Diferentes ambientes influenciam o processo de ensino/aprendizagem?

 

Josi Thomé Zerbinati

 

O presente artigo é o resultado de inúmeras reflexões que surgiram durante os estágios realizados no ano de 2008 para as disciplinas Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I e II da Faculdade de Educação da USP, ambas ministradas pela Profª. Drª. Idméa Semeghini-Siqueira, bem como durante a produção dos relatórios de conclusão dos estágios, de onde os dados que compõem este texto foram extraídos.

As escolas onde os estágios foram realizados são bastante diferentes, tanto na localização espacial, como no ambiente em que o processo de ensino/ aprendizagem acontece. Sendo assim, o estágio de observação e regência do 1º. semestre de 2008 ocorreu numa escola estadual da cidade de Santa Cruz das Palmeiras, interior do Estado de São Paulo, aqui denominada escola A, enquanto que, no 2º. Semestre, o estágio consistiu na realização de um projeto (Projeto CADIS, que será explicado mais adiante) com crianças da 5ª. série de uma escola municipal da cidade de São Paulo, aqui denominada escola B.

Além de discutir as diferenças instigantes que promovem a singularidade de cada escola, centrar-me-ei na questão da constituição das salas de aula e de suas “personagens”. As diferenças e semelhanças das escolas causam graves conseqüências, que são refletidas nos maiores interessados do processo em questão, ou seja, os alunos. A primeira escola (A) possui salas comuns, enquanto a segunda (B) possui salas-ambiente. A defasagem da escola A em relação à B já se evidencia nesse contraste da constituição das salas de aula, pois os alunos da última têm a chance de estar num ambiente propício para o aprendizado das diferentes disciplinas, já que o espaço está devidamente equipado para desenvolver as mais variadas atividades de cada uma.

Assim, a sala de Língua Portuguesa da escola B possui material de TV e vídeo; diversas produções que os alunos confeccionaram penduradas nas paredes, como adorno do ambiente; espelhos no fundo da sala para que o professor observe sua postura frente aos alunos a todo momento; e, também nesse lugar, há uma estante com livros e um armário para guardar os livros didáticos, para que os alunos não precisem carregá-los nas mochilas. Enquanto isso, na escola A, para assistir a um determinado vídeo, é necessário que se faça antecipadamente uma reserva da sala de vídeo, localizada no mesmo ambiente da Biblioteca Escolar. Dessa forma, os poucos alunos que freqüentam a biblioteca não têm o silêncio necessário para realizarem suas pesquisas e/ ou leituras.

Em comparação, na escola B, à medida que chegavam na sala de aula, os alunos se sentavam em suas carteiras, distribuídos de acordo com a seqüência do número que lhes correspondia na lista de chamada. Assim, evitava-se que os “bagunceiros” se concentrassem no “fundão” e os “bons alunos” ficassem na frente. A sala, portanto, por si só, possibilitava que eles se acomodassem de maneira heterogênea, o que permitia que alunos com diferentes graus de letramento pudessem interagir uns com os outros, sem a formação das chamadas “panelinhas”, que tendem a excluir os mais fracos.

Outro aspecto bastante positivo que foi observado foi o fato de a professora de língua portuguesa dessa escola fazer a chamada dos alunos durante a realização das atividades, fato que corroborava para não diminuir o pouco tempo que se tinha para o desenvolvimento de outras tarefas. Diferentemente desse modelo, na escola A, a professora insistia em conferir a presença de seus alunos no início das aulas, enquanto eles ainda estavam bastante agitados. Devido a essa agitação da troca das aulas, a professora se irritava e tentava conter as conversas, perdendo ainda mais tempo. Os alunos da escola B, no entanto, extravasavam a agitação das trocas de aulas enquanto tinham de se deslocar de sala, aproveitando o tempo também para conversar e, então, chegavam ao seu destino um pouco menos agitados, o que já se tornava extremamente positivo para o desenvolvimento da aula.

