Michele da Silva Lima
Introdução
Este artigo é resultado das experiências obtidas durante o estágio composto por quarenta horas de observação de aulas e vinte horas de regência, realizado com duas turmas de 5ª. série do Ensino Fundamental II, em uma escola no centro de São Paulo.
Durante o estágio, a observação possibilitou enxergar a problemática que se tornou tema do meu trabalho para a disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa I, ministrada pelo professor Valdir Heitor Barzotto no primeiro semestre de 2008. Atualmente, as salas de aula se tornaram um ambiente que não mais propicia a aprendizagem, mas sim a cópia, transformando os alunos em “alunos copistas”. No entanto, pouco se fala sobre as conseqüências de um ensino baseado na cópia e sem interação verbal. Dessa forma, este artigo contém um breve relato crítico sobre a falta de comunicação entre o professor e os alunos e suas conseqüências para o tema principal de análise, que é a coesão textual.
O estágio
Estágio de observação
Durante o estágio de observação pude constatar a ausência de comunicação entre o professor e os alunos e perceber que tal falta de comunicabilidade trazia conseqüências para a produção escrita. Não havia diálogo entre o docente e os estudantes, tudo era baseado na lousa e na cópia.
Para Bakhtin (1981), o diálogo é uma das formas mais importantes da interação verbal, podendo ser compreendido não só por meio da palavra dita em voz alta, como também em toda forma de comunicação verbal. No entanto, pude perceber que, no contexto aqui analisado, não havia nenhum estímulo e nenhuma forma de diálogo em sala de aula, nem falado e nem escrito, e nem mesmo a lousa era usada como forma de interação. As aulas inteiras eram de cópias e não havia qualquer explicação sobre a matéria, muito menos uma explicação sobre o quê deveria ser feito como lição de casa. Muitos alunos deixavam de entregar suas redações por não perceberem e não entenderem o que fora pedido na aula anterior, pois o docente apenas havia colocado a lição na lousa e não a havia explicado.
Quando havia exercícios com questões pessoais, o docente não chamava os alunos para darem as respostas que implicavam opinião; ele simplesmente colocava na lousa que as respostas eram individuais, não instigando em nenhum momento a discussão sobre qualquer tema em sala de aula. Segundo Bakhtin (1981), a enunciação é puro produto da interação social e, quando individual, por mais primitiva que seja, é representação do ponto de vista do seu conteúdo. Quando o professor negava o ponto de vista do aluno e impedia que este se posicionasse diante de uma resposta, diante de uma justificativa, mesmo que fosse uma justificativa oral, ele delimitava ainda mais o poder de argumentação de seus estudantes. Conforme aponta Dufour (2005:135): “A palavra e a escrita estão, pois, ligadas: falar nos provoca a escrever e escrever nos conduz à borda do centro enigmático da linguagem”.
Como conseqüência, os alunos não aprendiam nada sobre as matérias, ficando cada vez mais evidente suas dificuldades em se expressarem, tanto nas produções escritas quanto nas de forma oral. Apesar de o professor passar na lousa o modo como seus alunos deveriam escrever, ainda que produzindo o discurso de certo e errado, nada disso era suficiente, pois, para as duas turmas que acompanhei, ficou claro que a aula era apenas de cópia e não algo que se deveria compreender. Era como se aula fosse apenas um trabalho mecânico e braçal.
Mediante análise da produção escrita dos alunos, é possível perceber que os temas tratados em sala de aula pelo professor não foram absorvidos por eles, uma vez que, conforme já destaquei, não havia nenhuma forma de interação verbal, escrita ou falada. Cito, por exemplo, o fato de o professor passar na lousa quando se deve fazer o uso dos travessões, dos dois pontos, da vírgula e de determinadas conjunções, ou de o professor explicar as diferenças entre “mais” e “mas”, e nada disso ter sido entendido pelos alunos, estando esses “problemas” constantemente presentes em suas redações.
