Análise do ensino de português numa sequência didática sobre “artigos de opinião”

 

Caroline Seixas

 

 

A partir das observações resultante de sessenta horas de estágio numa turma de segundo ano do ensino médio, realizadas numa escola estadual paulista, esboçar-se-á neste texto a descrição e análise de uma sequência didática proposta para propiciar aos alunos a apropriação do gênero artigos de opinião, num contexto singular. Para tanto, consideraremos as teorias de concepção da escola como uma agência do letramento, e propomos a análise da prática escolar da perspectiva dos gestos e instrumentos do professor, considerando em especial os dados colhidos acerca do âmbito do ensino.

 

1. Contexto de observação

 

Para o desenvolvimento dos conceitos e referências discutidos no curso de MELP I, serão analisados dados colhidos da observação das aulas de língua portuguesa ministradas pelo professor João2, numa escola estadual localizada num bairro periférico da cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. O professor João é bacharel em letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, com dupla habilitação em francês e português. Licenciou-se portanto nesta Faculdade de Educação, tendo concluído a licenciatura no ano 2000. Trabalha para a rede estadual de ensino desde 2003 no período noturno, como professor efetivo de português, além de trabalhar como metalúrgico durante o dia para complementar a baixa renda recebida do governo estadual paulista. Ao ser questionado sobre seu interesse em se dedicar exclusivamente à docência, o professor declara que seria uma grande conquista em sua vida, já que isso deseja há tempos, porém ainda não concretizou em razão do baixo salário oferecido geralmente à carreira. Neste ano, João ministra todas as suas aulas no período noturno (no qual foram feitas as observações) para todas as turmas do 2º ano do ensino médio.

O colégio apresenta poucas práticas de letramento em seus corredores, pátio e até mesmo dentro das salas de aula. Ao adentrar o corredor de acesso à sala dos professores, secretaria, diretoria e vice-diretoria, notamos paredes lisas, limpas de cartazes ou qualquer comunicação, com exceção de um grande quadro ao fundo do corredor, onde está desenhada a professora e poeta Júlia Lopes, a mesma que cedeu seu nome para a escola.

O pátio onde os alunos ficam durante o intervalo das aulas, aguardam seu início ou convivem após seu encerramento, também é quase livre de práticas de letramento. Observamos em uma parede cartazes de trabalhos realizados em razão da semana da água, a saber dias 21 a 27 de março, com alguns desenhos e dizeres sobre o tema. Os cartazes trazem também recortes de anúncios, contudo não são muito coloridos ou chamativos, podendo inclusive passar desapercebidos. Ao lado destes, há dois cartazes sobre o dia internacional da mulher, 8 de março, com algumas fotos de revista coladas e, em sua maior parte, rasgadas, de forma que não é possível distinguir a imagem que ali estiveram. Observamos num deles colagens de matérias publicadas sobre o tema da mulher, retiradas de jornais antigos.

Ao lado dos banheiros do pátio, os únicos aos quais os alunos têm acesso, há um cartaz médio sobre um projeto da Prefeitura Municipal de Osasco que trata do biodiesel, além de dois pequenos cartazes em folha de sulfite. No primeiro, vemos anúncios sobre a formatura das oitavas séries e do terceiro ano do ensino médio programada para o fim do ano, e, no segundo, sobre um curso de futsal, a ser ministrado aos sábados. No refeitório, onde alguns alunos e professores comem um jantar servido pelo colégio, também não há qualquer cartaz.

Os corredores que dão acesso às salas de aulas, por sua vez, também são lisos. Não há qualquer cartaz, anúncio ou aviso, apenas grandes números em cima das portas, designando a divisão feita em relação às salas; não há, entretanto, qualquer referência no corredor sobre qual turma assiste aula em cada sala. Os alunos, professores e funcionários não apresentam qualquer problema em relação a isso, porém uma pessoa que não convive naquele ambiente, como um licenciando estagiário por exemplo, não consegue saber qual sala corresponde a uma turma específica, sem contar com a ajuda de alguém.

A sala dos professores possui as paredes mais preenchidas da escola. No início das observações, havia dois cartazes da APEOESP3, um convocando os professores para a assembleia da categoria e outro comemorativo do dia internacional da mulher. Além disso, diversas folhas de sulfite que trazem toda a grade horária dos três períodos; um aviso escrito à mão, a respeito da suspensão de um aluno, com o nome, a turma e o período de suspensão, informando já terem os pais tomado ciência do caso.

No que tange às trocas interativas observadas no ambiente, nota-se que a relação entre professores e alunos frequentemente se limita à sala de aula. Na sala dos professores ficam concentrados, em geral, todos os mestres durante o período em que não estão lecionando. Nela, observam-se dois computadores com acesso à internet, sempre ligados e à disposição dos professores (que muitas vezes fazem uso); acima, na parede, há uma grande televisão na qual são acompanhadas diariamente, de forma atenta, cenas das novelas mais conhecidas. Os professores conversam muito acerca do comportamento dos alunos, classificado como ruim ou péssimo, e no que se refere aos discursos mais observados, notam-se conceitos preconceituosos e estigmatizantes, além de muitas vezes serem ouvidos xingamentos em relação a alguns alunos. Felizmente, o professor João nestes momentos fica sentado, geralmente lendo ou fazendo alguma anotação, num banco à parte do grupo geral.

