Terça, 30 Novembro 1999 00:00

Problemas na abordagem do gênero Texto de Opinião: uma experiência em sala de aula

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Manuella Miki Souza Araújo

 

Resumo

Este artigo tem como objetivo descrever e analisar a aplicação de um Projeto de Ensino baseado na abordagem do gênero artigo de opinião, relacionando-o a alguns textos do gênero literário, tendo como “plano de fundo” o tema “preconceito racial” e a discussão sobre ideologias relacionadas ao contexto histórico e à participação de negros na sociedade. Tal sequência de ensino foi aplicada aos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental.

 

Palavras-chave: África; Consciência Negra; Gênero Texto de Opinião; Literatura Africana; Preconceito.

 

Introdução

            A proposta deste trabalho é descrever e analisar as atividades de estágio da disciplina Metodologia do Ensino de Português (MELP II), focando, sobretudo, na regência desenvolvida acerca do chamado “gênero de opinião”.

            Inicialmente, serão descritos elementos pertinentes ao contexto escolar que acolheu este estágio, tais como a escola, a professora e os alunos. A seguir, passaremos pela apresentação de dados acerca das aulas de observação, para, então, nos determos com mais vagar na análise das atividades de regência/intervenção didática. Para isso, será necessária uma reflexão sobre o conceito do gênero texto de opinião. Durante a realização do Projeto, recorremos às definições presentes nos Cadernos do Estado de São Paulo [1] (Rede do Saber), às sistematizações da docente responsável pela turma e aos pressupostos teóricos da estudiosa Rosângela Hammes Rodrigues[2].


1  Sobre o contexto escolar


1.1  A escola

 

A escola estadual que recebeu o estágio é localizada no bairro Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo. Atende turmas de 8º ano do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio pela manhã; no período da tarde, recebe apenas alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental, e, durante a noite, apenas o Ensino Médio.

No pátio, sempre há material nos murais, sobretudo com propagandas e notícias relacionadas ao vestibular, aos cursos técnicos ou aos cursos de línguas. Nesse espaço, também são expostos trabalhos de alunos, provenientes de aulas de arte, por exemplo.

 

1.2   A sala de aula

 

As duas salas nas quais realizamos o estágio – vizinhas uma da outra – são simples. Há apenas carteiras e lousas.  Havia pouco material de escrito no recinto: raras cartolinas utilizadas em algum trabalho de Língua Portuguesa, nas quais eram resumidas as características das figuras de linguagem, por exemplo.

A professora manifestou o desejo de disponibilizar revistas, quadrinhos e livros em um espaço da sala, mas a ideia ainda não foi implementada. A docente reclamou do fato de a biblioteca nunca funcionar.

 

1.2.1    A professora

 

A professora Luciana[3] tem 26 anos e é formada em Letras, com habilitações em português e inglês, em uma universidade privada. Trabalha na rede estadual há cinco anos e ministra aulas em outra escola de Ensino Fundamental II, em um bairro vizinho. Aos sábados, frequenta o English in campus, curso de extensão universitária oferecido pela FFCLH-USP. A docente foi bastante receptiva ao estágio, procurando assessorar e acompanhar nosso percurso com prontidão e simpatia, tão logo a coordenação da escola encaminhou-nos às aulas de Língua Portuguesa.

 

1.2.2  Os alunos

 

O estágio foi realizado nas turmas B e C do 8º ano, no período matutino. As duas salas comportam, aproximadamente, 38 alunos cada. A turma do 8º C é um pouco mais agitada que a B, mas, de modo geral, a maior parte dos alunos parece ter uma leitura fluida e satisfatória, conforme percebemos durante as atividades de leitura em voz alta dos artigos e poemas que a professora apresentou.

Embora a escrita da maioria dos estudantes seja permeada por marcas de oralidade e por alguns desvios ortográficos, ao mesmo tempo usam expressões próprias de textos escritos formais – demonstrando que têm acesso a diferentes registros, embora ainda não os dominem com segurança.

Não estamos hierarquizando os registros de fala e escrita, priorizando as manifestações formais, mas, devido ao fato de o objeto de intervenção didática ser o gênero artigo de opinião, que se aproxima bastante da composição dissertativa, percebemos certa confusão no manejo de uma expressão mais formal dentre os alunos.  Como poderemos ver nos resultados obtidos nas tarefas da intervenção didática do estágio, uma grande barreira para a compreensão dos exercícios foi o uso de qualquer vocábulo fora de seu uso cotidiano.

Embora muitos professores reclamem da indisciplina como sendo um fator que prejudica as atividades em sala de aula, constatamos que o 8ºC, supostamente a turma mais “bagunceira”, assimilava os conteúdos e executava as tarefas com maior eficiência, aderindo mais facilmente às propostas docentes. Foi essa turma, também, a mais receptiva às minhas atividades de regência, vindo pedir auxílio e tirar dúvidas com menor resistência.

 

1.3  Descrição dos componentes didáticos das práticas de ensino-aprendizagem


1.3.1   Objetos de ensino e as práticas de linguagem

 

A seguir, seguem elencados os temas das aulas de observação, ministradas pela professora Luciana*.

 Aulas de observação no 8ºB

DATA

NÚMERO DE AULAS

CONTEÚDO

21.09.2009

1

Figuras de linguagem / Parágrafos argumentativos

23.09.2009

2

Parágrafos argumentativos / Prova surpresa

28.09.2009

1

Parágrafos argumentativos – produção

30.09.2009

2

Texto de opinião – produção

05.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

14.10.2009

2

Orações subordinadas adverbiais

19.10.2009

1

Texto de opinião

23.10.2009

2

Gênero perfil / Texto informativo-opinativo

Ficha de organização

28.10.2009

2

Ficha de organização

30.10.2009

1

Seções de jornal e revista / Gênero perfil

04.11.2009

2

Texto de opinião – produção

06.11.2009

1

Texto de opinião

09.11.2009

1

Texto informativo-opinativo

25.11.2009

1

Visto nos cadernos

27.11.2009

1

Visto nos cadernos

 

Aulas de observação no 8ºC

DATA

NÚMERO DE AULAS

CONTEÚDO

21.09.2009

2

Figuras de linguagem / Texto informativo-opinativo

23.09.2009

1

Parágrafos argumentativos

28.09.2009

2

Parágrafos argumentativos

30.09.2009

1

Texto de opinião – produção

05.10.2009

2

Filme Juno (temas polêmicos)

07.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

14.10.2009

1

Orações subordinadas adverbiais

19.10.2009

2

Texto de opinião

23.10.2009

2

Texto informativo-opinativo / Ficha de organização

28.10.2009

1

Ficha de organização

30.10.2009

2

Ficha de organização / Seções de jornal e revista

04.11.2009

1

Texto de opinião – produção

06.11.2009

2

Texto de opinião

09.11.2009

2

Texto de opinião

13.11.2009

1

Filme “Duelo de titãs” (sobre o racismo)

25.11.2009

1

Visto nos cadernos

27.11.2009

1

Visto nos cadernos

30.11.2009

2

Texto informativo (“Pesquisando profissões”)

 

1.3.2  Os gestos profissionais e os instrumentos didáticos

 

A professora Luciana* baseia-se nos Cadernos de Língua Portuguesa do estado de São Paulo, mas não se prende exclusivamente a eles. Além de artigos de revista e internet, a docente também recorre ao livro Português: linguagens, de autoria de William Cereja e Thereza Magalhães.[4]

De modo geral, a professora faz uso dos recursos disponíveis, como giz, lousa, cópias, sala de vídeo, e mídia impressa e digital.  Na maioria das vezes, o andamento da aula tem a estrutura explicação-resolução de exercícios-correção. Suas aulas não foram fragmentadas, na medida em que havia uma sequência na abordagem e no andamento dos assuntos, na maior parte das vezes respeitando o tempo de produção dos alunos.

O gesto mais evidente da professora é o recurso à rememoração de atividades já feitas as quais possam relacionar-se com o tema estudado. Outra prática costumeira é ler em voz alta as instruções escritas no quadro negro.

 

1.3.3    As formas do trabalho escolar, as atividades e tarefas

 

Muitas vezes, a professora permite o trabalho em grupos (sobretudo em duplas) quando os textos são distribuídos. A professora proporciona aos alunos a oportunidade de ajudarem-se durante a compreensão do texto, disponibilizando poucas fotocópias, uma vez que a cota permitida pela escola é limitada.  Os alunos trabalham mais com material escrito, mas há espaço para discussões orais, embora, durante o estágio, o primeiro tenha sido predominante.

Os alunos mostraram estar acostumados com os vistos valendo pontos de participação. Também procuram sempre auxílio individual, indo à mesa da docente tirar dúvidas e mostrar os resultados.

  

2  Um Projeto para o gênero Texto de Opinião


2.1  Sobre o gênero texto de opinião

 

Para a aplicação das atividades de regência durante o estágio da disciplina Metodologia do Português II, houve um acordo com a professora de que deveria ser tratado o gênero texto de opinião. O 8ºB e o 8ºC já vinham estudando tema há alguns meses, pois se tratava de um tópico previsto no segundo volume do Caderno do Estado de São Paulo (Rede do Saber). Além disso, a docente Luciana*, responsável pelas duas turmas citadas, desejava continuar trabalhando com o assunto uma vez que ele seria cobrado na prova do SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, a ser realizada no final do último bimestre letivo.

O gênero texto de opinião havia sido abordado pela professora em várias aulas observadas durante o estágio e, por isso, seguimos as instruções que a docente apresentou aos alunos durante esse período. Ao mesmo tempo em que era, de certo modo, confortável abordar um assunto já conhecido pelos alunos, ficamos preocupados com o fato de lidar com a continuidade de uma matéria a qual não acompanhamos a introdução e boa parte do desenvolvimento, já em curso há, pelo menos, três meses antes do estágio.

O próprio conceito de gênero texto de opinião é problemático por ser muito “genérico” - no mau sentido - podendo designar vários tipos de textos diferentes, ou seja, é um gênero que precisa de especificidade. O citado termo é adotado nos Cadernos do Estado de São Paulo. Veja, por exemplo, a introdução do volume 3, do 8º ano, p.08, a seguinte expressão:

Um objetivo a ser alcançado no semestre seria reconhecer, em situação discursiva, elementos organizacionais e estruturais caracterizadores da tipologia ‘argumentar’ e do gênero texto de opinião[5].

 

Na página seguinte, elencam-se o “gênero texto de opinião” e a “tipologia argumentativa” como assuntos a serem trabalhados no penúltimo bimestre letivo.

Como procuramos mostrar, parece haver um problema no manejo do conceito de “texto de opinião” enquanto gênero, na medida em que, em certos momentos, ele é empregado como se designasse algo específico, e, outras vezes, como se fosse um gênero maior que abarcasse vários outros subgêneros.

Na página 30 do Caderno do Professor (vol.3), está prevista uma atividade de “reescrita do texto de opinião”, a qual designa um manifesto que os alunos deveriam escrever para a direção da escola, tentando-a convencer a mudar os planos referentes à formatura do 8ª ano (em uma situação simulada).

No volume 1 do Caderno do Estado, por sua vez, o texto de opinião não é abordado como um termo específico, podendo se relacionar a vários outros gêneros. Ao abordar o tema da violência em uma letra de música, em uma crônica e em uma imagem, procura-se mostrar que um assunto pode ser abordado em diferentes tipos de textos, mas, dependendo da intenção e do efeito almejado, é necessário escolher um gênero e não outro.