Estágio de regência
Meu propósito na regência era trabalhar a produção de texto, ajudando os alunos a manterem a coesão textual e ensiná-los a usar a pontuação, evitando as repetições desnecessárias. No entanto, como o professor achava essencial que os alunos copiassem toda a matéria, não pude fugir do seu sistema de cópia, uma vez que ele não o permitia. Além disso, tive que seguir o Caderno do professor ou o livro didático[1], utilizado nas aulas a pedido do docente.
Como foi impossível trabalhar com a produção de texto em sala de aula, aproveitei os conteúdos que havia para seguir e, aos poucos, ensinei os alunos a usarem a pontuação e a lerem com uma melhor entonação. Para isso, tive que instruir algumas regras básicas, como quando fazer parágrafo, quando e por quê se deve usar a norma culta, entre outras coisas. Além disso, pratiquei a leitura de diversos textos em sala.
Pude observar que o professor se encaixava perfeitamente no perfil do pedagogo pós-moderno descrito por Dufour (2005), pois algumas vezes o docente se negava a ensinar algumas matérias aos alunos, dizendo que estes não as entenderiam. Segundo o autor, quando o aluno não sabe fazer um exercício, é melhor pedir-lhe que não o faça: “(...) é assim que uma quantidade de pedagogos, armados das melhores intenções do mundo, progressivamente vieram a suprimir todos os exercícios que os novos alunos não sabem mais fazer” (2005:135). Portanto, como estes temas eram essenciais para que os estudantes pudessem compreender o que de fato é uma boa redação, dispus-me a ensiná-los a diferença entre a linguagem coloquial e a culta e a definição de coesão e coerência textuais.
As minhas últimas aulas foram dedicadas à análise, em sala de aula, de algumas redações. Constatei que a maioria sabia como deveriam ser escritas determinadas orações e palavras; no entanto, como não liam o que escreviam, entregavam as redações sem ter sido feita qualquer revisão. Dessa forma, tentei explicar que, dependendo de como eles escrevessem, o texto produzido poderia ficar mais claro e objetivo, pois as redações apresentavam um grande problema de coesão textual. Por outro lado, como as produções de textos apresentavam marcas de oralidade, os estudantes conseguiam manter, sem nenhum problema, a coesão oral, isto é, conseguiam fazer-se entender oralmente.
Também na regência percebi o quanto era difícil explicar a esses alunos que o que eles escreviam não estava errado e, ao mesmo tempo, ensiná-los o quanto era importante que escrevessem de acordo com a norma culta.
Como constatei no período de observação uma total ausência de comunicação entre o docente e os alunos, tentei sempre manter interação com estes, escutando suas opiniões e instaurando o diálogo em classe. Tentei , em minhas aulas, ir além da simples cópia e procurei fazer com que eles, de fato, pudessem absorver alguma coisa, mesmo quando era necessário usar a lousa.
Problemática: produção de texto - coesão textual
A ausência de comunicação entre o professor e os alunos não foi o único fator a chamar a atenção. A maneira como estes trabalhavam a coesão textual em suas produções também foi um aspecto relevante para análise, uma vez que muitos problemas encontrados se deviam à falta de compreensão de conteúdos, isto é, como conseqüências das aulas cópia, os alunos fingiam entender e acompanhar a matéria. Além disso, a partir da análise, é possível perceber que, apesar de não absorverem os conteúdos apresentados pelo professor em sala de aula, conseguiam, de alguma maneira ou de outra, fazerem-se entender.
O exemplo abaixo mostra uma situação em que o docente tenta passar algumas informações na lousa, mas, como sempre, sem interagir com os alunos:
Nunca escrevam do jeito que falam. Observe a norma culta.
Exemplos:
Ele pediu para fala comigo (errado)
Ele pediu para falar comigo
O que ele estava fazeno (errado)
O que ele estava fazendo (certo)
O professor, como muitos professores de Língua Portuguesa, considera os manuais de gramática como um modelo a ser seguido, não percebendo a mutilação que estes fazem da realidade da língua. Como é possível perceber pelo exemplo acima, o docente considerava um erro quando o aluno não seguia a norma padrão.