Logo, os dados colhidos durante os estágios ao longo do ano de 2008, nessas duas escolas, parecem indicar que a educação pública do Brasil não vai tão bem. O momento, no entanto, não deve ser reservado para que culpados sejam encontrados, mas sim, para que modos de solucionar os problemas e reverter estragos maiores sejam considerados. Por meio desses dados, a analogia entre os dois ambientes escolares observados não pôde deixar de ser realizada. Assim, aspectos como formação inicial e continuada de professores e formação de alunos como leitores eficientes, bem como o ambiente da escola e suas salas de aula, são fatores-chave para promover um melhor desempenho no processo de ensino/ aprendizagem da clientela escolar e devem ser revistos para que se possa dar início à empreitada de resolução de tais distúrbios, que parecem corromper toda a rede de ensino.

Além desses fatores, sabe-se que existe uma série de outros problemas recaindo sobre o sistema educacional. Como exemplo, tem-se a variação constante de programas, desenvolvidos pelo governo em “prol” da educação, cuja maior parte não possui uma sistematização nem uma regularidade. Cada novo governo quer partir quase do zero, sendo que grande parte das soluções se dá a longo prazo.

Como prova disso, tem-se o planejamento estadual para o ano de 2008: no 1º. bimestre, foi apresentado aos professores e alunos o Jornal/ Cartilha “São Paulo faz Escola”; por outro lado, para o 2º. bimestre, o material parecia uma espécie de “apostila”, que era entregue somente aos professores e, com uma certa constância, os alunos passavam a realizar cópias de conteúdo da lousa. Desse modo, nem professores, nem alunos tiveram o tempo necessário para a adaptação aos novos programas. Por sua vez, os dirigentes não se mostram interessados em saber a opinião daqueles que realmente usam os materiais propostos, ou seja, docentes e discentes. Em virtude disso, não se vê o propósito de tanta mudança, visto que a melhoria dos materiais de ensino não é uma das prioridades do governo.

Feitas essas considerações, passo, agora, para a análise da questão do ambiente onde professores e alunos atuam: a sala de aula. Pode ser que nesse local se concentre a solução que explica o desempenho satisfatório da escola municipal (B) em relação ao desempenho razoável dos alunos da escola estadual (A). A sala de aula comum, presente na escola estadual do interior de São Paulo, é um ambiente que não é capaz de se adequar aos gostos dos alunos, visto que ela já vem pré-formatada e imutável. Os alunos, de certa forma, são fixos em suas carteiras. Poucas foram as vezes em que se observou a professora dividindo seus alunos em grupos e realizando atividades uns em parceria dos outros, estimulando, assim, a interação. A justificativa é que muita bagunça se formava durante a realização das tarefas.

As salas de aula ambiente, por sua vez, organizam o espaço de ensino/ aprendizagem muito bem: cada disciplina usa da melhor forma o espaço que lhe pertence, com disposição de materiais instigantes, evidenciando uma espécie de “conforto” na sala, em detrimento de suas características tradicionais: um espaço cheio de carteiras, lousa e cortinas. As salas-ambiente possibilitam o desenvolvimento de diferentes estratégias, bem como seqüências didáticas[1] mais interessantes, enriquecendo o ambiente escolar e motivando o aluno a aprender mais e, além disso, ensinando-o a aprender como aprender, tornando-o sujeito autônomo para uma constante aprendizagem.

No entanto, como se sabe, a maior parte das escolas tradicionais ainda não implantou as salas de aula ambiente. O que acontece é um grande desperdício de interação que poderia ocorrer entre os alunos, sendo que, para Semeghini-Siqueira (2006a), a interação verbal é extremamente importante, visto que promove o verdadeiro objetivo da língua, que é a comunicação. Contudo, uma das docentes acompanhadas durante o estágio na escola A se preocupava com a desordem provocada pelo barulho nas salas de aula e, por isso, não trazia atividades mais motivantes e/ ou em grupo. Resta lembrar, no entanto, que silêncio não é sinônimo de aprendizagem.

Além disso, outra justificativa possível para que se explique a opção pelas salas de aula comum em detrimento das salas de aula ambiente é que se perde muito tempo durante a transferência dos alunos de uma sala para a outra. Contudo, essa perda de tempo também acontece nas salas comuns, onde é o professor quem se desloca até os alunos. Assim, como o quadro abaixo, referente à escola A, evidencia, é o professor quem perde bem mais tempo tentando controlar a “desordem”, isto é, as participações exuberantes durante a interação de seus alunos, chamando-lhes a atenção, inutilmente, pois não existe muita motivação em assistir à aula se todos os dias é a mesma rotina. Deve-se levar em consideração que foram observadas 30 aulas e a duração de cada uma era de 50 minutos, dando um total de 25 horas de observação.