Observe a instrução do Caderno do Aluno, p.17, vol.1:

Após as discussões sobre a coletânea de textos aqui apresentada, é preciso que vocês se posicionem formalmente sobre o tema comum a eles, considerando o que realmente aprenderam. [...] Certamente vocês notaram que o tema é abordado em diferentes gêneros textuais, mas que, por ser polêmico, “obriga” os autores a tomar uma posição sobre as controvérsias resultantes. Quem toma uma posição a defende com argumentos. Assim como os autores, é o que vocês farão nessa sequência de atividades: assumir um ponto de vista sobre o tema e defendê-lo, usando argumentos para convencer seus interlocutores.[6]

 

Apesar de todas as tentativas de aproximar o aluno de textos reais, distanciando estes dos chamados gêneros escolarizados, a falta de clareza da noção de gênero ou mesmo uma definição esclarecedora do termo “gênero de opinião” faz com que a produção final do aluno caia na dissertação escolar.  Ao falar sobre “tipologia argumentativa”, com seus esquemas de estruturação de argumentos, voltamos, no fim das contas, à dissertação. Por mais que no Caderno do Estado sejam abordados alguns elementos sociodiscursivos, tais como a noção de seção, o autor, o veículo de publicação e o perfil do leitor, a discussão sobre esses aspectos fica em segundo plano, concentrando-se na produção escrita do aluno: uma clássica dissertação escolar.

Rosângela Hammes Rodrigues cita o termo “texto de opinião” em seu estudo “O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita”[7]. Segundo a estudiosa, o texto de opinião, juntamente à carta do leitor, ao editorial e à resenha fariam parte do que a autora denomina “agrupamento do argumentar”[8]. Nesse estudo, Rosângela chama a atenção para o fato de que o gênero artigo é, muitas vezes, utilizado sem muita especificidade, nomeando diferentes gêneros textuais. Este faria parte do que a autora chama de gêneros opinativos (na área jornalística), que englobaria editoriais, artigos, resenhas e cartas[9].

A partir dessa observação de Rodrigues, podemos perceber que o texto de opinião refere-se a um conjunto de gêneros e não a um gênero único. No decorrer dos volumes 1, 2 e 3 do Caderno do Estado de São Paulo são abordados os gêneros debate, resenha, carta de leitor etc, mas de maneira confusa, fazendo com que o aluno preocupe-se mais em “dissertar” e menos em compreender as especificidades e implicações desses diferentes gêneros na sociedade. Dessa forma, o que fica para o aluno são os esquemas da “tipologia argumentativa”: o material propõe situações polêmicas nas quais o aluno poderia manifestar sua opinião, mas não propõe possibilidades de vivência que se desgarrem das simulações:

A abordagem de assuntos controversos, estratégia usada para o exercício da dissertação escolar — em que muitas vezes o resultado se resume ao elenco de argumentos a favor ou contra determinado assunto, em que o texto final carece de feições genéricas, de engajamento enunciativo, ou seja, trata-se de um gênero escolarizado —, assume outra dimensão quando são criadas as condições de produção para que o aluno se posicione discursivamente[10].

 

Segundo Rodrigues, a criação de um jornal na escola geraria condições para o aluno posicionar-se, efetivamente, como autor[11], assumindo uma voz social que, por sua vez, seria replicada por leitores reais, indo além da leitura do professor realizada no âmbito da sala de aula. Assim, haveria uma verdadeira significação do assunto para os discentes, na medida em que propiciaria a democratização de um lugar social de escritor, cuja voz, geralmente, é dada apenas às classes hegemônicas[12]. A abordagem de gêneros puramente escolarizados conduz ao “letramento funcional”[13], no qual o estudante comporta-se de maneira passiva, geralmente, como espectador e não como interlocutor real.[14]

Nas aulas observadas durante o estágio, o texto de opinião foi tratado nas seguintes datas: 21.09.2009, 23.09.2009, 28.09.2009, 30.09.2009, 05.10.2009, 14.10.2009, 23.10.2009, 28.10.2009, 30.10.2009, 04.11.2009, 06.11.2009, 09.11.2009 e 13.11.2009. Então, podemos dizer que, em 13 ocasiões, o assunto foi cobrado, assim como na regência, excluindo a já citada prova do SARESP.

A seguir será elaborado um resumo de algumas sistematizações da professora Luciana*, que podem ajudar a compreender a maneira como o texto de opinião foi ensinado nas aulas:


Aulas de 21.09.2009: “Escrevendo parágrafos argumentativos”. Os alunos leem o texto informativo-opinativo Narguilé, a nova fronteira do tabagismo

Fonte: http:www.brasilwiki.com.br.noticia.php?id_noticia=6849. 


Aulas de 23.09.2009 e 28.09.2009 - (continuação): “Produção de parágrafos argumentativos”. Nessas aulas, os alunos produzem os textos. Sistematização fornecida pela docente na lousa:

1ª parte: Parágrafo introdutório: apresente o tema ao leitor, expressando marcas de sua opinião.

2ª parte: Parágrafo de desenvolvimento do tema: vocês devem escrever um motivo ou uma razão que explique a opinião que tem sobre o tema (um argumento por parágrafo), observar se o argumento escolhido é coerente com a posição definida sobre o tema.


Aulas de 30.09.2009: Finalização do texto de opinião.


Aulas de 05.10.2009: Exibição do filme Juno, sobre gravidez na adolescência. Os alunos só assistem. Não há discussão.


Aulas de 14.10.2009: A professora propõe um roteiro de perguntas a respeito de artigos que debatem o racismo: O racismo como consequência, de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, publicado no Jornal Folha de São Paulo, de 18.11.2006; e O tempo não para, de Mary Del Priore, publicado no Jornal Folha de São Paulo, de 18.11.2006:

1. O que compreenderam?

2. tema

3. autores

4. onde foram publicados?

5. perceberam o nome da seção dos textos?

6. este dado ajuda “coerentemente seu percurso identificando facilmente os   temas discutidos nele?”


Aulas de 23.10.2009 e 28.10.2009: Foram lidos os textos jornalísticos publicados na Revista da Semana: A nova lei do divórcio e a felicidade, de Maria Berenice Dias, e Criança, rica ou pobre, não pode trabalhar, de Hélio Bicudo. Com base nesses textos, a professora pediu para que os alunos completassem a seguinte tabela, retirada do Caderno do Estado:

                                                                  Ficha de Organização

Informações técnicas

Título, subtítulo, autor

1º parágrafo

Tema, crítica

2º parágrafo

O autor continua seu raciocínio em defesa de seu ponto de vista

3º parágrafo

Como argumento para dar continuidade à lógica de sua defesa, ele utiliza...

4º parágrafo

No último parágrafo o autor...

Conclusões a que o autor pode chegar

No final do texto, o leitor pode ser levado a questionar...


Aulas de 30.10.2009: A professora distribui textos de revistas e jornais e pede que os alunos indiquem em qual possível seção estes teriam sido publicados. A docente rasurou os nomes das seções propositalmente, para que os alunos pudessem descobri-las.


Aulas de 04.11.2009: “Produzindo um artigo de opinião”. A docente propõe uma tabela a qual os alunos devem preencher com argumentos favoráveis e contrários ao tema  “O Brasil é um país racista?”.

 

SIM

NÃO

 

 


Aulas de 06.11.2009: A professora distribui, novamente, os textos de Priore e Guimarães e, com base nestes, os alunos devem preencher a tabela apresentada na aula anterior. Durante a aula, a professora pergunta:

Exercícios: Leiam as questões a seguir e se posicionem diante do tema:

* Qual dos textos apresentou argumentos mais convincentes?

* Com qual dos textos vocês se identificaram mais? Na sua opinião, qual dos autores tem mais razão?

* Antes de ler os textos, vocês já tinham opinião formada sobre o tema “Racismo no Brasil”? Qual?

* Vocês mantiveram suas opiniões ou as modificaram, influenciados pela leitura?

* Como a leitura dos textos contribuiu para que vocês ampliassem seu modo de compreender o tema?

[As questões foram extraídas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo, 8º ano, v.2]


Aulas de 09.11.2009: Perguntas. A professora distribui cópias de texto retiradas da revista Veja. Na lousa, registra a seguinte instrução: “Leiam a matéria especial da Veja chamada “Quem cheira mata”, de 28.10.2009”. Também é proposto o texto “Saber ciências, direito de todos”, de autoria de Luiz Carlos Menezes (agosto/2009, www.ne.org.br).

1. Qual é a função do gênero artigo de opinião?

2. Este tipo de gênero é publicado em quais veículos de comunicação?

3. A organização do discurso está escrito geralmente em que pessoa, 1ª ou 3ª?

[As perguntas são retiradas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo].

 

Os alunos também copiam o seguinte texto, para responder outras questões pertinentes ao uso das aspas no texto de opinião:

Na hora de comprar jornais e revistas você logo pensa na banca da esquina, certo? Não necessariamente. Nos últimos anos, a modernização do negócio levou algumas bancas a trocar velhos quiosques de alumínio por outro espaço — as lojas.

Uma das mais antigas do país, a revistaria Di Donato, fundada em 1988, na rua Fradique Coutinho, também em Pinheiros, abriu as portas após reforma de um ponto de família. Hoje, o dono, Victor Antonio Di Donato, não tem do que reclamar [...] “Não dá para ficar rico, mas consigo pagar minhas contas, as dos outros dois sócios e ainda manter um empregado’, afirma Di Donato. Segundo ele, numa revistaria o cliente se sente à vontade para ficar mais tempo e, assim, acaba gastando”. (WANDICK, D. A banca revista. Revista Exame).

1)        Em sua opinião, qual é o objetivo de o texto citar entre aspas o que o Sr. Di Donato disse?

a)        comprovar as vantagens da revistaria com um depoimento de quem entende do negócio.

b)        Demonstrar que quem é dono de revistaria jamais consegue enriquecer.

c)        Explicar o motivo de as antigas bancas de jornais e revistas estarem falindo.

d)        Incentivar os leitores a comprar sempre em antigas bancas de jornais por serem mais confiáveis.

 

Aula do dia 13.11.2009: Filme Duelo de Titãs, sobre o racismo. Não há uma discussão sobre o filme. Serve apenas como repertório para a Semana de Consciência Negra.


 Como é possível observar no resumo das aulas, a professora aborda, conforme prevê o Caderno do Estado, elementos sociodiscursivos pertinentes à ideia de gênero, como a noção de autoria, lugar de publicação, a compreensão do que é uma seção dentro de uma revista ou jornal. No entanto, se resume a um exercício de localização de elementos, não partindo muitas vezes para uma seleção, compreensão e interpretação do aluno.

 

2.2    Descrevendo o Projeto de Ensino

 

Como dissemos em algumas passagens deste artigo, a professora cujo trabalho acompanhamos propôs que, no estágio, ocorresse a continuidade dos estudos acerca do gênero texto de opinião com os alunos, sobretudo porque este seria um tema exigido pela avaliação do SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, que aconteceria no final do bimestre (novembro/2009).

O terceiro volume do Caderno do Estado de São Paulo sugeria a política como o tema a ser trabalhado em textos de opinião, em debates e manifestos. No entanto, como a matéria estava atrasada e a produção que o SARESP exigia seria escrita, e não oral, a professora achou melhor abandonar o tema sobre política, por considerá-lo pouco interessante no momento para os alunos, e incentivar as produções escritas, deixando o debate oral para outra ocasião.