Os alunos, por sua vez, convivem geralmente na parte do pátio que lhes fica disponível. Isto porque uma bonita parte da área de convivência, com árvores e simpáticos assentos, fica trancada sob o argumento de ser um lugar com pouca luminosidade à noite. Geralmente, os estudantes ouvem música em alto volume pelo celular, conversam em grupo e também pelo celular. Poucas vezes são vistos alunos fazendo leitura fora da prática nas salas de aula. Estas têm as carteiras dispostas de maneira tradicional, uma atrás da outra, em fileiras, de frente para a lousa. Em cada turma estudam mais de quarenta alunos, o que ocasiona muita vez, a falta de um lugar adequado para todos. Há alunos, nos dias mais cheios, que assistem aula numa cadeira entre duas fileiras de carteiras. “Isso quando eles vêm, porque eles faltam muito”, completa o professor João. Além da lousa de frente para os alunos, há em todas as salas uma lousa lateral, aparentemente pouco usada pelos professores. Na maior parte das turmas, observamos nesta lousa lateral nomes pichados e, em uma turma (2º A), ficou por alguns dias a seguinte frase: “E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer. Lya Luft”. Além dos dizeres das lousas, as paredes das salas possuem apenas um cartaz de regras de conduta para o ensino fundamental. Não há nada que diga respeito exclusivamente aos alunos do ensino médio.

Em relação à documentação escolar, observamos que o planejamento enviado aos órgãos responsáveis faz referência direta à proposta oficial da Secretaria Estadual da Educação. O texto da proposta fala em regras para a norma padrão da língua e também para os enunciados que circulam no cotidiano, podendo ser classificada como uma postura normativa dos padrões para o ensino da língua materna. O conceito de letramento aparece determinado pela variedade de gêneros que uma pessoa conhece e é proposto diretamente para o chamado ensino fundamental II (6º a 9º anos ou 5ª a 8ª séries). Para o ensino médio, observamos que a proposta de ensino é dividida em três campos de estudo:

I) linguagem e sociedade: propõe uma análise externa da linguagem e literatura, focada em sua dimensão social;

II) leitura e expressão escrita: trata das características dos gêneros a partir do lugar do receptor na materialidade escrita. Os gêneros são definidos como acontecimentos sociais nos quais interagem suas características marcantes, as quais são definidas como elementos sociais;

III) funcionamento da linguagem: recomenda a análise interna da língua e literatura como realidades; 

IV) produção e compreensão oral: neste ponto, o texto oficial não faz nenhuma recomendação como proposta de trabalho, mas simplesmente apresenta uma paráfrase do nome do campo de estudo.

A escola não tem por hábito trabalhar com projetos temáticos, o que não exclui a disciplina de língua portuguesa e tampouco as demais. Em geral, os professores aplicam o conteúdo do material didático oferecido pelo governo estadual, dividido em Caderno do Professor e Caderno do Aluno para cada disciplina, entretanto são livres para trazer materiais complementares, caso julguem necessário. Nesse sentido, João aproveita as aulas de sexta-feira, em que as salas se encontram habitualmente mais vazias (com cerca de 25% do total de alunos) para utilizar um material encontrado, segundo ele, “jogado” na sala dos professores4. Trata-se de uma sequência didática para o trabalho do gênero “artigos de opinião”, com diversos textos e questões e, com a proposta de serem feitas pelos alunos a produção inicial e final do gênero. O material nesse caso só está disponível na versão Caderno do Aluno, e foi desenvolvido por um programa de aperfeiçoamento dos professores estaduais em 2008. Segundo João, é utilizado apenas às sextas-feiras, já que não haveria material suficiente caso todos os alunos estivessem presentes, e também porque, com a sala menos cheia, é possível desenvolver melhor o tema.

 

2. Descrição das práticas de ensino

 

2.1. A sequência de ensino para as sextas-feiras

A princípio, é preciso destacar que as horas de estágio destinadas a acompanhar o trabalho do professor João em sala de aula estão sendo realizadas somente às sextas-feiras no período noturno, em razão de limitações de horário para o cumprimento do estágio. Tal fato gerou diversas implicações, considerando que a sexta-feira é dia atípico no colégio observado, assim como em muitas escolas da rede pública do estado de São Paulo. Segundo me foi relatado, não só pelo professor João, mas por outros colegas docentes, às sextas-feiras o quórum do alunado, em especial no período noturno, é bastante pequeno, chegando ao extremo de compreender apenas um aluno em sala, fato observado na conduta de alguns professores que, por sua vez, também pouco comparecem para lecionar neste dia específico. Dessa forma, notei que na maioria das sextas-feiras em que compareci à escola para a observação do estágio, o professor João “adiantou” aulas, lecionando para duas turmas ao mesmo tempo, gesto orientado pela direção da escola que frequentemente dispensa tanto professores quanto alunos antes do término da última aula.

