Simbolismo e Impressionismo: um apelo aos sentidos

 

 Mara Lucia Faria Costa 

 

Resumo
O projeto propõe um trabalho conjunto entre a literatura, as artes plásticas e a música, focalizando os aspectos sensoriais e sugestivos do Simbolismo na literatura e do Impressionismo na pintura e na música. Pela aproximação dessas artes – literatura, pintura e música, o objetivo é mostrar as diferentes maneiras pelas quais elas abordam os mesmos temas, as diferentes representações como forma de reação aos padrões de determinada época, e destacar a historicidade do movimento literário vinculado às artes e cultura de seu tempo. A escolha do Simbolismo deve-se ao fato de ter sido o berço do modernismo, ponto culminante dos estudos literários no ensino médio. A proposta baseia-se na característica de sugestão presente no Simbolismo e no Impressionismo, a ser desenvolvida em sete etapas, sempre com material e atividades diferentes, de acordo com o objetivo específico a cada uma.

 

Introdução

A escolha do tema deveu-se à necessidade de adequação aos conteúdos tratados naquele momento pela professora com a qual eu estava trabalhando no 2º semestre de 1999. Mostrou-se uma boa oportunidade para por em prática e testar algumas idéias que eu havia vinha pensando em desenvolver, e que eram as relações entre a literatura e outras artes. Para aquele momento, procedi a um recorte que privilegiava os aspectos sensoriais presentes no Simbolismo e no Impressionismo.

Aproximar a literatura da música e da pintura, mostrar de que maneira elas abordam os mesmos temas no período das manifestações artísticas simbolista e impressionista e como representam reações aos padrões de uma época eram os principais objetivos do projeto.

Passei a pesquisar as características mais marcantes dessas manifestações artísticas, para daí decidir o tipo de abordagem que iria adotar. Com a pesquisa sobre o Simbolismo, percebi que uma de suas características importantes era a sugestão. Pareceu-me, então, muito proveitoso usar a música e a pintura impressionista para desenvolver essa idéia, já que o poder de sugestão nessas formas de arte é muito mais perceptível ao aluno do que na literatura.

O Simbolismo fez na literatura o que o Impressionismo estava fazendo na música e na pintura, isto é, promoveu a diluição da figura, a perda dos contornos, a percepção individual da realidade, a influência da luz, o sonho, as imagens etéreas, o subjetivo, o momento, o conhecimento intuitivo. Tanto o Simbolismo quanto o Impressionismo registram a impressão que a realidade provoca no espírito do artista num momento particular, as sensações que ela provoca, ou seja, a realidade subjetiva. O homem se volta para as manifestações metafísicas e espirituais.

Ambos os movimentos são uma reação contra o materialismo e o cientificismo que imperavam na época, fins do século XIX. O artista parte em busca da essência do ser humano, daquilo que ele tem de mais profundo, o homem procura o seu verdadeiro “eu”, e não aquele eu do Romantismo – já desgastado e esvaziado – que se tornara superficial e piegas. Na literatura, a sugestão acontece de várias formas, uma delas se encontra na exploração da musicalidade, da sonoridade, por isso a forte presença de recursos sonoros como a aliteração e a assonância.

A minha proposta é, na verdade, uma tentativa de abordar e explorar as peculiaridades do movimento artístico ocorrido por volta de 1890 e de mostrar aos alunos que a literatura não é acontecimento desvinculado da realidade, ao contrário, ela transpõe as idéias e os anseios de uma época, o estado de espírito do homem diante de sua realidade.

O público-alvo deste projeto é o 2º ano do ensino médio da rede pública de ensino, em razão da programação curricular situar normalmente nesse estágio o estudo do Simbolismo.

O uso de materiais menos padronizados não era uma prática muito comum há dez anos – e não estou certa de que o seja hoje – por isso a minha preocupação em sugerir este projeto sobretudo para o ensino público, como alternativa ao livro didático e aos esquemas de estilo de época. Entretanto, não desejo cometer nenhuma injustiça com aqueles professores que já fazem uso desse tipo de abordagem e de material. Indico, portanto, este projeto para qualquer um que veja nele uma possibilidade de inovação.

