A voz do aluno


Rodrigo Alvarez Brancaglioni


 

Introdução

A escola, como espaço de formação do ser humano – cidadão –, desempenha um papel de importância vital à sociedade. Por lidar com o fator humano – imprevisível e variável – os problemas que se passam dentro dos muros da escola não podem ser generalizados, assim como as soluções para esses problemas não podem ser formatadas igualmente para todos os diferentes contextos que os produzem. Importa, dessa forma, que cada escola seja capaz de refletir sobre seu próprio exercício pedagógico a fim de verificar se está cumprindo, de fato, seu papel, e o que pode fazer para melhorar sua atuação. O diálogo, expressão que materializa a língua na oralidade ou na escrita, é um instrumento de fundamental importância nesse processo – e levar em consideração a voz não apenas da direção, ou do professor, mas, sim, do aluno é um elemento constitutivo essencial para essa tarefa.

Este artigo pretende apresentar o projeto “Adolescente sim, aluno-problema não”, desenvolvido ao longo das atividades de estágio em conjunto com os alunos da oitava série e com a professora de Português em resposta à realidade específica da escola-campo. Além disso, o artigo apresenta uma proposta de articulação do projeto com a disciplina Língua Portuguesa – especialmente no tocante à prática da comunicação oral e de gêneros textuais orais. Com isso, dá-se a possibilidade ao aluno para que ele seja, na escola, elemento construtivo (e não apenas constitutivo) das relações pedagógicas, e, na sociedade, cidadão que saiba empregar sua voz positivamente. Sendo a educação o processo de fazer um indivíduo nascer para o mundo (ARENDT, 2009) – isso é, o processo de inseri-lo nas tradições humanas e na vida em sociedade – cabe à escola a responsabilidade de formar não apenas alunos que dominem determinados conteúdos (o que é indiscutível), mas também, e com igual importância, cidadãos capazes de se posicionar criticamente e agir em prol do bem comum. Essa responsabilidade torna-se inevitavelmente ainda maior à medida que as famílias se tornam cada vez mais ausentes e omissas no que diz respeito a seu papel educativo.

 

 

1. Sobre o contexto escolar

 

1.1. A escola

A Escola Estadual Visconde de Congonhas do Campo, embora se encontre no bairro do Tatuapé, tem a maior parte de seus alunos provenientes de regiões distantes da zona leste de São Paulo, como Cidde Tiradentes e Itaquera, dentre outros bairros.

Funcionando em três turnos, a escola atende alunos que se encontram nos anos escolares referentes ao ciclo II do Ensino Fundamental (período matutino e vespertino), bem como jovens e adultos matriculados em EJA, referente ao Ensino Médio. Em 2009, foram 911 matrículas no Ensino Fundamental e 370 na Educação de Jovens e Adultos (segundo dados do Ministério da Educação disponíveis no Portal INEP – Data Escola Brasil).

O prédio é antigo, mas bem conservado, localizado muito próximo à estação de metrô Tatuapé. Embora a escola não disponha de um espaço muito grande, abriga sala de computação (com computadores antigos, em número reduzido), sala de vídeo, sala dos professores (pequena, para a quantidade de docentes), duas quadras esportivas e um pátio com mesas para recreio. As salas de aula acomodam a contento o número de alunos atendidos pela escola.

 

1.2. Os alunos

As oitavas séries observadas durante o estágio apresentavam, de maneira geral, o mesmo problema (ainda que em graus diferentes): grande indisciplina e descompromisso generalizado. O baixo aproveitamento das turmas em avaliações internas (e externas, como o Saresp) é um reflexo dessa situação. A realidade específica de cada turma faz com que os problemas adquiram ainda outros graus de complexidade, como a presença de alunos com necessidades educacionais especiais – sendo que a escola não foi capacitada para lidar verdadeiramente com situações desse tipo.

 

1.3. A professora

A professora L.1 leciona Português e Leitura (para algumas turmas, apenas Português; para outras, apenas Leitura; para outras ainda, ambas). Ela mostrou-se preocupada em oferecer uma experiência real de estágio para possibilitar que o aluno-estagiário conhecesse a realidade da escola “como ela é”. Com mais de dez anos de prática docente, ela lamenta que, em seu próprio estágio, não tenha tido essa oportunidade, uma vez que foi obrigada, pelas circunstâncias, a cumprir suas horas de estágio com um docente que não contribuiu em nada para sua formação.