Já havíamos montado o corpus para o tema sobre política quando a docente pediu que trabalhássemos a questão do “Dia da Consciência Negra”, solicitado pela coordenação da escola. Dessa forma, eu trabalharia com um tópico de Língua Portuguesa que os alunos já conheciam, porém, acrescentando um novo tema polêmico. O Projeto proposto foi o seguinte:

 

Objeto: Trabalho com o gênero texto de opinião

Tema: A imagem do negro na sociedade brasileira – uma discussão no mês da Consciência Negra.

 

Dados gerais sobre o contexto do Estágio

Escola: Estadual, localizada na zona oeste da cidade de São Paulo

Série: 8º ano – turmas B e C

Professora: Luciana*

Previsão de período do estágio: de 21.9.2009 até, aproximadamente, 25.11.2009

 

II  Sobre o Projeto de Ensino

2.1  Objeto de ensino da intervenção: gênero texto de opinião

2.2  Práticas de linguagem: leitura, escrita e oralidade

2.3  Série: 8º ano

2.4  Total de horas da intervenção: 6h em cada turma (12h no total)

2.5  Dias da semana e turnos da intervenção: segundas, quartas e sextas-feiras,
no período matutino

2.6  Instrumentos (materiais) didáticos: cópias, giz e lousa

2.7  Textos selecionados para a intervenção:

GUIMARÃES, A. S. A. O racismo como conseqüência. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

  • PRIORE, M. D. O tempo não para. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

  • Tirinha da Mafalda, de Quino.

    • Texto ‘Diminuem as manifestações de preconceito “assumido” entre brasileiros’. Folha de São Paulo.
    • Texto ‘”TV vive momento de reconstrução da inserção do negro”, diz Lázaro Ramos’. Folha de São Paulo.
    • “O embondeiro que sonhava pássaros”, conto do moçambicano Mia Couto.

 

           2.2.1  Pressupostos

 

Entre os temas trabalhados, surgiram, na aula do dia 19.10.2009, dois artigos opinativos que questionavam se era possível existir racismo no Brasil hoje em dia. Levando em conta que os alunos já haviam sido inseridos no contexto dos textos de opinião, e que era desejo da professora que esse objeto fosse tratado devido às atividades de comemoração do Dia de Consciência Negra (20.11), iniciamos uma sequência didática resgatando o tema; para tanto, partimos dos textos sobre racismo já trabalhados pela docente em aulas anteriores (memória didática), de forma a introduzir alguns novos textos do gênero para auxiliar na discussão e na reflexão sobre a imagem do negro no Brasil atual, tendo em vista uma produção escrita final que os alunos produziriam: um texto do gênero em questão.

A sequência previa um trabalho desenvolvido durante aproximadamente seis aulas em cada uma das duas turmas observadas:

 

2.2.2   Cronograma


Atividade da Aula 1:

Introdução: a estagiária explica o objetivo da atividade e comenta, brevemente, o Dia da Consciência Negra (recurso oral)

Recuperação oral dos textos sobre racismo trabalhados pela professora em 19.10.2009: “O racismo como conseqüência”, de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, e “O tempo não pára”, de Mary Del Priore.

Atividade de compreensão utilizando a tirinha de Mafalda, de Quino, acerca do racismo e comentários sobre o discurso politicamente correto sobre o assunto.

Discussão oral, buscando relacionar a HQ com as abordagens dos textos de Priore e Guimarães.

Material usado: cópias da HQ de Mafalda.


Atividades da Aula 2:

Leitura em voz alta feita pela sala do texto jornalístico “Diminuem as manifestações de preconceito “assumido” entre brasileiros”, publicado também pela Folha de São Paulo.

Proposta de pequeno roteiro de exercícios escritos que exploram a construção da opinião no texto.

Material usado: cópias do artigo jornalístico.


Atividades da Aula 3:

Leitura em voz alta (feita pela professora) do artigo “TV vive momento de reconstrução da inserção do negro, diz Lázaro Ramos”. Os alunos acompanham a leitura com cópias distribuídas.

Discussão: perguntar aos alunos quais foram as passagens do texto que mais chamaram a atenção.

Atividade de compreensão do texto (oral): como os argumentos contra e a favor, relacionados ao assunto, são distribuídos no texto.

Material usado: cópias do artigo jornalístico.


Atividades da Aula 4:

Breve retomada do gênero de opinião, trazendo exemplos dos textos sobre preconceito já trabalhados.
Proposta de produção de texto do gênero artigo opinativo, com o tema “A imagem do negro no Brasil atual”

Material usado: giz e lousa.


Atividades da Aula 5:

Parte da aula será ocupada pela tarefa de término da produção de texto. A estagiária esclarecerá as dúvidas dos alunos e, posteriormente, analisará redações deste.

Atividade extra: leitura do conto “O embondeiro que sonhava pássaros”, do autor moçambicano Mia Couto. O texto explora a intolerância racial nos territórios portugueses na África. A estagiária lerá o texto para os alunos para que conheçam um pouco sobre a literatura africana em Língua Portuguesa e vejam os temas “racismo” e “imagem do negro” tratados literariamente. Essa atividade foi sugerida pela docente.

Material usado: cópia do conto


Atividades da Aula 6:

Discussão oral de trechos tirados das produções textuais dos alunos. Dependendo do andamento das aulas, a atividade com o texto literário, citada na aula cinco, poderá ser deslocada esse momento. A estagiária será responsável por providenciar as fotocópias usadas.

Material usado: cópias com excertos selecionados.


         O tempo previsto para a regência foi prejudicado pelos feriados. Por essa razão, os alunos não tiveram a oportunidade de reescrever suas produções.


3  A intervenção didática


3.1  Descrevendo as práticas de intervenção

 

Inicialmente, pretendia recuperar, durante a regência, os textos de Antonio Sergio Alfredo Guimarães, “O racismo como consequência”, e de Mary Del Priore, “O tempo não pára”. Isso seria feito na 1ª aula, no entanto, a professora Luciana* procurou adiantar essa tarefa em uma aula dela, prevendo que introduziríamos o tema “Consciência Negra”; isso ocorreu, também, devido ao tempo restrito, pois já era final de semestre.

Dessa forma, os textos já trabalhados em 14.10.2009 foram retomados pela professora em 06.11.2009, quando ela propôs o seguinte roteiro de perguntas, já citado neste trabalho:

Exercícios: Leiam as questões a seguir e se posicionem diante do tema:

* Qual dos textos apresentou argumentos mais convincentes?

* Com qual dos textos vocês se identificaram mais? Na sua opinião, qual dos autores tem mais razão?

* Antes de ler os textos, vocês já tinham opinião formada sobre o tema “Racismo no Brasil”? Qual?

* Vocês mantiveram suas opiniões ou as modificaram, influenciados pela leitura?

* Como a leitura dos textos contribuiu para que vocês ampliassem seu modo de compreender o tema?

[As questões foram extraídas do Caderno de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo, 8º ano, v.2]

 

Em 13.11.2009, iniciamos a regência, primeiro no 8ºB. Fizemos uma introdução sobre o significado do feriado da Consciência Negra, procurando verificar quais eram os conhecimentos dos alunos sobre a data. Tentamos estimulá-los com perguntas como “Por que se comemora o dia de Consciência Negra?” e “Por que a data escolhida foi 20 de novembro?”. Percebemos que os alunos confundiam 13 de maio com 20 de novembro e que, a maioria deles não conhecia a história de Zumbi. Perguntamos se não é estranho um evento como a resistência de Palmares ter pouco espaço nos livros didáticos. Pareceu interessar-lhes o potencial “épico” de Zumbi. Comentamos que está havendo um movimento de revisão da história, das artes e da literatura no Brasil, que está incluindo as manifestações afro-brasileiras nos currículos universitários e nas escolas. O tema das cotas no vestibular emergiu nos comentários.

Procuramos lembrar-lhes que as atividades do estágio estavam vinculadas aos textos de Priore e Guimarães utilizados pela docente e que, também, era uma resposta ao pedido da coordenação de desenvolvimento de estudos sobre o feriado de 20 de novembro. Esperava, com isso, mostrar-lhes que não se tratava de uma regência que interessava somente aos interesses burocráticos do estágio.

A seguir, propomos como atividade inicial, algumas perguntas relacionadas a uma tirinha da personagem Mafalda, do argentino Quino[15]. A tarefa tinha como objetivo dar continuidade à introdução do tema e fazer com que os estudantes estivessem preparados para o estudo sobre o texto jornalístico a ser trabalhado na sequência, uma vez que o tema “preconceito velado” aparece tanto na tira de Mafalda quanto na reportagem. Os alunos participaram sem problemas, respondendo às perguntas.

A mesma aula foi ministrada para o 8ºC naquele dia. Depois da introdução sobre o sentido do feriado e do exercício com a tira de Mafalda, os alunos terminaram de ver o filme Duelo de Titãs, sobre uma história de racismo nos Estados Unidos, uma vez que tinham mais uma aula; tal atividade não estava na programação da regência, mas foi preparada pela professora Luciana* para complementar.

Ainda em 13.11.2009, tivemos mais uma aula com no 8ºB. Lemos em voz alta o texto “Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros”[16], publicado pela Folha de São Paulo. Tal texto dava sequência ao tema “preconceito velado contra os negros”, aludido na tirinha de Mafalda. Visto que a professora pediu que o produto final da sequência de intervenção didática fosse um “texto de opinião”, sugerimos que lessem o texto, selecionassem trechos julgados interessantes e os copiassem no caderno; isso poderia servir como citação nos textos que produziriam posteriormente. A intenção dessa atividade era verificar se os estudantes saberiam citar (diferenciar sua voz e a voz do outro, ou se apropriar desta) e quais seriam os critérios de seleção no texto; dependendo do recorte e do uso que se daria a ele, poderíamos entender o posicionamento do aluno perante o texto.

Em 16.11.2009, avançamos com o 8ºB na leitura do texto jornalístico “’TV vive momento de reconstrução da inserção do negro’, diz Lázaro Ramos”, também publicado pela Folha de São Paulo. A intenção dessa leitura era aumentar o repertório dos alunos sobre o tema e direcioná-los, aos poucos, para o tema da produção de texto final: a imagem do negro na mídia. Reparem que partimos dos textos de Priore e Guimarães, que tratavam da existência do racismo no Brasil, para a tirinha e um segundo texto os quais já delimitavam mais o tema, tratando do “racismo velado”, para, por fim, abordar a representação do negro na mídia.

Como ressalta Rosângela H. Rodrigues[17], “a divisão entre jornalismo informativo e opinativo é uma classificação de caráter teórico-metodológico”, na medida em que não existe reportagem puramente objetiva (isto é, sem marcas de opinião). Para Rodrigues, “A sua escolha, seu lugar no jornal já são atos de avaliação”[18]. Por isso, trabalhamos com um texto que não era explicitamente opinativo como um editorial ou artigo de debate. Quando o repórter privilegia certas falas de entrevistados em detrimento de outras (por mais que não as omita), de certa forma indica uma tendência particular em encarar um assunto. Nessas escolhas, ainda que implicitamente, está marcada uma ideologia.[19], e desenvolver com os alunos essa percepção é um trabalho complexo. Na avaliação do Projeto mais adiante comentaremos os resultados da atividade.