Fala do professor referente ao clima relacional[2] entremeada por conversas paralelas dos alunos

2h

Fala dos alunos sobre questões da aula

35'

Fala dos alunos sobre questões fora da aula: o professor continua a aula

ou espera silêncio

28'


23'

Outra:

cópia de questões para interpretação

interpretação de texto

chamada

 

45'

44'

1h33'

 
 
De acordo com os dados, portanto, o tempo gasto pela professora para chamar a atenção de seus alunos para que, assim, eles fiquem em silêncio e ela possa explicar o conteúdo a ser ensinado (2h) é bem maior do que o tempo usado pelos alunos sobre questões da aula (35').
 
Os dados desse primeiro relatório foram coletados a partir de um “diário de campo” durante o estágio de observação. Nele foram registradas as descrições das atividades que ocorriam durante as aulas e, a cada troca de atividade, colocava-se o horário em que ela começava para que, no final, fossem somados os tempos de interação professor-aluno, aluno-aluno, bem como a duração da fala do professor sobre o conteúdo/ assunto da aula, da fala dos alunos sobre questões da aula, de leitura, escrita, dentre outras. No fim do diário, as reflexões sobre a aula eram registradas. Em relação ao tempo destinado aos diferentes tópicos durante as aulas, foi realizada uma contagem dos minutos correspondentes a cada item do roteiro pré-planejado pela Profª. Drª. Idméa Semeghini-Siqueira. A fim de possibilitar uma visão geral dos itens observados e, conseqüentemente, uma comparação entre eles, a tabela 1 apresenta sua contagem, em horas:

Tabela 1

Fala do professor sobre o assunto/ conteúdo da aula

4h45'

Fala do professor referente ao clima relacional entremeada por conversas paralelas dos alunos

2h

Fala dos alunos sobre questões da aula

35 '

Fala dos alunos sobre questões fora da aula: o professor continua a aula

espera silêncio

28 '


23 '

Leitura de livro didático [LD]:                                               

textos

exercícios

outro

 

19 '

10 '

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Leitura de livros de literatura [ ] Como?

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Leitura de:                                                                           

gibis;

jornal

revistas

outro

programa do governo “Apostila” (fábulas/ relato etc.

textos do Jornal / Cartilha

 

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1h14 '

19 '

Escrita(autoria):                                                           

individual

em dupla

em grupo

 

2h21 '

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27 '

Escrita (cópia):                                                              

LD =texto

LD = exercícios de gramática 3

Atividade extra-programa

 

14 '

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50 '

Escrita (cópia):                                                          

lousa = texto

lousa = exercícios de gramática 3

 

3h03 '

1h11 '

Gramática 3:                                                       

exercícios do LD

exercícios da lousa

Outro: análise

 

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37 '

Gramática 3: aula expositive

2h26 '

Gramática 2: reescrita (autoria):                                        

individual

em dupla

em grupo

 

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Outra:

cópia de questões para interpretação

interpretação de texto

chamada

 

45 '

44 '

1h33 '

 

Atentemo-nos para o fato de que, do total de 25 horas observadas e disponibilizadas para que se ensinasse o conteúdo necessário, a professora dessa escola utilizou apenas 4h45'. Em relação ao problema da cópia, por sua vez, os mesmos dados evidenciam quanto tempo os estudantes passam copiando textos da lousa: são mais de cinco horas desperdiçadas apenas para a cópia de textos e tarefas.

Diferentemente da escola A, o que se observa na escola B é um extremo interesse dos alunos. Eles correm, sim, pelos corredores, gritam e conversam até chegarem às salas de destino, mas talvez estas sejam atitudes normais e saudáveis de crianças e adolescentes, às quais não seria necessária tanta repressão, como acontecia nas aulas observadas da escola A.

Os alunos da escola B, então, parecem ser estimulados a buscar, sem a ajuda do professor, pelo conhecimento, diferentemente do que acontece na outra instituição, em que poucas são as tarefas realizadas em casa, o que não contribui para uma rotina de estudos fora da sala de aula, ou seja, o aluno não é acostumado a estudar em outro ambiente que não seja o da escola. Dessa forma, não há meios para que ele aprenda como estudar de forma autônoma e avance na aprendizagem, sendo que, segundo o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a criação da autonomia é um dos objetivos primeiros da escola, para que, assim, sejam formados indivíduos críticos e criativos para enfrentar as situações díspares do mundo atual.

