A poesia marginal dos anos 70

 

 Mariana Bruno Chaves
Mariana Vitale T. da Silva
Norival Leme Junior

 

Resumo
Este projeto se propõe a trazer para a escola uma abordagem experimental da poesia, o que é amplamente possibilitado pela “poesia marginal” dos anos 70 no Brasil. Essa poesia é arte-ação-pensamento, e só mesmo uma vivência possibilita seu entendimento.

 

Introdução

O assunto escolhido para a elaboração do projeto foi poesia, com enfoque nos poetas marginais dos anos 70. A leitura poética não encontra lugar muito confortável nas práticas escola, além de parecer levantar uma barreira mística em torno de si, que a afasta dos alunos e dos leitores em geral.

Em princípio, o termo literatura marginal encontra um correlato direto na literatura atual, na qual se destacam nomes como Ferrez (Capão Pecado), Paulo Lins (Cidade de Deus), o poeta Sergio Vaz (Sarau Cooperifa), entre outros. A literatura marginal, da qual extraímos o projeto, é, contudo, representada por Cacaso, Paulo Leminski, Ana Cristina César, já falecidos, e, entre outros, Francisco Alvim, Chacal, que está em plena atividade com o C.E.P. (Centro de Experimentação Poética).

A diferença entre esses dois períodos homônimos começa na questão social, que repercute diretamente em suas respectivas literaturas. A geração da década de 70[1] eram, em sua maioria, de classe média, com boa formação acadêmica e tinham experiências culturais fora do mercado editorial formal, o qual censuravam. Logo, tiveram a necessidade de se autopublicarem – foram conhecidos também como geração mimeógrafo. Já nossos contemporâneos deste início de século XXI são de baixa renda e emergem com uma linguagem própria da periferia – com suas gírias, ortografia e assuntos, como violência policial.

Contudo, o recorte feito para este projeto limita-se aos poetas marginais da geração 70 e pode ser aplicado tanto no Ensino Médio quanto no Ensino Fundamental II. Esse recorte levou em conta o falto de ser a poesia de 70 de alta qualidade estética e, ao mesmo tempo, no interior de uma cultura pop e de contestação, o que representa um fator de identidade com o jovem, uma espécie de contestador por natureza nessa etapa da vida.

Trabalhar com poesia não é algo comum na rotina de uma escola – fato constatado nos estágios realizados em sala de aula e nas OCNEM, que chamam a atenção para isso –, pois lida-se com dificuldades de interpretação, abstração, ambigüidade, consequentemente impedindo às vezes a fruição plena do poema e o interesse do jovem.

A escolha pela poesia tem caráter declaradamente ideológico, pois acreditamos que não haja imparcialidade nos conteúdos e abordagens dentro e fora da sala de aula. E também por comungarmos da visão de Antonio Candido quando diz:

“Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”[2].  

Acreditando no caráter de formação da literatura e na importância da arte para a formação do indivíduo, vemos no trabalho com a poesia um viés para um projeto que englobe competências lingüísticas sem, no entanto, ficar restrito a elas: como ampliação do repertório, aguçamento da sensibilidade, compreensão e reconhecimento do gênero, bem como sua avaliação crítica.

Contudo, antes de qualquer tipo de análise, faz-se necessário o primeiro e fundamental contato com o poema, que é a leitura desinteressada, mesmo sem reconhecê-lo enquanto gênero. Depois do contato visual e da leitura, serão propostas discussões sobre o que é poesia, sobre os poemas a serem trabalhados, a relação de poesia e espaço e por fim a escolha de poemas pelos próprios alunos para serem divulgados pela escola.

Para a elaboração e desenvolvimento deste projeto, pautamo-nos em algumas referências bibliográficas e em nossas percepções advindas das aulas de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, dos estágios realizados e, claramente, de nossa formação. As referências teóricas mais explícitas constam na bibliografia deste projeto, e acreditamos serem necessárias para o professor que pretenda aplicá-lo.

