A influência da oralidade na escrita

 

Vinicius Martins 

 

Introdução

As experiências descritas a seguir foram vivenciadas em uma escola municipal de Ensino Fundamental da Zona Norte da cidade de São Paulo no primeiro semestre de 2008, durante o estágio da disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I, ministrada pelo Professor Doutor Valdir Heitor Barzotto. Tal disciplina permite ao licenciando, futuro profissional do ensino de Português, uma reflexão acerca dos métodos utilizados na sala de aula para que o aluno melhore seu desempenho lingüístico em sua língua materna. Essa reflexão é fruto das discussões feitas em sala de aula, a partir da leitura de textos e das horas de estágio exigidas pela disciplina, que se dividem entre observação e regência de aulas[1]. O estágio aqui descrito se dividiu da seguinte forma:

  • Acompanhamento da Reunião de Jornada Pedagógica entre os professores e a coordenadora pedagógica, organizada para discutir o livro didático e o conteúdo dos programas preparados para as classes (4 horas);
  • Descrição da escola (2 horas);
  • Observação de 35 aulas nas 5ª séries, 4 aulas nas 6ª séries e 2 aulas na 8ª série (41 horas-aula);
  • Regência de 20 aulas nas 5ª séries (20 horas-aula).

 

Portanto, foi cumprido um total de 67 horas de estágio que deram origem a um detalhado relatório, a partir do qual este artigo foi extraído. O intuito do presente estudo é se concentrar somente no que se refere à influência da oralidade na escrita, tendo como corpus redações de alunos da 5ª. série do Ensino Fundamental (EF), analisando e propondo atividades que visem a proporcionar aos estudantes formas de identificação das principais diferenças entre língua falada e língua escrita, a fim de que eles percebam traços orais que não deveriam aparecer em um texto formal. Dessa forma, fica claro que não será considerado neste artigo nenhum outro aspecto de importância metodológica que não o supracitado.

Acredito que as horas de estágio me proporcionaram um contato mais direto com o ensino de Português na instituição, tal como me aproximaram da perspectiva dos professores, alunos e demais funcionários da casa, possibilitando-me uma melhor abordagem do meu objeto de pesquisa, como bem observam Lüdke e André (1986:26):

Usada como o principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. “Ver para crer”, diz o ditado popular. (...).
A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações.

Dentro do continuum elaborado por Buford Junker (apud LÜDKE e ANDRÉ; 1986: 28-29), que posiciona o pesquisador dentro de quatro pontos que vão desde a total explicitação até a não-revelação, fui um “participante como observador” para os alunos, pois, apesar de ter-lhes revelado que estava ali para observar as aulas e a classe, não lhes explicitei que também analisaria suas produções escritas; fui um “observador como participante”, já que revelei às classes minha identidade e parte dos meus propósitos, fato pelo qual não cheguei a ser um “participante total”; e fui um “observador total”, porque em grande parte da observação não interagi com o grupo observado.

 

A influência da oralidade na escrita

O tema da influência da oralidade na escrita se constituiu como espinha dorsal das atividades de estágio. O fenômeno foi percebido logo no primeiro dia de observação, quando assistia às aulas das 6as. séries. Posteriormente, conversando com a professora que leciona na 5ª. e na 8ª. séries, ela me relatou que tal influência era perceptível em ambos os níveis. Isso pode ser explicado tendo como base o fato de os alunos se familiarizarem pouco com a escrita e a leitura, ou simplesmente por dedicarem a maior parte do tempo a se comunicarem de forma oral e não escrita, ou ainda por desconhecerem determinadas diferenças entre o registro oral e o escrito, ou por uma série de outras razões.

