O cotidiano escolar e o não incentivo à relação eficaz e estimulante do aluno com o conhecimento

 

Ingrid Nardeli 

 

Introdução

Este texto é resultante do estágio que fiz em uma escola estadual localizada na cidade de São Paulo, a qual possui aproximadamente mil e oitocentos alunos matriculados no Ensino Fundamental e Médio, bem como EJA, divididos pelos três períodos: matutino, vespertino e noturno.

Oitenta e um funcionários fazem parte dessa instituição sendo que sessenta e oito deles são professores.

Há uma cantina, um pátio, uma Biblioteca, uma sala dos professores, uma quadra poli esportiva, uma sala de informática, outra de vídeo e um laboratório. Essa escola participa de atividades que envolvem a comunidade realizando em sua dependência a “Escola da Família”, oferecendo cursos e jogos entre pais, estudantes e moradores do bairro, além de participar de projetos de reciclagem e voluntariado.

 

A professora e as turmas

A professora com quem realizei o estágio tem trinta e oito anos e leciona há vinte anos. Ela se formou no curso de Letras (Português/Inglês), em uma faculdade particular e depois fez um curso de complementação pedagógica. Atualmente, está cursando Pós Graduação Lato Sensu à distância em Educação Especial em outra faculdade particular.

A professora também já lecionou em Escola da rede particular, entretanto, quando passou no concurso público optou pelo ensino na rede pública. Em 2005, passou em um concurso da prefeitura e hoje dá aulas nas sétimas séries de uma escola da Prefeitura no período vespertino.

O meu estágio consistiu em observar três turmas do terceiro ano do Ensino Médio à noite: TA, TB, TC.

A TA possui quarenta e oito alunos na lista de chamada sendo que desses, quatro foram transferidos. Apesar dessa quantidade, esses alunos não iam constantemente às aulas. A média que encontrei foi de trinta alunos por aula. Essa era a turma “classificada” como bagunceira e, quando fiz a regência, percebi que eles não respeitam a hora em que o professor fala.

A TB conta com quarenta e sete alunos na lista oficial, porém doze desistiram. Os alunos são apáticos. Enquanto a TA bagunça, a TB não participa e dificilmente há muitos alunos na sala, onde nem as piadas são feitas com freqüência. Mesmo os professores não gostando muito das “graças” em sala de aula, espera-se um pouco de descontração. Mas os alunos dessa turma não respondem dessa forma.

A TC é a turma mais engraçada. De maneira geral, não há desrespeito e, apesar de não expressarem muito conhecimento, respondem às perguntas, lêem os textos em voz alta quando a professora pede, etc. Parece existir um relacionamento de aceitação entre professor e aluno. Na chamada há quarenta e sete alunos e, entre esses, dois foram transferidos.

Algumas características se referem aos três terceiros anos. Entre elas, o costume de sentarem-se em grupos, dando a volta na sala. Assim, quase não há alunos no meio da sala, porém eles se sentam no fundo e nas laterais. Se todos os alunos da chamada freqüentassem a escola, as carteiras não seriam suficientes a todos.

A maioria trabalha durante o dia, sendo poucas as exceções. Durante a observação, percebi o uso de celulares para ouvir música e tirar fotos. Os jovens também usam o aparelho de som no ouvido freqüentemente. Há algumas garotas que já são mães.

 

Projeto de pesquisa

Nosso estágio assume um caráter de pesquisa na escola, de modo que, para além do registro durante as observações e do relato da regência, uma de nossas tarefas é destacar algum tópico que nos pareça merecedor de uma investigação mais demorada. Assim, tendo a Língua Portuguesa como objeto de estudo e sabendo que ela se constrói na prática e que os sujeitos se constituem na interação, resolvemos pesquisar o modo como a professora a usa na construção do seu discurso delineando a cultura que se estabelece na sua sala de aula.

Sendo esse um tema muito amplo, procuramos enfocar o trabalho em apenas um aspecto e escolhemos aquele que foi recorrente em sala de aula: as marcas freqüentes no discurso da professora que deixava clara a não obrigatoriedade do aluno comparecer à escola em alguns dias.

