O ensino dos gêneros orais e a intervenção didática do professor: uma reflexão sobre a prática docente


Maria Tereza Martins Mora

 

Aprendamos ensinando-nos.

Paulo Freire

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo descrever e propor uma reflexão sobre o estágio realizado no primeiro semestre de 2009, em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental da Zona Sul de São Paulo, com alunos de sétimas séries do Ensino Fundamental.

Neste estágio, procurou-se observar essencialmente como se aplica o ensino da oralidade, e de que maneira a professora organiza atividades discursivas em seu planejamento. Foram selecionados dois episódios que trabalharam especificamente o ensino da oralidade: uma aula sobre o gênero debate e o outra sobre o gênero notícia. Gêneros recorrentes nos estudos da Educação, o debate e a notícia estão sempre presentes nos livros didáticos e demais orientações curriculares. Daí a importância de constantes reflexões acerca desses gêneros, buscando um outro olhar que não seja a mera reprodução de práticas já estabelecidas e interiorizadas pelos docentes, contribuindo para a precarização do ensino de modo geral.

Schneuwly e Dolz (2004), em suas pesquisas, destacam a importância da escola e do professor na contribuição do desenvolvimento de um rico repertório de gêneros textuais, colocando os alunos em contato com os mais diversos gêneros discursivos. Com base nessa premissa, o presente artigo procura refletir como essa contribuição se deu no período de estágio acompanhado, e de que forma a docente encara essa proposta. Com base em anotações no caderno de campo, o estágio acompanhou uma professora que já trabalhava como atriz e arte-educadora desde 2004, mas pela primeira vez atuava efetivamente como professora de Língua Portuguesa.

 

1. Sobre o contexto escolar

 

1.1. A Escola

O estágio foi realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental MVCM, localizada no Jabaquara. Com salas de aula do Ensino Fundamental I e II, a escola ainda possui turmas de EJA no período noturno. Após uma grande reforma, conta com um espaço físico privilegiado, com duas grandes quadras, e uma ampla e bem equipada biblioteca.

Devidamente organizada, a biblioteca conta com um grande acervo de livros novos e outros em bom estado de conservação. Os professores frequentemente utilizam o espaço para pesquisa com os alunos e atividades com jornais e revistas. O entorno é formado por algumas favelas como a do Buraco Quente, Morro do Piolho e Vila Santa Catarina, e a escola recebe os alunos vindo dessas comunidades, bem como de outros locais da região próxima à Avenida Cupecê .

Os espaços em que a linguagem circula no ambiente escolar basicamente consistem em um mural de avisos logo na entrada da unidade, e uma série de painéis comemorativos espalhados pelas paredes. Em um mesmo cartaz (dia das Mães) encontramos amostras de diferentes gêneros como bilhetes, poemas, cartas. Há também cópias xerocadas da produção de uma aluna que ganhou o prêmio de melhor redação de todas as escolas municipais.

 

1.2. A sala de aula

A sala de aula acompanhada foi a sétima série C no período vespertino. Todas as salas passaram por uma reforma e são amplas, porém possuem alguns problemas de estrutura. Um exemplo é o quadro negro. Na reforma, a sala foi ampliada e ficou a metade da lousa antiga. Ou seja, uma metade da lousa é nova e em perfeitas condições, e a outra metade simplesmente não escreve. Portanto, essa é uma das dificuldades enfrentadas pelo professor, além da falta de material didático diversificado.

As carteiras possuem muitas pichações, e são dispostas em fileiras. Os alunos gostam de sentar em duplas ou em grupos. No período da manhã há aulas para o ensino fundamental, sendo possível observar cartazes com conteúdos dessas séries, como o alfabeto colorido logo acima da lousa, além de receitas, mapas, parlendas, etc. Há armários onde ficam os livros didáticos dos alunos, além de outros materiais.

 

1.3. A Professora

A professora responsável pelo estágio é A.B.S. Formou-se em Letras pela FFLCH-USP em Licenciatura plena em Português – Italiano em 2006. Tem 32 anos. Militante política, fez parte da UNE, chegando a ser presa durante uma manifestação. Estudou teatro e dramaturgia na ECA-USP. Integrou vários grupos de teatro e dança. Concilia a profissão de professora de português com a de atriz, diretora e dramaturga.