Ainda que descontente com muitos aspectos da profissão – como o sucateamento da educação empreendido pelo governo e a dificuldade de ser professora em uma época de famílias desestruturadas, cujos filhos se mostram cada vez mais alienados –, a professora L. se mostrou inconformada com a situação dos alunos. De fato, notou-se que a professora e a equipe pedagógica da escola buscam sempre aprimorar suas ações e não se acomodam frente às dificuldades, nem desistem de seu compromisso com a educação.

 

2. Descrição geral das práticas de

ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa


O estágio foi cumprido ao longo de quase três meses, de março a junho de 2010, nos quais foi possível acompanhar 60 aulas da professora L., no período matutino, para cinco turmas de oitava série (nona série). Nessas 60 aulas, foi possível inclusive interagir mais diretamente com os alunos, e mesmo realizar regência de aula em alguns momentos, com o aval da docente.

A postura da professora frente aos alunos sempre foi consideravelmente flexível, adequando-se a cada situação, alternando momentos mais descontraídos com momentos em que era preciso adotar um comportamento mais rígido em relação a eles. De maneira geral, foi observado que os alunos respeitam a professora, mas ela se mostra inconformada com a “camuflagem”, como ela diz, de certos adolescentes: alunos relativamente quietos nas aulas dela, mas extremamente descompromissados e bagunceiros nas aulas de outros colegas professores. Observou-se também que, em alguns momentos, a professora era procurada por alunas que buscavam conselhos, ou oportunidades de conversar – coisas que não encontravam no próprio lar.

A dinâmica de interação desenvolvida com a professora foi muito positiva, pois ela sempre se mostrou interessada em proporcionar uma boa experiência de estágio, explicando o funcionamento da escola, contextualizando cada turma e proporcionando oportunidades de interação com os alunos. Os alunos, de maneira geral, tanto na presença da professora L. quanto em sua ausência, foram respeitosos com o aluno-estagiário e, em alguns casos, passaram a buscar seu auxílio para a realização das tarefas.

No tocante aos instrumentos didáticos empregados, foi observada a alternância entre o Caderno do Aluno, fornecido pelo governo estadual, e materiais complementares, principalmente nas aulas de leitura. Nessas ocasiões, geralmente seguia-se a proposta das Olimpíadas de Português, pois, segundo a professora, a escola tradicionalmente participa dessa atividade. Em 2010, a proposta é tratar de crônicas de bairro, e os alunos devem desenvolver textos baseados em algum acontecimento que tenha ocorrido no local em que vivem. A proposta do governo estadual, entretanto, é desenvolver com os alunos a produção de artigos de opinião, de modo que se alternam, ao longo das aulas, não apenas os instrumentos didáticos, mas o próprio foco das situações de ensino. A utilização de filmes como elemento desencadeador de atividades de produção ou análise textual também foi uma estratégia utilizada (como a exibição do filme “O ano em que meus pais saíram de férias” para a realização de uma atividade proposta pelo Caderno do Aluno do governo estadual). Além disso, a cópia de textos e questões passados na lousa também ocorreu algumas vezes.

A modalidade linguística privilegiada como objeto de ensino nas aulas e como foco das produções dos alunos foi, em grande parte, a escrita. Para a produção das crônicas, uma flexibilidade maior foi conferida no tocante ao registro empregado, pois a informalidade configura-se como estratégia válida para esse gênero textual. Ao longo do estágio, a partir da introdução do projeto “Adolescente sim, aluno-problema não”, a modalidade oral passa também a ser foco consciente (e de maneira mais consistente) da atenção e dos esforços pedagógicos nas aulas, como será exposto adiante.