Essa postura foi adotada desde um dia em que havia jogo do São Paulo e entrega de trabalho. A pedido dos alunos, ela adiou a entrega do mesmo, já que eles não iriam a escola alegando que assistiriam ao jogo pela televisão ou, alguns, indo ao estádio.

A professora falou:

“- Quem vir na quarta, entrega.

- Ninguém vai vim – falou o aluno.

- Se o São Paulo jogar é ponto facultativo – acrescentou um outro”.

Em um primeiro momento pode-se considerar a atitude adotada como uma tentativa de estabelecer uma relação tranqüila entre aluno e professor. Porém, o fato de ter desmarcado a data de entrega, favorecia a ausência dos alunos.

Ela diz: “-Pessoal, olha, o trabalho foi remarcado para a aula depois do jogo. Como não é prova, é só um trabalho, então vou deixar entregar depois.”

Aos poucos, notei que em dias de campeonato na escola ou nos quais teriam menos aulas do que o normal, a postura adotada foi a mesma.

Em uma das aulas, os alunos perguntaram se no dia seguinte haveria aula, já que metade do período seria campeonato. A professora comenta “Vai ter aula. Só as duas primeiras. Depois, é jogo. Se vocês vierem, eu vou dar aula, né?”.

O uso do condicional “se”, indicava que se não fossem à aula, ela não daria matéria. Ou seja, a ausência não seria um problema, pois eles não perderiam matéria. É claro que a professora não diz isso explicitamente até porque já é do conhecimento partilhado e aceito que um professor não pode incentivar o aluno a não ir à escola; ao contrário, deve estimulá-lo a estudar e, sendo assim, existe a ligação entre estudo e escola, ainda que, muitas vezes, essa relação não seja concretizada.

Um pouco depois, há a confirmação de que se pode faltar:

“-Posso faltar amanhã? – outro aluno perguntou.

- Assim, eu não posso falar “falte”. – ela respondeu.

- Aê, professora – eles riram.”

Dessa maneira, há um acordo não explícito entre aluno e professor. Ela não os orienta diretamente a não irem para a escola, mas eles entendem que não precisam.

Na realidade, existe a hipótese de que a realização de campeonatos sob a justificativa de integração seja um desculpa para não haver aulas. O professor não pode faltar, mas se o aluno não comparece, o profissional pode usar esse tempo para corrigir tarefas, organizar o trabalho ou, simplesmente, não dar aula. Há a idéia de que se poucos alunos estão na sala, o professor não pode ensinar nada novo, embora seja comum comuns as reclamações de que as salas têm muitos alunos e de que os alunos, de modo geral, não dominam os conteúdos ensinados.

Esse pensamento foi comprovado quando eu estava na sala dos professores. Em vista de um feriado prolongado, um professor estava tentando organizar um campeonato de futebol e vôlei no dia que antecederia o mesmo. Todos os professores o apoiaram e já disseram que não iria muita gente para a escola mesmo. Mas, seria interessante pensar que quando o aluno souber que o professor não participa mais desse “acordo” de não haver aula, o aluno irá à escola, pois saberá que o professor passará atividade.

Em alguns casos, o discurso de não haver aula acaba sendo feito por justificativa do descanso do aluno:

“- No Conselho de Classe de vocês, vocês têm que vir. Os outros dias, eu acho que vocês deveriam aproveitar para descansar, porque depois é trabalho atrás de trabalho. É o último bimestre”.

Como se pode ver há vários caminhos pelos quais o aluno é aconselhado a ficar em casa. Cabe dizer que a professora não obriga ninguém a fazer isso, porém, o aluno não quer estudar nem quando vai para a escola e quando sabe que não haverá matéria nova já se considera liberado da sua “obrigação”, ainda mais sabendo que se a maioria dos alunos faltar, a professora é obrigada a dar presença a todos.