Discorrendo sobre o tema, Neves (2001:339) faz a seguinte constatação:

Mais uma vez, o que se afirma, aqui, é que cabe à escola dar a vivência plena da língua materna. Todas as modalidades têm de ser “valorizadas” (falada e escrita, padrão e não-padrão), o que, em última análise significa que todas as práticas discursivas devem ter o seu lugar na escola. E mais uma vez se afirma, por outro lado, que à escola, particularmente, cabe o papel de oferecer ao usuário da língua materna o que, fora dela, ele não tem: o bom exercício da língua escrita e da norma padrão.

Para esta análise, considerarei apenas as disposições sintáticas que indiquem influência oral, tal como marcadores conversacionais, desconsiderando demais ocorrências que não se enquadram na norma padrão, principalmente no que diz respeito à ortografia. Feita a ressalva, apresento nove orações selecionadas a partir da produção escrita dos alunos da 5ª. série.

(1) Quando jogaram ela da janela ela estava viva.
(2) (...) e não tivesse pessoas que brigam, ia ser melhor e que não tivesse tanto lixo e assim ela ficaria mais limpa, e que as pessoas não roubassem as coisas dos outros e que dessem uma comida boa (...).
(3) Eu gosto da escola porque eu vejo os meus amigos e porque eu aprendo e também vou nos passeios.
(4) A professora manda lição de casa e eles não fazem a lição de casa.
(5) O que eu não gosto é quando eu chego atrasado.
(6) (...) Um dia eu falei pra uma amiga minha ela falou que não era a mãe dela que pagava por isso (...).
(7) A e também na nossa escola ano passado teve muitas brigas na escola (...).
(8) (...) e saiu correndo o leão aí os cara saiu correndo lá pra casa da menina.
(9) (...) essa tragédia aconteceu faz tempo.

Como podemos observar, nessas nove frases colhidas das redações, a influência oral é bastante evidente. Na maioria delas isso é perceptível devido à quantidade de repetições, tanto de pronomes como de substantivos e preposições. Em (1), a repetição do pronome ela poderia ter sido evitada com o uso do pronome clítico: e.g. Quando a jogaram da janela, ela estava viva. No entanto, como aponta o estudo de Duarte (1989), o clítico no português brasileiro (PB) é condicionado pelo grau de escolaridade, pois na quase totalidade dos casos é adquirido primeiro na escrita e só posteriormente na fala. Isso explicaria o fato de alunos da 5ª. série não dominarem o uso do pronome clítico e repetirem o pronome do caso reto, o que, aliás, é muito mais freqüente no PB.

Em (3), (4) e (7), para evitar a repetição, bastaria simplesmente excluir os pronomes e os substantivos que se repetem, pois tal feito não prejudicaria em nada a compreensão das frases. Em (2), a constante repetição da conjunção coordenativa aditiva (e) e da conjunção integrante (que) mostram que esse apoiador conversacional de grande presença na fala também é levado à escrita.

O mesmo ocorre com os marcadores conversacionais A (7) e (8), aquele é usado no diálogo para indicar que o falante acaba de se lembrar de algo, embora o uso desse marcador não seja aconselhável no registro escrito padrão, em gêneros como a ficção, em que o escritor tem liberdade para usar termos mais próximos da linguagem oral – sobretudo quando se está escrevendo um diálogo – o marcador em questão é transcrito da seguinte forma: Ah, e muitas vezes acompanhado de um ponto de exclamação (Ah!). Quanto ao , esse é um marcador utilizado simplesmente para indicar a continuidade do que se está narrando e também não é aconselhado em um texto padrão.

No registro escrito, ao menos que o escritor queira intencionalmente se aproximar da oralidade, apoiadores e marcadores conversacionais não têm utilidade, seja porque se tornam desnecessários seja porque há na escrita uma série de outras palavras, pontuações etc que substituem esses recursos da fala de maneira mais coerente com o registro escrito.