Assim, quando corrigi as redações, não considerei um erro o fato de não seguirem a norma culta, mas atribuí nota de acordo com a coesão, tendo como objeto de avaliação o texto, considerando-o como um ato de comunicação unificado, em que tudo deve se encontrar interligado, preservando, assim, a organização linear. Ao corrigir algumas redações, pude perceber que os alunos não sabiam fazer pontuação, faziam parágrafos de modo arbitrário, além de usarem a repetição desnecessariamente, uma vez que se importavam mais com o modo como o texto era coeso na língua oral, e não com a coesão do texto escrito.
Muitas vezes, os alunos se preocupavam tanto em contar como, de fato, as coisas aconteciam que não se davam conta da forma como escreviam. Era evidente que os estudantes queriam que o professor, ao ler suas redações, realmente entendesse o que eles queriam dizer.
Segue abaixo um fragmento de uma das redações dos alunos:
Na praia eu fui para dentro do Bar e ai começou a Chover Muito ai a Maré quase Chegou No Bar entre aspas né peguei Conjinha, eu não fiquei só lá! Não eu fui para o Restaurante e foi Muito gente, foi tomar Café da tarde e depois foi para praia e Me Bronzeei Mas nem tanto né e andamos muito de carro e lugares e Muitos Bonitos. (...) Mas a gente passou um dia só. Mais Esse dia Valeu apena, Eu Nunca Vou Esquecer e, Na Casa de praia tinha pisina, mas não deu para gente nadar um pouco.[2]
Nesse trecho, nota-se que o aluno usa a letra maiúscula de modo não-sistemático. Além disso, há vírgulas no lugar de pontos finais, o que mostra que ele não sabe quando se deve usar um ou outro. Também há marcas de oralidade em todo o texto. Quanto a isso, Bastos (2001:120) afirma que:
(....) devido a uma falta de familiaridade dos alunos com a escrita e à própria falsidade ou não-definição da situação escolar de escrita, os alunos lançam mão do que lhes é mais acessível. Dessa forma é que explicamos certos problemas de COESÃO, como a repetição excessiva de palavras e construções. Vemos a necessidade de se colocar na escolar a distinção língua oral/língua escrita, ou seja, coesão oral e coesão escrita, visto que esta é, muitas vezes, confundida com questões de formalidade e informalidade de língua, concluindo-se daí uma incapacidade generalizada dos alunos para o uso da língua-padrão.
Assim, “aí” e “né” são recursos utilizados para ajudar na compreensão oral do texto. Para se fazer entender, este aluno, assim como muitos outros, transpõe as marcas de oralidade à escrita, porque ainda não está imerso no mundo letrado, e as utiliza para enfatizar e fazer com que seu leitor o compreenda.
Percebe-se no texto que o aluno não é incapaz de usar a norma culta e que sabe utilizar determinadas palavras que o ajudariam na coerência e na coesão textuais, como “mas” ou “mais”. Essas conjunções permitem o estabelecimento de relações significativas entre os elementos do texto; em “Mas a gente passou um dia só. Mais Esse dia Valeu apena.” nota-se que o “mais” é uma adversativa usada para dizer que, apesar de ter passado um só dia na praia, ao final, o dia foi proveitoso. O “esse” dessa mesma frase, além de ser uma referência anafórica, segundo Koch (2007), é uma forma remissiva (ou referencial), ou seja, é um demonstrativo que indica apenas uma instrução de conexão. O aluno também lança mão daquilo que Halliday & Hasan (apud KOCH, 2007) chamam de conjunções continuativas, como “Depois” e “aí”, que servem para dar seqüência ao texto.
Quanto às repetições, que servem como reiteração, o aluno faz uso de repetições do mesmo item lexical, “No Bar”, que podem ser consideradas, conforme Koch (2007), como de co-referência.