Visto que “a linguagem tem papel decisivo na construção do conhecimento” (SEMEGHINI-SIQUEIRA, 2006b:01), um dos deveres da escola, em comunhão com professores, é dar subsídio para que os alunos exerçam seus direitos como cidadãos, isto é, que sejam capazes de refletir sobre fatos e tomar decisões, usar a linguagem para clarificar suas idéias e atitudes. Resta, no entanto, a capacidade concreta desses professores para conceder esse letramento necessário. Ainda, segundo Semeghini-Siqueira (2006:03), cabem aos professores dois papéis: “o de gestor dos processos de ensino e aprendizagem e o de gestor do clima relacional existente na sala de aula”. Esses dois fatores são, portanto, essenciais para a melhor simbiose entre professor e aluno: eles formam uma unidade para que os melhores resultados, ou aqueles desejados, sejam obtidos.

Para o aluno, então, desenvolver o conhecimento, é necessário também que ele seja capaz de ler, interpretar, estudar de modo independente e pesquisar. Aprender a refletir sobre seus próprios erros é imprescindível para que as crianças avancem na formação. Mas, o que foi observado nas salas de aula da escola A foi exatamente o contrário: atividades de reescrita, por exemplo, não foram pedidas ou estimuladas pelas professoras, e as de leitura ficaram restritas somente ao material usado durante as atividades, como se nota no quadro abaixo:

Leitura de:

gibis

jornal

revistas

outro

programa do governo “Apostila” (fábulas/ relato etc)

textos do Jornal / Cartilha

 

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1h14 '

19 '

 
 
Além do perfil socioeconômico e da alfabetização dos pais dos alunos, que influenciam no letramento emergente das crianças, uma das maiores contribuições para a aprendizagem vem do clima presente na escola. Para tanto, é necessário que exista um comprometimento tanto por parte da direção escolar (diretor, vice-diretor e coordenador pedagógico), como por parte do corpo docente. De fato, o ambiente onde funciona uma sala de aula se mostrou extremamente importante para um desenvolvimento satisfatório do processo de ensino/ aprendizagem.
 
Cabe aqui, portanto, o relato do estágio do 2º. semestre de 2008, que ocorreu naquela que denominei escola B, para que a comparação entre as escolas seja estabelecida. Nessa escola municipal, cujas salas eram salas-ambiente, diferentemente do estágio de observação e regência de aulas realizado na escola estadual do interior do Estado (escola A), o estágio foi condensado num Projeto de acordo com as orientações da Profª. Drª. Idméa Semeghini-Siqueira, o chamado Projeto CADIS (Comunicação à distância entre alunos do ensino fundamental mediada por estagiários e professores).
 
O princípio básico do Projeto CADIS é a troca de cartas realizada por alunos do ensino fundamental com a supervisão das estagiárias e das professoras de Língua Portuguesa responsáveis pelas turmas. Assim, além de resgatar a figura do interlocutor e fazer o aluno assumir seu papel de sujeito na interação, a aplicação do Projeto CADIS tem como objetivos fazer o aluno descobrir o prazer de ler e escrever e sentir “a importância de estar bem instrumentalizado para se comunicar” (SEMEGHINI-SIQUEIRA; BEZERRA; GUAZZELLI, 2001), sendo que esses objetivos serão alcançados por meio de uma atividade de leitura e escrita que fará sentido a eles, ou seja, mediante um fator motivador.
 
Com a liberdade de falar sobre o que quisessem e tendo em vista um interlocutor real, a saber, os colegas de outra cidade (Jundiaí – SP), os alunos assumiram seu papel de sujeitos da interação. Fazendo isso, puderam escrever e ler com prazer e, o mais importante, produziram textos por meio dessa ludicidade, pois a tarefa de se comunicar com alguém com particularidades, expectativas e opiniões às vezes distintas das deles e, às vezes, semelhantes em nada se assimila com o formato de produção de texto com o qual os alunos estavam habituados na escola.
 
