O estudo diacrônico dos textos publicitários: uma possibilidade de ensino

 

Dalila Gonçalves Luiz 

 

Introdução

Suporte, propagandas publicitárias e processos de editoração: como abordar tais elementos no processo de ensino-aprendizagem de alunos do Ensino Fundamental II? Esse era o questionamento que permeava minhas reflexões ao longo das primeiras horas do estágio de observação, realizado para a disciplina Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa I (MELP I), na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – EA/FEUSP.

O desejo de trabalhar, durante a regência, com os conceitos citados – sobretudo com o gênero textual propaganda publicitária – acabou por gerar-me um intenso processo de reflexão, influenciado tanto pelas discussões e textos lidos durante o curso de MELP I, como pelas disciplinas cursadas ao longo de minha formação docente.

O resultado desse processo foi a elaboração – constantemente reelaborada – de um projeto de regência, realizado, na forma de Oficina de textos, em período paralelo ao horário de aula com os alunos da 8ª. série do Ensino Fundamental. O foco principal foi uma abordagem diacrônica das propagandas – século XIX, XX e XXI – que, além das inevitáveis alterações determinadas pelas necessidades de cada século, apresentam também mudanças relacionadas aos vários tipos de suporte em que circularam – jornal, TV, revista e Internet.

Apresento, neste artigo, essa experiência de ensino-aprendizagem detalhando a seqüência didática, as estratégias e as tarefas propostas aos alunos durante o desenvolvimento das atividades em sala de aula.

 

Oficina de textos: O percurso da linguagem publicitária

Anúncios do século XIX

O corpus relativo às propagandas do século XIX foi coletado da obra de Guedes & Berlinck (2000), constituída de anúncios publicados em jornais de diversos estados brasileiros, ao longo de todo o século XIX. Para compor a primeira aula de intervenção, privilegiei, na seleção, os anúncios publicados no estado de São Paulo, com preferência àqueles que circularam na capital.

É importante ressaltar que os textos da obra citada eram transcrições semidiplomáticas , em que se preservava o estado de língua, mas se desenvolviam as eventuais abreviaturas. Desse modo, busquei, na Internet, ao menos um anúncio fiel aos que circulavam no século XIX, em que linguagens verbal e não-verbal fossem reproduzidas sem alterações.

Resolvido esse problema, apresentei aos alunos um anúncio retirado da Internet e outros, extraídos da obra de Guedes & Berlinck (2000), que possuem como correspondente teórico-analítico o texto de Bandão (2004). Vejamos uma de suas reflexões:

(...) os anúncios têm um caráter documental, retratam, pelas informações que fazem circular, pelas ofertas de buscas e serviços, o universo dos objetos e das preocupações presentes num determinado grupo social de uma dada época, tornam-se matéria interessante para apreender aspectos da língua e do cotidiano dessa comunidade discursiva. (BRANDÃO, 2004:02)

É importante notar que os alunos, ao serem expostos aos anúncios, dispensaram atenção demasiada às diferenças ortográficas. A concomitância, na mesma propaganda, de palavras como machina e maquina gerou muitos questionamentos, os quais foram respondidos evidenciando-se que no período em questão não havia uma forma de escrita convencional, como se tem nos dias atuais. Foi necessário adverti-los de que aquele era o período em que começava a se difundir a circulação, no Brasil, de textos impressos e, por esse e outros motivos, as normas de escrita ainda eram instáveis.

O anúncio encontrado na Internet era o único em que a linguagem não-verbal aparecia, então, esse foi o meu único exemplo para explicar tal conceito. A imagem nele encontrada reproduzia uma faceta do produto, no caso, a máquina de costura, sem apresentar qualquer tipo de contextualização, situação ou cena. Assim, a figura era essencialmente referencial.

Passei, então, para a apresentação aos alunos das formas como o discurso é organizado, ou seja, como efetivamente se consolidam as estratégias de convencimento: “uma das formas de modalização do dizer é o emprego de adjetivos” (BRANDÃO, 2004:14).