A professora se valia constantemente da topicalização e exposição para executar os objetivos de ensino propostos – ensinar aos alunos as características das crônicas, conscientizá-los acerca de procedimentos textuais como a paráfrase e orientá-los no emprego de conectivos, por exemplo. As atividades dos Cadernos do Aluno eram sempre vistadas e valiam nota de participação – o que tem um grande peso no sistema de avaliação continuada empregado pela professora. Algumas dessas atividades devem ser entregues pelos alunos, pois são objeto de avaliação mais específica – ocasião em que, após corrigir cada atividade, a professora conversa individualmente com os alunos que apresentam maiores problemas em suas atividades e sugere maneiras pelas quais eles podem melhorar. A escola conta com aulas de reforço, às sextas-feiras, para os alunos apontados pelos professores para tal.

 

 

3. Análise de um fenômeno-tema particular

 

3.1. Dando voz ao aluno – respondendo à indisciplina e à falta de comprometimento

A escola tem verificado o elevado índice de ocorrências de indisciplina por parte dos alunos, bem como falta de compromisso generalizada por parte das oitavas séries. Esse cenário, aliado ao baixo rendimento escolar desses alunos tanto em avaliações internas como externas (como o Saresp), fez com que o diretor e a coordenadora da escola se mobilizassem a fim de reverter o quadro. Ao mesmo tempo em que os professores têm procurado se aprimorar na área pedagógica, a escola verificou que os alunos não estavam respondendo a contento. Os tradicionais instrumentos de correção-punição não estavam surtindo resultado real e prolongado; advertências, suspensões e conversas com os pais aconteciam em número elevado, mas sem consequências positivas duradouras (ou mesmo observáveis).

A professora L., a partir de uma atividade proposta pelo “Caderno do Estado”, decidiu utilizar esse problema como tema de uma atividade de debate com os alunos em sala de aula. A ideia foi, com isso, dar aos alunos a chance de perceberem o problema (tomar consciência de sua existência), refletirem sobre sua situação e proporem, eles mesmos, soluções. Partindo dessa atividade, esse espaço de reflexão e de proposição de ideias, com o apoio dos próprios alunos, foi estendido, acontecendo paralelamente às aulas de Português: foi o período de concepção e formatação do projeto, que se encontra anexado ao artigo (anexo 1).

Os alunos, de maneira geral, gostaram da possibilidade de ter alguma voz; um dos alunos mais problemáticos, inclusive, sugeriu o nome do projeto: "Adolescente sim, aluno-problema não". Foram nomeados de 4 a 6 alunos-monitores em cada sala com a incumbência de conversar com os colegas e trazer propostas de solução construídas coletivamente. Em um segundo momento, os monitores de cada sala devem conversar entre si, a fim de compartilhar ideias.

Paralelamente às atividades realizadas pelos alunos (e também por meio delas), buscamos despertar e fortalecer a identidade coletiva de cada turma, ressaltando o papel – positivo ou negativo – que cada aluno, individualmente, pode exercer sobre o grupo. Isso também parece ter tido bons resultados, ainda que pontuais (mesmo porque seria ingenuidade crer que todo o cenário mudaria de um dia para o outro – trata-se de um processo longo, que exige esforço constante). Em todas essas conversas, buscamos aproveitar as falas dos próprios alunos (que eram encorajados a expressar suas opiniões sobre o tema) como “gancho”, ou “ponte”, para expor nossas ideias e fazê-los refletir.

Como notamos que, em algumas turmas, os alunos tinham muita dificuldade em sequer escutar o que o outro estava dizendo (pois estavam todos interessados em eles mesmos falarem), propusemos, inicialmente, uma atividade simples – uma dinâmica de grupo, cujo objetivo era fornecer exemplos práticos para a discussão do que significa verdadeiramente escutar a outra pessoa, além de demonstrar a importância que cada aluno tem, individualmente, na construção da história coletiva do grupo. Essa atividade encontra-se anexada ao final deste artigo (anexo 2).

Como parte do resultado dessas discussões iniciais entre os alunos, apresentamos a seguir algumas ideias propostas por eles, que demonstram a vontade de construir algo diferente do que eles vinham construindo até aqui. É importante destacar, antes disso, que grande parte das sugestões, de uma forma ou de outra, vai ao encontro de uma necessidade frequentemente verbalizada pelos alunos desde o início do projeto: diálogo com os professores. Isso indica um caminho mais favorável ao estabelecimento das relações pedagógicas: não o caminho do “confronto”, mas o da compreensão e da responsabilidade partilhada.