Contadora de histórias, frequentemente trabalha diversas narrativas com a classe. Entretanto, nem sempre sua experiência com o teatro é suficiente para atrair a atenção dos alunos para o objeto de ensino. Atua como professora de teatro desde 2004 na rede particular, e ingressou na rede municipal em 2008 através de concurso. Diz ainda estar se adaptando às muitas siglas usadas pela prefeitura como PEA, JEA, JEX, TEX, relacionadas à jornada e aos projetos pedagógicos. Encara como uma das dificuldades a enorme quantidade de fichas e atividades de regulação que tem que realizar semanalmente com os alunos, na maioria das vezes em horário de aula.

 

1.3.1. Os alunos

Os alunos possuem uma faixa etária entre 13 e 14 anos. Há alguns casos de inclusão diagnosticados com laudos médicos, e outros com suspeitas de distúrbios de aprendizagem que levaram encaminhamentos médicos no inicio do ano após sondagem. Porém, não há um acompanhamento específico para cada problema, e isso acaba dificultando ainda mais o desenvolvimento dos alunos, que recebem rótulos como “incapazes” e ficam com o estigma de que não têm como contribuir. Então acabam contribuindo para a indisciplina, pois não realizam as atividades propostas e ficam circulando pela sala a todo instante.

Característica típica da adolescência, vemos nos alunos a necessidade de movimento. A todo momento querem levantar do lugar, falar alto, gesticular, dançar e “brincar” de bater uns nos outros. Percebemos que a necessidade de socialização é maior que o interesse pela aula em si. Portanto, são trinta e cinco alunos falando a todo instante e se deslocando pelo espaço, o que torna a aula bem desgastante.

A maioria dos alunos lê razoavelmente bem e escreve com dificuldade. Em todas as salas observamos alunos que são copistas, não sendo produtores de texto algum. A maioria apresenta muita resistência às atividades de reescrita. Alguns não executam as tarefas pedidas, a não ser quando valem nota. Mas também há muitos alunos que demonstram interesse, e a prova disso é uma aluna da sétima série que ganhou o prêmio de melhor redação entre todas as EMEFS da rede municipal, com um tema relacionado à saúde1. Há cartazes por toda a unidade homenageando a estudante.

 

2. Descrição geral das práticas de


ensino-aprendizagem de língua portuguesa

 

2.1. Dados sobre o acompanhamento das aulas

Ao chegar na EMEF houve uma boa recepção do corpo docente, direção e coordenação. A professora A. se colocou à disposição e mostrou a escola. Chamou a atenção para um mural sobre o dia das Mães que fez com alguns alunos da sétima série, com frases, poemas e cartas para as mães. Destacou que os alunos contaram que nenhum professor quis fazer alguma atividade sobre o Dia das Mães com eles. E o curioso é que eles pediam para fazer algo, porém os demais professores retrucavam dizendo que aquilo era “coisa de criança” e que eles não deveriam se preocupar com esse tipo de atividade.

A. se propôs a fazer o mural, além de confeccionar com eles lembranças e cartões para serem entregues na data comemorativa. A professora lembra que essas oscilações entre “coisas de adulto e coisas de criança” fazem parte do desenvolvimento dos adolescentes e deveriam ser respeitadas pelos docentes. Afinal, segundo ela, a adolescência é justamente caracterizada por esse período de transição, onde, ao mesmo tempo em que querem namorar e sair, pedem para que ela conte histórias e faça brincadeiras do tipo “forca”.

Após uma breve conversa com a professora, ela falou sobre um projeto que gostaria de desenvolver desde o início do ano. O de retomar as atividades com o EDUCOM, um convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e a ECA-USP na gestão da prefeita Marta Suplicy ,o qual implantava rádios nas escolas públicas da capital. Na escola, havia todo o equipamento necessário para a retomada do projeto, mas estava trancado e empoeirado em uma sala, já que ninguém sabia como utilizá-lo. Esse seria um trabalho importante no ensino da oralidade.

Dentro da proposta do EDUCOM, ficou combinado que no primeiro semestre de 2009 seriam traçadas as estratégias teóricas para o projeto (levantamento de dados, número de alunos interessados em participar no projeto, divisão dos alunos em grupos de interesse), e no segundo haveria a retomada do projeto em si.

 

2.2. Caracterizando os componentes das práticas de ensino-aprendizagem

 

2.2.1. Os objetos de ensino e as práticas de linguagem

Os objetos de ensino observados no estágio foram basicamente de natureza discursiva, gramatical e ortográfica. O tema escolhido para ser abordado durante o estágio foi a oralidade. Mas definir a oralidade como objeto de ensino nem sempre é tarefa fácil. Como vemos em Rojo (p. 132): “Temos poucas análises sobre o que é oral para um dos principais atores do sistema escolar: o professor.” E é difícil mensurar o que, dentro da oralidade, é“ensinável”.