Logo, valendo-nos das reflexões de Brandão (2004), observamos nos textos selecionados que os adjetivos caracterizavam, freqüentemente, o produto ; porém, essa modalização ocorria de forma tímida, sem grandes exageros ou apelações, por exemplo: arreio competente; Carruagem Inglesa; chitas finas e ordinárias; queijo de primeira qualidade.

Já com relação à interação, observa-se que o enunciador estabelece com o enunciatário um tratamento impessoal e sem qualquer proximidade, como em: quem quizer; quem tiver notícia; na mesma casa há a vender-se.

Nesses anúncios, como se pode notar, as estratégias de convencimento ainda são muito tímidas e seu objetivo é mais possibilitar o conhecimento e a divulgação de determinado produto ou serviço, do que, propriamente, promover o convencimento do público-consumidor. A pouca adjetivação, o baixo grau de proximidade com o público e a provável freqüência de imagens descontextualizadas evidenciam essa observação. Isso os caracteriza mais como anúncios, do que como propagandas.

Feitas, então, as leituras e interpretações, entreguei a cada aluno um anúncio diferente, e solicitei que fosse realizada a atualização lingüística. O objetivo da atividade era fazer com que os alunos tomassem contato com a estrutura lingüística do período, para que, quando fossem elaborar suas produções de textos, pudessem ter noções básicas do estado de língua com o qual estariam trabalhando. A atividade seguinte condensava a retomada das reflexões em torno dos anúncios do século XIX e fazia a transição para os estudos das propagandas circulantes no início do século XX. As questões tinham o propósito de gerar reflexões sobre os aspectos que caracterizam propagandas, sobretudo as do século XIX.

Por fim, passamos à produção de textos. Tanto na primeira produção como nas demais, foram consideradas as reflexões de Val (2003:129); vejamos:

Produzir um texto escrito implica escolher um determinado gênero discursivo e essa escolha se faz em função de para quê se escreve, para quem se escreve, em que esfera e sobre que suporte deverá circular o texto produzido.

Vale lembrar que a turma acompanhada cursava, então, a 8ª. série do Ensino Fundamental, curso que, ao ser concluído, tradicionalmente, em algumas escolas, é comemorado com um evento – festa e/ou viagem. No entanto, para que a comemoração seja concretizada, é necessário mobilização de pais, alunos e professores para a arrecadação de verba, o que, na turma acompanhada, era conseguida por meio da venda de doces realizada pelos alunos da 8ª. série para os demais alunos da instituição escolar.

Decidi, por isso, que as produções dos alunos que acompanhavam a oficina de texto seriam voltadas para a venda de doces. Dessa forma, os textos teriam, efetivamente, um público para os quais se destinariam, uma função clara e bem delimitada, que contemplava os interesses coletivos da turma, além de uma efetiva esfera de circulação: a própria escola. Portanto, tomei as formulações de Val (2003) com o intuito de colocar o aluno na real posição de autor de obras, que teriam efetiva função social.

Para atender a esses objetivos fundamentais, optei por solicitar produções de texto individuais: cada aluno produziria uma propaganda relativa a cada um dos séculos em foco. Assim, ao final da oficina, cada aluno teria, no mínimo, três produções de texto: a primeira relativa ao século XIX, a segunda, ao século XX e, por fim, a terceira, relativa ao século XXI. Segue abaixo a proposta de produção de textos.

 

PRODUÇÃO DE TEXTO I

Depois de estudarmos os anúncios circulantes nos jornais do século XIX, vamos produzir um anúncio que reproduza esse modelo. Os produtos serão os doces, que vocês, alunos do oitavo ano, estão vendendo.