O mesmo texto foi lido pelos alunos do 8ºC. Antes de partir para um rascunho de seus textos de opinião, os alunos foram estimulados a citar personalidades negras das quais se lembravam (na mídia, nos esportes etc).

Em 23.11.2009, o tempo da aula foi destinado ao seguimento da produção do texto de opinião sobre a imagem dos negros na mídia. Vale ressaltar que a última aula havia ocorrido em 16.11.2009; nesse intervalo, houve feriados e o adiamento da prova do SARESP, portanto, alguns estudantes demoraram um pouco para recuperar o ritmo de estudos.

Tentamos recorrer à rememoração de nossas atividades, dos pressupostos do texto de opinião (aqui, veremos, deveria ter sido mais elucidado) no gênero dissertação e escrevemos na lousa mais uma vez as orientações:

Finalização da redação

Tema: A imagem do negro na mídia na música, em filmes, em novelas, nos esportes ou em comerciais

Vocês fizeram o rascunho em dia 16.11.2013. O texto deve ter aproximadamente 15 linhas e estar de acordo com o gênero opinativo.

A versão final deve ser entregue.

 

No 8ºC, a tarefa foi semelhante; no entanto, a sala envolveu-se mais prontamente à tarefa, não sendo necessário que levássemos muito tempo com a rememoração das atividades anteriores e da proposta de texto a ser produzido. A turma participou ativamente, pedindo auxílio e tirando dúvidas com a estagiária. Como haviam aulas “dobradas” nesse dia, no fim das aulas lemos dois contos do angolano Ondjaki; apesar do objeto literário não articular-se facilmente com o gênero texto de opinião em uma sequência de aulas tão curta, trabalhamos com os alunos a pedido da professora para que estes tivessem algum contato com uma produção literária sobre os negros.

Como havia marcas de oralidade na escrita de Ondjaki, visto que o narrador é uma criança, procuramos salientar tal característica (informalidade) para os alunos, trabalhando esse texto literário em contraste com o do gênero dissertativo (formal). Ressaltamos a presença de marcadores conversacionais na obra Os da minha rua como “tipo” e “que que”; dissemos aos alunos que essas expressões podem ser utilizadas na escrita, mas que não cabem em todas as ocasiões. O conto O bigode do professor de geografia exibia palavrões os quais fizemos questão de ler para mostrar que a escrita literária permite diversos usos, dependendo das necessidades da narrativa.

Inicialmente, havíamos selecionado o conto O embondeiro que sonhava pássaros, do moçambicano Mia Couto. No entanto, acabamos substituindo-o pelas narrativas de Ondjaki, que tratavam da adolescência em Angola; as preocupações do protagonista, um garoto com idade similar a dos alunos, poderia ser interessante para a classe, pois pretendíamos abordar os preconceitos contra o continente africano.

Antes de ler os textos, perguntamos à sala qual era a primeira imagem que lembravam quando alguém dizia “África” ou “africano”. Esperávamos ouvir falar em zebras, guerras, AIDS; e, de fato, isso ocorreu. Muitos achavam que o continente africano era um país; desenhamos um mapa na lousa, mostrando Brasil, Angola, Moçambique e Portugal, ou seja, alguns países que falam a Língua Portuguesa; foi uma surpresa para eles saber que, em alguns países da África, fala-se a mesma língua que no Brasil[20].

Lemos As primas do Bruno Viola[21], conto sobre os primeiros flertes de um menino em Luanda; s saias jeans, o refrigerante Fanta e a presença de indianos em uma festinha infantil mostram um cotidiano muito próximo ao brasileiro, desmitificando que nos países africanos só há tribos vestidas de peles. De modo geral, os alunos envolveram-se mais com esse conto, bastante divertido. Na sequência, lemos O bigode do professor de geografia, no qual é narrado o cotidiano em uma escola angolana.

No 8ºB somente conseguimos dar essa aula sobre os contos de Ondjaki em 25.11.2009. Os alunos pareciam ter aproveitado. Nas duas ocasiões, divulgamos o e-mail e a página de Ondjaki na internet. Com essa atividade, pretendemos mostrar que os autores de literatura não são apenas “pessoas que já morreram”, como muitos pensavam.

Infelizmente, a regência teve que ser terminada nesse ponto. Nas aulas seguintes, os alunos já estavam fazendo as provas finais e muitos começavam a faltar em massa nas aulas de fim de ano. Com isso, ficou faltando mais uma aula importante que pretendíamos dar: uma resposta às produções dos alunos, propondo-lhes a reescrita.

As aulas de intervenção ministradas foram:

 

8ª ano B

8ª ano C

13.11.2009

13.11.2009

13.11.2009

16.11.2009

16.11.2009

16.11.2009

23.11.2009

23.11.2009

25.11.2009

23.11.2009

Total: 5 aulas

Total: 5 aulas

 

3.2    Considerações sobre o Projeto implementado

 

Sobretudo no início da regência foi bastante importante o auxílio da professora Luciana*, que acompanhou-nos tentando mostrar para a sala que a atividade da regência tinha ligação com o cronograma da disciplina de Língua Portuguesa do bimestre. Seu poder de atribuir nota parece ser um emblema que legitima o processo, inclusive cobrado pelos alunos; tudo o que fazem deve ter um visto que confira, ao menos, um ponto de participação na nota. Eles cobraram isso a todo o momento.

Acostumados a ministrar aulas em cursinhos, sentimos grande diferença em uma sala de aula de Ensino Fundamental; e não atribuímos isso apenas à indisciplina dos alunos. Percebemos que temos pouca potência vocal para trabalhar no ritmo deles; aos poucos, conforme a regência avançava e eles iam aceitando a presença da estagiária em substituição à presença da professora, nossa confiança foi aumentando, ou eles entraram em meu ritmo, que era diferente do da docente Luciana*. Mesmo nos cursinhos, esse elo com o aluno é trabalhado ao longo do tempo e a aula inicial é importante para estabelecer pactos de ambas as partes.

 

3.2.1    Resultados das atividades

 

Faremos, então, algumas observações pontuais acerca dos resultados de alguns exercícios aplicados e dos textos produzidos pelos alunos.

Ao trabalhar com os exercícios baseados na tirinha de Mafalda[22] e ao auxiliar nas dúvidas dos alunos, percebemos que estes sentem necessidade de enunciados absolutamente transparentes; qualquer vocabulário que esteja fora de uso cotidiano provoca pânico. Não foi nossa intenção escrever enunciados “rebuscados”, e julgamos que é, também, tarefa do professor de Língua Portuguesa o incremento do vocabulário dos alunos, o que deve ser feito gradualmente ao longo do processo. Talvez o fato de a professora ter o hábito de parafrasear oralmente os enunciados escritos na lousa tenha tornado-se uma espécie de “vício” antes de executarem as tarefas.

Na questão 1, perguntamos se o ato da personagem era coerente com sua fala, uma vez que havia uma ambiguidade entre eles. Por não entenderem o termo “coerente”, vimos, nas respostas dos alunos, que haviam compreendido, na tirinha, o contraste entre atitude e discurso, mas respondiam apenas “Sim, são coerentes”. Muitos entenderam um sentido oposto no vocábulo apresentado; porém, a justificativa revelava que a sala, em geral, havia percebido o conflito na personagem.

Algo similar aconteceu na questão 6, na qual perguntamos se o que predominava no Brasil era o preconceito explícito ou o preconceito velado; eles desconheciam esses adjetivos. Conforme os alunos tiravam as dúvidas, creio que esse problema foi resolvido ali mesmo na orientação, enquanto revelam as respostas produzidas. Todavia, o comando da questão exigia que justificassem sua resposta, o que não aconteceu; muitas vezes as respostas foram: “Predomina o preconceito explícito, na cara” ou “Há mais preconceito escondido, dissimulado”.

Já na questão 3, esse problema aconteceu por falha da estagiária. Elaboramos o seguinte comando: “Ela tem consciência de que seu comportamento contradiz suas palavras?”. Em algumas respostas, também predominou o “sim” ou “não”; porém, no enunciado, não havíamos solicitado justificativa.

Por fim, na questão 5 os alunos deveriam descrever como era a aparência das bonecas e bonecos quando eram crianças e por que eles acreditavam que tais brinquedos eram dessa maneira. Em alguns casos, vimos que os alunos falavam sobre a própria aparência. Não sei se o enunciado estava mal formulado ou se foi desatenção por parte deles, ao ler a questão:

Enunciado criado pelo estagiário: Quando você era criança, como costumava ser a aparência física (cabelo, cor dos olhos e da pele etc) de suas bonecas ou daquelas pertencentes aos seus amigos?

 

Finalmente, ainda sobre a aplicação de exercícios referentes a essa tirinha, houve um único caso de interpretação dúbia, mas como o julgamos interessante, passo a comentá-lo:

Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com seu discurso sobre racismo? Comente.

 

Uma aluna leu o trecho “é coerente com seu discurso sobre racismo?” interpretando o pronome possessivo de maneira ambígua, pensando que se referia à sua própria opinião (da aluna); e ela estava certa. O enunciado deveria ter sido escrito da seguinte forma, para evitar ambiguidades:

Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com o discurso que ela expressa sobre racismo?”[ou mesmo ter substituído o pronome “seu” por “dela”].

 

A partir daqui, comentaremos o trabalho de leitura com os textos jornalísticos Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros[23] e TV vive momento de reconstrução da inserção do negro, diz Lázaro Ramos”[24], ambos publicados na Folha de São Paulo. Ao lermos o primeiro texto em voz alta, um aluno incomodou-se muito com o seguinte trecho:

Trecho do texto analisado: Segundo o Datafolha, quanto maior a escolaridade, menor a manifestação de preconceito. Entre a população com nível superior, apenas 5% concordam que negros só sabem fazer bem música e esporte. Entre os que não passaram do fundamental, a proporção é de 31%.

 

O aluno havia entendido a passagem como uma afirmação com a qual o repórter concordava, e ofendeu-se. Procuramos explicar que o recurso do autor era justamente o contrário; que, na verdade, o jornalista tinha consciência de que um juízo segundo o qual os negros seriam capazes de participar apenas de atividades como esportes e música é uma manifestação de preconceito. Como a sala havia entendido isso, espontaneamente, ajudaram-me a convencer o estudante.

Porém, quando propomos que selecionassem trechos do texto para serem usados no futuro texto de opinião a ser produzido, percebemos que muitos escolheram o seguinte excerto como manifestação do discurso de elogio ao mérito pessoal:

Trecho mais selecionado: Os pretos se sentem mais discriminados, mas são eles também os que mais acreditam no esforço pessoal. “Somos uma sociedade que tem optado por não marcar o sentimento da vida a partir da raça", diz ela, citando o dado de que 71% dos pretos concordam que, se um pobre trabalhar duro, melhorará de vida. Entre brancos, o percentual é de 67%.

 

No citado trecho, uma antropóloga da UFRJ apresentava tal informação como um retrocesso na questão da consciência histórica quanto ao papel do negro no Brasil. O discurso do mérito individual desconsidera todo um passado de escravidão e exclusão social, depositando a responsabilidade unicamente no sujeito. Tentamos trabalhar isso com a sala, perguntando se o texto dizia que os negros eram mais esforçados, e eles confirmaram. Insistimos, tentando explicar o contexto descrito, mas a professora reafirmou a posição dos alunos, elogiando o mérito individual como saída para os negros.