Na verdade, o que prejudica a produção de texto, em geral, é a falta de clareza e de ordenação de idéias. Fica evidente, ao final, que o aluno quer terminar a redação, mas lembra-se de que a casa tinha piscina e, assim, encaixa essa informação de qualquer maneira. Além dessas ocorrências, o aluno apresenta problemas ortográficos, como em “Conjinha” e “pisina”. No primeiro caso, a troca ortográfica pode ter se dado pela aproximação sonora entre os fonemas "xê" e "jê", que são fricativas palatais.
Todas as redações produzidas pelos alunos das 5 as séries apresentam os mesmos tipos de ocorrências. Segue abaixo um trecho de outra redação:
Mas sempre que ia brincar gostava de brincar de bola, com seus amigos. Chico, Carlos, Fernando e Felipe.– Ele não gosta de ir para, a escola, mas ele gosta da cantina, sorte já está de férias.
– Sempre tem um amigo que, atrapalha que ser o comandante do grupo.
– Ele é o dono da bola, então ele que comanda.
Nesse trecho, nota-se novamente o problema com a pontuação. O aluno, assim como os demais, não deve ter relido o seu texto e não percebe a falta do verbo “querer” na oração “Sempre tem um amigo que, atrapalha que ser o comandante do grupo”, ou ainda pode ter escrito da maneira que ouve, uma vez que o som da letra “r” ao final de “quer”, muitas vezes não é bem pronunciado.
O aluno faz uso do travessão a cada parágrafo e a enumeração dos amigos na primeira linha poderia ter sido feita com o uso dos dois pontos, o que mostra que ele não sabe quando deve usá-los, apesar de o professor ter dado uma aula sobre o uso dessas pontuações. É importante ressaltar que essa aula foi uma aula de cópia, o que provavelmente fez com que o estudante não prestasse atenção na matéria e não absorvesse o conteúdo.
É possível perceber também que há em todo trecho a repetição do pronome “ele”. Segundo Koch (2007:39), esses pronomes “(...) fornecem ao leitor/ouvinte instruções de conexão a respeito do elemento de referência com o qual a conexão deve ser estabelecida”. O aluno também usa a adversativa “mas” e, logo na segunda linha, faz um paralelo entre a escola e o fato de o garoto, “ele”, estar de férias: “Ele não gosta de ir para, a escola, mas ele gosta da cantina, sorte já está de férias”. Por fim, nota-se que, no trecho acima, há uma progressão temática com um tema constante, ou seja, o aluno invariavelmente mantém o tema da redação, “a vida de um garoto”. Isso muitas vezes não acontecia com os demais textos, pois os alunos começavam a redação tratando de um tema e, de repente, o trocavam, não fazendo nenhuma ligação entre eles.
Segue abaixo outro trecho de outra redação:
Nunca vou esqueser o dia que minha mãe dise que ia ter uma irmã, figuei muimto feliz.
Mais eu sabia gue eu ia ter que amar muito ela ia vezes tinha que dar às vezes uma de irmão mais velho.
Quando ela naseu figuei muimto feliz. guando viela a chei ela muimto lida ela era fofa e tam pequenina.
No trecho acima são evidentes os problemas com a ortografia, pois o aluno troca constantemente as letras “g” e “q”, provavelmente por semelhança na grafia das letras. No início do terceiro parágrafo o aluno escreve “Quando”, mas logo após o ponto final escreve “guando” com letra minúscula, revelando que, de alguma maneira, ele sabe que a palavra é escrita com a letra “q”, ou, na dúvida, opta pelas duas formas. Isso também pode ser descrito como algo parecido com a assimilação fonológica. Nesse fenômeno, quando a língua “encontra dois sons que têm alguma ‘coisa' parecida, semelhante, ela faz de tudo para que eles se juntem, se fundam num só” (BAGNO, 2000:87). No caso apresentado, não há uma união e sim uma troca, provavelmente pelo fato de as consoantes “q” e “g” pertencerem ao mesmo ponto e modo de articulação: os fonemas / g / e / k / são velares oclusivas. A semelhança então, explicaria a dúvida do aluno entre uma consoante e outra.