Em razão do contexto especial que vive o docente às sextas-feiras, foi elaborada uma sequência de ensino específica para este dia: apropriação do gênero discursivo artigos de opinião. O professor afirma que essas aulas são especiais porque as turmas são, em geral, bem pequenas, compostas, principalmente, por alunos classificados como aplicados, embora o professor saliente: “Também tem algunstranqueirasque vêm porque os pais obrigam. A sequência de ensino tem por objetivo promover a apropriação do gênero por esses alunos e só é trabalhada às sextas-feiras, dia em que o professor João tem apenas uma aula em cada uma das cinco turmas de ensino médio do colégio.

Como síntese da sequência de ensino do professor João, é possível afirmar que o docente propõe a análise de diversos artigos de opinião, elencando oralmente alguns tópicos principais desse tipo discursivo, aparentando ter por objetivo demonstrar aos alunos, por meio dos exemplos apresentados, como deve ser feita uma argumentação.

 

2.2. O tratamento do objeto de ensino

Nas observações realizadas durante o estágio foram acompanhadas aulas que tratam de um objeto de ensino de natureza discursiva, como outrora citado, os artigos de opinião. Trata-se de um objeto a ensinar escolhido para ser trabalhado especialmente com os alunos que costumam frequentar as aulas de sexta-feira que, segundo o professor João, são aulas mais tranquilas. Com isso percebemos que o professor, que habitualmente enfrenta dificuldades para exercer sua profissão em razão da desmotivação encontrada nos alunos, além da indisciplina e das condições pouco favoráveis criadas pelo tratamento recebido das autoridades responsáveis pela educação, acabou por criar uma sequência específica para ser trabalhada em dias atípicos. Observamos que, num movimento altamente criativo, aproveitou-se o professor de uma situação a princípio desfavorável (já que o alto índice de faltas é uma manifestação dos alunos para expressar certo descaso para com a escola), e criou um objeto de ensino exclusivo num dia específico, criando assim uma relação especial entre os alunos e esta sequência. Prova disso é a fala de um aluno do 2º D logo após a entrada do professor João na sala: “Artigos de opinião!”, e o professor responde: “Isso. Hoje é dia de artigos de opinião”. Podemos perceber que muitos alunos demonstram alto interesse em analisar os textos e também que eles já vão para a aula na sexta-feira sabendo que lidarão com aquele objeto de estudo específico, ao passo que outros inevitavelmente permanecem apáticos, creio que ignorando as orientações do mestre de maneira deliberada, numa espécie de resposta a um sistema escolar com o qual não parecem se identificar.

Os artigos de opinião são trabalhados nas turmas do 2º ano com o objetivo de demonstrar aos alunos como podem ser construídos textos com o intuito de argumentar a respeito de um posicionamento qualquer sobre determinado tema. As aulas observadas, em geral, não tratam questões de ordem gramatical ou ortográfica, ficando centradas exclusivamente na discussão a respeito das características discursivas encontradas nos exemplos analisados. Os desdobramentos dessa forma de tratar o objeto são bastante variados, razão pela qual elencaremos apenas os principais: i) na maioria das aulas, o professor se esforça em fazer os alunos compreenderem a questão controversa que está em debate através dos textos utilizados como exemplo; ii) em diversos momentos, observa-se a intenção do professor em incentivar os alunos a não tomarem posições extremistas quando expuserem sua opinião a respeito de algo; e iii) aos poucos, com o desenrolar das aulas, o professor tem por objetivo levantar as principais características do gênero, através das análises feitas com exemplos.

 

2.3. As práticas de linguagem envolvidas na sequência

As aulas que trabalham a sequência de ensino dos artigos de opinião envolveram práticas de linguagem pouco voltadas para a produção escrita ou de oralidade formal dos alunos. O que observamos é que as aulas são direcionadas para a análise discursiva do gênero, na tentativa de levar os alunos a se apropriarem das características observadas nos exemplos. A análise linguística, em seu âmbito discursivo, tem portanto um papel primordial nesta sequência, tendo como prática auxiliar a leitura-escuta e a produção oral-escrita. A sequência geralmente desempenhada pelo professor João se inicia com a presentificação do objeto de ensino por meio de anotação na lousa de alguns dizeres: i) data do dia em que está sendo ministrada a aula; ii) ARTIGOS DE OPINIÃO (em letras maiúsculas e de tamanho grande); iii) instruções a respeito do texto do dia, do tipo: APOSTILA PÁG. 14 “EU AMO ESTA CIDADE!” / PÁG. 21 “SOBREVIVER EM SÃO PAULO”.

 

Exemplo da disposição geralmente encontrada na lousa.

01/04/11

ARTIGOS DE OPINIÃO

 

APOSTILA PÁG. 14: “EU AMO ESTA CIDADE”

PÁG. 21: “SOBREVIVER EM SÃO PAULO”

 

Nota-se com isso que o professor João utiliza a lousa como um instrumento didático de presentificação do objeto em questão, situando os alunos na sequência, por meio da data da aula (que aproxima a atividade e a torna perceptivelmente atual) e por meio do título da sequência, que efetivamente presentifica o objeto e cria uma regularidade que promove a aproximação dos alunos com o gênero trabalhado. Como já dito, os próprios alunos já sabem que às sextas-feiras a aula de português é destinada ao estudo dos artigos de opinião, o que evidencia uma proximidade com o objeto de estudo, além de tornar perceptível a sequencialidade do projeto de ensino do professor. Além disso, o professor também pontualiza os exemplos a serem utilizados, quando escreve na lousa a página exata em que serão encontrados os textos da aula, além do título destes, o que evita confusões por parte dos alunos mais dispersos, e mantém os textos linguisticamente presentes por toda a explicação do dia, já que essas anotações feitas no início são mantidas até o fim da aula.