  

Sequência didática

Atividade 1 - Placas pela escola

Para o primeiro contato com o gênero, sugerimos que a primeira atividade aconteça ao longo de uma semana e se dê fora da sala de aula.

Para isso, o professor selecionará alguns poemas marginais – aqueles que acredita instigarem mais os alunos – e preparará placas com esses poemas escritos, as quais serão distribuídas nos diferentes espaços da escola.

Essas placas podem ser feitas dos mais diversos materiais – madeira, papelão, plástico –, de acordo com o que o professor tiver disponível; os poemas podem ser impressos, escritos à mão ou colados. O interessante é que as placas chamem a atenção e os poemas fiquem em sua forma original. Quanto aos lugares a serem penduradas as placas, sugerimos que sejam também inusitados (portas de banheiro, teto, chão, espelho) e que normalmente não sejam utilizados para colar cartazes.

O objetivo dessa atividade é que os alunos vejam essas placas e leiam os poemas durante a semana, sem saber que é uma atividade da aula de literatura e, até mesmo, que se trata de poemas. Assim, na primeira aula de desenvolvimento do projeto, a maioria dos alunos já terá tido um contato com os poemas.

Enquanto as placas estiverem penduradas pela escola, é possível que os alunos interajam com elas, escrevendo, rabiscando, desenhando. Essas intervenções são bem-vindas e não deverão ser proibidas, pois poderão ser usadas no trabalho em sala de aula.

Haja vista a subjetividade da leitura e as diferentes formas de recepção dos textos, esta primeira atividade mostra-se essencial, pois a leitura e a fruição do poema ocorrerão, em um primeiro momento, sem a intervenção ou indução do professor.

 

Atividade 2 – O que é poesia?

Depois de as placas ficarem penduradas pela escola durante uma semana, o professor as recolhe e inicia o trabalho com o gênero em sala de aula.

A primeira atividade proposta tem como base a discussão “o que é poesia?”. Para dar início a essa discussão, o professor apresentará para os alunos o poema Anoitecer[3], de Raimundo Correia – poema este que se encaixa nos moldes tradicionais de rima, métrica, ritmo –, e o poema Mas, de Francisco Alvim . A partir dessas leituras inicia-se a discussão, com a pergunta “qual dos dois é poesia?”. Desta pergunta, a discussão pode tomar diversos rumos, mas a intenção é que o professor seja o mediador e paute as discussões em temas centrais e que proporcionem reflexões como: o que é arte; o que é bonito; quem decide o que é poesia/arte; para que serve a poesia, etc. Para fomentar as argumentações, o professor pode utilizar o poema Sem budismo, de Paulo Leminski, deixando, assim, um gancho para a atividade seguinte.

A discussão proposta nesta atividade não visa determinar conceitos ou dar respostas aos alunos, o objetivo é fazer com que os alunos percebam o alcance das questões e ampliem suas visões, quebrando, assim, alguns paradigmas e construindo outros. Dessa forma, o professor estará preparando os alunos para a recepção de um gênero, de uma estética amparada em diferentes parâmetros.

 

  

 

Atividade 3 – Placas na sala de aula

 

Com base nas discussões surgidas na atividade anterior, o professor trará para a sala de aula as placas com os poemas, que provavelmente já foram vistas pelos alunos. Desse modo, o professor faz a leitura dos poemas com os alunos e os discute com eles, sempre se baseando na proposta da atividade anterior.

Neste momento, caso as placas contenham intervenções dos alunos, o professor aproveita para também analisá-las, questionando o tipo de intervenção e sugerindo que os alunos pensem sobre o porquê de cada intervenção em determinada placa.

Com isso, o professor contextualiza os poemas, introduzindo a poesia marginal e seus autores mais conhecidos no meio literário. Aqui caberá a distinção entre a poesia marginal da geração de 70, cujos poemas estão sendo trabalhados, e a poesia marginal produzida nos dias de hoje. Também é o momento de ser discutida a poética dos autores marginais, seus temas e possíveis leituras, ressaltando-se sempre o gênero poesia. É possível que se façam comparações entre as poesias marginais e outros gêneros de poesia para que os alunos percebam suas características e sejam capazes de reconhecer o gênero que estão trabalhando. Se a atividade for realizada no ensino médio, é provável que os alunos consigam apreender as diferenças entre os gêneros poéticos e suas modalidades e peculiaridades históricas.