Já o caso de “tam” é peculiar, a meu ver. O mais provável é que o aluno escreva a palavra com “m” por ter sido várias vezes corrigido quanto ao uso dessa consoante em tempos verbais. Pude constatar, na observação das aulas, que o professor escrevia constantemente na lousa que os alunos escreviam no futuro do presente, quando, na verdade, deveriam escrever no pretérito perfeito, provavelmente por causa da semelhança sonora entre “am” e “ão”.
Exemplo: As meninas virão ao museu (errado)
As meninas vieram ao museu (certo)
Ontem os alunos falarão o tempo todo (errado)
Ontem os alunos falaram o tempo todo (certo)
Dessa forma, como não houve explicação sobre o assunto, o aluno apenas gravou que deveria escrever com “am” e não com “ão”. Por associação, ele pode ter escrito “tam” e não “tão”, o que mostra mais uma vez que, apesar de o professor ter escrito o conteúdo na lousa, não houve interação com aluno e conseqüentemente nenhuma compreensão da matéria.
Como recurso para enfatizar, o aluno usa diversas vezes a palavra “muimto”. O “m” no meio da palavra pode ter sido escrito em razão da forma como o estudante a escuta, devido à nasalização do ditongo “ui” como uma forma de assimilação, por causa da ressonância da cavidade nasal anteriormente sentida com a consoante “m” que inicia a palavra.
Além disso, as marcas de oralidade também estão presentes no texto, como, por exemplo, em “viela”. O aluno escreve da maneira que escuta “vi ela”. No caso de “lida” é possível formular a hipótese de que o aluno não prestou atenção no que escreveu e, por isso, deixou passar o “lida”, em vez de “linda”, pois a maioria não relia o próprio texto.
No segundo parágrafo, o verbo “ter” está conjugado no pretérito imperfeito, quando, na verdade, deveria estar no futuro do pretérito. No entanto, segundo Weinrich (apud KOCH, 2007), os dois tempos verbais estão de acordo com o tempo do mundo narrado, uma vez que, para a narração, pode-se usar esses dois tempos ou, ainda, o pretérito mais-que-perfeito e o pretérito perfeito simples.
A repetição do mesmo item lexical, “vezes”, pode atrapalhar a compreensão do texto, mas não a ponto de fazê-lo ininteligível.
Por meio dos exemplos citados e das correções de outras redações, pude notar que, antes de exigirmos desses alunos o uso de uma língua-padrão, como tanto quer boa parte dos professores de Língua Portuguesa, deveríamos primeiro ensinar-los a ordenar as idéias, ensiná-los a usar a pontuação e a não repetirem diversas vezes a mesma palavra, desnecessariamente. Em suma, é preciso ensinar aquilo que consideramos de fundamental importância para a produção de um texto para que esses alunos possam escrever melhor.
Conclusão
O estágio de observação e, principalmente, a regência foram experiências gratificantes, uma vez que nunca havia entrado na sala de aula como professora. Pude preparar a matéria, embora não possa ter exercido muito a minha criatividade, e pude entrar em contato com alunos que estão iniciando o Ensino Fundamental II. Tudo isso foi de extrema importância, porque é nessa fase que o professor pode introduzir ou “eliminar' determinados conceitos da mente dos alunos, o que talvez mais tarde já não seja possível.
No entanto, tenho que admitir que nem tudo foi fácil. A escola não colaborava com a impressão dos materiais e, assim, o professor transformava suas aulas em aulas de cópia. Conseqüentemente, nada parecia sair do lugar, tudo era estático. Admito que, apesar da grande melhora dos alunos na leitura de textos, o resultado das produções não foi o suficiente. Ainda há muito que fazer e o que enfrentar, pois parece que o mais importante não é ensinar os alunos e sim entretê-los, ocupá-los de alguma maneira.