Após a introdução feita por meio da escrita na lousa, o professor João instrui oralmente seus alunos a respeito do que deve ser observado na leitura de cada texto em questão, momento em que também entrega a cada aluno a apostila especial a respeito dos artigos de opinião. Esta apostila não corresponde àquela atualmente produzida pela Secretaria Estadual de Educação, mas sim um material especial oriundo de um curso para formação continuada de professores, numa parceria do governo estadual com outras entidades envolvidas com educação, e é denominado SEQUÊNCIA DIDÁTICA – ARTIGOS DE OPINIÃO. O professor João relata que encontrou este material “jogado na sala dos professores, e resolveu utilizá-lo com suas turmas às sextas-feiras, justamente por ser um dia em que as salas estão menos cheias, situação que possibilita a entrega de uma apostila para cada aluno, o que num dia corriqueiro não seria possível. Ao folhear o material, observamos que ele aparenta ter sido elaborado com mais cuidado que a apostila regular fornecida pelo governo estadual (tradicionalmente conhecida por suas lacunas), com base nas novas concepções a respeito do letramento.

Tendo entregado a cada aluno uma apostila, o professor aguarda que seja feita por eles uma leitura individual dos textos propostos (aqueles cujos títulos e indicação de página estão na lousa). Nesse momento, muita vez, a sala é deixada pelo docente para que este “adiante” aula em outra turma, causando por vezes a dispersão dos alunos, que passam a conversar sobre outros assuntos, ligar seus celulares e se desinteressar em relação aos textos. Ao retornar à sala, o professor geralmente leva algum tempo para poder reconquistar a atenção de todos, além de por vezes se desgastar com a questão do uso do celular em sala de aula. O professor chega a afirmar que trará à turma do 2º A uma cópia da lei que proíbe o uso de celular em sala de aula e fará todos os alunos assinarem. Percebemos com isso o reflexo da importância que nossa sociedade atribui aos textos legais, pois, ao afirmar que fará com que os alunos assinem o texto da tal lei, o professor diz com outras palavras que, após esta assinatura, não haverá mais argumento para o uso do celular e que, caso isto ocorra, haverá penalidades. O texto da lei é desta forma associado a uma punição mais severa do que os demais textos.

Quando volta a falar sobre o texto, o professor em geral não faz a leitura em voz alta e tampouco solicita a algum aluno que a faça, supondo então que os alunos concluíram a leitura no tempo que foi dado. O professor, a seguir, orienta os alunos a responderem algumas questões interpretativas contidas na apostila, porém escrevendo as respostas nos cadernos, já que ao final da aula o material é devolvido ao professor para que possa ser utilizado com outra turma, ou na mesma turma na próxima semana. Este é um dos poucos momentos, nesta sequência, que os alunos trabalham com a produção escrita, através das respostas dadas às questões. Em algumas aulas da sequência, geralmente as compostas de pouquíssimos alunos, o professor sequer solicita a produção escrita das respostas das questões da apostila; às vezes resolve as questões oralmente, outras vezes, nem trata das questões, discutindo apenas alguns pontos que podem ser elencados dos textos, num movimento já esperado de reformulação da sequência, de acordo com o contexto de aplicação. O esforço do professor em fazer com que os alunos, ao menos, sintam vontade de ler o texto proposto também, por vezes, ocupa boa parte da aula, através de justificativas que visam a incentivar a leitura e a reflexão sobre temas cotidianos.

Observamos que o professor deixa os alunos lendo o texto ou respondendo as questões, a princípio, sozinhos (momento em que retorna à turma na qual está “adiantando” aula ou resolve trâmites burocráticos, como a realização da chamada por exemplo), e depois vai passando pelas carteiras tanto para realizar a regulação da atividade quanto para sanar eventuais dúvidas.

Num terceiro e último momento, o professor responde cada questão oralmente e elenca na lousa alguns tópicos pertinentes a cada texto, como por exemplo o uso de expressões típicas da manifestação oral da língua, uso de estrangeirismos, algum vocabulário ou conceito desconhecido etc. Nessa parte, é trabalhada a questão controversa presente em cada artigo de opinião analisado. A depender da participação dos alunos, a discussão pode ser mais aprofundada ou mais superficial, pois como já dito alguns alunos aparentam se recusar a participar das atividades.