 

Poderíamos parafrasear a opinião majoritária dizendo que o verdadeiro oral é, por um lado, aquele em que o aluno se exprime espontaneamente no qual não existe escrita, no qual o aluno exprime seus sentimentos em relação ao mundo, e, por outro lado, o oral cotidiano através do qual se comunicam professores e alunos, em aulas diversas. Nem um nem outro parecem suscetíveis de se tornarem objetos de ensino: o oral “puro” escapa de qualquer intervenção sistemática; aprende-se naturalmente, na própria situação.

 

Todavia, há alguns anos os textos orais são abordados como objetos de ensino. Desde a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, como nos diz Rojo:

 

Outra inovação relevante é o fato de se falar em textos orais como objeto de ensino-aprendizagem, em oralidade pública como escolarmente construída e em capacidades de escuta e fala/produção de textos orais em gêneros orais públicos.

 

As práticas de linguagem consistiram em leitura, compreensão, leitura-escuta, reflexão sobre a língua ou análise linguística. Rojo destaca essas práticas de linguagem, destacando o uso da linguagem (prática de escuta e leitura de textos e prática de produção de textos orais e escritos) e da reflexão da linguagem na prática de análise de textos (ROJO, p. 33). Ou seja, podemos dizer que as práticas de linguagem procuram contemplar a aplicação da oralidade de tal modo que o aluno possa conhecer e dominar sua língua, através das atividades de escrita e fala, e dessa forma dominar os diferentes gêneros nas mais diversas situações. O que amplia sua forma de se relacionar com a linguagem oral e a escrita.

 

2.2.2. Os gestos profissionais e os instrumentos didáticos

Durante o estágio, verificou-se quatro gestos profissionais da professora, que Schnewly distingue como fundamentais : a) implementação de dispositivos didáticos, como a formulação de tarefas; b) a regulação, e nesse caso especificamente a regulação local, realizada no decorrer das atividades e permitindo trocas interacionais do professor com os alunos; c) institucionalização dos conceitos com base em fontes externas e d) criação da memória didática, ao recuperar o que foi trabalhado na aula anterior.

Os instrumentos didáticos de ordem material foram giz e lousa, livro didático, caderno do aluno, folhas avulsas, cartazes, jornais, revistas, gibis, livros diversificados, textos xerocados. Já os de ordem discursiva basicamente foram instruções orais e escritas.

 

2.2.3. Sobre o livro didático

O livro didático adotado pela escola é “Português: leitura, produção, gramática”, da Editora Moderna. O livro, para a professora “não é um fim, mas um meio”. Ela mesma destaca a importância de não reduzir a aula ao livro didático e reafirma isso quando vai adaptando os conteúdos do livro da maneira que acha mais adequada. Essa postura da professora vai ao encontro das palavras de Britto2:

 

[...] ao apresentar-se como curso pronto, o livro didático assume responsabilidades antes atribuídas aos professores, tais como estabelecimento do programa, a organização de conteúdos e a elaboração dos exercícios.

 

Mas mesmo assumindo essa postura, percebemos que o grande eixo norteador de sua prática é o livro didático, pelo qual realiza todo seu planejamento. Como não há livros didáticos na quantidade certa para todos os alunos, a professora os carrega em “engradados de bebidas” de uma sala para outra, com a ajuda dos alunos. E frequentemente leva outros materiais para a sala. Os materiais observados durante os estágio foram os seguintes: textos retirados da Internet, peças de teatro, livros de poesia, histórias, gibis, revistas e jornais.

 

2.2.4. As atividades e tarefas

As atividades e tarefas acompanhadas durante o período de estágio sempre partiam de um texto como eixo norteador das propostas de trabalho dos alunos. Seja no livro didático ou selecionado pela professora, era a partir do texto que tudo acontecia. Foi observado que mesmo diante de uma série de adversidades, a professora procurava estabelecer uma conexão entre as atividades, obedecendo a uma sequência, nem sempre exatamente cumprida, mas nunca descolada das propostas de ensino.

Nas aulas acompanhadas, basicamente observamos leitura e produção de textos, exercícios de localização, compreensão, cópia da lousa, reescrita, correção na lousa, análise de textos orais e debate. Os alunos também fizeram a demonstração de uma aula de teatro, na qual encenaram uma história de terror em uma sexta-feira treze. Foi uma atividade bem lúdica. No dia dos namorados uma atividade de produção de textos líricos resultou em um painel com as produções sobre o gênero bilhete.