1ª. ETAPA: Faça a primeira versão do anúncio em folha de caderno e traga para o professor, que fará a avaliação prévia do texto. Durante a execução da tarefa lembre-se:
- a ortografia do século XIX deve ser rigorosamente respeitada;
- o emprego de adjetivos é fundamental;
- as informações devem ser diretas e objetivas;
- embora o público-alvo seja aluno , os anúncios do século estudado não estabelecem proximidade com o leitor, sinalizando-o como um público geral, não específico.

2ª. ETAPA: Após apreciação do professor, fazer a versão digital do texto, alterando-o conforme as primeiras orientações do professor. Nesta etapa, deve-se considerar que:
- o espaço precisa ser bem aproveitado e as letras devem ser grandes, assim, mesmo as pessoas que estiverem longe do anúncio poderão enxergá-lo;
- O anuncio deve conter figura(s) apenas do produto, no caso, doces. Não é adequado figura que recupere cenas ou situações;
- Como a grafia utilizada na produção de textos é uma reprodução da vigente no século XIX, os leitores podem achar que a escrita contém ERROS ortográficos. Assim, para adverti-los, de forma polida, que se tratam de textos antigos, aconselha-se que a fonte utilizada na confecção da propaganda seja semelhante a de manuscritos;
- Para não desperdiçar tinta, envie ao email do professor a versão final do texto antes de ser impressa. Nesta etapa o professor será o revisor de seu texto, ele observará as configurações, o aproveitamento do espaço, as imagens selecionadas e eventuais dificuldades com relação à ortografia do período em foco.

Segue uma das produções de texto relativas ao século XIX:

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[Os alunnos d’oitavo anno vendem na semmana corrente guloseimas deliciosas. São todas a preço cômmodo. Os interessados procurar os alunnos d’esta anno no horário do intervallo no bloco A salla 42 e 43.]

 

Propagandas da primeira metade do século XX

O corpus relativo às propagandas do início e da metade do século XX foi retirado dos seguintes periódicos: Revista da Semana (1922), Revista Manequim (1962) e Revista Claudia (1961). Nesta abordagem, as reflexões de Maingueneau (2001), de Kleiman (2000) e de Marcuschi (2004) foram fundamentais.

Dentre as várias propagandas do século XX que apresentei aos alunos, darei destaque neste artigo à propaganda do sabão em pó Omo, publicada na revista Claudia. Seguindo as observações de Kleiman (2000) de que “o conhecimento lingüístico, o conhecimento textual, o conhecimento de mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar ao momento da compreensão”, o texto era apresentado aos alunos fazendo-se vários questionamentos, entre eles:

– A quem, provavelmente, se dirige o texto? Por quê?
– Circulava em jornal como no século XIX?

Certamente, os alunos identificaram que o texto era dirigido às donas-de-casa do período e que a propaganda não circulou em jornais. Para eles, a propaganda circulava em alguma revista feminina, o que realmente estava certo.

Em seguida, conduzi a leitura comparando o texto do século XX com os textos do século XIX, ou seja, os alunos eram questionados sobre quais eram as principais diferenças no modo de convencimento e/ou estruturação do texto. Os primeiros aspectos levantados pelos alunos foram a quantidade de informação distribuída em uma página inteira da revista ; algumas palavras que recebiam destaques especiais e as imagens coloridas que retomam uma cena, uma situação. Tais observações são indícios de que os alunos dispensaram considerável atenção às mudanças de suporte e aos recursos técnicos de que o século XX dispunha para gerar o convencimento.