 

2.4. Gestos e instrumentos didáticos utilizados na sequência

Por se tratar de uma sequência de ensino especial, observamos que os gestos e instrumentos didáticos utilizados pelo professor não variam muito de uma turma a outra. A maneira como é feita a presentificação, por exemplo, é a mesma sempre, em todas as turmas e em todas as aulas: o professor entra, cumprimenta os alunos e faz as anotações já citadas na lousa. É uma maneira de situar os alunos na sequência e tornar o objeto de ensino não só presente, como também próximo e visível para os estudantes. Como principal dispositivo didático utilizado pelo professor João para trabalhar os conceitos principais da aula, observamos o uso do par pergunta-resposta. Após a leitura dos textos utilizados como exemplo, o professor pouco a pouco vai trazendo à tona os temas pertinentes ao gênero, fazendo perguntas específicas que levam os alunos a responder o necessário para a condução da aula. Contudo, o professor não anota nenhum dos conceitos na lousa, apenas os expõe oralmente e enumera o nome dos conceitos no quadro, assim como no exemplo: “Neste texto temos a expressãose o computador der pau..., esta expressãoder paunão é uma expressão normal, é uma expressão da linguagem informal [escreve informal no quadro]”. Nota-se que o professor classifica a linguagem informal como uma linguagem que não se aproxima da normalidade, embora seja sabido que é justamente a forma mais frequentemente utilizada no cotidiano das pessoas. Além disso, na sequência observada, o professor apenas elenca o título do conceito na lousa, explica oralmente o que é linguagem informal, porém não presentifica o conceito através da escrita. Os principais gestos didáticos deste professor nesta sequência portanto estão baseados na oralidade, e não na escrita.

A regulação é feita tanto pelo par pergunta-resposta quanto pelo gesto de passar pelas carteiras e observar a resolução das questões, além de sanar as dúvidas presentes. Nas últimas aulas observadas, foi proposto aos alunos, como atividade de recuperação paralela, a elaboração de uma redação, em formato de artigo de opinião, sobre as cotas raciais nas universidades, porém pouco demonstrou a efetiva apropriação do gênero, assunto sobre o qual discorreremos mais adiante. A institucionalização, por sua vez, é feita oralmente nos momentos em que o docente elenca algumas características do gênero textual com frases do tipo: “No artigo de opinião a gente observa que o autor argumenta, defende a posição que ele tem sobre o tema”. Observamos que nos momentos em que ocorre a institucionalização do objeto de ensino, o discurso do professor em geral se constrói de maneira monologal, por vezes até ignorando a participação dos alunos.

A memória didática é um recurso bastante presente na sequência dos artigos de opinião, já que é constituída de uma situação especial para um dia atípico. Ao adentrar a sala e fazer as anotações da lousa o professor em geral diz: “Como hoje é sexta-feira e a gente trabalhando artigo de opinião na sexta-feira, hoje a gente vai trabalhar com os seguintes textos...”. Isto cria uma sequência com definições bem marcadas, aproximando de certa forma o objeto de estudo com as atividades desenvolvidas em sala. Com relação às atividades a serem executadas no futuro, o professor cita que falta uma quantidade determinada de textos para que aquela sequência termine, sendo as aulas portanto estruturadas com base exclusivamente no material específico para este objeto, sobre o qual já discorremos acima.

Os instrumentos didáticos utilizados são de ordem tanto material quanto discursiva, sendo os materiais: lousa, giz e apostila; e os discursivos: exposição oral e par pergunta-resposta.

3. Análise da sequência didática e da apropriação

do gênero artigos de opinião

 

A partir dos dados descritos anteriormente, propomos nesta seção uma análise centrada nos gestos didáticos do mestre, no que diz respeito à condução da sequência didática planejada, passando pelo tratamento das práticas de recepção e produção de textos orais e escritos.

A aula do professor João nesta sequência de ensino é praticamente toda feita oralmente. Há poucas anotações na lousa, por exemplo, sendo esta utilizada principalmente como instrumento de presentificação do objeto de ensino, como outrora já comentado. Em razão da pouca quantidade de alunos, a maioria das aulas é configurada como uma conversa descontraída a respeito do assunto tratado. Não é notada no professor uma preocupação acirrada em institucionalizar o que se está discutindo, sua concentração está em extrair do texto analisado a questão controversa a respeito do assunto tratado, não sendo feitas análises gramaticais, tampouco ortográficas e, inclusive, não abrindo espaço para a participação efetiva dos alunos, no sentido de expressarem sua opinião a respeito do tema tratado, considerando ser a sequência de ensino focada em artigos de opinião. De acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 96) a prática de ensino implica:

Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comunicação diversas.

Não se trata, evidentemente, de tratar a atividade docente de maneira normativa, exigindo do professor uma conduta específica predeterminada para que se consiga concretizar a aprendizagem. É necessário considerar em toda análise da prática escolar, o contexto específico envolvido nesse ambiente, ponderando sempre com relação à diversidade, já que esta constitui um pilar constitutivo da escola. Contudo, na sequência didática escolhida pelo professor João para ser desenvolvida com seus alunos às sextas-feiras, o que está em questão é a apropriação de um gênero textual que traz em sua essência a expressão de uma opinião, aquilo que se pensa a respeito de algo ou de alguém. A apropriação deste gênero deve possibilitar, então, aos alunos: i) identificar as opiniões e controvérsias presentes nos textos lidos; ii) criar e expressar suas próprias opiniões e polêmicas, de maneira apropriada ao gênero; e iii) ser capazes de discorrer metalinguisticamente acerca do gênero textual em questão. O que ocorre no entanto é que nas aulas observadas, as atividades se limitam apenas à realização no descrito no item “i” acima.