A seguir iremos analisar duas atividades de estágio que foram desenvolvidas com os alunos sempre pensando como objeto de ensino-aprendizagem o texto oral, inclusive inserido em um trabalho conjunto que se estenderia no segundo semestre, com o EDUCOM.

 

 

3. Análise de um fenômeno-tema particular

 

A seguir analisaremos duas experiências ocorridas no estágio que foram selecionadas para ilustrar nosso tema: o ensino da oralidade.

Aula sobre texto argumentativo: o gênero debate

Na primeira aula a professora leu com os alunos o capítulo do livro didático intitulado “Texto argumentativo: debate”. Após a leitura, explicou para os alunos os principais pontos do texto topicalizando os seguintes aspectos:

- o debate é um gênero oral;

- trata-se de uma exposição oral onde os participantes argumentam, discutem e tentam convencer uns aos outros;

- a maioria dos temas são polêmicos;

- é necessário que os participantes assumam papéis de debatedores, mediadores ou moderadores e observadores.

Após a leitura do livro didático e a explicação oral, a professora pediu para que os alunos organizassem um debate em sala de aula. A princípio eles relutaram, mas quando A. disse que valeria nota, se dividiram em grupo e fizeram o que foi proposto. Então, com a ajuda da professora e com apoio das sugestões do livro didático foi organizada a aula sobre texto argumentativo, bem como as etapas para o debate. O tema sugerido pelo livro era “Adolescência: liberdade e limites” (pág. 43). Entretanto, a professora fez outra proposta, e elegeu o tema “a redução da maioridade penal”, tema que foi mote de muitas discussões no ano de 2009.3

Dentro do quadro de Aspectos Tipológicos apresentado por Schneuwly e Dolz4 (2004), o Debate regrado aparece com um exemplo de gênero oral cujo domínio social de comunicação é a Discussão de problemas sociais controversos, e a capacidade de linguagem dominante é o ARGUMENTAR, ou seja, a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.

A professora seguiu a seguinte sequência de ensino:

1) Apresentação: a professora recuperou o conceito de texto argumentativo, e leu um texto sobre as etapas de organização de um debate.

2) Produção inicial: o tema escolhido foi “A redução da Maioridade Penal”. A professora trouxe dois textos, um a favor e outro contra o tema proposto. Após a leitura, dividiu a sala em dois grupos, e cada um defenderia uma opinião. Foram eleitos alguns debatedores, e os outros alunos ficaram como observadores, podendo contribuir com opiniões quando fosse possível.

3) Avaliação: após o debate, a professora formulou algumas perguntas na lousa. Os alunos deveriam copiar as questões e responder, com suas próprias palavras. A medida que terminavam, levavam o caderno para correção com a professora ou a estagiária.

4) Análise dos Resultados: praticamente todos os alunos sentiram dificuldade em apresentar dados suficientes para argumentar suas opiniões. Nem todos falaram e o que mais fizeram foi a leitura da opinião de cada grupo, com base no texto dado pela professora. Pareciam não estar seguros em falar sobre aquele assunto. Talvez fosse necessário um tempo maior para que os alunos pesquisassem mais sobre o tema e trouxessem suas pesquisas para enriquecer a atividade.

Pois foi com decepção que ao corrigirmos os cadernos verificamos um grande número de respostas absolutamente iguais e então constatamos que a grande maioria da sala havia copiado a resposta dos colegas. Refletindo sobre o ocorrido, podemos supor que os alunos não tinham domínio nem do gênero debate e nem do assunto maioridade penal. Talvez se cada aluno tivesse exposto suas ideias oralmente e só depois passasse para o papel, teriam mais segurança para desenvolvê-las dentro da linguagem escrita.

O gênero ”debate” também não é algo tranquilo para os alunos. Muitos ainda não tiveram contato efetivo com esse gênero, e seu uso pode ser encontrado em múltiplos contextos: esportivo, político, teatral, filosófico. Temos também a todo momento debates mais subjetivos, dentro de um contexto maior . Por exemplo, na fala: “não é de hoje que a maioridade penal é tema de debate no Brasil.