Minha primeira tarefa, efetivamente, após conduzir as prévias reflexões, foi apresentar aos alunos as peculiaridades do texto. Partiu-se, então, do emprego dos adjetivos, que agora caracterizavam, sobretudo, a marca (novo Omo) e o produto (aperfeiçoado detergente). Essa adjetivação é, na maioria das vezes, acompanhada pela conjunção aditiva ‘e', o que forma estruturas paralelísticas que elencam as diversas ‘qualidades' e ‘benefícios' do produto:

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Enunciados como testes aprovam também são freqüentes no período. Tomei a liberdade de estender as observações de Brandão (2004) sobre os anúncios dos séculos XIX, para os anúncios do século XX: se, com relação àqueles textos, a autora os considera como tendo um caráter documental e como passíveis de denunciar certos aspectos do cotidiano da comunidade discursiva, com estes, do século XX, podemos inferir que, provavelmente, no período em foco, a ciência possuía considerável importância, seus resultados validavam a qualidade do produto. Ao menos, é essa a importância que se depreende de afirmações como a apresentada.

Outro dado relevante diz respeito à quantidade de informações apresentadas na propaganda. Repetições e redundâncias estavam presentes na maior parte dos textos coletados, evidenciando outra característica comum e recorrente das propagandas do período. Possivelmente, os enunciados paralelísticos, as redundâncias e repetições de idéias evidenciam que esses textos são construídos a partir de alguns dos preceitos apresentados na Retórica clássica, tão em voga no período.

A propaganda Omo apresenta, além do que já foi dito, o uso abusivo de verbos no modo imperativo – Brilhe; modernize; lave. Aqui, sem apresentar aos alunos as nomenclaturas, recorri à teoria de preservação das faces, abordada por Maingueneau (2001), em que “conselhos não solicitados, ordens e perguntas indiscretas” ameaçam a face negativa do destinatário, caracterizada pelo autor como “território” (2001:38), individualidade de cada um. Porém, observamos que, embora a propaganda apresente ordens ao seu público, para amenizar, o enunciador seleciona palavras cuja carga semântica seduz, ao invés de ameaçar: qual dona de casa do período não gostaria de economizar tempo e dinheiro? Qual delas, como qualquer indivíduo, não gostaria de receber elogios e, portanto, o reconhecimento de seu trabalho? Eis a estratégia do enunciador para induzir a compra do produto sem, no entanto, transmitir agressividade e imposição em seus enunciados.

Por fim, vale notar, novamente em comparação aos textos do século XIX, que o grau de proximidade entre enunciador e enunciatário é bem elevado, uma vez que palavras como seu e dona de casa, bem como a própria imagem, colocam o enunciatário em posição de destaque, reforçando, obviamente, o brilho (resgatado, inclusive, por recurso gráfico), das donas-de-casa que consomem Omo. Dessa forma, a linguagem verbal e a não-verbal se interligam de forma que uma reforce e recupere a outra (nas montanhas de roupas, na brancura, entre outros).

Assim, conduzi as reflexões sobre as propagandas do século XX resgatando alguns dos aspectos já vistos pelos alunos nos textos do século XIX. Partindo dos conhecimentos textuais adquiridos nas leituras anteriores de propagandas, dos conhecimentos de mundo dos alunos e dos conceitos teóricos aqui abordados, procurei conduzir a compreensão das propagandas do século XX. Certamente, durante as aulas, os conceitos foram apresentados para os alunos sem que eu mencionasse as nomenclaturas ou as densas considerações teóricas feitas aqui.

Abaixo, encontra-se uma das produções de textos dos alunos:

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Propagandas do século XXI

Por conta da brevidade deste artigo, não vou me deter à análise das propagandas de revista abordadas durante a oficina. Quanto a elas, informo apenas que foram retiradas de revistas femininas publicadas entre abril e maio de 2008, tais como Marie Claire e Claudia.

Meu foco, neste item, será a análise de um anúncio retirado do site Mercado Livre. É importante notar que, devido a problemas com relação à contratação de funcionários, o uso da sala de informática da escola não foi possível; dessa forma, a atividade foi apresentada aos alunos pelo suporte viável naquele momento, o papel.

Nas primeiras reflexões em torno do gênero, como procedi nas aulas anteriores, solicitei que os alunos levantassem as principais diferenças entre as propagadas de Internet e as demais, estudadas anteriormente. Ser apresentada em computador foi a primeira resposta, que foi rebatida com uma questão:

Como se organiza a estrutura do texto encontrado na internet em comparação aos de revistas?