O planejamento do professor para esta sequência, segundo relatado por ele, está concentrado na proposta encontrada no material didático utilizado, que traz esquematicamente diversas atividades que visam a conduzir a apropriação do gênero, passando não só pelo reconhecimento das características inerentes aos artigos de opinião (que dizem respeito aos tópicos discursivos tratados, em geral envolvendo temas polêmicos, e aos articuladores textuais típicos), como também pela produção escrita do gênero, em duas etapas5. Encontramos no material utilizado para essa sequência a proposta de duas produções escritas6, com intervalos significativos entre elas para que sejam realizadas diversas atividades que viabilizem a exploração do gênero. Conforme se observa na sequência proposta pelo material, a produção final do artigo de opinião seria justamente realizada na última aula da sequência, proporcionando assim a possibilidade de analisar a apropriação do gênero após todas as discussões feitas em torno deste. Da mesma forma, é proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 101-107) a produção pelos alunos do gênero trabalhado em dois momentos: na primeira produção, seriam reveladas (não somente para o professor, como também para os próprios alunos) as habilidades já dominadas em relação ao gênero e ao tema escolhido para ser tratado, de maneira que possibilite ao mestre definir precisamente em que ponto deve interferir. A última produção, mais madura e trabalhada, teria caráter somativo, com a exposição dos elementos trabalhados em aula, que também servem como critérios de avaliação.

A importância de se requerer dos alunos a produção em duas etapas está em conseguir visualizar claramente a evolução da aprendizagem e, sobretudo, em deixar claro a eles quais são os pontos que serão avaliados, de maneira que eles possam trabalhar sozinhos os pontos elencados nas fases de elementarização, demonstrando assim dominar termos próprios a respeito do estudo. Todavia, a prática docente observada envolveu apenas uma atividade de produção escrita, num momento bastante preciso: a recuperação paralela do primeiro bimestre. Isso significa, em primeiro lugar, que essa atividade não foi realizada por todos os alunos, mas tão somente por aqueles que precisavam “recuperar” a nota obtida. Em segundo lugar, o professor procurou valorizar as aulas de sexta-feira que, como já dito, são pouco frequentadas e, portanto, podemos afirmar que não eram todos os alunos que estavam efetivamente preparados para produzir um artigo de opinião, já que as discussões feitas a respeito do gênero eram realizadas em momentos atípicos, nos quais eram encontrados poucos alunos em sala de aula.

A questão que propunha a produção escrita como atividade de recuperação paralela segue reproduzida exatamente como na lousa:

 

As cotas nas universidades para negros e para alunos que cursaram a escola pública são uma medida acertada.”

- usar conectivos

- tipos de argumentos: - autoridade

- princípios

- causa

- exemplificação

 

Com esta questão, o professor orientou os alunos a escreverem sua opinião a respeito do tema (as cotas nas universidades para negros e alunos da rede pública), através de um artigo, com o uso de conectivos que ligassem as frases com coesão e com argumentos variados. Por se tratar de uma atividade fortemente avaliativa, não foi realizada discussão oral a respeito do tema. Além disso, na sequência de ensino observada durante a realização do estágio, em nenhuma aula se falou a respeito do uso de conectivos interligando frases com coesão, tampouco foi falado a respeito dos tipos de argumentos citados na lousa, porém o assunto não parecia ser estranho aos alunos, ou estes não demonstraram desconhecer os termos ali utilizados. Isso nos leva a concluir que tais matérias foram tratadas em outras aulas que não as de sexta-feira. Entretanto, o resultado da recuperação paralela foi pouco satisfatório. Os alunos não souberam escrever artigos de opinião. Não souberam diferenciar a opinião escrita em formato de artigo de uma opinião escrita em qualquer outro tipo de texto, o que nos leva a concluir que o gênero textual não foi devidamente apropriado pelos alunos. A produção escrita era, na maior parte das vezes, iniciada com frases do tipo Na minha opinião as cotas deveriam... ou Sou a favor / contra as cotas nas universidades porque..., e com isso notamos o desconhecimento das características típicas do artigo de opinião, que se constitui por elementos da linguagem mais formais. Os estudantes simplesmente escreveram sua opinião sobre o assunto, sem modelar o texto de acordo com o gênero solicitado.

Outro fator que talvez explique o insucesso da apropriação do gênero foi a atividade ter sido realizada no meio da sequência e numa quarta-feira. Daí, concluímos que os alunos que a realizaram não necessariamente são os mesmos que frequentam comumente as aulas da sequência didática às sextas-feiras, estando então a sala de aula com bem mais alunos neste dia. Essa atividade foi, portanto, utilizada como um instrumento de avaliação, uma atividade extra que permitiu aos alunos melhorarem possíveis notas baixas, e não como parte da sequência didática.

A importância da programabilidade de uma sequência didática está em unir todas as considerações feitas em torno do objeto de ensino de maneira que se construa uma lógica que envolva os estudos realizados. Entretanto, é evidente que nenhum planejamento dará conta das participações exuberantes que ocorrem em sala de aula. Não se trata então de afirmar que o professor João pecou ao desvencilhar-se da sequência inicialmente planejada de acordo com o material, até porque deve ser o material didático um instrumento de auxílio ao trabalho docente e não um instrumento engessante, pelo qual o professor está preso e não possa fugir. Porém a análise da aplicação da sequência didática, mesmo que reformulada de acordo com os critérios do próprio professor, não foi satisfatória em relação à produção escrita de seus alunos. Devido ao fato de as aulas estarem concentradas em discussões orais, muitas vezes superficiais, a respeito dos temas presentes nos textos do material, a produção escrita acabou por ter um lugar pequeno na sequência e, sendo o objeto de ensino de natureza essencialmente escrita, resultou-se no insucesso da apropriação do gênero.