Em (5), (6) e (9), apesar de não haver repetição de palavras, apoiadores ou marcadores conversacionais, a influência da oralidade ainda é fortemente perceptível, isso porque as estruturas utilizadas nessas frases remetem ao registro oral e muito pouco ao registro escrito padrão. O que se percebe em (5) e (6) é uma prolixidade muito própria da fala, uma vez que na escrita costumamos ser mais diretos: “Eu não gosto de chegar atrasado” e “Uma amiga disse que não era sua mãe que pagava por isso” já seriam suficientes para transmitir a idéia central da frase ao leitor, enquanto que, ao contornar essas idéias com informações e palavras irrelevantes, como foi feito na frase em questão, percebemos que o estudante ainda não possui total domínio da escrita padrão.

Em (9) não há sequer prolixidade, apenas percebemos, como falantes nativos da língua, que o termo faz tempo, como está empregado na frase, se aproxima ao relato oral ou simplesmente se distancia do registro escrito padrão, que prefere a variante “há muito tempo”. Esse termo costuma ser freqüente no gênero fábula ou demais histórias infantis, que por sua vez (devido ao público a que é destinado), está mais próximo de uma linguagem oral do que da escrita padrão. Seria de grande utilidade um estudo que analisasse a influência dos gêneros literários infantis na escrita de estudantes no processo de desenvolvimento dessa destreza, assim, teríamos uma melhor percepção do que é influência oral e o que é influência literária, ainda que de uma literatura mais próxima da oralidade.

 

Um caso específico

Um dos estudantes que teve a redação avaliada é boliviano, tendo, portanto, o português não como língua materna à semelhança dos seus colegas, mas como L2. Chamo atenção para as seguintes ocorrências na redação do aluno em questão:

(10) Tinha uma vez uma menina que se dormio.
(11) A meia noite apareceran extraterrestres.
(12) A menina seguiu dormindo.
(13) (...) de pronto os extraterrestres entran no quarto da menina e a mataron.
(14) E os extraterrestres voltaron para o planeta deles.
(15) Os pais ficaron con medo.
(16) Os extraterrestres fizeron polvo con a pistola que utilizaron para matalo.

É evidente a influência do espanhol na redação do garoto. Em (1) não fui capaz de explicar o uso de tinha na frase, visto que em espanhol, como em português, a mesma construção pode ser realizada com o verbo ser (Era uma vez / Era una vez). Já o se dormio é um evidente reflexivo espanhol. Em (11), (13), (14), (15) e (16) os verbos seguem a conjugação do espanhol e a preposição con também está transcrita no mesmo idioma.

Ainda que a construção em (12) seja possível em português, o verbo seguir utilizado nesse contexto é mais comum em espanhol. Em (13) também temos a presença do advérbio de pronto, e o perfeito uso do clítico acusativo a também pode ser uma influência da língua materna do garoto, já que, contrariamente ao que ocorre no PB, em espanhol o clítico é comum na fala, sem que isso indique marca de registro formal ou informal – a mesma explicação serve para o matalo em (16)[2].

Dessa forma, o trabalho a ser realizado pelo professor com esse aluno deverá levar em conta que ele está em situação de desvantagem aos seus colegas, visto que não é falante nativo do idioma e, muito provavelmente, também não usa o português no ambiente familiar. Também cabe aqui uma reflexão quanto ao uso do livro didático por estudantes de português como L2 inseridos no contexto educacional regular. O livro didático já recebe críticas quanto ao seu conteúdo direcionado para os alunos brasileiros por se dirigir a um estudante idealizado e muito distante da realidade educacional do país. Será que um material que já é acusado de não servir ao seu público-alvo pode ser útil a alunos estrangeiros? Será que o ensino público brasileiro está preparado para lidar com este tipo de alunado?

 

Atividades

Como já citado, as atividades elaboradas durante a regência pretendiam desenvolver nos estudantes a capacidade de identificar as principais diferenças entre língua falada e língua escrita, a fim de que eles percebessem traços orais que não deveriam aparecer em um texto formal. Seria muito pretensioso acreditar que com as poucas aulas sobre o tema os alunos já passariam a não ser mais influenciados pelo registro oral. Talvez, mesmo depois de um ano letivo discorrendo sobre o assunto, um professor não conseguiria obter resultados plenamente satisfatórios devido aos motivos já expostos, isto é, o pouco contato dos estudantes com a escrita e a leitura, o desconhecimento das diferenças do registro oral e do escrito etc. Contudo, não há dúvida de que fazer os alunos refletirem sobre ambos os registros por meio das atividades elaboradas já proporcionaria algum efeito positivo.