Muitas imagens, links, maior facilidade para pesquisar os benefícios e qualidades do produto, foram os principais itens levantados, ao que achei oportuno discutir uma das reflexões que me motivaram a criar o curso: em qualquer propaganda, seja de revista, TV, ou Internet, a imagem do produto não passa de uma construção, cujo objetivo único é convencer o público a consumir determinado produto; dessa forma, nem sempre a informação veiculada condiz com o que de fato o produto é ou faz.

No site citado, além da propaganda, mais próxima, como veremos, de um anúncio, verificamos a possibilidade de realizar transações comerciais de compra e venda dos produtos. Assim, em espaço semelhante às conhecidas salas de bate-papo, há o contato entre vendedor e interessado, porém, ambos são identificados apenas por apelidos, sem quaisquer outras informações. Esse contato, certamente, é o momento em que ocorre maior grau de convencimento, tanto com relação à qualidade do produto, quanto à própria segurança das transações, pois é justamente nesse momento que se constroem imagens positivas do produto e, principalmente do vendedor. Vejamos a pertinente reflexão de Maingueneau (2001:37):

Esse é o tipo de fenômeno que, como desdobramento da retórica tradicional, podemos chamar ethos : por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador. Roland Barthes salientou a característica essencial desse ethos: ‘São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar boa impressão (...) o orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: eu sou isso, eu não sou aquilo'.

Nas transações via Internet, causar boa impressão é uma estratégia de convencimento muito freqüente, já que o vendedor deseja rebater as diversas e freqüentes notícias que apresentam os altos índices de estelionato causados por esse tipo de negociação. Assim, o enunciador busca construir uma imagem de si e do produto, com o intuito de convencer o enunciatário a confiar nele e adquirir o produto. Obviamente, a imagem transmitida deve, para um público mais avisado – o que se espera dos alunos que acompanharam a oficina –, ser recebida de forma duvidosa e relativizada, já que, além de conhecer as principais estratégias de convencimento, as estatísticas de negociações mal-sucedidas são a prova concreta de que há, de fato, a construção de uma imagem positiva, que nem sempre condiz com a realidade.

Outra reflexão que também foi apresentada aos alunos diz respeito ao modo como a leitura é desenvolvida na Internet em comparação às revistas. À sua maneira, os alunos transmitiram a idéia de que a leitura se dá por links , que ligam uma página à outra, um texto ao outro. Segundo Chartier (2002:23), “A leitura diante da tela é geralmente descontínua, e busca, a partir de palavras-chave ou rubricas temáticas, o fragmento textual do qual quer apoderar-se”.

Efetivamente, como bem mostra esse autor, a leitura nesse tipo de suporte, longe de ser linear como em revistas e jornais, é descontínua: um link qualquer leva a um texto, que, por sua vez, apresenta outros tantos links, que podem levar a outros tantos textos, e o processo se repete quantas vezes o leitor-internauta o desencadear. Não há dúvidas de que os links em si procuram meios de se destacarem entre os demais, e, portanto, promoverem a si mesmos: palavras (links) que brilham, piscam, coloridos, são, algumas vezes, associados a uma breve seqüência de imagens. Tudo isso com intuito exclusivo de despertar o interesse e a curiosidade do leitor-internauta.

No site em foco – Mercado Livre – não há, a princípio, formas elaboradas de convencer o cliente: aos leitores são apresentadas as principais características dos produtos, tais como o preço, algumas funções e as formas de pagamento. Como podemos observar, não há uma preocupação ou um trabalho rigoroso e elaborado com a linguagem, sendo que a apresentação do produto é privilegiada em detrimento ao convencimento. Dessa forma, embora em suportes diferentes, e, portanto, com recursos técnicos diferentes, as características apresentadas tornam esses textos mais próximos de anúncios de jornal, como os vistos no século XIX, por exemplo, do que propriamente de propagandas.