No tocante à prática de recepção oral, não há muitas considerações a serem feitas pois, na sequência observada, os alunos não tiveram contato com textos orais, talvez em razão de ser o objeto de ensino de modalidade escrita. A prática de leitura por sua vez era frequente, tendo ocorrido em todas as aulas observadas (com exceção do dia em que houve a atividade de recuperação paralela). A leitura sempre foi feita de maneira individual e silenciosa, não tendo sido observada nenhuma prática de leitura em voz alta, leitura compartilhada ou recitação. Nos momentos de leitura, em geral no início da aula, após a distribuição dos cadernos específicos para a sequência, o professor anotava na lousa a página a ser lida, às vezes anotava também os títulos dos textos, e utilizava o momento ou para “adiantar” aula em outra turma, ou para fazer a chamada. Os alunos em geral liam os textos, mesmo que contrariados, e o professor os incentivava, tentando demonstrar que ali estava uma importante fonte de conhecimento para suas vidas:

 

Aluno: — Ah, professor, você vai dar matéria, hoje é sexta-feira, deixa a gente ficar conversando.

Prof.: Você tem sorte de hoje ser sexta-feira, porque você vai ler este texto, é interessante, e os seus amigos que não vieram não vão poder ler.

 

Dessa forma, aos poucos João conduzia a aula, mostrando aos seus alunos a importância da leitura, na medida em que explicava a eles que, por meio dela, são adquiridos conhecimentos a que não se tem acesso no cotidiano. Gestos como este demonstram como o trabalho docente pressupõe uma concepção específica da escola. Podemos afirmar que, ao incentivar seus alunos a pararem aquilo que fazem cotidianamente, isto é, conversarem entre si sobre assuntos diversos, e se concentrarem numa atividade específica da prática escolar (a leitura de textos pré-selecionados para um fim específico), o professor demonstra possuir uma concepção da escola como uma forma social que rompe com o cotidiano, proporcionando o alheamento à realidade, porém incrementando-a, refinando seus modos de pensar, falar e fazer. Essa incrementação e refinamento da vida só é possível porque o ambiente escolar produz uma ficcionalização da prática social, sendo ela própria uma das formas sociais. O processo de ficcionalização é o que possibilita pensar a vida, na medida em que somente após ficcionalizar algum aspecto do cotidiano (as cotas nas universidades, por exemplo, como pedido na atividade de recuperação paralela) é que se torna possível o estabelecimento de uma distância mínima necessária entre aquele que pensa e aquilo de que se pensa, para que o pensador possa observar o objeto pensado.

Outro exemplo que bem ilustra essa afirmação é uma fala do professor João para incentivar seus alunos à realização da leitura de um artigo de opinião sobre o uso da pílula do dia seguinte:

 

Prof.: — Vocês sabem o que é a pílula do dia seguinte?

Alunos: — Sim.

Prof.: — Pra que que ela serve?

Al1:Pra não engravidar.

Prof.: — Mas ela pode ser usada sempre?

Al2:Não, no máximo três vezes no ano.

Prof.:Muito bem. Então agora nós vamos ler um texto que fala sobre os riscos que uma pessoa que toma muito a pílula do dia seguinte correndo. Leiam atentamente porque isso ligado diretamente com a vida de vocês.

 

Esta aula, uma das últimas da sequência, foi bastante produtiva. Os alunos demonstraram interesse especial no assunto e participaram de maneira ativa tirando eventuais dúvidas. Após a discussão sobre o texto, o professor afirma:

 

Prof.Por isso que é importante as nossas aulas de sexta-feira, porque vocês têm acesso a textos que normalmente vocês não leriam. Vocês entrariam na internet pra pesquisar sobre esse assunto? [alguns alunos respondem que “sim”, outros respondem que “não”] Então, mas neste texto vocês tiveram informações importantes sobre algo que tem haver diretamente com vocês, nós temos alguns casos de gravidez aqui na escola, isso é muito sério, e não pode sair tomando a pílula do dia seguinte toda hora.

 

Dessa maneira, o professor vai incentivando seus alunos a comparecerem nas aulas de sexta e também explicando a importância da leitura para a aquisição de conhecimentos essenciais à vida. A prática de leitura é tratada então sob uma abordagem de natureza discursiva, ligada ao contexto mais amplo em que está inserida. O texto não é concebido simplesmente como um produto de codificação, a ser decodificado por um leitor passivo, mas sim como um instrumento de construção de sentido, e não apenas de extração deste. Ao relacionar a matéria da leitura com a vida de seus alunos, o professor os incentiva a ligar o conhecimento ali presente com outros conhecimentos já possuídos e, portanto, o estudo passa a fazer mais sentido, ser mais interessante. Daí chegamos a uma característica especial do ensino do português como língua materna, um papel duplo exercido pelo docente da área, à medida que refina o que é familiar ao cotidiano dos alunos e apresenta a estes o que não lhes é familiar.