A primeira atividade consistiu em colocar o seguinte texto na lousa:

“Português é fácil de aprender porque é uma língua que se escreve exatamente como se fala.”

Pois é. U purtugueis é muinto fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a gente iscrevi exatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui iscrevi algumas palavras. Im purtuguêis não. É só prestatenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida. Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é paricidu, si iscrevi muito diferenti. Qui bom qui a minha língua é u portuguéis. Quem soube sabi iscrevê.

(Jô Soares)

Os estudantes ficaram surpresos diante do texto e, em seguida, tomando uma postura extremamente normativa, começaram a debochar dos “erros” que o autor havia cometido. Uma breve folheada nos livros didáticos nos permite afirmar que a sociolingüística chegou à escola; mas será que os alunos entenderam a mensagem? O fato de eles não terem percebido a ironia e o humor do texto também é lamentável. O momento era perfeito para esclarecer alguns termos (de forma que alunos da 5ª. série pudessem compreender), pois, apesar de tudo, o texto havia chamado a atenção da classe.

Comecei explicando que norma padrão é aquela tida como norma modelo e que, se não seguimos tal norma no nosso falar cotidiano, não significa que falamos “errado”, significa apenas que em determinada situação falamos sem usar o modelo. Disse que a proposta do texto é escrever como se fala e expliquei que na fala, pelo menos os paulistanos, costumamos dizer [u] quando se escreve [o], [i] quando se escreve [e], e geralmente quando a palavra termina em [es] ou [as], colocamos um [i] no meio e falamos [‘mais] ao invés de [‘mas] e [in'gleis] ao invés de [in'gles]. Portanto, ao contrário do que diz o título do texto, a fala é diferente da escrita.

Na próxima atividade, cinco frases retiradas de redações de alunos foram transcritas na lousa e a classe deveria dizer o que estava fora do padrão, segundo a norma da escrita, sabendo que tais frases apareceram quando a professora desses alunos lhes pediu que fizessem uma redação em registro formal.

Expliquei a diferença entre texto formal e informal dizendo que um texto informal é um texto que, geralmente, será lido por alguém que conhecemos que temos certa intimidade e liberdade para escrever do modo que quisermos, enquanto no texto formal devemos seguir algumas regras, ainda que estejamos escrevendo para alguém que conhecemos, deveríamos escrever seguindo as normas gramaticais. A redação que fazemos na escola, embora seja lida por um professor que conhecemos, deve ser escrita como um texto formal, procurando colocar as palavras de acordo com as normas gramaticais, até porque seremos avaliados por isso. As frases eram as seguintes:

(17) “Aqui na escola gosto de todas as pessoas que trabalham aqui”.
(18) “O garoto estava falando com sua mãe, daí apareceu um homem”.
(19) “Espero que esse ano seja tudo de bom”.
(20) “Naquela casa num tinha nada para comer”.
(21) “Eu não deixaria as tias trabalharem”.[3]

Na maioria das classes em que essa atividade foi aplicada, os estudantes tiveram pouca dificuldade em perceber que o problema em (17) era a repetição do aqui, em (18) era o daí, que não deveria aparecer no registro formal, e em (20) era o uso de num por não. No entanto, os alunos não conseguiram perceber que a expressão tudo de bom em (19) era excessivamente informal para uma redação que deveria ser escrita em registro formal e que o termo tias em (21) se referia, na verdade, às serventes da escola e não às irmãs dos nossos pais e, assim, no texto escrito formal as coisas deveriam ser nomeadas de forma a evitar a ambigüidade.