A apresentação das poesias marginais é parte essencial do desenvolvimento deste projeto, por isso é importante que os alunos sintam-se à vontade e participem da aula. Para isso, o professor pode utilizar estratégias de leitura em grupo (todos lerem, por exemplo) e também de fruição, possibilitando que os alunos façam seus comentários. Parte-se do princípio que a leitura de qualquer texto relaciona-se com a bagagem de vida dos alunos, e esta, por ser diferenciada, acarretará em distintas formas de receber a leitura. Logo, é importante que o professor permita os comentários, despindo-se de seus preconceitos.

 

Atividade 4 - Placas: da sala de aula para a escola

Nesta etapa, propomos uma atividade que visa à apropriação do gênero por parte dos alunos. Inicialmente, não haveria a sugestão de produção de texto, mas, caso ela ocorra espontaneamente, pode ser incorporada à atividade.

A proposta é que se formem grupos em sala de aula e o professor forneça aos alunos diversos livros de poesia marginal (ter acesso aos livros é fundamental, xerox só em último caso). Então, em conjunto, os alunos fariam uma seleção de poemas para serem colocados nas placas e espalhados pela escola por uma semana. No caso de haver alunos que se sintam inspirados em escrever um poema para virar placa, esta será exposta juntamente com as outras.

Esta atividade pode ser conduzida de diversas maneiras: a turma pode trabalhar com apenas um poeta; cada grupo pode escolher aleatoriamente, pode haver um rodízio de placas de diferentes turmas e até mesmo uma exposição de placas de poemas de alunos. A proposta é que os alunos pensem também no lugar onde as placas serão penduradas, relacionando, pois, o leitor (que varia de acordo com o local em que a placa se encontra) com a leitura que fará. Assim, os alunos poderão decidir sobre o que determinado tipo de leitor lerá em cada local.

Nesta etapa, canetas serão penduradas nas placas, indicando uma possível interferência dos leitores. Então, cada vez que as placas forem retiradas para que se coloquem outras, os poemas com as intervenções e possíveis produções de texto serão levados de volta para a turma que fez a seleção e analisados com a mediação do professor.

Com esta atividade propiciamos aos alunos não só o contato com o gênero, mas a apropriação deste. Também é possível trabalhar com os alunos questões sobre a recepção da leitura dos poemas por outros alunos e questões acerca da comunicação pela escrita. Além disso, no contexto escolar, a atividade propõe uma interação com o espaço físico da escola e, conseqüentemente, a apropriação desse espaço.

 

Notas

 

[1] A geração 70, embora de esquerda e contracultural, era popificada (cultura pop). Dela saiu a chamada poesia marginal, isso porque era marginal aos sistemas vigentes. Sistema editorial, sistema do cânone, sistema da vanguarda concreta. Os poetas e artistas dos anos 70 eram filhos espirituais da geração de 68, mas com ela já não se confundiam em termos de experiência vivida, apesar da identidade de valores.
 
[2] CANDIDO, Antonio. O direito à literatura.
 
[3] Todas as poesias citadas constam em anexo neste projeto.
 
 

 

Referências bibliográficas

 

BRITO, Antonio Carlos Ferreira de.

 

Não quero prosa. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.

CANDIDO, Antonio. Na sala de aula. São Paulo, Ática, 1998.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte, Itatiaia, 2000.

MORICONI, Ítalo. A poesia brasileira do século XX. Rio de Janeiro, Objetiva, 2002.

PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004.

ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo, Cosac Naify, 2007.

 

* Este projeto contém arquivos anexos para download. Eles estão disponíveis logo abaixo, em "Baixar anexos".

   

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