Os mais diversos materiais podem ser usados para explorar um tema tão rico como este. Eu utilizei apenas algumas das muitas opções. Da pintura, tomei reproduções de telas[1] de Monet, Manet, Delacroix e Picasso; da música, o material sugerido é o “Bolero” de Ravel e uma música “visionária” de Aurio Corrà que reproduz o som do fundo do mar; da literatura, sugiro o soneto “A catedral” de Alphonsus Guimarães. Esse material será usado em sete etapas, as quais irei descrever mais adiante.

Este projeto de regência foi desenvolvido em sete etapas, sendo que em cada uma delas, tanto o material quanto a atividade seriam diferentes da anterior. Cada etapa desenvolve uma competência diferente; sendo assim, ao final da atividade terão sido trabalhadas a escrita, a leitura, a apreciação crítica e a oralidade, dentre outras competências. Somente na última etapa é que os alunos irão produzir um trabalho escrito, que servirá como forma de avaliação da eficácia da metodologia proposta.

Para que a atividade seja mais produtiva, sugiro que os alunos estejam dispostos de maneira a formarem um grande círculo na sala de aula, para que todos possam ver e ouvir uns aos outros. Essa disposição permitirá também que todos possam manusear e ver de perto as gravuras que serão utilizadas, para que se sintam mais à vontade e mais familiarizados com elas.

De um modo geral a proposta foi muito bem aceita pelos alunos. Ficou-me a impressão de que eles estão sempre dispostos a realizar atividades que permitam a sua participação de forma ativa. Acho que esse é o caminho para promover um interesse maior pela matéria, e conseqüentemente pelas aulas. Entretanto não posso deixar de reconhecer que um trabalho como este demanda uma disponibilidade muito grande de tempo para organizá-lo, o que na maioria das vezes é o que o professar menos tem.

 

Sequência didática

Atividade 1 – Apreciação das obras

Esta atividade consiste, como o próprio nome indica, na apreciação de várias gravuras de Monet e Manet com o intuito de fazer com que os alunos possam identificar algumas características comuns a todas as gravuras. Em virtude de serem classes numerosas, achei conveniente preparar dez gravuras para essa etapa, ou seja, uma gravura para cada três a quatro alunos. Sendo assim, várias gravuras estariam circulando, o que dificultaria a dispersão, pois todos os alunos estariam com alguma gravura. As gravuras vão circulando até que todos as tenham apreciado. Feito isso, começamos a discutir a impressões de cada aluno. Nas minhas turmas, o começo foi difícil, pois todos tinham medo de falar “bobagem”, mas aos poucos eles foram se soltando e expondo as suas opiniões. Nesse ponto é importante lembrar que o professor deve explicar aos alunos que não há nessa atividade respostas certas ou erradas, pois o que vale é a opinião de cada um, e não uma opinião coletiva padronizada. Cada um tem liberdade para dizer o que achou das gravuras, o que elas representam e qual acreditam ter sido a intenção do artista quando as pintou. Nessa etapa, o que vale é a reflexão, a formação de uma opinião própria a respeito do que viu e sentiu, a troca de opiniões entre colegas.

Vários são os aspectos que podem nesse momento ser explorados, como a precisão dos contornos, o uso das cores, os motivos retratados, a presença da luz, o ângulo de observação, o local, a hora, o movimento etc.
 

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Claude Monet — Boulevard des Capucines — 1873.

É uma atividade que deve ser conduzida com calma para dar tempo aos alunos de se adaptarem à proposta de trabalho. Depois da exposição de todos os alunos, o professor irá então falar um pouco a respeito do Impressionismo: a técnica empregada pelos artistas, os aspectos mais importantes do movimento, como registrar o instantâneo, a captação do movimento, a diluição dos contornos, a fusão do sujeito com o ambiente, a mutação das paisagens e a valorização da cor, entre outras características. Isso ajudará os alunos a compreenderem melhor as gravuras que apreciaram pois elas passarão a fazer mais sentido.

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Claude Monet – Ponte Japonesa —1899.

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Claude Monet: O Jargim de Vetheuil.

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Claude Monet: "Les Saules" – 1880.

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Edouard Manet - Bar de Folies-Berg — 1882.

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Edouard Manet — Na praia — 1873.

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Edouard Manet — Le Déjeuner sur l'Herbe — 1862-63.