Na última atividade, escrevi oito trechos na lousa; cinco deles foram extraídos de obras literárias, eram elas: O Primo Basílio, de Eça de Queirós; A Revolução dos Bichos , de George Orwell; Madame Bovary, de Gustave Flaubert; Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e Macunaíma, de Mario de Andrade. Os outros três trechos foram retirados de transcrições de fala do NURC/SP, sendo feitas as devidas alterações, isto é, colocando pontuação e retirando as marcas de transcrição. A partir do conteúdo já lecionado sobre as características da fala e da escrita, a classe deveria descobrir quais trechos foram extraídos de obras literárias e quais eram transcrições de fala. Vale lembrar que o trecho retirado de Macunaíma foi estrategicamente colocado em último lugar.

O objetivo desta atividade é fazer com que os estudantes percebam recursos utilizados na escrita e identifiquem as diferenças entre fala, escrita e de registros. Devido ao espaço limitado do presente artigo, ilustrarei a atividade com apenas três trechos, sendo o primeiro de Madame Bovary; o segundo, uma transcrição de fala; e o terceiro uma passagem de Macunaíma.

Trecho 1
O festim foi longo, ruidoso, mal servido; havia tanta gente que mal se podiam mover os cotovelos, e as tábuas estreitas que serviam de bancos ameaçavam quebrar-se ao peso dos convivas. Estes comiam fartamente, tratando cada qual de defender sua parte.

Trecho 2
Dizem né? Você vê, dentro da profissão do vendedor a coisa mais difícil é você manter realmente o indivíduo oito horas em contato direto com os clientes. Uma coisa realmente difícil, então a gente inclusive pede para que o indivíduo não perca tempo nesses horários, certo?

Trecho 3
Os manos se admiraram da inteligência do menino e voltaram os três pra maloca.

De modo geral, os alunos percebiam como características da escrita o excesso de descrições, léxico pouco usual na fala cotidiana, e determinadas estruturas, como, por exemplo, com o passar do inverno , estrutura inicial do trecho transcrito de A Revolução dos Bichos que alguns alunos disseram que “lembrava o começo de uma história”. Na passagem de Madame Bovary, eles perceberam facilmente que se tratava de um trecho retirado de livro, porque descrevia uma cena e pela presença das palavras festim e convivas. No segundo trecho, todas as classes perceberam sem dificuldade que se tratava de uma transcrição de fala devido aos marcadores conversacionais e certo.

No trecho de Macunaíma, os alunos responderam sem hesitar que se tratava de transcrição de fala e justificaram sua resposta com a presença da palavra mano. Coloquei propositalmente um trecho de Macunaíma nessa atividade para mostrar aos estudantes que marcas da oralidade também poderiam ser inseridas para um texto literário, contudo, ressalvei que se tratava de uma obra de ficção, pois em um texto formal as marcas de oralidade (daí, não é, mano etc) deveriam ser evitadas.

 

Considerações finais

A influência da oralidade na fase de desenvolvimento da escrita em alunos da 5ª. série do Ensino Fundamental é bastante evidente. Ela aparece por meio de repetições de pronomes e outros itens léxicais, pela presença de apoiadores e marcadores conversacionais e de determinadas estruturas muito próprias da fala. Obviamente que essa influência faz parte do processo natural da fase de desenvolvimento da escrita; contudo, há indícios de que traços orais continuam presentes em redações de estudantes de níveis escolares mais avançados. Para que isso não ocorra são essenciais atividades que visem a aguçar nos alunos a capacidade de perceber que tipo de palavras e estruturas são próprias do registro oral e devem ser evitadas no registro formal escrito.