De fato, o aluno, muitas vezes, tem poucas oportunidades de se expressar – e, na verdade, as formas de expressão do aluno são, tradicionalmente, reprimidas. No tocante a essa questão, cumpre esclarecer que o processo de “dar voz ao aluno” não significa diminuir a importância ou a autoridade do professor (ou da escola). Antes, dar voz aos alunos significa propiciar meios para que eles possam se expressar de maneiras construtivas – significa elaborar iniciativas pedagógicas que favoreçam a expressão deles, inclusive como cidadãos que tenham voz na sociedade. Sendo assim, em conformidade com a própria finalidade da escola e da educação, é essencial ensiná-los a ter essa voz, ensiná-los a como se valer dela adequadamente, o que, entendemos, está totalmente de acordo com a finalidade própria da escola e da própria disciplina Língua Portuguesa. Uma vez que “ensinar consiste em transformar os modos de pensar, falar, de fazer, com a ajuda de ferramentas semióticas” (SCHNEUWLY; VASCONCELOS, p. 4), as práticas de ensino-aprendizagem de língua portuguesa – bem como das demais disciplinas – não devem focar apenas o saber técnico, ou enciclopédico, dos conteúdos escolares, mas privilegiar a apropriação crítica desses conhecimentos. Felizmente, foi observado que a professora diversas vezes manifestou (tanto particularmente quanto no diálogo com os próprios estudantes) preocupação com o futuro e a formação mais ampla dos alunos – não apenas como detentores de conhecimentos (embora também isso), mas como cidadãos capazes de refletir e construir histórias de vida positivas para si próprios e para a sociedade.

As atividades abaixo foram selecionadas a partir de algumas sugestões levantadas pelos próprios alunos como resultado de suas discussões em grupos pequenos, ou em um único grupo. Alguns registros dessas discussões estão anexados ao final deste artigo (anexo 3):

                - Conselho dos Alunos

Uma vez por semana, os alunos que estivessem apresentando mais problemas (indicados pelos alunos-monitores em comum acordo com os professores) teriam, individualmente, uma reunião com um ou mais professores. Nessas reuniões, os professores conversariam com o aluno para descobrir a causa do problema e tentar achar uma solução. Se não melhorassem após 4 semanas (4 tentativas), seriam submetidos a outro tipo de ação mais “grave” (como chamar os pais na escola).

               - Criação de um código de regras para os alunos e para os professores

              - Elaboração do caderno do aluno da 8ª Y

Nesse caderno seriam registrados pontos que melhoraram na turma, assim como os problemas identificados. Além disso, os alunos poderiam, de maneira anônima, registrar críticas construtivas para os professores.

- Realização de palestras com ex-alunos problemáticos que conseguiram mudar sua história e aproveitar a escola para conseguir um futuro melhor.

- Rádio na Escola

Criação de uma rádio com transmissões feitas pelos próprios alunos nos horários de intervalo, conforme um cronograma estabelecido previamente e sempre com o acompanhamento de algum professor.

 

Algumas dessas soluções foram adaptadas, como a elaboração do caderno da 8ª série. A coordenação pedagógica achou mais interessante haver um livro de atas, que funcionaria em moldes semelhantes aos propostos pelos alunos, mas preenchidos por professores, inicialmente, e onde seria possível registrar os encaminhamentos dados a cada questão levantada.

 

3.2. Articulação do projeto com a disciplina Língua Portuguesa

O projeto se insere, por tudo o que foi exposto aqui, no âmbito do que afirma Anna Christina Bentes, pesquisadora da Unicamp, no tocante à produção discursiva oral ser um importante recurso comunicativo dentro e fora da escola e no tocante à própria inserção dos alunos nessas práticas e gêneros:

[...]esse trabalho somente pode ser efetivado se os alunos forem levados a ter a consciência de que a tomada da palavra […] é uma das atividades mais importantes para a ampliação de suas competências comunicativas e também na formação desses sujeitos como cidadãos dentro e fora da escola. (apud ROJO; RANGEL, 2009, p.8).