É possível afirmar que a prática de leitura na sequência observada envolve as três capacidades inerentes a ela, a saber: i) a capacidade de decifrar o código ali presente (capacidade esta aparentemente já dominada pelos alunos que não manifestavam dificuldades com relação à leitura); ii) a capacidade de compreender os conteúdos trazidos pelo código decifrado (capacidade esta desenvolvida em conjunto com professor e alunos, quando tentavam associar ideias expostas em diferentes textos, compará-las, extrair dos artigos de opinião a questão controversa ali presente, levantar hipóteses etc); e iii) a capacidade de interpretar (capacidade ligada à abordagem discursiva da prática, na tentativa de elencar as finalidades das afirmações e a relação destas com o contexto no qual está inserida).

No que se refere à prática da oralidade, observamos que ela não é regulada no sentido de ensinar os alunos a produzir com precisão textos orais. Isso porque o objeto de ensino se constitui essencialmente da modalidade escrita da língua, razão pela qual as práticas orais ficaram restritas às conversas entre professor e alunos sobre os temas encontrados nos textos. Essas conversas, por serem conversas inseridas no ambiente escolar e portanto trazerem consigo características inerentes a tal ambiente, não são constituídas como meras conversas, mas sim têm o fato de serem conduzidas unilateralmente por uma das partes que conversa, isto é, não são conversas cuja troca de turno conversacional se dá naturalmente, mas sim reguladas pelo professor; tampouco são conversas cuja mudança no tópico discursivo ocorre sem qualquer ordem, sendo também controlada pelo mestre. Não se trata então de analisar tais práticas como se analisaria, por exemplo, uma conversa descontraída entre amigos numa mesa de bar, mas sim de direcionar a análise “com base em um foco que busque tratar da interação verbal sem renunciar à discussão da dimensão didática dela constitutiva7”. A forma escolar, portanto, modela tanto a fala do professor e a condução que este dá à conversa, como também as falas dos alunos, sabendo estes quando devem falar, o que falar, quando perguntar, quando responder e, inclusive, muitas vezes, o que responder de acordo com o que o professor deseja ouvir.

 

Considerações Finais

A análise da prática de ensino de artigos de opinião para as turmas do 2º ano do ensino médio pelo professor João, demonstra a importância da programabilidade e sequencialidade para o êxito do trabalho docente, além de ser um forte exemplo da conduta esforçada de um mestre contemporâneo no incentivo à leitura e reflexão de seus jovens alunos, numa sociedade cada dia mais atrelada às questões mercadológicas, inclusive no ambiente escolar, o que acaba geralmente por resultar em alunos pouco interessados nas atividades intelectuais (em especial nas que dizem respeito à escola), além de professores desmotivados e irritadiços com sua condição. As horas observadas nessa turma nos levam a acreditar ainda mais na possibilidade de construção de uma escola brasileira pública de qualidade, e na condução do alunado à liberdade de pensamento e de expressão.

 

 

Caroline Seixas

Professora de português do Projeto Educamais. Professora do Centro de Aperfeiçoamento de Professores (CAP) Professor Munir José da Prefeitura Municipal de Barueri. Bacharel em Letras (português/linguística) pela FFLCH-USP. Cursa licenciatura plena em português e linguística na FE-USP.

 

 

Referências bibliográficas

 

BARBOSA, J. P. Sequência didáticaartigo de opinião. Programa de formação continuada para professores do Ensino Médio. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007.

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

GOMES-SANTOS, S. N.; ALMEIDA, P. S. Pergunta-resposta: como o par dialógico constrói uma aula na alfabetização. Revista brasileira de linguística aplicada, v. 9, n. 1, p. 133-149, Belo Horizonte: UFMG-FALE, 2009.

PROPOSTA curricular do Estado de São Paulo: Língua Portuguesa. Coord. Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2008

 

ANEXO 1

Sequência didática proposta pelo material didático utilizado

  1. Reconhecendo um artigo de opinião

  2. Conteúdo do artigo de opinião: questões polêmicas

  3. Produção inicial de um artigo de opinião

  4. Contexto de produção de um artigo de opinião

  5. As vozes que circulam no artigo de opinião

  6. Organizadores textuais

  7. Tipos de argumentos

  8. Movimento argumentativo

  9. Explorando a estrutura do artigo de opinião

  10. Devolução dos primeiros artigos produzidos

  11. Aprofundando a discussão sobre o tema escolhido

  12. Reescrita do artigo de opinião



 

 

 

 

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Sandoval Nonato Gomes-Santos como avaliação final do curso de Metodologia do Ensino de Português I no primeiro semestre de 2011.

2 Nome alterado para manutenção da discrição na análise.

3 Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.

4 Cumpre salientar que neste artigo todas falas (em discurso indireto ou direto) foram reconstituídas, não se tratando portanto de transcrições.

5 Ver anexo 1.

6 Embora não esteja especificado precisamente na sequência esquemática reproduzida no anexo 1 que as produções inicial e final devem ser feitas de maneira escrita, esta modalidade é constituinte do gênero textual trabalhado (encontrado muitas vezes em jornais e revistas), além de ser proposta explicitamente no material a realização escrita do gênero.

7 Cf. GOMES-SANTOS, S. N.; ALMEIDA, P. S. (2009, p. 133-149.

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