Fica claro que tais atividades devem ser elaboradas levando-se em conta as especificidades dos alunos presentes na sala de aula e não se empregando um mesmo modelo a ser dispensado a estudantes com necessidades tão díspares. Nas classes analisadas, por exemplo, embora os estudantes não consigam identificar estruturas muito próprias da fala ( tudo de bom ), foi constatado que eles são capazes de perceber a repetição e os marcadores conversacionais como traços orais que não devem aparecer na escrita formal. Contudo, tais traços aparecem em suas redações; assim, talvez parte dos problemas de escrita dessas turmas já sejam solucionados com uma simples revisão de texto após a conclusão da redação.

A maioria dos alunos que tiveram suas redações analisadas teve um desenvolvimento condizente com o seu nível escolar, o que, infelizmente não é o que ocorre em muitas outras escolas brasileiras, como observa Semeghini-Siqueira (2006:13):

Por outro lado, tais dificuldades [leitura e escrita], se relacionadas com a alfabetização, não serão solucionadas pelo professor de 5ª série, uma vez que esse tópico não faz parte de sua formação inicial. Certamente, esse “impasse” é resultante não só do contexto educacional adverso, mas também da formação inicial do professor de língua materna. Do professor formado em qual espaço?
Neste contexto, cabe também uma pergunta: Por que tantos alunos chegam à 5ª série com restrita capacidade de usar a língua materna ao ler e escrever? Muito além de um método de alfabetização global ou fônico ou misto/eclético, é preciso considerar o grau de letramento/literacia emergente com que a criança de idade X chega à escola, qual é sua imersão no mundo letrado.

O fato de muitas crianças chegarem à 5ª. série com dificuldades de leitura e escrita e de várias dessas dificuldades não poderem ser sanadas devido ao não-preparo do professor de EF e de Ensino Médio (EM), evidencia o trabalho escolar como uma rede pela qual todos estão ligados de maneira direta ou indireta. Para que os docentes de EF e EM possam desenvolver seu trabalho de maneira satisfatória é necessário que os professores responsáveis pela educação infantil tenham executado bem as tarefas que lhe são cabíveis, entre elas a alfabetização dos alunos. Estamos todos de acordo que para a boa compreensão de todas as disciplinas é imprescindível que os alunos dominem de maneira razoável a leitura e a interpretação textual. O trabalho do educador infantil, cada vez mais desvalorizado, é a base da educação de qualquer aluno; logo, também de qualquer professor. É extremamente necessário para o ensino que esses profissionais sejam bem formados, a fim de que se tornem capacitados a alfabetizar os estudantes, proporcionando-lhes um contato íntimo com a leitura e a escrita. A educação infantil não deve ser um simples espaço recreativo, destinado somente a brincadeiras, pintura e artesanato.

 

Notas

[1] Para a disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I são exigidas um mínimo de 60 horas-aula de estágio, das quais 40 horas-aula são dispensadas à observação de aulas de Português e 20 horas-aula à regência do ensino da língua materna.

[2] Em espanhol não se usa hífen para separar o clítico.

[3] Os alunos foram informados de que esta frase fora extraída de uma redação que tinha como tema “Como Seria Minha Escola Ideal” e que, portanto, se referia ao ambiente escolar.

 

Referências bibliográficas

DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia (1989). “Clítico acusativo, pronome lexical e categoria vazia no português do Brasil”. In: TARALLO, Fernando (Org.). Fotografias sociolingüísticas. Campinas, SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. (1986). “Métodos de coleta de dados: observação, entrevista e análise documental”. In: Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, p. 25-44.

NEVES, Maria Helena Moura (2001). “Língua falada, língua escrita e ensino: reflexões em torno do tema”. In: URBANO, Hudinilson... [et al.]. Dino Preti e seus temas: oralidade, literatura, mídia e ensino. São Paulo: Cortez, p. 321–332.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa (2006). “O poder do passado nas práticas escolares de oralidade, leitura e escrita contemporâneas: reconstituição de alicerces para otimizar o grau de letramento/literacia de jovens brasileiros”. Anais/Actas. XIV Colóquio da AFIRSE “Para um balanço da investigação da educação de 1960 a 2005”. Lisboa: Universidade de Lisboa/FPCE.

    

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