 

Atividade 2 – Análise do traço

A proposta desta atividade é fazer uma análise comparativa do traço da escola impressionista com os traços da escola anterior e da posterior a ela, para assim perceber o processo de indefinição das formas que culminou com as propostas modernas no Brasil.

Para esta atividade preparei gravuras de Delacroix, do movimento anterior, e gravuras de Picasso, do movimento posterior ao Impressionismo. Assim, munidos de um conhecimento prévio, os alunos puderam observar o processo de indefinição do traço e relacioná-lo ao estado de espírito do artista de cada movimento. Essa atividade fluiu melhor porque agora os alunos sabiam o que procurar. Ficava mais fácil perceber de que forma a arte reflete os padrões e conceitos de uma época, e a luta que trava com as sociedades para se libertar deles. É possível também notar como cada movimento artístico representa um avanço nesse processo de libertação.

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Eugène Delacroix: A Morte de Sardanapal — 1827.

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Eugène Delacroix — Frightened Horse.

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Pablo Picasso: Don Quixote.

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Pablo Picasso: Woman with a Blue Hat.

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Pablo Picasso: Femme Ecrivant.

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Pablo Picasso: Retrato de Dora Maar.

 

Atividade 3 – Apreciação da música

O objetivo desta atividade é mostrar que o processo de reação contra os padrões de uma época é muito amplo e pode ocorrer em todas as manifestações artísticas, inclusive na música. Para demonstrar isso, os alunos escutaram uma música clássica de Maurice Ravel, o “Bolero”. Nessa obra é possível perceber o uso de diferentes acordes, que sugerem uma instabilidade emocional. É como se o autor estivesse vivenciando diferentes emoções no momento da composição da música. Esse bolero foge muito do padrão das músicas clássicas da época, nas quais a linearidade e a uniformidade eram privilegiadas.

Depois de ouvir a música, a classe discutiu a respeito das impressões que tiveram dela, as sensações e o estado de espírito que sugeria, os quais lhes pareceram então semelhantes aos sugeridos pelas gravuras de Monet e Manet – um mesmo sentimento inquietante.

 

Atividade 4 – Leitura e análise do soneto

O poema escolhido para essa atividade foi “A catedral”, de Alphonsus de Guimaraens. Essa escolha não foi aleatória. Pelo contrário, deu-se em função da incrível semelhança existente entre a catedral sugerida nesse poema e a catedral das gravuras de Monet, utilizadas nas outras atividades. A seguir apresento o poema:
 
A catedral
 
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
               Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
               Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
               “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
O astro glorioso seque a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
               Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
               Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
               “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
               Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
               Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
               “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
               Vem açoitar a rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
               Como um astro que já morreu.
E o sino geme em lúgubres responsos:
               “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
 
(GUIMARAENS, A. de. Os melhores poemas. São Paulo: Global, 1985.)
 
Esse poema permitiu um trabalho bastante amplo, pois vários são os aspectos que nele podem ser abordados, como as figuras de linguagem, a inversão da ordem direta das frases, as analogias, o vocabulário, a idéia de cor e luz, enfim, muitas são as possibilidades de trabalho.
 
Optei por fazer várias leituras antes de começar a atividade. Primeiro cada aluno leu um trecho do poema, depois um aluno o leu inteiro e só por último que a leitura foi feita por mim. A primeira leitura serviu para os alunos elencarem o vocabulário desconhecido. A segunda leitura foi feita por estrofe, para que os alunos pudessem entender o que o poeta dizia em cada uma delas, assim as dúvidas iam sendo sanadas à medida que apareciam. Já a terceira leitura apontou os recursos utilizados pelo autor e a sua intenção com isso. A maioria dos recursos presentes no poema eram totalmente novos para os alunos, que ainda não conseguiam reconhecer as figuras de linguagem. Procurei me deter então um pouco mais nessa etapa, para preencher uma lacuna de conteúdo, uma vez que as figuras são ponto da 7ª. série.

O poema se tornou mais fácil para os alunos, embora eles tenham deixado bem claro que não gostam desse tipo de texto.

Em todas as leituras, assim como em todas as etapas do trabalho, os alunos foram sempre incentivados a falar e participar. Não foram feitas censuras a nenhum tipo de manifestação dos alunos, fato esse que parece ter sido importante para o bom andamento das atividades desenvolvidas em sala de aula.