Após as reflexões acima, foi solicitada aos alunos uma produção de texto (reelaboração), cujo objetivo era transformar o anúncio da internet em uma propaganda de revista do século XXI.

 

Conclusão

Acredito que a abordagem aqui apresentada foi rica – para a estagiária, os alunos e a própria professora acompanhada durante as 40 horas de observação – porém, alguns aspectos merecem ressalva.

Embora seja importante que o aluno tenha exaustivo contato com gêneros textuais – quanto maior sua exposição, melhor será a internalização da estrutura e da organização de determinado gênero – notei que os alunos, ao longo das aulas, acabavam desgastados por trabalharem, durante um período relativamente longo, o mesmo tema – ou o mesmo gênero textual. Em geral, esse desgaste só era superado valendo-se de uma das argumentações a seguir: a compreensão dos conteúdos e o contato com as propagandas seriam importantes para que a produção de texto fosse bem feita para, assim, garantir a arrecadação financeira necessária. Além disso, lembrávamos-lhes, eu e a professora titular, a questão da autoria:

Vocês já tiveram, alguma vez, os textos de vocês circulando pela escola? Vocês já tiveram a experiência de serem autores que escrevem para um público real? (fala do professor)

A resposta era negativa, o que gerava a adesão dos alunos às atividades propostas durante a oficina. Esta também requer uma reflexão: a oficina, paralela à realidade cotidiana de sala de aula, pode acabar desgastando o aluno por abordar apenas um único tema ou recorte. Provavelmente, se as atividades desenvolvidas durante a intervenção fossem aplicadas em sala de aula, com maior freqüência de encontros entre professores e alunos, e com a possibilidade de intercalar outros assuntos ou outras abordagens – sintática, por exemplo: vide o uso da conjunção aditiva, apresentado no item 2.2 – o projeto proposto seria, talvez, menos cansativo para os alunos.

Por fim, observei, durante a intervenção, que as aulas expositivas e a discussões de textos, mediadas pelo professor, também são uma estratégia que não retém, totalmente ou durante muito tempo, a atenção dos alunos acompanhados. Se o professor ficar por muito tempo discutindo a estrutura e a interpretação do texto, os alunos se dispersam. Pensei, enquanto docente em formação, que o tema, a abordagem por si só, seria suficiente para reter a atenção e garantir a total adesão do aluno às explanações feitas durante a oficina, o que não ocorreu.

A condição de docente em formação fez-me refletir sobre o que seria necessário, em minha prática, para garantir maior adesão desse público: uma abordagem mais lúdica seria pertinente?

Pelo fato de a atividade de estágio representar apenas um recorte – talvez, uma metonímia – do cotidiano escolar, da escola, da prática do professor, do processo de ensino-aprendizagem dos alunos, essas são as considerações que me coube fazer, ciente de que elas não são válidas para outros contextos escolares, já que cada um carrega uma singularidade delineada, devida, principalmente, ao público a que atendem.

 

Referências bibliográficas

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CHARTIER, Roger (2002). Os desafios da escrita. Trad. Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora da Unesp.

GUEDES, Marymarcia; BERLINCK, Rosane A. (orgs.) (2000). E os preços eram commodos…Anúncios de jornais brasileiros do século XIX. São Paulo: Humanitas.

KLEIMAN, Angela. B. (2000). O conhecimento prévio da leitura. In: Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes.

MAINGUENEAU, Dominique (2001). Análise de textos de comunicação. Trad. Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez.

MARCUSCHI, Luiz Antônio (2004). Oralidade e Letramento. In: Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Contexto: Cortez.

VAL, Maria da Graça C. (2003). Atividades de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª. a 8ª. séries do Ensino Fundamental. In: ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio A. G. (orgs.). Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas: Mercado das Letras.

    

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