Como ela era uma autoridade maior na sala e havia trabalhado esse juízo ao longo do ano com a turma, encerramos a discussão no momento. Já havíamos visto um texto da revisa Veja que a docente usou na avaliação dos alunos o qual ia ao encontra dessa mesma idéia; em conversas posteriores com a professora, vimos que esta, realmente, defende tal ponto de vista, portanto, seria necessário mais tempo para trabalhar essa “sutileza” ideológica e, devido à ausência de tempo, tivemos que dar sequência ao cronograma.

Para não me estender demais, passaremos a comentar os resultados dos textos produzidos pelos alunos[25]. Alguns deles utilizaram os trechos selecionados na reportagem citada. Porém, houve muitos problemas no que tange ao manejo da citação; eles não compreenderam a função das aspas para demonstrar a distinção entre a própria voz e aquela enunciada pelo outro, dessa forma, incorporavam a opinião alheia sem distingui-la de sua própria opinião. Até mesmo citações são difíceis para eles, que não aprenderam satisfatoriamente a fazer paráfrases. O ensino de paráfrases e de citações seria um bom conteúdo a ser abordado com aqueles alunos. Como estavam aprendendo o gênero texto de opinião há meses, acreditávamos que tais tópicos haviam sido assimilados.

Além disso, dada a própria definição oscilante do texto de opinião, que ora se aproxima do texto informativo, ora do texto dissertativo e de outros mais, vários alunos acabaram por compor perfis/biografias de personalidades negras na TV, fugindo da proposta que era avaliar a imagem do negro na mídia. Recursos biográficos poderiam ser usados desde que com a finalidade de ilustrar um ponto de vista; assim, mais um ponto propício a ser trabalhado se revelou.

Outra dificuldade discente diz respeito à delimitação do tema. A proposta foi discorrer sobre a imagem/representação do negro na mídia e algumas redações acabavam sendo “generalizantes”, atendo-se ao racismo de modo geral. Também percebemos, ao ler os textos, que o conceito de introdução em um texto para eles não estava satisfatoriamente sedimentada; muitos dos pedidos de orientação durante a composição do texto foi nesse sentido. Por fim, o uso acentuado de marcas de oralidade (pronomes, gírias etc) mesclava-se aos vocábulos que indicavam a tentativa de fazer um texto formal.

Vale ressaltar que, em diversas produções, o que era interpretado pelos alunos como uma possível imagem positiva do negro na televisão era o poder aquisitivo. Rodrigues[26] lembra que, ao discutir as produções dos alunos, os problemas não se reduzem a deficiências ortográficas e gramaticais, mas também ao aprofundamento de percepções acerca das ideologias ali embutidas.

Todo esse potencial de discussões a ser trabalhado, infelizmente, foi atrapalhado por diversos contratempos como a proximidade do fechamento do ano letivo, os feriados, a gripe suína, a pequena duração do estágio e a pouca experiência da estagiária. O “saldo” final da aplicação deste Projeto foi perceber tais questões, de modo a considerá-las em uma futura experiência em sala de aula.

 

Considerações Finais

 

O estudo de gêneros pretende legar à escola um incremento, que se abre à “unidade real da comunicação discursiva”[27], ou seja, aos textos de autêntico uso nas circulações sociais, e não apenas aos textos “escolarizados”, criados esquematicamente para o aprendizado. Todavia, a instituição escolar ainda compreende a “tipologia argumentativa” como um sinônimo do texto dissertativo tradicional: seu discurso é moderno, mas sua finalidade é conservadora.

O gênero “dissertação” foi combatido como um emblema dos textos “escolarizados”, distantes das práticas correntes no cotidiano social[28], mas as provas tradicionais, como a do SARESP e as dos vestibulares, acabam por priorizá-lo em suas avaliações. Conforme ressalta Rodrigues, assim como o aluno deve aprender gêneros de uso corrente para seu sucesso social, deve também aprender gêneros escolarizados (tais como a dissertação), para ser bem sucedido na escola[29]. O domínio de diferentes registros é que garante o letramento ativo.

O trabalho com o gênero texto de opinião é bastante complicado, dada a sua falta de especificidade. Isso nos mostra que o trabalho do professor de Língua Portuguesa não deve ater-se apenas aos aspectos gramaticais e ortográficos, pois a abordagem de temas polêmicos, favorecida por esse gênero, exige, também, o trabalho com as ideologias implicadas nas produções, tarefa esta que exige um longo e incessante processo; a oportunidade de reescrita dos textos pelos alunos proporcionaria a ocasião para discutir tais problemas.

 

Referências

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens, 8ª ano, Atual Editora.

COUTO, M. O embondeiro que sonhava pássaros. In: Cada Homem é uma Raça: estórias. Lisboa: Caminho, 2008.

GOIS, A. Diminuem as manifestações de preconceito ‘assumido’ entre brasileiros. Folha de São Paulo, de 23.11.2008.

MATTOS, L. “‘TV vive momento de reconstrução da inserção do negro’, diz Lázaro Ramos”. Folha de São Paulo, de 23.11.2008.

ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007.

RODRIGUES, R. H. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In: ROJO, R. (Org.) A prática de linguagem em sala de aula: Praticando os PCNs. São Paulo: Educ. Mercado de Letras, 2002, p. 207-220.

SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Caderno do Professor - Língua Portuguesa – 8º ano do Ensino Fundamental – 1º, 2º e 3º bimestres. São Paulo: SE, 2009.

 

Sites

GUIMARÃES, A. S. A. O racismo como consequência. Folha de São Paulo, de 18.11.2006. Versão on-line.

PRIORE, M. Del. O tempo não para. Folha de São Paulo, de 18.11.2006.

QUINO. Tirinha/Mafalda. Disponível em http:..mafalda.dreamers.com.tirasusanita.s02.gif

 

Manuella Miki Souza Araujo

Bacharelado e licenciatura plena em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Em 2013, concluiu a dissertação de mestrado em Literatura Brasileira pelo DLCV-FFLCH-USP, intitulada “O fragmento romântico em O poema do frade”, na qual analisa os fundamentos teóricos do não-acabamento formal na poética de Álvares de Azevedo. Entre 2004 e 2009, foi professora voluntária de gramática e literatura em Língua Portuguesa no Cursinho Comunitário Pré-Universitário Gauss, em Atibaia-SP. Atualmente, é professora da rede estadual de ensino na cidade de São Paulo 

 

Anexos

 

Anexo I - Texto para introdução sobre o Dia da Consciência Negra.

 

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de Novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.

A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Apesar das várias dúvidas levantadas quanto ao caráter de Zumbi nos últimos anos (comprovou-se, por exemplo, que ele mantinha escravos particulares) o Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte forçado de africanos para o solo brasileiro (1594).

Algumas entidades como o Movimento Negro (o maior do gênero no país) organizam palestras e eventos educativos, visando principalmente crianças negras. Procura-se evitar o desenvolvimento do auto-preconceito, ou seja, da inferiorização perante a sociedade.

Outros temas debatidos pela comunidade negra e que ganham evidência neste dia são: inserção do negro no mercado de trabalho, cotas universitárias, se há discriminação por parte da polícia, identificação de etnias, moda e beleza negra, etc.

O dia é celebrado desde a década de 1960, embora só tenha ampliado seus eventos nos últimos anos; até então, o movimento negro precisava se contentar com o dia 13 de Maio, Abolição da Escravatura – comemoração que tem sido rejeitada por enfatizar muitas vezes a "generosidade" da princesa Isabel, ou seja, ser uma celebração da atitude de uma branca.

A semana dentro da qual está o dia 20 de novembro também recebe o nome de Semana da Consciência Negra.

 

Dados estatísticos

Segundo o IBGE, no Brasil os negros são correspondentes a 5% da população. Os chamados "pardos", no entanto, que são mestiços de negros com europeus ou índios, chegam a um número próximo da metade da população.

Entre a população negra jovem (especificamente no segmento de 15 a 17 anos), 36,3% cursaram ou cursam o ensino médio; entre os brancos, a parcela é de 60%. Entre aqueles que têm até 24 anos, 57,2% dos brancos haviam atingido o ensino superior, contra apenas 18,4% dos negros.

O rendimento médio da população branca no Brasil é de R$ 812,00; já a dos negros é de R$ 409,00. Entre a parcela de 1% dos mais ricos do país, 86% são brancos.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Consci%C3%AAncia_Negra

 

Anexo II - Texto usado para discutir o racismo.

GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. O racismo como conseqüência. Folha de São Paulo, de18.11.2006

Em 1998, Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant se perguntavam, em famoso libelo contra o imperialismo cultural norte-americano: "Quando será publicado um livro intitulado "O Brasil Racista", segundo o modelo da obra com o título cientificamente inqualificável, "La France Raciste", de um sociólogo mais atento às expectativas do campo jornalístico do que às complexidades da realidade?" Igual desafio me coloca a Folha.

Eu respondo sim, somos um país racista, se por racismo entendermos a disseminação no nosso cotidiano de práticas de discriminação e de atitudes preconceituosas que atingem prioritariamente os pardos, os mestiços e os pretos. Práticas que diminuem as oportunidades dos negros de competir em condições de igualdade com pessoas mais claras em quase todos os âmbitos da vida social que resultam em poder ou riqueza.

Do mesmo modo, até recentemente era difícil achar uma face negra na TV brasileira, em comerciais ou em programas de entretenimento ou informação. Casos de violência policial contra negros eram comuns, como o era a detenção de negros por suspeição ou a proibição de usarem o elevador social em edifícios residenciais.

A presença de negros nas universidades, como professores ou alunos, continua muito abaixo da proporção de negros em nossa população. Para culminar, o descaso dos poderes públicos para com os bairros periféricos ou as regiões mais pobres do país torna ainda mais sofríveis os indicadores sociais relativos a pretos e pardos.

As desigualdades raciais, ou seja, os diferenciais de renda, saúde, emprego, educação etc. entre brancos, de um lado, e pretos e pardos, de outro, são gritantes e estão muito bem documentadas. A julgar pelos resultados, portanto, somos racistas. E esse é o modo como, no mundo atual, a sociologia e as instituições internacionais definem o racismo. Não é pelas intenções, pelas doutrinas ou pela consciência racial, mas pelo resultado de uma miríade de ações e omissões.

Como funciona o nosso "racismo como conseqüência"? Desde os anos de 1940 o sabemos. Não classificamos por raça, mas por cor. Não acreditamos em grupos de descendência chamados "raças". Os nossos "grupos de cor" são abertos, podem se alterar de geração a geração, podem conviver com certa mobilidade individual. São classes, no sentido weberiano. Temos e cultivamos, portanto, classes de cor.

Mas, apesar de fronteiras incertas para o olhar europeu, não há dúvidas de que pessoas e famílias no Brasil pertencem a classes de cor bem determinadas, se fixarmos um momento no tempo. "Cores" são tão socialmente construídas quanto as "raças" e delas derivadas.

Discriminamos abertamente as pessoas por classe de cor ou de renda, por local de nascimento ou aparência física etc. Todas essas discriminações são feitas em muito boa consciência porque não acreditamos em "raças".

Não creio, entretanto, que nosso racismo seja pior, como querem alguns militantes, porque mais difícil de ser combatido e revertido. Nos últimos dez anos, melhorou o respeito aos direitos individuais, e a representação de demandas coletivas se revigorou no Brasil. Reconhecemos o nosso racismo. Isso levou a uma sensível mudança de atitude, políticas novas estão sendo testadas.