Provavelmente essa é a etapa que mais tempo e trabalho requer, pois, em relação à música e às artes plásticas, fica evidente a resistência dos alunos à poesia. Entretanto é sempre bom ter um novo desafio pela frente.

 

Atividade 5 – A Catedral de Oensen 

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Esse é o nome da catedral que Monet retratou em uma seqüência de três telas. Cada uma dessas telas, representa a mesma catedral, observada em diferentes momentos do dia, sob ângulos próximos. Fica claro que o artista quis registrar como a sua percepção da catedral variou de acordo com o momento do dia, da quantidade de luz, do seu estado de espírito. 

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Esta atividade visa medir a sensibilidade dos alunos e descobrir se eles conseguem estabelecer uma relação entre as gravuras e o poema. Para isso oferecem-se duas gravuras da catedral aos alunos. Uma retrata a catedral ao amanhecer, exatamente como o poema faz; a outra retrata a catedral ao anoitecer, também como faz o poema. As gravuras devem circular na roda (já que desde o início do projeto é assim que os alunos estão dispostos) para que possam ver de perto os seus detalhes. Em seguida, o professor começa a discutir com os alunos a situação de produção das gravuras, ou seja, o momento do dia em que ele foi pintado e como isso se evidencia; por último, o professor inquire sobre a relação entre as gravuras e o soneto. É bem provável que os alunos não tenham nenhum tipo de dificuldade em perceber e justificar essa relação.

 

Atividade 6 – Música visionária

Sem dúvida esta é a etapa que mais agrada aos alunos, pois é quando fazem uma “viagem” ao seu interior. Em silêncio e de olhos fechados, os alunos ouvem a música e se deixam invadir pelas sensações que ela desperta. A música escolhida é instrumental e reproduz os sons do fundo do mar. É como se déssemos um profundo mergulho no oceano, cujos sons sugerem um estado de paz e calma interior. Os alunos permanem absolutamente quietos e concentrados durante a execução da música e ao final todos estão calmos e relaxados – prontos para fazerem a última atividade.

 

Atividade 7 – Redação

O objetivo da redação é que os alunos possam expressar verbalmente e por escrito as sensações que a música provocou neles – o que não é fácil. Entretanto, ambos os grupos demonstraram ter assimilado bem a atividade proposta e realizaram redações bem interessantes. Alguns tiveram a impressão de estar exatamente no fundo do mar e outros tiveram impressões totalmente diferentes.

 

Notas

[1] Essas gravuras faziam parte de um portfólio contendo reproduções de obras importantes de grandes artistas da história. O portfólio foi distribuído às escolas da rede pública estadual de São Paulo pelo governo, mas parece que em grande parte das escolas esse material não teve aproveitamento, pelo menos foi essa a informação que os estagiários da minha turma de licenciatura de 1999 trouxeram.

 

Referências bibliográficas

ANOS DE 6UERRA 1937-1945. Catálogo da exposição de Pablo Picasso no MASP. São Paulo, 1999.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura Brasileira. 36a. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

COUTINHO, Afrânio (org.). A literatura no Brasil; Era Realista Era de Transição. 4ª ed. São Paulo: Global Editora, 1997. v. 4. A literatura no Brasil.

GÊNIOS DA PINTURA. São Paulo: Abril Cultural, v. 5, 1969.

MEGALE, Heitor, MATSUOKA, Marilena. Literatura e linguagem. 4ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. v. 4.

TUFANO, Douglas. Estudos de língua e literatura. São Paulo: Moderna, 1979. v. 4.
 
   
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1 Comentário

  • Link do comentário Zilma Sexta, 23 Setembro 2011 12:20 postado por Zilma

    Pesquisando e refletindo sobre as telas, descubro que não entendo o mundo nem o ser humano. A busca é infinita do eu individual, amanhã na mesma hora e no mesmo momento de hoje , penso e ajo diferente, os meus desejos são muitas vezes outros. Cada dia tem uma pessoa dentro de mim, mesmo que eu procuro preservar , somos únicos.
    Temos a loucura , o amor, e o mundo é nosso para viver da maneira como quisermos sendo felizes.

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