Como diz Bourdin (1996): “(...) na escola é permitido não estudar”. Pior que isso é vê-la se transformar em um deposito para guardar os jovens, ou melhor, como afirma Dufour (2005:147), “para guardar futuros desempregados pelo maior tempo possível e ao menor custo”. A instituição que deveria instruir, já não instrui, mente a seus alunos lhes dando notas fictícias, às vezes até para alunos fictícios, já que o ato de faltar sem motivo é bastante praticado. Conforme aponta Dufour (2005:141): “O aparelho escolar pós-moderno apresenta, pois, essa particularidade espantosa: agora que a obrigatoriedade é (pela primeira vez na história) quase que generalizada, há cada vez menos educação”. Apesar de não ter sido suficiente, fiz com que minhas aulas fossem proveitosas e que de fato ensinassem, porque, afinal, quem entretém é palhaço e não professor.
Durante a minha regência, tentei mostrar que o principal em uma redação é manter a ordem e a clareza das idéias. Tentei eliminar valores já estabelecidos, como a idéia de que a linguagem coloquial é a linguagem de “burros”. Também estabeleci a comunicação entre mim e os estudantes, pois, segundo Bakhtin (1981), só o caminho da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação. A partir disso, tentei de todas as formas instituir o diálogo com os alunos, fazendo com que trabalhassem de alguma maneira com a comunicação e a informação da mensagem. Tentando, assim, não ter em sala de aula “alunos copistas”, pois durante o estágio pude verificar e comprovar as conseqüências de uma aula de cópia na produção e na aprendizagem dos discentes.
Quanto à coesão textual, pode-se notar que, embora esses alunos não tenham uma completa idéia do que seja um texto coeso, ao menos utilizam recursos para que suas produções estejam de alguma forma coerentes. Há, de certa maneira, apesar de uma clara deficiência na pontuação e na ordenação de idéias, produções de texto em que as orações estão interligadas, seja pelo uso de referência, seja pelo uso de conjunções continuativas, de orações adversativas, ou até mesmo por um sistema temporal. Tudo isso deve ser levado em consideração na hora de corrigir suas redações, já que não se deve cobrar aquilo que eles ainda não sabem. Antes que os alunos estejam imersos em um mundo letrado, fica difícil exigir que eles escrevam utilizando o que desconhecem como, por exemplo, o uso de outras conjunções como porém, entretanto, no entanto, todavia etc.
Uma vez que o foco não estiver mais na cópia e sim na aprendizagem, antes mesmo de ensinar gramática ou norma culta, devemos ensinar que o mais importante em uma redação é passar informação e que esta deve aparecer de maneira clara e ordenada. Se há usos de oralidade ou se o texto não está escrito de acordo com a norma, tudo isso pode ser irrelevante no primeiro momento, se a redação mostrar coesão. À medida que os alunos se familiarizarem com a leitura e com a escrita, a cobrança de textos mais complexos e com um uso mais apurado da escrita pode se tornar possível e acessível a eles.
Notas
[1] BORGATTO, Ana; VERA, Terezinha. (2008). Tudo é Linguagem. Língua Portuguesa. 5ª. Série. 1º. edição. São Paulo: Ática.
[2] Todos os trechos são transcritos conforme o original.
Referências bibliográficas
BAGNO, Marcos (1997). A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Contexto. 5º. Ed. 2000.
BASTOS, Lúcia Kopschitz (2001). Coesão e coerência em narrativas escolares. São Paulo: Martins Fontes.
BOURDIN. Jean-Yves (1996). Violência e crise da escola dos pobres. Pré-publicação de artigo a ser publicado na ADAPT, revista pedagógica do SNES (Sindicato Nacional de Ensino Secundário, FSU), Paris. Trad. M. Joana D. Couto e M. Luiza D. Couto.
DUFOUR, Dany-Robert (2005). O homo zappiens na escola: a negação da diferença geracional. In: A arte de reduzir as cabeças – Sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Trad. Sandra R. Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, pp. 117-149.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. (1989). A coesão textual. São Paulo: Contexto, 21º. Edição, 2007.