Como explicar de outro modo a implantação de ações afirmativas ou programas de inclusão social em tantas universidades públicas; a contratação de artistas e jornalistas negros pelos meios de comunicação; a criminalização da discriminação; a diminuição das arbitrariedades policiais contra os negros; o reconhecimento das terras quilombolas etc.?

Tudo isso, porém, não podia ser feito sem que um movimento social poderoso se organizasse em torno da reivindicação de igualdade racial contando com a solidariedade internacional. Um "imperialismo cultural" de conseqüências republicanas e democráticas, eu diria.

Alguns temem que as "classes de cor" se tornem "raças" pela força da lei, ou seja, pelas políticas de inclusão social e racial. Espero que se dê algo bem diferente: se eficientes, essas políticas podem dissolver o racismo que subsiste sob as classes de cor.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, 57, Ph.D em sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison, é professor titular do Departamento de Sociologia da USP. É autor, entre outras obras, de "Racismo e Anti-Racismo no Brasil" e "Classes, Raças e Democracia"


Anexo III - Texto utilizado para discutir o racismo. O Brasil é um país racista? NÃO

 

O tempo não pára

A PALAVRA "raça" surgiu nos finais do século 15 para designar as famílias reinantes na Europa. Sinônimo de linhagem, demorou 200 anos para ganhar outro sentido: grupo que se diferenciava por um conjunto de caracteres hereditários.

Em Portugal, no século 18, não constava dos dicionários, embora os descendentes de judeus, considerados gente de "raça infecta", fossem proibidos de ter acesso a cargos públicos. Estatutos, denominados "de pureza de sangue", foram depois estendidos a ciganos, indígenas e afrodescendentes e tinham a ver com a desigualdade assentada na religião.

É no século 19, com Gobineau, autor de "Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas", que a noção de raça, associada às características físicas e a um passado comum, ganhou força. Dicionarizada nos anos 30, a palavra "racista" vai se referir à teoria da hierarquia das raças, que pregava a necessidade de preservar a raça superior de todo cruzamento e o seu direito de dominar as outras. "Mein Kampf" foi o evangelho do racismo.

No século 19, despontou uma disciplina encarregada de estudar o problema. A antropologia designava, então, a arte de avaliar a cor da pele, medir crânios e definir raças. Debate antigo agitava a área: a origem da espécie humana seria única ou múltipla?

Foi recusando a heterogeneidade das "raças" humanas que seus fundadores se deram um problema para pensar: se a humanidade era una, como identificar, classificar e justificar a variedade dos modos de vida dos grupos humanos? Hierarquizando as culturas, justificando as invasões coloniais e valorizando o racismo, muitos pioneiros acabaram dividindo o mundo entre "civilizados e primitivos".

No Brasil, tais concepções chegaram tarde. A simples introdução da categoria "cor" nos censos do império gerou protestos, e apenas aos finais do século é que intelectuais brasileiros se interessaram pelo tema. Ante a questão da mistura étnica que marcou a nossa formação, o que fazer?

Nina Rodrigues e Silvio Romero buscaram mapear as contribuições da "raça negra" a nossa formação. E muitos intelectuais inverteram as interpretações que previam a "degeneração da raça" como resultado da mestiçagem, apostando, ao contrário, que, graças à imigração européia, o branqueamento seria a solução.

Se essas conclusões fortaleceram preconceitos num momento em que os últimos escravos estavam sendo libertados, elas não estabeleceram fronteiras raciais nítidas entre as pessoas, pois valorizavam a própria miscigenação como uma forma eficiente de convívio e branqueamento.

Há décadas, o debate sobre "raças" ficou para trás, substituído pelo das culturas, como conjunto de comportamentos e valores comuns. Houve um duplo movimento: a afirmação da importância do fator cultural como fonte de diferença e conflito e a desconstrução da noção de cultura como algo coerente, inalterado pelo tempo.

Aparentemente contraditórias, essas afirmações introduziram questões muito distantes de "se há racismo ou não". Elas perguntam em que medida defender minorias ajuda a perpetuar uma diferença que não está longe da idéia de raça, dando suporte ao etnocentrismo. Ou questionam se o reconhecimento de identidades culturais é compatível com os princípios de igualdade e liberdade, que são os das modernas democracias.

A sociedade brasileira está em plena transformação. Não somos racistas, mas, sim, fazedores de preconceitos. Alimentamos intolerâncias. Nisso, não diferimos de congêneres de outros países. Estranhamos o "outro" diferente na cor, na religião, na condição econômica. Olhamos com desconfiança quem não é "como nós".

Ora, as ciências humanas ensinam que os indivíduos criam convenções e representações que dão sentido a sua existência. Criando-as, eles podem revisá-las e fazê-las evoluir, o que justifica a grande mudança que vivemos.

O foco nas diferenças encarnadas nas minorias ajuda a passar em silêncio uma característica das sociedades de massa: a grande uniformidade dos modos de vida. "Nós", como os "outros", temos, hoje, mais coisas em comum do que diferenças. Nesse contexto, falar em racismo seria voltar ao século 19. E, como diz o poeta -e o historiador- "o tempo não pára".

Mary Lucy Murray Del Priore, Doutora em história social pela USP com pós-doutorado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França), é historiadora e autora, entre outras obras, de "História das Mulheres no Brasil" (Prêmio Casa Grande e Senzala de 1998).

 

Anexo IV - Exercício proposto na abertura da regência.

Leia atentamente a tirinha abaixo e responda:

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Fonte: http://mafalda.dreamers.com.tirasusanita.s02.gif 

1)Podemos dizer que a ação da personagem Susanita é coerente com seu discurso sobre racismo? Comente.

2)A fala de Susanita é favorável ou contrária à discriminação racial? Por quê?

3)Ela tem consciência de que seu comportamento contradiz suas palavras?

4)A ação final de Susanita, de querer lavar o dedo após tocar o boneco negro, indica que tipo de sentimentos ou posicionamento por parte da menina?

5)Quando você era criança, como costumava ser a aparência física (cabelo, cor dos olhos e da pele, etc.) de suas bonecas ou a daquelas pertencentes a seus/suas amigo(as)?

6)Você acha que, na sociedade brasileira, predominam manifestações de racismo explícito ou de racismo velado? Justifique.

 

Anexo V - Texto utilizado na intervenção didática.

Diminuem manifestações de preconceito e racismo "assumido" entre brasileiros

Seja por mero pudor ou realmente por uma questão de consciência, os brasileiros, hoje, se mostram menos preconceituosos do que há 13 anos. Ao repetir neste ano perguntas feitas em 1995, o Datafolha identificou que caiu significativamente o grau de concordância da população com frases como "negro bom é negro de alma branca" ou "se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem".

O que não mudou de lá para cá foi a constatação, aparentemente contraditória, de que o brasileiro reconhece o preconceito no outro, mas não em si mesmo. Ou, como já definiu a historiadora da USP Lilia Moritz Schwarcz, "todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados".

Para 91% dos entrevistados, os brancos têm preconceito de cor em relação aos negros. No entanto, quando a pergunta é pessoal, só 3% (excluindo aqui os autodeclarados pretos) admitiram ter preconceito.

Foi igualmente alto (63%) o percentual de entrevistados que afirmaram que negros têm preconceito em relação a brancos, mas somente 7% (excluindo os brancos) dizem ter, eles mesmos, algum preconceito.

Também caiu (de 22% para 16%) a proporção de brasileiros que se sentiram discriminados por sua cor. Esse percentual, no entanto, chega a 41% entre autodeclarados pretos.

Para Schwarcz, o que mudou de 1995 para 2008 foi a popularização do discurso politicamente correto. Ela, no entanto, demonstra algum ceticismo com relação ao menor percentual de concordância com afirmações preconceituosas.

"As coisas mudaram, mas nem tanto. As pessoas reagem mais às frases preconceituosas, como se já estivessem vacinadas. É positivo ver que há maior consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam cada vez mais o preconceito para o outro. 'Eles são, mas eu não'."

Também historiador, Manolo Florentino, da UFRJ, tem opinião semelhante. "O que cresceu foi sobretudo o pudor. Para tanto deve ter colaborado, em alguma medida, a disseminação da praga politicamente correta. Se for este o caso, estaremos mais uma vez frente à constatação de que nosso racismo é envergonhado, que, afora casos patológicos, o brasileiro só expressa seu preconceito racial através de carta anônima."

 

Constrangimento

 

O sociólogo Marcos Chor Maio, da Fiocruz, faz leitura mais otimista. O fato de os brasileiros só admitirem preconceito nos outros - o que pode ser visto como hipocrisia-, para ele, é um valor: "As pessoas têm vergonha de parecerem racistas, cria-se um constrangimento enorme. Isso é ótimo".

Fulvia Rosemberg, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e coordenadora do programa de bolsas da Fundação Ford, vê na ampliação do debate sobre a questão racial, provocado principalmente pela discussão das cotas em universidades, uma das causas para a queda do preconceito.

"Isso não acirrou a oposição branco/negro e parece ter desenvolvido maior  consciência e atenção às relações raciais."

A socióloga Fernanda Carvalho, do Ibase e uma das coordenadoras do movimento Diálogos Contra o Racismo, concorda: "Não deixamos de ser um país com forte racismo, mas evoluímos. Não se discutia tanto a questão do negro. Hoje, as pessoas estão compreendendo melhor o tema e têm mais consciência de que o preconceito é um valor negativo".

Yvonne Maggie, antropóloga da UFRJ, tem opinião diferente sobre o racismo no país.

"Os pretos se sentem mais discriminados, mas são eles também os que mais acreditam no esforço pessoal. Somos uma sociedade que tem optado por não marcar o sentimento da vida a partir da raça", diz ela, citando o dado de que 71% dos pretos concordam que, se um pobre trabalhar duro, melhorará de vida. Entre brancos, o percentual é de 67%.

Maggie diz também que o aumento da escolaridade nos últimos anos deve ter contribuído para a queda no preconceito. "Pode até ser que o debate sobre raça tenha influenciado, mas não é possível concluir isso com base na pesquisa. O que temos de concreto nesses últimos anos foi que houve uma melhoria radical do sistema educacional no Brasil", diz a antropóloga.

Segundo o Datafolha, quanto maior a escolaridade, menor a manifestação de preconceito. Entre a população com nível superior, apenas 5% concordam que negros só sabem fazer bem música e esporte. Entre os que não passaram do fundamental, a proporção é de 31%.

A idade do entrevistado também influencia. Entre os que têm 41 anos ou mais, 27% concordam com a frase sobre negros na música e esporte. Entre os mais jovens (16 a 25), a proporção cai pela metade: 13%.

Antônio Gois. Folha de São Paulo, no Rio.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u470648.shtml


Anexo VI - Texto proposto na regência.

"TV vive momento de reconstrução da inserção do negro", diz Lázaro Ramos

Na televisão, a pequena Taís Araújo via Xuxa, linda, loira e rainha dos baixinhos. Todas as suas amigas do colégio particular, onde era a única negra, aderiram à moda Chitãozinho e Xororó e cortaram os cabelos lisos no estilo "mullet", comprido atrás e repicado em cima.

"Fui cortar o meu também, amor. Fiquei igual a um poodle", conta Taís, rindo, ao se referir aos seus cabelos crespos.