Portanto, ao pensarmos sobre os resultados da aula sobre o gênero “debate” podemos levantar a hipótese de que o tema da redução da maioridade penal não era um assunto de domínio dos estudantes, gerando o desinteresse pela atividade (e a cópia furtiva das produções dos colegas). Realmente, é difícil não somente para o discente, mas para qualquer pessoa, falar sobre algum tema que não conhece. E ainda por cima, ter obrigatoriamente que argumentar contra ou a favor de determinado assunto. Daí a necessidade de propor atividades de pesquisa investigativas. A professora procurou trazer um tema que na época estava frequentemente sendo tratado pela mídia. Porém, talvez fosse necessário trazer mais informações a respeito, solicitando uma pesquisa prévia por parte dos alunos, apresentando a exibição em vídeos de alguns tipos de debates, ou seja, buscando ações que contribuíssem para o gênero circular de formas múltiplas.

 

Aula sobre o gênero notícia:

Trilhando os caminhos para a retomada do EDUCOM na escola, os alunos se dividiram em grupos de interesse. Para tanto, a professora A. salientou que como exercício para a produção de um programa de rádio, seria importante que estudassem o que é uma Notícia. A notícia dentro do quadro de aspectos tipológicos proposto por Schneuwly e Dolz é um exemplo de gênero oral e escrito que tem como domínio social de comunicação a “Documentação e memorização de ações humanas”, e tem como capacidade de linguagem dominante o RELATAR (representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo).

Instruções da professora :

A) Foi solicitado então que cada aluno trouxesse uma notícia de seu interesse. Muitos alunos trouxeram noticias de jornais de suas casas, e os que esqueceram puderam utilizar as revistas e jornais disponíveis na biblioteca.

B) Em seguida, recortaram a noticia escolhida e colaram no caderno. Após essa parte, deveriam fazer um pequeno resumo (não poderia ser cópia) das ideias principais apresentadas.

C) Feito isso, deveriam se dividir em duplas e “falar” a notícia para o colega, sem ler no caderno. Depois cada colega daria uma nota para a apresentação do amigo. Os alunos que se sentissem à vontade, fariam a apresentação para o grupo. Essa atividade a professora A. classificou como um “treino” para a apresentação do jornalzinho da EDUCOM, valendo nota.

D) No dia seguinte, a professora recuperou a atividade e institucionalizou o conceito do gênero notícia, através de um explicação oral e também leitura de uma notícia. Ela aproveitou para diferenciar o gênero notícia, reportagem e entrevista

Do ponto de vista do interesse dos alunos , a maioria se interessou muito pela atividade com a notícia, obtendo resultados positivos em relação à produção de texto escrito e oral. O processo aqui foi o contrário do proposto pelo debate: a passagem da escrita à oralidade. E nisto os alunos tiveram mais facilidade e demonstraram mais conforto: a passagem do gênero escrito ao oral. Os trabalhos foram expostos oralmente e o fato de a atividade ser considerada um “treino” para o segundo semestre, possibilitou uma ideia de continuidade, onde os conhecimentos serão recuperados e melhores desenvolvidos. E a escola possui esse papel privilegiado de espaço para simulações e experimentações.

Percebemos como a escrita e a oralidade estão ligadas através desses exercícios, e como essa relação é rica e complexa. Segundo Schnewly,

 

Não existe “o oral”, mas “os orais” em múltiplas formas, que, por outro lado, entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: podem se aproximar da escrita e mesmo dela depender – como é o caso da exposição oral, ou ainda mais, do teatro e da leitura para os outros –, como também podem estar mais distanciados – como nos debates ou, é claro, na conversação cotidiana. Não existe uma essência mítica do oral que permitiria fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se são prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de ensino. (SCHNEWLY,2004, p.135)

 

Portanto, mesmo dentro de um contexto cada vez mais digital que é a sociedade brasileira, a escola ainda é um dos espaços mais privilegiados no que se refere ao acesso aos bens culturais, sendo uma das maiores agências de letramento. Dessa forma, torna-se indispensável esse confronto com diferentes situações de modo que possibilite a ampliação do conhecimento. É o que diz SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J, p. 96:

 

Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos se apropriarem das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral ou escrita, em situações de comunicação diversas.

 

 

Vygotsky destaca que a aprendizagem sempre se dá por um processo de tensão. Ou seja, é necessário colocar o indivíduo em uma situação de conflito e de distanciamento do que lhe é familiar e seguro, para então potencializar seu desenvolvimento. É também o que Piaget chamaria de desequilíbrio. Essa tensão assinalada por Vygotsky está intimamente vinculada à apropriação por intermédio da linguagem do legado cultural de seu grupo. Portanto, a escola seria essa mediadora, principal responsável por essa ação partilhada, onde a aprendizagem parte do social para o individual. É por isso que a escola pode praticar a ação do treino, preparo, ensaio, experimentação e pesquisa para diferentes contextos com os quais o aluno terá contato,

 

[...]A aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la.5

.