 

De igual modo, concordamos que é papel da escola levar os alunos a adquirir uma percepção mais consciente e crítica acerca de sua própria produção oral e das demais pessoas, em contextos variados. Nesse sentido, uma atividade interessante a fim de despertar e aprimorar essa consciência de si e do outro seria levar os alunos a analisar falas de pessoas que têm na expressão oral o seu mister – apresentadores de televisão, políticos, vendedores, dentre outros –, como sugere Bentes (apud ROJO; RANGEL, 2009). De fato, a complexidade da tarefa não é pouca, pois há muitos elementos envolvidos na produção de sentidos em uma fala pública – elementos dos quais, nem sempre, nos damos conta. Bentes chama a atenção para os “aspectos suprassegmentais (pausas, tom de voz, qualidade da voz, entoação) e cinésicos (a gestualidade, a postura corporal, a expressão facial e o olhar)” (apud ROJO; RANGEL, 2009).

Além disso, gêneros textuais orais específicos, como os gêneros assembleia e debate, que venham a contemplar as atividades presentes ou futuras do projeto em questão, também precisam ser desenvolvidos em sala de aula. O caminho a ser seguido, tanto para a conscientização dos fatores envolvidos na fala pública quanto para o aprendizado dos gêneros textuais orais, parece ser o de uma observação “contínua, sistemática e crítica” dessas práticas (BENTES apud ROJO; RANGEL, 2009). É isso o que também propõe Beatriz Santomauro em artigo veiculado na revista Nova Escola (2010): articular teoria e prática, levando sempre o aluno a conhecer o objeto de ensino (o que está implicado em um ato de fala? o que é uma assembleia?); apresentando modelos instrutivos que propiciem a análise e reflexão (acerca da estrutura do gênero oral em questão, acerca das estratégias comunicativas empregadas por determinado falante) – utilizando-se, inclusive, fichas de escuta – e, por fim, proporcionando ocasiões de efetiva prática do que foi apreendido nas etapas anteriores. Cumpre notar, aqui, que o projeto em questão proporciona um espaço privilegiado para a execução de atividades dessa natureza, pois os alunos não são apenas colocados em uma situação de “faz de conta”, em uma simulação – antes, têm a oportunidade de empregar a oralidade como ferramenta realmente capaz de transformar sua realidade imediata, construindo discursos que atuam de maneira direta sobre o mundo em que vivem.

No período do estágio, foi possível apenas dar início a todo esse processo – um processo que pode, inclusive, contemplar de maneira integrada a escrita e a oralidade. De fato, neste primeiro momento, não tratamos das imbricações entre fala e escrita, embora existam. Seria interessante, tanto para a disciplina Português como para o projeto como um todo, realizar exercícios que proponham a “retextualização”, de modo a viabilizar a movimentação entre gêneros textuais orais e escritos dos mais diversos tipos e, assim, despertar a consciência e o domínio de suas características e funções peculiares, como sugere Marcuschi, citado por Bentes (apud ROJO; RANGEL, 2009).

 

 

Considerações finais

O projeto, inicialmente pensado para as oitavas séries, conta com o apoio de professores de outras séries, que também querem colocá-lo em prática, adequando-o para sua própria realidade. Das atividades propostas, o Conselho dos Alunos e a Rádio na Escola estão em vias de começar a acontecer2. As atividades propostas também abrem caminho para que, no futuro, os alunos voltem a ter um grêmio estudantil que os represente.

Não se pode esquecer, é verdade, que cada turma tem suas particularidades – tanto nos problemas quanto na proposta de soluções. Uma coisa, contudo, parece ser unânime: a já mencionada necessidade de haver diálogo com os professores. Nesse sentido, paralelamente às atividades propostas pelos alunos, a escola deve encontrar meios de promover uma participação maior do corpo discente na vida escolar3. Embora a escola se veja obrigada a seguir os "Cadernos do Estado”, a incorporação de iniciativas pedagógicas diferentes, que favoreçam a expressão dos alunos, parece ser algo muito proveitoso e benéfico para o dia a dia escolar e para a própria vida e prática social dos alunos.

