco, atiçando sua curiosidade pelas “cenas dos próximos capítulos”. Durante a leitura e comentários, ressaltamos a ironia intrínseca na escrita machadiana, além de pedir que os alunos relacionassem as características de um triângulo amoroso no século XIX com os de hoje em dia. O adultério, o papel da mulher na sociedade e a punição com a morte para os amantes foram largamente discutidos.

Percebemos que o engajamento dos alunos ao Projeto seria muito maior se notas ou pontos positivos fossem atribuídos à participação destes, por isso, a professora solicitou que, na aula seguinte (que não era uma aula do projeto), os alunos trouxessem folhetos de cartomantes e videntes que encontrassem nas ruas e, quem o fizesse, ganharia o tão sonhado ponto positivo.

Nessa aula, pedimos que os alunos fizessem duplas para dar início à produção de suas próprias tirinhas; deveriam escolher um trecho do conto A Cartomante e, primeiramente, escrever um roteiro de como produziriam uma tira baseada no trecho - quais personagens seriam desenhados, quais balões de fala seriam utilizados, como os quadros seriam organizados. A professora pediu que preparassem, para a semana seguinte, o primeiro rascunho da tirinha, para que fosse avaliada e devolvida aos alunos.

 

4ª Fase (2 aulas)

Esta fase seria a apresentação da adaptação do conto A Cartomante em quadrinhos. Escolhemos uma edição que reúne várias obras da literatura brasileira adaptadas para este gênero[5]. Como não foi possível o uso da sala de projeção, várias cópias da HQ tiveram que ser impressas para os alunos. Conseguimos nove cópias que foram distribuídas para grupos de três a quatro alunos.

Como os alunos já haviam lido o conto original, julguei que o entendimento dessa aula seria mais fácil. De fato, a leitura do quadrinho foi mais fluída, pois já havia um propósito bem definido: a aula era a junção dos conhecimentos adquiridos sobre o gênero com a obra de Machado de Assis.

Assim, cada grupo ficou responsável pela leitura de certo número de quadros e fomos criando relações entre a obra original e a adaptação; discutimos como a HQ representava o conto de Machado de Assis pela disposição dos quadros, pelo uso ou não das cores, pelos traços dos desenhos, pela revelação de informações-chave nas imagens que só seriam mostradas mais tarde no conto ou descobertas pela interpretação de seus elementos contextuais, por exemplo, não há lugar no texto que informa o espaço em que ocorre a história; temos a informação apenas de ruas características desse lugar como a Rua dos Barbonos, a Rua da Glória e a Rua da Guarda Velha. O leitor atento conseguirá intuir que se trata do Rio de Janeiro, principalmente, por ser um conto de Machado de Assis. No entanto, não é de se supor que alguém que nunca ouviu falar do “Bruxo do Cosme Velho” saiba distinguir o espaço. A HQ resolve esta questão de uma maneira simples, oferecendo-nos uma panorâmica da cidade em que ocorre o conto, informando o nome, a época e um cartão postal do lugar.[6]

Algumas das questões propostas para discussão foram estas:

   1.  Que tipo de HQ é esta?

   2.  As imagens da HQ são parecidas com as que você imaginou quando leu o conto?

   3.  Você acha que a escolha das cores influencia a interpretação do conto?

   4.  Que tipo de balão é predominante? Por quê?

   5.  Se você pudesse incluir balões de fala/diálogos nos últimos 5 quadros, como escreveria?

 

Para a última questão, pedimos que os alunos fizessem duplas e escrevessem em uma folha o diálogo que imaginavam estar acontecendo nas cenas. A adaptação em quadrinhos mostra a sequência final do assassinato de Camilo por Vilela, personagens do conto, apenas com imagens. Essa tornou-se, então, uma interessante oportunidade para que os alunos usassem a capacidade criativa para incluir falas nos quadros, quando achassem necessário. Alguns foram bem dramáticos nas falas; outros usaram a segunda pessoa do discurso para emular o registro da época;  muitos até desenharam os balões que usariam em cada fala.[7]

 

5ª Fase (2 aulas)

Nessa fase final do Projeto, recolhemos as tiras produzidas pelos alunos. Havia uma variedade grande de modelos e estilos de tiras sobre um trecho do conto. Desde o princípio, deixamos claro para os alunos que não precisavam ser especialistas em desenho para criar a sua tirinha, mas que fossem criativos na reprodução da história de Machado de Assis nesse diferente tipo de mídia.

Como as aulas tiveram caráter semanal e, entre a última aula e a aula da entrega dos trabalhos houve um feriado prolongado, alguns alunos não trouxeram os trabalhos prontos ou esqueceram que deveriam entregar a segunda versão da tirinha. Os trabalhos entregues eram a primeira versão, uma vez que não tivemos tempo para refazer os quadros; alguns escreveram exatamente o que estava escrito no conto; outros foram além do conteúdo e recriaram o enredo, às vezes, com humor, característica tão marcante nas histórias em quadrinhos.

A professora pediu que avaliassemos os trabalhos de acordo com nossos critérios, de modo que ela pudesse atribuir nota para os alunos. Solicitou que eu usassemos os termos ‘Excelente’, ‘Ótimo’, ‘Bom’ e ‘Regular’ para classificar as atividades. A avaliação não pressupunha a desconsideração do trabalho se o aluno não soubesse desenhar ou ilustrar uma cena em um quadro; no entanto, aqueles que demonstraram um cuidado especial, tanto com o desenho quanto com o texto, foram devidamente elogiados - aqueles que foram além do texto de Machado e recriaram, readaptaram e, livremente, parodiaram o conto, alcançando maior expressividade e liberdade em relação à obra, que era o desejado por este Projeto. A intenção era que eles reinterpretassem o texto a sua maneira, tendo, no original, a fonte para a construção de novas ideias e estabelecimento de novos sentidos e relações.