A atriz, que completa 30 anos na próxima terça, leva no bom humor, mas admite que "são coisas muito pesadas para uma criança". "Meus pais e meu colégio me deram segurança suficiente para eu poder hoje brincar com isso, que é muito sério. Era impossível me identificar com os ídolos da televisão."

De fato, um estudo aponta que, desde o início da teledramaturgia brasileira até a adolescência de Taís, os negros, quando apareciam, não eram os heróis. O livro e documentário "Negação do Brasil" (2000), de Joel Zito Araújo, mostram que interpretavam principalmente empregados domésticos, escravos e criminosos.

Nos últimos anos, acredita Taís, meninas e meninos negros passaram a ter referências positivas na TV. E seu nome está ligado à mudança. Ela foi a primeira mocinha negra em uma novela majoritariamente feita por atores brancos ("Da Cor do Pecado", 2004). "Quando me chamaram, pensei: "Meu Deus, como isso é importante para a sociedade! Se a Globo aceita, o Brasil vai aceitar."

Se Taís se tornou a princesa negra da TV, Lázaro Ramos é o príncipe. Formado no Bando de Teatro Olodum, grupo de atores negros de Salvador, o ator, 30, só teve papel de protagonista desde que chegou à TV.

Para ele, a televisão vive um "momento de reconstrução na questão da inserção do negro. "Há novelas com muitos atores negros, mas que falam da violência, e há negros nos papéis de médico, gay..." Mas ressalta que sua carreira "é exceção". "A TV vem mudando muito lentamente e ainda não foi tão esperta quanto a publicidade, que já percebeu que o negro é consumidor e quer se ver refletido."

Para ele, "é preciso parar com esse negócio de tratar negro como ator negro". "O personagem de Fábio Assunção [mocinho da novela "Negócio da China", afastado por problemas pessoais após esta entrevista] poderia ser feito pelo Rocco Pitanga. Eu, no começo da carreira, fiz testes e consegui papéis variados, como o surfista de "Carandiru" e o garoto de "O Homem que Copiava". Agora que sou famoso, recebo convites com a rubrica "ator negro". [Devem falar:] "Ah, tem esse cara aí que é negro e é bom ator."

A sociedade brasileira se mostra dividida ao analisar a representação do negro na TV. Enquanto 31% dizem que os negros aparecem da forma como realmente vivem, 27% acham que são retratados de forma mais positiva do que vivem na realidade e 33%, de forma mais negativa.

Para Milton Gonçalves, 74, que sempre lutou por personagens fora dos estereótipos e criou polêmica ao aceitar seu atual papel de político corrupto em "A Favorita", até hoje "o negro aparece na TV só para dar uma cor local". "É como a TV americana, que põe um apresentador branco, um negro, um latino e um asiático."

Ele avalia que a TV "está estagnada". "Os protagonistas de Taís e Lázaro são conquistas, mas nada que tenha alterado. Com é que o fato de eu fazer um corrupto ainda causa irritação? Por que não podemos ser vilões?"

Joel Zito Araújo também acha "uma bobagem" discutir se o negro pode ou não interpretar vilões. "Minha crítica é a ausência de atores negros em papéis positivos. E os negros ainda continuam naquela cota de sempre de 10% do elenco."

Para o cineasta, "a televisão piora a realidade do negro, que ainda é raramente incorporado. Para equilibrar um peso enorme da representação histórica, a TV deveria até retratar o negro de forma mais positiva porque certamente tem o papel de transformar a realidade".

Ruth de Souza, primeira protagonista negra da teledramaturgia, em "A Cabana do Pai Tomás" (1969/70), novela sobre escravos, resume a questão com a sabedoria de quem chegou aos 87 anos, mais de 60 de uma carreira com consagrados papéis: "A TV conta histórias, e o negro tem que participar normalmente, como de todos os segmentos da sociedade".

Laura Mattos, Folha de S. Paulo.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u470652.shtml


Anexo VII - Texto proposto na atividade final da regência.

As primas do Bruno Viola
para o Bruno Ferraz

As festas na casa do Bruno Viola tinham sempre muitos bolos e salgados, música bem alta, boa jantarada tipo feijoada ou churrasco, e muita, muita gasosa. Mas nós, os rapazes da rua Fernão Mendes Pinto, gostávamos mesmo era das primas do Bruno. O Bruno Viola tinha umas primas muito bonitas.

Uma tinha o cabelo assim bem liso e loiro, vinha do Bairro Azul com umas saias bem curtas que todo mundo queria dançar slow com ela. Primeiro era o Bruno que, mesmo sendo primo, sempre gostava de dançar apertado com as primas dele. Lembro até hoje: os cabelos dela cheiravam a um amaciador de abacate que uma pessoa no meio da dança até quase que ficava nas nuvens. Esse cheiro se misturava com o perfume que era o mesmo que a mãe dela usava. A camisa era preta e branca às riscas com um ursinho mesmo em cima da mama esquerda dela. A saia era jeans azul pré-lavado que nessa época estava na moda. O Bruno já tinha dançado com ela, o Tibas também. Era a minha vez e eles ficaram cheios de inveja porque puseram aquela música do Eros Ramazzotti que durava onze minutos.

O meu nariz perdia-se entre o pescoço suado dela e os cabelos loiros, compridos. Às vezes é só assim, um gajo apanha esse slow bem comprido que dá tempo de falar bué com a dama. Todos a olharem para mim na minha sorte demorada, até as pernas já me doíam do cansaço de estar a dançar tão devagarinho com a prima do Bairro Azul.

Outras primas também estavam na festa: a Filipa, que era da nossa idade; a Eunice, mulata linda e cambaia, que tinha vindo do Sumbe; e a Lara, que era um pouco mais velha, já tinha as mamas grandes como as mulheres adultas, também já punha perfume de mais-velha, e era uma moça que tinha viajado muito, acho eu, porque tava toda hora a falar de Paris. Então foi isso: enquanto eu dançava a música do Eros Ramazzotti, a Lara olhou para mim com um olhar bem estranho. Eu fechei os olhos, dei um beijinho disfarçado no pescoço da prima do Bruno. Um sabor salgado me ficou na boca e eu gostei.

A música acabou, abri os olhos. A prima do Bairro Azul sorriu para mim, mas eu duvidei que aquilo significasse alguma coisa. Ela tava muito doce no sorriso dela, mas acho que ela gostava mesmo era do Tibas. Fui buscar uma gasosa, era uma fanta daquelas bem cor de laranja que até inchava a língua. A música tinha parado, estavam nos preparativos do «parabéns a você». Vi a Lara olhar de novo para mim.

O Pequeno, um miúdo também da minha rua, é que imitava muito bem a voz da Lara. Era uma voz diferente, para uma rapariga, difícil mesmo de imitar ou de explicar. Mas pode-se dizer que era uma voz grossa, muito grossa e rouca. E o Pequeno imitava assim a Lara: «ó pá, eu já fui a Paris, pá, vocês conhecem Paris?». Ele fazia a voz grossa e a malta toda ria, não era preciso dizer nada, todo mundo imaginava a pessoa que falava assim.

A Lara olhava para mim, eu olhava para a Filipa, e o Tibas falava com a prima do Bairro Azul. A Filipa, irmã da Lara, era muito bonita, e até na rua diziam que eu e ela tínhamos de namorar mas isso ainda nunca tinha acontecido. Mas, sim, eu achava a Filipa muito bonita, tinha uma pele escura tipo indiana dos filmes que muitos rapazes da minha rua ficavam atrapalhados a olhar para ela. Começaram a cantar os parabéns. Todo mundo olhava para o centro da mesa onde estava o bolo horroroso e cheio daquele glacê adocicado que enjoa. Eu ouvi a voz, lá longe, do outro lado, perto da bomba de água e da bananeira, a chamar o meu nome. Ouvi mesmo bem, mas fingi que não era comigo.

A voz continuava. Era uma voz grossa tipo um instrumento de tocar jazz. Primeiro baixinho, só dum coro. Depois, naquela parte que se canta «hoje é dia de festa, cantam as nossas almas», e todo mundo já grita bem alto, a Lara me ameaçou com a voz dela:

– Vem cá, não tás a ouvir?

Tive que ir.

A bomba de água disparou, fez um barulho esquisito. A Lara tava sentada numas escadas que já tinham sido invadidas por trepadeiras enormes. Fez-me sinal com a mão para eu me sentar perto dela. Tinha as pernas meio abertas como fazem os rapazes, sentada uma posição que a minha avó Agnette me disse que as meninas nunca se deviam sentar. E falou-me com a voz grossa:

– Anda cá, senta-te aqui perto de mim.

Eu olhei lá para dentro, não consegui ver ninguém. Tava escuro e o lugar só cheirava à trepadeira e ao perfume pesado da Lara. Ela apertou-me no braço, quando eu ia sentar, e sentou-me no colo dela. Não falou nada, ficou só a respirar perto da minha cara. Tinha também um suor molhado no pescoço.

– Dá-me um beijo na boca... – ficou a olhar para mim com uma cara quieta. – Com a língua também.

Puseram música de novo, uma música bem animada, que nós chamávamos de «alice stein», mas que era na verdade uma música dos Kassav. Eu transpirava, aquela já era uma situação muito séria, a Lara era muito assanhada, até diziam que ela já tinha feito malcriado com rapazes mais velhos. Estava bem atrapalhado eu, ela me segurava no braço com força.

– Dá-me lá um linguado – ela disse com a voz mais rouca e a fechar os olhos.

Uma pessoa quando é criança às vezes não sabe que é bom ter medo e deixar certas coisas acontecerem. Não sei como seria o tal «linguado», mas tive medo que a Lara, com a voz dela e as mamas grandes e os perfumes franceses, tive medo que a Lara me beijasse de um modo que eu nem sabia bem qual era.

A mãe do Bruno me chamou para eu comer o bolo horroroso com glacê e eu gritei logo acusando o lugar:

– Tou aqui, tia Luna.

O Tibas e a prima do Bairro Azul vieram com um pires e uma fatia enorme que eu tive mesmo que comer. Muita gente se aproximou das escadas das trepadeiras. A Lara sentou-se de outra maneira, endireitou o vestido e o cabelo. Do meu pires tirava pedaços de bolo que comia muito devagar, e chupava os dedos cheios de glacê branco sem parar de olhar a minha boca.

O Bruno Viola tinha primas muito bonitas e uma prima com uma voz muito grossa, como se fosse um instrumento de tocar jazz

Fonte: http://www.kazukuta.com/ondjaki/os_da_minha_rua.html


Anexo VIII - Produções dos alunos - Textos de opinião [escrita original dos alunos]

1) B.M.V.R.A – nº8

(sem título)

Negros nunca tem privilégio na televisão.

Vemos nos comerciais muito racismo, porque há crianças brancas e um só negro nos comerciais infantis, todos são assim.

Como por exemplo nos comerciais da Parmalat aonde aparecem bastante crianças e apenas um negro. Isso é muita injustiça porque não poderia ter vários negro e apenas um só branco? Porque as pessoas tem muito preconceito contra os negro

O outro item que é interessante que os preconceitos já começam desde quando são pequenos, por que na televisão você não vê uma criança negra apresentadora ou apresentador.

As pessoas tem que mudar, parar de ser preconceituosos, porque todos tem uma parente negro na família e não sabem.