Por fim, é preciso ter consciência de que toda mudança requer tempo e esforço sustentado por um longo período – trata-se de um processo contínuo. De modo semelhante, não podemos classificar os alunos em categorias estáticas como “aluno bom” e “aluno mau”, pois cremos que esses papéis são constantemente desempenhados por cada aluno a partir do papel que eles escolhem, em determinado momento, assumir (a despeito de quaisquer polêmicas quanto à própria definição dessas categorias). Em outras palavras, não podemos fotografar os alunos, mas sim levá-los à consciência de que todos fazemos parte de um filme em que podemos assumir ora um papel, ora outro – fator determinado pela escolha que cada um faz no tocante à história que quer construir para sua própria vida. Dessa forma, o projeto, assim como as suas inserções na disciplina Português, visam à autonomia do ser humano – um aluno consciente de seu papel individual e coletivo na escola; um cidadão capaz de se posicionar criticamente e atuar positivamente na sociedade. Para isso, a disciplina Língua Portuguesa desfruta de condição privilegiada, por ser o espaço mesmo da atuação com a linguagem, elemento fundamental – fundador – das relações sociais.

 

 

Rodrigo Alvarez Brancaglioni

Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo; Bacharel em Letras com habilitação em Português e Inglês pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; Licenciado em Português e Inglês pela Faculdade de Educação (FE) da USP. Atualmente, bacharelando em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Foi monitor da disciplina Leitura e Produção de Textos no IME-USP e na FEA-USP; professor de redação para vestibular e, atualmente, é professor de Inglês.

 

 

Referências bibliográficas

ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

ROJO, Roxane; RANGEL Egon (Orgs.). Explorando o ensino: Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, 2009.

SANTOMAURO, Beatriz. Desafio: falar em público. Nova escola, São Paulo, n. 230, p. 44-51, mar. 2010.

SCHNEUWLY, Bernard; VASCONCELOS Filho (trad.). As ferramentas do professor: um ensaio didático. Tradução não publicada. s.d.

 

 

Anexo 1

Versão 0.1 (para apreciação) - 18/05/2010

Projeto – “Adolescente sim, aluno-problema não”*

*(nome sugerido por aluno)

por: Rodrigo Alvarez Brancaglioni (estagiário de Português)

Iniciativa e conceito inicial: Profa. L.

Apoio e desenvolvimento: Profa. L., alunos das oitavas séries e Rodrigo A. Brancaglioni

 

 

Objetivos

Responder satisfatoriamente ao problema de indisciplina e falta de compromisso por parte dos alunos.

 

Público-alvo

Oitavas séries

 

Justificativa

Uma vez que que as tentativas de se abordar o problema acima mencionado através das punições regulares (advertência, suspensão, conversa com os pais) não têm surtido os efeitos desejados, entende-se que há necessidade se buscar alternativas para lidar com a situação.

 

O baixo aproveitamento das oitavas séries em avaliações internas (e externas, como o Saresp) é um reflexo do problema. Ao passo que a área pedagógica da escola busca constante aprimoramento, os alunos, semelhantemente, precisam ser envolvidos no processo de solução do problema, posto que são eles próprios parte integrante e fundamental não apenas do processo pedagógico, mas da razão mesma da escola.

 

Sendo a educação o processo de fazer um indivíduo nascer para o mundo – isso é, de inseri-lo nas tradições humanas e na vida em sociedade – cabe à escola a responsabilidade de formar não apenas alunos que dominem determinados conteúdos (o que é indiscutível), mas também, e com igual importância, cidadãos capazes de se posicionar criticamente e agir em prol do bem comum. Essa responsabilidade torna-se inevitavelmente ainda maior à medida que as famílias se tornam cada vez mais ausentes e omissas no que diz respeito a seu papel educativo.

 

Metodologia

A metodologia adotada tem como base fundamental a participação ativa dos alunos no processo de pensar e agir sobre seu próprio problema. Para tanto, algumas aulas da disciplina Língua Portuguesa são destinadas ao desenvolvimento do projeto em parceria com os alunos, ocasiões em que eles têm oportunidade de desenvolver a produção de gêneros textuais orais, como, por exemplo, o debate e a assembleia. Além disso, empregam a língua, objeto de ensino da disciplina, em atividades práticas e contextualizadas, podendo refletir sobre seu uso.