Os resultados obtidos por meio do desenvolvimento do Projeto CADIS foram excelentes no que tange ao desenvolvimento da linguagem e à ampliação do desejo de escrever e ler nos alunos. Em todas as aulas os discentes conversaram e houve barulho, porém, entende-se aqui que o “barulho produtivo” é melhor que a passividade, e que disciplina não é sinônimo de silêncio, mas é “sinônimo de trabalho, diálogo, camaradagem, afeto e respeito mútuo” (NIDELCOFF apud FRANCHI, 2002:08). Durante o desenvolvimento do projeto, todos esses itens estiveram presentes, o que faz concluir que os resultados foram muito satisfatórios também no âmbito da disciplina, pois os alunos conversavam sim, mas dialogando sobre o que escrever em suas cartas, sobre que ponto de vista deveria ser enfocado e o que não era suficientemente relevante para constar das interações com os colegas do outro município.
 
Segundo uma reportagem da revista Veja de junho de 2008, o nível do professor exerce grande influência sobre o desempenho dos alunos: “No Brasil, os estudantes mais talentosos fogem da carreira de professor por ser pouco atraente” (PEREIRA, 2008:168). Ainda, o padrão dos candidatos a concursos públicos para as redes de ensino vem decaindo cada vez mais. Isso se deve a um reflexo de vários fatores, entre eles, a qualidade dos cursos de formação de professores. É preciso entender que os cursos formadores de docentes precisam melhorar seus currículos e proporcionar aos aprendizes idas às salas de aula, uma vez que eles terão de lidar com alunos “reais” ao seguir da carreira. E, por isso, o estágio se faz tão necessário e importante.
 
Uma das prioridades para a Educação, portanto, seria valorizar a melhor preparação de seus professores. Essa questão se faz urgente e, de certa forma, estratégica. Levando-se em consideração a existência de um círculo vicioso que se formaria a partir daí, seria possível observar que os professores se tornariam mais motivados, o nível de suas aulas melhorariam, os alunos seriam mais bem preparados e, provavelmente, pessoas mais aptas seguiriam essa profissão.
 
Logo, a carreira “professor” necessita de um plano de trabalho e de promoções bem definidos, assim como ocorre nas demais áreas, para que mais pessoas de qualidade sejam atraídas para esse campo: professores bons tendem a formar bons alunos – é preciso fazer a diferença na vida do estudante.
 
Os professores da escola A, contudo, um tanto quanto descompromissados com seus planejamentos, corriam com o conteúdo, despejando regras e definições sem sentido, mas ficavam satisfeitos por darem continuidade às aulas de acordo com o que estabelece o programa elaborado pelo governo do Estado. Dessa forma, 80% das aulas destinavam-se ao programa que o Governo do Estado estabeleceu previamente, 10% destinava-se ao uso de alguns textos do livro didático para cópia e interpretação, e 10% foram destinados à realização de provas escritas.
 
Outro aspecto falho observado na escola estadual A, diferentemente da escola municipal B, diz respeito à não-realização das chamadas Avaliações Diagnósticas e Formativas (ADeF), em que o professor tem um feedback a cada nova etapa que transpõe com seus alunos, percebendo suas melhoras e suas defasagens para, assim, planejar melhor suas aulas e desenvolver atividades que ajudem os alunos com maiores dificuldades. As ADeF, portanto, são capazes de identificar e suprir defasagens nos discentes, garantindo que ao longo do ano todos aprendam de maneira mais uniforme.
 
Sem essas constantes avaliações, o desempenho dos alunos mais “fracos” em relação aos outros se torna ainda menor se o professor não tenta, desde o inicio, mudar esse descompasso. O que se colhe, portanto, é desmotivação, abandono do curso, repetências no fim dos ciclos, desempenho baixo. Tudo graças à eficiência mínima e à falta de comprometimento do docente com o processo de ensino/ aprendizagem.
 
Na escola B, por sua vez, durante a permanência da estagiária na sala de aula, duas ADeF foram realizadas. A primeira apontava exatamente para aqueles alunos que não mostravam um bom desempenho da competência de escrita. Para contornar esse problema, eles foram divididos em grupos heterogêneos (alunos com bom desempenho e alunos com desempenho regular). Assim, uns ajudavam os outros nos momentos de reflexão sobre como tratar os temas que eram sugeridos para a redação, bem como durante a escrita do texto. No fim, o que se pôde notar por meio do projeto e das ADeF foi um considerável avanço dos alunos de nível “regular”.
 