É interessante frisar que a representação do contexto sempre parte de uma ficcionalização, à medida que os parâmetros não são estabelecidos na situação imediata, mas “predefinidos institucionalmente e materializados no próprio gênero” (ROJO, p.145). É através da simulação que se dá a ficcionalização.

Portanto, nessa ficcionalização a finalidade não é apenas o saber, mas a transmissão desse saber. Como no debate, em que temos “destinatário duplo; enunciador duplo; finalidade complexa dupla; lugar social duplo” (ROJO, p. 145). Para tanto, o trabalho sobre a ficcionalização exige uma intervenção didática, constituindo uma dimensão essencial do trabalho sobre o oral. Tarefa que, segundo Rojo “se trata de um trabalho de fôlego, para o qual existem técnicas muito diversas.”

 

 

Considerações finais

Esse artigo procurou apresentar uma reflexão sobre o ensino da oralidade, e de como o professor e a escola podem atuar no processo de ensino-aprendizagem do texto oral. Se percebermos o desenvolvimento das atividades, veremos que elas não estavam desarticuladas à escrita. A construção das capacidades de linguagem que chamamos de oral, segundo Rojo (p. 146) “não podem se dar sem uma intervenção mais ou menos maciça da escrita”. Isso mostra o quanto é necessário uma concepção dialética dos diferentes aspectos do ensino da língua materna.

No final do estágio, A. mostrou o que estava lendo em seu horário de estudos dentro do horário de trabalho. Era o livro “A educação na cidade”, de Paulo Freire. E destacou a página 23, onde constava o seguinte trecho:

 

É obvio, por exemplo, que crianças a quem falta a convivência com palavras escritas ou que com elas têm pequena relação, nas ruas e em casa, crianças cujos pais não leem nem livros e nem jornais, tenham mais dificuldades em passar da linguagem oral à escrita. Isto não significa, porém, que a carência de tantas coisas com que vivem crie nelas uma “natureza” diferente, que determine sua incompetência absoluta .

 

 

Mais do que criticar o trabalho desenvolvido por A., este artigo procurou levantar alguns pontos sobre o estudo da oralidade na sala de aula. A professora A., iniciante no ensino de Língua Portuguesa, ainda estava se habituando a sua prática profissional. Mas aos poucos percebe como a relação dialógica estabelecida entre professor e aluno são essenciais para permitir a circulação da linguagem em sala, no ambiente escolar como um todo. É simulando, preparando, pensando e repensando que o aluno investiga, experimenta, produz. E é a intervenção didática do professor e sua ação mediadora que semiotiza o objeto e reconfigura a linguagem na interação professor-aluno, criando as condições favoráveis para possíveis tensões e conflitos, gerando assim a aprendizagem.

 

Maria Tereza Martins Mora

Bacharel e Licenciada em Letras (Português) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Professora da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Desenvolve pesquisas sobre o trabalho do professor de português ingressante.

 

 

Referências bibliográficas

 

BRITTO, L. P. L. (1997). A sombra do caos: ensino de língua e tradição gramatical. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil.

FREIRE, P. A Educação na cidade. 7. ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2006

ROJO, R. H. R. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCN: ler é melhor do que estudar. In: FREITAS, Maria Teresa de Assunção; COSTA, Sérgio Roberto (Orgs.). Leitura e escrita na formação de professores. São Paulo: Musa/UFJF/INEP-COMPED, 2002. p.31-51.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

 

 

1 A redação vencedora do projeto foi desenvolvida na aula de Ciências.

2 BRITTO, L.P.L. A sombra do caos: ensino de língua e tradição gramatical. Campinas, SP: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1997. p. 254.

O tema da redução da maioridade penal voltou ao ao centro dos debates do Senado no ano de 2009.Ver http://blig.ig.com.br/jornalistadiplomado/2009/03/01/maioridade-penal-deve-voltar-ao-centro-dos-debates-no-senado-em-2009/

4 SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J. 2004. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras.

5 ROJO, R. H. R. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCN: ler é melhor do que estudar. In: FREITAS, Maria Teresa de Assunção; COSTA, Sérgio Roberto (Orgs.). Leitura e escrita na formação de professores. SP: Musa/UFJF/INEP-COMPED, 2002. p. 31-51.

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