 

2) E.T.S.– nº10, 8ªC

“Negros na TV”

Atualmente as participação dos negros em novelas estão cendo mais freqüentes em relação a decadas atrás quando o racismo não era escondido como hoje em dia.

Na novela “Caras e bocas” mostra histórias de racismo uma fala da historia de uma menina de dez anos cuja ela e a mãe são negras e o sonho dessa menina e ser famosa e estar na TV ela fez um teste para um comercial de sorvete mas não foi escolhida por supostamente “não ter aspecto físico adequado” essa foi a disculpa para a mãe a filha, perdendo para uma garota loira de olhos azuis.

Na novela mesmo mostra uma realidade hoje vivida por trás das cameras por muitos negro e negras que querem ter um espaço na midia.

 

3)  F.O.G. – nº13, 8ªC

"A imagem do negro no futebal"

No futebol tinha um jogador chamado Betão que jogava no corinthians, onde era discriminado em quase todos os jogos.

Chegou um dia em que o Betão chamou o time dele e falou: “vamos fazer um cartaz dizendo não ao racismo”, e então em todos os jogos em que ele ia jogar, levantava o cartaz.

Mas sempre tinha um jogador que o xingava, mas teve uma proposta da Europa para ele jogar no Hamburgo. Lá Betão começou a bem, ninguém o discriminava porque a lei na Europa é rigida.

Lá ele teve uma careira muito boa, e falou que ficou mais feliz na Europa que no Brasil.

O Betão ajudou o esporte a dizer “não ao racismo”.

Fim!

  

4) G. – nº17, 8ªC.

“Filmes: A imagem dos negros”

A imagem dos negros na maioria dos filmes é negativa pois os papeis são de ladrões, mendigos, empregados e sempre com roupas velhas e rasgadas, e os brancos a maioria todos riquinhos, com casas enormes, bem vestidos, jois, etc.

Existem filmes que até passam uma boa imagem em relação aos negros, mas há outros que mostram muito preconceito. Se você for alugar um filme sobre a escravidão, seja ele novo ou bem antigo, você vai ver que tem muitos negros, a maioria, mas são escravos, e os poucos brancos que participam são os lideres.

 

5) I.A.G. – nº18, 8ªC

“O negro”

A imagem do negro na mídia sobre o Pelé que foi um dos negros na mídia, demonstrando para muitas pessoas sendo discriminados pela sua cor. Pelé consseguiu alcançar ser um dos melhores jogadores de futebol e também é respeitado pela mídia. Ele é um negro que já conseguiu trazer muitos troféus, porque eu acho na minha opinião que isso corajou, encentivou muitas pessoas negras que principalmente os negros que são mais discriminados pela mídia. Que todos podem chegar em algum lugar bom como muitas pessoas brancas conseguem chegar em algum lugar bom os negros também conseguem. Como muitos brancos as vezes dizem que o negro não pode ser um bom jogador ou outra coisa. Eu concordo pelo Pelé ser negro incentivar muitas pessoas que Eu acho na minha opinião que Ele deu muitos Exemplos não só para os negros é para os brancos que eles podem também fazer qualquer coisa.

 

6) I.O.V.F.– nº12, 8ªB.

“Negros nos esportes”

Os negros nos esportes tem uma imagem muito reconhecida e bem susedida com vitorias espetaculares e recordes como por exemplo pele fez mais de mil gols no futebol, Bolt o homem mais rapido do mundo, Maikon Jordan um dos melhores do mundo, Hamilton um corredor (piloto) de Formula 1, Daiane dos Santos ex melhor do mundo na ginástica, Marta melhor jogadora do mundo. Esses são esesões porque se esforsarão muito, ainda não são muito reconhecidos em alguns esportes como tenis e golfe porque são esportes muito caros para pessoas ricas. Mas a esportes com igualdade como basquete, futebol, volei, natação, atletismo.

 

7) J.L.F. nº14, 8ªB

 “Filmes”

É muito comum achar presidiarios negros  em filmes como por exemplo em: Velozes e Furiosos.

No filme Diamante de Sangue há negros bons e outros ruins so que a maior parte são ruins e sem coração, porque matam muita gente no filme.

No filme Crepúsculo há um negro que faz o papel de um lobo sanguinário ruim.

Não há muito filme com negros heróis, neste momento não me recordo de nenhum, mas com vilões são vários filmes como disse nos parágrafos acima.


8) J.L. A.– nº15, 8ªB

“Consiência Negra”

Bom quando vamos tratar desse assunto temos materiais, a internet, livros e muitos outros, também sabemos que um dos homens que lutaram para que a “escravidão” acabasse foi o Zumbi dos Palmares, isso há muitos anos atrás, o ato de bravura dele faz com que no dia da “Consiência Negra” ele seja lembrado e são feitas homenagens para ele por que para muitos e principalmente para os negros isso não pode ser esquecido.

Já nos dias atuais que vivemos a mídia tenta melhorar a imagem no negro para esconder o preconceito, hoje em dia poucos naõ saõ racistas, mas eu acho isso muito desumano por que idependente de cor, raça ou horigem somos todos seres humanos e tem que haver respeito uns para com os outros mas no mundo que vivemos isso é praticamente impossível acontecer.

Analisando bem, mesmo com tudo isto o negro enfrenta e se destaca nos esportes, nas novelas por que eu já assisti e achei muito boa a atuação deles, Thaís Araujo e Lázaro Ramos são exemplo disso, e tem muitos atores negros e atletas que se destacam e os brancos que são racistas querendo ou naõ  tem que adimirar e ver até a onde a força de vontade os levou.

O Brasil é um país muito racista em muitas áreas, tanto profissional como social, de uns tempos pra cá aumentou demais mas há muitos exemplos de vida.

 

9) K.D.S. – nº22, 8ªC

“A imagem do negro na mídia”

No esporte os negros aparecem mais porque na corrida os que tem mais é jamaicano e Africano porque eles tem mais condicionamento físico mais que, os brancos nos jornais na televisão aparece que um negro ganhou.

No filme do Michael Jackson fala dele que na vida ele sofreu muito sendo negro e ele foi um negro considerado o rei do pop cantando as suas músicas negras conquistando negros e brancos crianças e adolescentes o negro que fez mais sucesso.

Na novela escrava isaura os negros são bastante reconhecidos porque fala de antigamente do preconceito racial porque eles são bem falados sendo violentados.

 

10) K.D.S. – nº18, 8ªB.

“A imagem do negro na televisão”

A participação dos negros nas novelas são muito boa porque muitos negros tem papel em novelas muito bons como por exemplo: Tahis Araujo em (“Viver a vida”) ela faz um papel de uma modelo muito rica e famosa.

 

11) M.O.G. – nº24, 8ªB

“Comercial Assolan”

Há alguns tempos atrás a empresa de esponjas de aço Assolan, fizeram um comercial sobre o produto com vários bêbes negros com perucas de esponjas de aços.

O que dava a entender que o negro tinha o cabelo duro.

Isso foi debatido e avaliado como preconceito fazendo com que o comercial fosse cortado da TV.

Eu por exemplo já vi crianças na escola, chamando uma outra criança negra de “cabelo de Assolan”, “seu cabelo é tão duro que sua mãe corta ele para lavar a louça”
e etc.

Quem olhava o comercial não via esse preconceito pois era algo tão “fofo, bonitinho” que eles nem se quer perceberam isso.

Pois bem será que o negro só vai aparecer na mídia em forma preconceituosa?

Esperamos para ver a evolução da imagem negra na televisão.

 

12) M.T.C. – nº25, 8ªB

“filmes”

A imagem dos negros nos filmes é retratada muitas vezes como o vilão o empregado e etc. Os negros só são papel principal nos filmes quando, o filme é sobre negros, em outros tipos de filme o negro faz o papel de pobre.

Na minha opinião os filmes brasileiros atuais tem muito mais negros do que antigamente mesmo assim não é protagonista do filme. Outro dia passou na televisão que do total do elenco em filmes e novelas tem que ter 10% de negros, na minha opinião essas cotas almentam o preconceito , mas por outro lado traz a oportunidade para os negros mostrarem o seu talento.

 

13)  N. P. – nº28, 8ªC

“A imagem do negro na mídia”

Os negro, hoje é um tema relativamente falado, na mídia não é diferente.

Antigamente os negros não tinha chance era só em papeis ruins ladrões, drogados, empregado domestico, escravos etc... O papel principal era sempre para atores Branco, loiros, olhos claros, classe alta, mais hoje em dia é diferente há muitos negros como protagonista dos teatro, filmes, novela, eles conseguiram seu lugar (direito) no mundo da mídia mostrando que eles tem o mesmo direito que os brancos.

Mas nem sempre foi assim, os negros era injustamente descriminado, quando apareciam na TV eram uma polemica enorme mas o mundo esta evoluindo dando lugar para o negro.

 

14) S. – nº33, 8ªC

“O Negro hoje em dia”

Hoje o negro, há liberdade de conviver como branco, como assim:

Bom, eles podem comer junto ao branco, trabalham junto ao branco, estudam e fazem muitas coisas juntos. Hoje eles até mesmo namoram, ficam noivos, casam e ficam com muitos filhos.

Isso é uma sensação de liberdade entre eles e isso é muito bom e um alivío. Que continuem assim para sempre.

Única coisa que hoje ainda não melhorou é o racismo, eles são discriminados, maltrados em sentido verbal e emocional e conserteza isso é uma sensação de desprezo humilhação.

Bom, enfim quero que isso melhor, e nao só eu todo o Brasil quer que melhore a relação contra os negros.

 

15) T.H.S.C. – nº42, 8ªB

(sem título)

É comum achar negros em presídios em filme: como Velozes e Furiosos, mas os negros quando trabalham para Filmes, eles quase sempre são bandidos ou escravos, tudo de ruim.

Mas também alguns trabalham como bom negro, no filme: Diamante de sangue, mas mesmo assim, no filme há mais negros ruins, do que os negros bons.

Até no filme Crepúsculo há um negro que faz um papel de lobo sanguinário ruim.

Não há muitos filmes, que os negros são bons, heróicos. Mas já em novelas como CSI Miami, eles tem negros muitos bom.

 

16) T.M.F. – nº35, 8ªC

“Escondido ou não o preconceito racial não é bom!”

É cada vez mais evidente, rostinhos negros na TV, mas eu não acho que seja o suficiente para provar que ainda não tenha preconceito com pessoas negras.

As coisas estão mudando, mas nem tanto. As pessoas reagem mais as frases preconceituosas, como se já estivessem vacinados. É positivo ver que há maior consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam mais o preconceito “Eles são, mas eu não!

O sociólogo Marcos Chor Maio, da Fiocruz, faz a leitura mais otimista. O fato de os brasileiros admitirem preconceito nos outros – o que pode ser visto como hipocrisia para ele, é um valor. “As pessoas tem vergonha de parecerem racista cria-se um constrangimento enorme. Isso é ótimo.

Mas, por exemplo em gravações de novelas ou filmes, o caso que complica é justamente o preconceito escondido quando se grava novelas com alguém preconceituoso junto com os atore, ele justamente por tentar esconde-lo se passa uma frieza, e o ator negro vai tirar a conclusão que seu colega de trabalho não te vê como um colega de trabalho, mas sim como um objeto a ser lidado entre as gravações: esse tipo de preconceito não esperado faz com que a vitima do preconceito ache melhor que assuma seu preconceito.

 

Texto para introdução sobre o Dia da Consciência Negra.
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