No entanto, as práticas tradicionais na escola A são as mais priorizadas, infelizmente. Entendem-se como práticas tradicionais o ensino da gramática e suas nomenclaturas, ou a chamada Gramática 3, segundo Semeghini-Siqueira (2006b:05), que a define da seguinte forma: “quanto à ‘Gramática 3', pode-se dizer que abarca os componentes descritivos e normativos, trata-se do ensino da ‘gramática escolar', da ‘gramática pela gramática' sem haver uma preocupação com a atividade discursiva”. Os dados da tabela 1 evidenciam essa preferência.
 
Sendo assim, acabam por serem deixadas de lado atividades mais significativas para o desempenho dos alunos, os protagonistas do processo de ensino/ aprendizagem, como oralidade, leitura e escrita. Discuto, neste artigo, além de outras questões, a força das práticas tradicionais presentes durante o estágio, mas devo levar em conta uma série de fatores que corroboram para tanto: ausência de motivação dos alunos e professores, problemas de indisciplina e violência, ausência de educação contínua para os docentes, falta de tempo para o planejamento das aulas, baixo salário, descompromisso dos dirigentes em relação à educação etc.
 
Apesar de cada escola e seus ambientes serem singulares, parece que eles interferem de maneira significativa no processo de ensino/ aprendizagem. Por isso, estratégias que dão certo deveriam ser passadas adiante, tendo como exemplo a escola B e suas salas de aula ambiente, que contribuem cada vez mais para o sucesso desse processo e promovem uma melhor sintonia, e até mesmo simbiose, das personagens que a compõem: docentes e discentes. Contudo, é o professor o grande responsável por fazer com que as novas propostas dêem certo ou não. É por isso que se deve incentivar a formação continuada dos docentes para que eles estejam em constante atualização de suas práticas.
 
Essa rede de problemas gera resultados insatisfatórios. No entanto, parece que a formação inicial de professor exerce uma forte pressão para o desenrolar dessa trama, visto que ela produz reflexos na formação dos alunos. Assim, boa formação de professor e de leitores eficientes num ambiente que seja propício para tanto são passos para solucionar o problema da educação neste país.
 
É necessária, pois, uma maior atenção a eles. Não basta colocar alunos numa sala de aula se eles não são incentivados a aprender de maneira consciente. Mas não é só isso. Assim como o comprometimento de um educador frente à sua escola e aos seus alunos se faz necessário, a recíproca também vale para os dirigentes de um país tão grande com o Brasil.

 

Notas

[1] Seqüências didáticas, como o próprio nome diz, são um conjunto de atividades planejadas para ensinar um determinado assunto.

[2] Clima relacional diz respeito ao tempo perdido pelo professor na tentativa de manter a sala em silêncio.

 

Referências bibliográficas

SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa (2006a). Atividades de oralidade, leitura e escrita significativas: a construção de minidicionários por crianças com a mediação de professores. In: CATANI, D. & VICENTIM, P. Formação e Auto-formação: saberes e práticas nas experiências dos professores. São Paulo: Escrituras.

_____. (2006b). O poder do passado nas práticas escolares de oralidade, leitura e escrita contemporâneas: reconstituição de alicerces para otimizar o grau de letramento/literacia de jovens brasileiros. Anais/ Actas. XIV Colóquio da AFIRSE “Para um balanço da investigação da educação de 1960 a 2005”. Lisboa: Universidade de Lisboa/ FPCE.

SEMEGHINI-SIQUEIRA, Idméa; BEZERRA, Gema Galgani; GUAZZELLI, Tatiana. (2001). Revitalizando a formação docente inicial e contínua: comunicação a distância entre alunos do EF mediada por professores e estagiários. Anais. Simpósio Internacional Crise da Razão e da Política na Formação Docente. Rio de Janeiro: UFF.

PEREIRA. Camila. (2008). 100% Lá X 48% Aqui. Revista Veja. São Paulo, n. 2063, p. 168-170, jun.

   

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1 Comentário

  • Link do comentário maria licimeire dias da silva Segunda, 14 Janeiro 2013 01:03 postado por maria licimeire dias da silva

    OLÁ GOSTEI MUITO DO ARTIGO GOSTARIA DE LEE-LO NA INTEGRA! este é o tema do meu tcc, e gostaria de ter base para fundamentação teórica se possivel gostaria que me enviasse para leitura...

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