 

Para a organização das discussões, foram selecionados de 4 a 6 “alunos-monitores” em cada turma, os quais são responsáveis por orientar a discussão com os colegas e registrar os principais pontos levantados (problemas ou soluções), levando em conta a realidade específica de sua própria turma. Embora o professor possa sugerir maneiras de condução do debate em sala e mesmo apontar temas específicos para a discussão, os alunos-monitores, que são os principais agentes fomentadores da discussão e reflexão no interior do grupo de alunos, têm autonomia para decidir o melhor formato para a atividade com os colegas – discussão em grupo único ou em grupos menores (em torno de 10 alunos).

 

Em um segundo momento, os alunos-monitores de todas as turmas devem se reunir para compartilhar ideias e resultados, de modo a ampliar o universo de possibilidades idealizadas por cada turma.

 

Paralelamente às atividades realizadas pelos alunos (e também por meio delas), buscamos despertar e fortalecer a identidade coletiva de cada turma, ressaltando o papel – positivo ou negativo – que cada aluno, individualmente, pode exercer sobre o grupo.

 

Como parte do resultado das discussões iniciais entre os alunos, apresentamos a seguir algumas ideias propostas por eles, pois cremos que têm potencial de integrar a metodologia do projeto.

 

Vale destacar que grande parte delas, de uma forma ou de outra, vai ao encontro de uma necessidade frequentemente verbalizada pelos alunos desde o início deste projeto: diálogo com os professores. Isso indica um caminho mais favorável ao estabelecimento das relações pedagógicas: não o caminho do “confronto”, mas o da compreensão e da responsabilidade partilhada.

 

De fato, o aluno, muitas vezes, tem poucas oportunidades de se expressar – na verdade, as formas de expressão do aluno são, tradicionalmente, reprimidas. No tocante a essa questão, cumpre esclarecer que o processo de “dar voz ao aluno” não significa diminuir a importância ou a autoridade do professor (ou da escola). Antes, dar voz aos alunos significa propiciar meios para que eles possam se expressar de maneiras construtivas – significa elaborar iniciativas pedagógicas que favoreçam a expressão deles, inclusive como cidadãos que tenham voz na sociedade. Sendo assim, em conformidade com a própria finalidade da escola e da educação, é essencial ensiná-los a ter essa voz, ensiná-los a como se valer dela adequadamente.

 

Atividades sugeridas pelos alunos

  1. Conselho dos Alunos

Uma vez por semana, os alunos que estivessem apresentando mais problemas (indicados pelos alunos-monitores em comum acordo com os professores) teriam, individualmente, uma reunião com um ou mais professores. Nessas reuniões, os professores conversariam com o aluno para descobrir a causa do problema e tentar achar uma solução. Se não melhorassem após 4 semanas (4 tentativas), seriam submetidos a outro tipo de ação mais “grave” (como chamar os pais na escola).

 

  1. Criação de um código de regras para os alunos e para os professores

 

  1. Elaboração do caderno do aluno da 8ª Y

Nesse caderno seriam registrados pontos que melhoraram na turma, assim como os problemas identificados. Além disso, os alunos poderiam, de maneira anônima, registrar críticas construtivas para os professores.

 

  1. Realização de palestras com ex-alunos problemáticos que conseguiram mudar sua história e aproveitar a escola para conseguir um futuro melhor.

 

O Conselho dos Alunos funcionaria às sextas-feiras, dia em que os alunos têm menos aulas. Os professores poderiam, ao longo do mês, participar desse Conselho através de um esquema de revezamento.

No tocante ao Caderno do Aluno da 8ª Y, poderia haver um espaço em cada folha para que se registrasse não apenas a crítica construtiva, o ponto negativo ou positivo, mas também o encaminhamento dado para cada questão.

 

Abaixo, ideias que podem ser implementadas no futuro e/ou que ainda precisam de maior detalhamento/reflexão.

 

Outras propostas de atividades que podem ser conduzidas nas sextas-feiras:

  1. Realização de assembleias de classe mensais (ou bimestrais)

  2. Realização de assembleias discentes (todos os alunos) mensais

  3. “Clubes” de Inglês, Teatro, Artes (entre outros, por exemplo). Essas atividades, além de favorecerem a expressão dos alunos, também são instrumentos pedagógicos. Para participar dessas atividades, o aluno deve demonstrar seu compromisso com as atividades regulares da escola, de maneira geral.