Durante a aula, os trabalhos foram socializados. Os alunos tiveram um tempo para ler e analisar o trabalho de cada um dos seus colegas, apontando suas preferências, compartilhando ideias e algumas risadas. Ao mesmo tempo, eu passavamos pela sala e mostravamos a eles como ocorriam as relações criadas entre a tirinha produzida e o conto.

 

4  Avaliação da implementação

 

Considero que o Projeto merecia uma quantidade maior de horas para ser melhor implementado. As primeiras aulas, que apresentaram uma riqueza de elementos de análise por intermédio da exposição do gênero, poderiam ter sido mais longas, para que os alunos pudessem ficar mais familiarizados com as vertentes das HQs e, consequentemente, produzissem não apenas tirinhas, mas charges, cartums e caricaturas. Desse modo, o processo de relações encontrado entre o conto e sua reprodução em HQ seria mais profícuo, possibilitando aos alunos sua própria criação narrativa.

A fase em que os alunos deveriam criar uma “tira-viva” também poderia ser estendida para abordar aspectos mais profundos da oralidade, contribuindo para o desenvolvimento expressivo dos alunos. De acordo com Ramos (2006), a HQ é um gênero estritamente ligado aos aspectos orais uma vez que é possível identificar elementos comuns à oralidade como turno, tópico, par adjacente e marcador[8].

Infelizmente, algumas escolhas tiveram que ser feitas e as atividades não foram estendidas a fim de não causar prejuízo à sequência proposta e às aulas regulares da docente. Por mais que algumas fases merecessem maior extensão, julgo que as atividades propostas foram fundamentais para fazer com que os alunos reconhecessem o gênero de modo estrutural, tirando deste a alcunha de leitura para diversão e transformando-o em leitura para o conhecimento, para o aprendizado.

Apesar de poucos alunos terem feito a tarefa com as tiras, provavelmente por falta da institucionalização do conteúdo e por ser uma atividade produzida com a professora estagiária, avaliamos as produções positivamente porque estas fizeram com que os alunos pensassem o enredo e reelaborassem o conto de um modo particular e criativo.

 

5  Considerações Finais

 

A experiência do estágio de Metodologia do Ensino de Português II foi gratificante em diversos sentidos: a possibilidade de voltar para meu ambiente escolar antigo e trabalhar com minha ex-professora; ter contato com a realidade das escolas, estando agora do lado oposto da sala, como docente; e implementar um Projeto de caráter tão diferente e criativo.

Além disso, a ajuda e apoio da professora para discutir as melhores possibilidades de implementação foram aspectos essenciais para que o Projeto fosse bem sucedido. Para que a sequência didática com HQs seja aplicada em uma sala de aula, pressupõe-se que a escola tenha aparelhos de projeção disponíveis e que o professor esteja comprometido em compreender as características de um gênero que pode ser largamente usado na escola de modo a fomentar a discussão, a relação, a expressão e a criatividade ao estudar temas comuns ao currículo da Língua Portuguesa.

 

Referências

ASSIS, M. A Cartomante. Adaptação: André Dib. Desenhos: Kléber Sales. In: Domínio Público: Literatura Brasileira em Quadrinhos. São Paulo: DLC, 2008.

GOMES-SANTOS, S. N.; ALMEIDA, P. S. Pergunta-resposta: como o par dialógico constroi uma aula na alfabetização. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada. v.9, nº1, p.133-149. Belo Horizonte: UFMG-FALE, 2009.

MENDONÇA, M. R. S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2005.  p.194-207.

RAMOS, P. É possível ensinar oralidade usando histórias em quadrinhos?. In: Revista Intercâmbio, volume XV. São Paulo: LAEL/PUC-SP, ISSN 1806-275X, 2006.

________. Histórias em quadrinhos: um novo objeto de estudos. In: Estudos Linguísticos XXXV.  p. 574-1586, 2006.

 

Site

Dicionário Educativo de Educação Brasileira: Disponível em http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=62 . Acessado em 03.04.2011, às 17h54.

 

Beatriz Brito Carneiro

Professora Assistente de Pós-Graduação no Departamento de Espanhol e Português da Universidade do Arizona (UA, EUA, 2013). Mestranda no Programa de Língua Inglesa e Linguística no Departamento de Inglês da Universidade do Arizona (UA, EUA, 2013). Capes-Fulbright Foreign Language Teaching Assistant (Universidade do Arizona, EUA, 2012-2013). Bacharel e Licenciada em Letras - Português/Inglês pela Universidade de São Paulo (FFLCH e FE-USP, Brasil, 2011). Experiência em Linguística Aplicada, Ensino e Aquisição de Segunda Língua, Ensino de Inglês, Português e Espanhol como Língua Estrangeira.


Anexos

Anexo I - Conto de Machado de Assis, adaptado, utilizado em sala de aula.

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Anexo II - Conto em HQ.

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Anexo III - HQs produzidas por alunos.

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Anexo III – Histórias produzida por alunos

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[1]Definição encontrada em http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=62. Acessado em 03.04.2011, às 17:54.  

[2] SCHNEUWLY, 2000, p. 23 apud ALMEIDA, P. S., 2009, p.136.

[3] VERGUEIRO, 2005, p. 17 apud RAMOS, 2006, p. 1576.

[4] EISNER, 1999 apud MENDONÇA, 2005, p.194.

[5] ASSIS, M. ‘A Cartomante’. Adaptação de André Dib / Desenhos: Kléber Sales In: Domínio Público. Literatura Brasileira em Quadrinhos. São Paulo: DLC, 2008.

[6] Ver Anexo I

[7] Ver Anexo II e IIa

[8] Ramos, 2006.

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