 

Articulação do Projeto com as atividades da disciplina Língua Portuguesa

[detalhar]

 

 

Anexo 2

Atividade – Escutando o outro

Adaptado por Rodrigo A. Brancaglioni (estagiário) a partir de um exercício teatral encontrado no livro “A porta aberta”4.

 

Ao pensarmos no ensino de língua materna, pensamos em habilidades de recepção e produção, tanto na modalidade oral quanto na escrita. Assim, na modalidade escrita, temos o ler e o escrever. Na modalidade oral, semelhantemente, o escutar e o falar.

 

A presente proposta de atividade tem por objetivo trabalhar a habilidade de escutar dos alunos, de modo a viabilizar sua melhor participação nas atividades do projeto Adolescente sim, aluno-problema não. Com esta atividade, pretende-se aumentar a consciência dos alunos quanto à importância de haver ordenação nas falas em debates e assembleias (cada um fala na sua vez) e iniciar uma reflexão sobre a importância e profundidade de “escutar” o outro para que haja verdadeiro diálogo, e não apenas ruídos.

 

 

Primeira etapa

Os alunos, dispostos em fileiras, devem, sem olhar para trás, contar de 1 a 30 (ou conforme o número de alunos na sala). Cada aluno fala um número, na ordem em que estiverem sentados. Quando o último aluno de uma fileira tiver falado, será a vez do primeiro aluno da fileira seguinte. A única voz na sala deve ser a do aluno que estiver com a vez de falar um número. Se a ordem for quebrada ou se um aluno “avisar” o outro que “é a sua vez”, a contagem recomeça.

 

Segunda etapa

Os alunos, na mesma disposição, devem repetir a contagem – mas, desta vez, procurando não respeitar a posição em que estão sentados. Cada aluno, independentemente do local em que está sentado, contribui para que a contagem alcance o número estipulado. Os números devem ser ditos em ordem crescente, um aluno por vez. Se dois ou mais alunos falarem ao mesmo tempo, a contagem volta ao início (não é permitido repetir o “percurso” feito até o erro, ou seja, outro aluno precisará dizer “1”, um outro, “2”, e assim por diante). O aluno que perceber que começou a falar um número ao mesmo tempo que o outro pode escolher interromper sua fala, de modo a deixar o outro concluí-la. Se a correção acontecer em tempo (se o aluno não terminou de dizer seu número), não será preciso reiniciar a contagem.

 

Terceira etapa

Conversa com os alunos – troca aberta de ideias através de perguntas dirigidas que encaminhem a reflexão coletiva em torno do “escutar” e do “falar”. Alternativamente, esta etapa pode ser conduzida em pequenos grupos (e, ao término da aula, cada grupo teria a oportunidade de compartilhar com os outros grupos as conclusões a que chegou).

Possíveis perguntas:

É possível haver diálogo sem escutar o outro?

O que é “escutar”? Apenas ouvir o som? Ou tentar compreender o que o outro diz?

Ao falar, é importante prestar atenção à própria entonação e à escolha das palavras?

 

 

Anexo 3

Anotações dos alunos-monitores (5 fotos): resultados de algumas das discussões em que se propuseram soluções para o problema vivenciado por eles.

Rodrigo_1

 

Rodrigo_2

 

Rodrigo_3

 

Rodrigo_4

 

Rodrigo_5

 

 

 

1 Optou-se por ocultar a identidade da professora. A letra aqui empregada não corresponde ao nome dela.

2Final do primeiro semestre de 2010, época de escrita deste artigo.

3Projetos coletivos, como o realizado às vésperas da Copa do Mundo, têm potencial de ser muito benéficos e de se constituírem em marcos na vida da comunidade escolar: os alunos foram mobilizados a construir um grande painel relativo ao evento esportivo, contemplando diversos aspectos (históricos e geográficos, dentre outros) do torneio em si e de seus países participantes.

4BROOK, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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1 Comentário

  • Link do comentário Rosângela Maria Couto Domingo, 27 Janeiro 2013 01:00 postado por Rosângela Maria Couto

    O domínio da expressão éessencial ao aluno da Educação Básica, masé uma tarefa de todos os componentes curriculares.

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