Portanto, a professora usa tons, palavras condicionais ou “meias palavras” em seu discurso visando declarar a não importância de comparecer à escola em alguns dias. Se não há necessidade, para que a escola declara como dia letivo?

 

Considerações sobre o tipo de leitura e avaliações

Sob a mesma visão de que houve um incentivo da parte da professora aos alunos para que os alunos não freqüentassem as aulas, no âmbito do ensino da Língua Portuguesa também existiu um incentivo à leitura superficial, visto que essa respondia a uma exigência formal que era a da prova.

Tal situação se comprovou desde o primeiro dia de estágio, quando a professora pediu que lessem o livro “ A hora da Estrela” , de Clarice Lispector.

Durante o bimestre sempre lembrava aos alunos da obrigatoriedade dessa leitura:

“- Gente, as notas do bimestre serão: as redações, o trabalho das vanguardas e o livro.

- Que livro?

- A hora da Estrela.

- Michele, você pode recolher 0,10?

- Olha, professora, eu nem li esse livro.

- Eu já passei faz tempo.”

Entretanto, percebi que a razão de ter dado esse livro foi apenas para fazerem a prova. Todas as vezes as quais se referiu à leitura dizia que faria parte de uma nota deles. Devemos considerar que o estudante, de modo geral, só realiza algumas atividades sob pressão e porque vale nota, mas pensei que ainda assim haveria um trabalho em torno do livro. Idéia que não se realizou, visto que depois da prova não houve nenhuma atividade de recuperação de leitura ou discussão do livro. A própria justificativa que a aluna deu para ter lido o livro foi “Li a pedido da professora de Português devido a uma avaliação que ela iria dar”.

As perguntas da prova eram concernentes à temática do livro, ao resumo, às características das personagens. No dia da entrega das notas, eles apenas receberam a prova corrigida. Não houve nem a correção oral ou retomada, pelo menos, das questões que caíram na prova.

Muitos alunos não leram o livro e, um dia antes da avaliação, ela os aconselhou a lerem o resumo para saber do que se tratava e conseguirem fazer a prova. Bem, o estímulo à leitura não foi dado.

Aqueles que o leram consideraram chato e apesar da professora não ter obrigação de convencer o aluno de que o livro seja interessante, ela poderia ter mostrado algumas características ou detalhes que uma leitura ingênua não tenha captado. Talvez assim, mudaria a idéia daqueles que leram ou mesmo os faria ter uma opinião mais sólida ainda por meio de argumentos e não apenas de “é muito besta esse livro”.

Dessa maneira, percebemos que tanto o estímulo para faltar as aulas quanto o não adentrar no universo da leitura são posturas que tendem a evitar a construção mais efetiva e eficaz do aluno com o conhecimento.

Ainda nessa visão de análise textual pode-se também analisar o tipo de leitura que os alunos realizam de um texto. Podemos considerar três níveis de leitura : interpretativo (quando o leitor apreende o que está escrito no texto e consegue analisá-lo coerentemente), parafrástico (quando ocorre a leitura supérflua e o leitor é capaz apenas de reproduzi-lo com as suas palavras) e extrapolativo (quando a leitura vai além do que é coerente na situação do texto).

No dia em que a professora aplicou a prova, uma garota queria confirmar se havia entendido o livro. Ela começou sua resposta assim: “Eu entendi que...” e continuou recontando a história da personagem Macabéa. Ao final, eu disse a ela que o que acabara de ouvir era apenas o “recontar” do enredo. Ela me respondeu: “ - Então, mas foi só isso o que entendi.” . Por meio deste acontecimento, pode-se associar a sua leitura ao nível parafrástico, ou seja, aquele em que o leitor apenas faz uma paráfrase do objeto de leitura, e não alcança o nível analítico um pouco mais profundo. Isso também pôde ser visto quando entrevistei os alunos sobre os livros que haviam lido recentemente. A maioria respondeu “A hora da estrela” porque era uma leitura obrigatória. Conversei com alguns e pedi que me dissessem o que haviam entendido. As respostas foram: “Que ela era uma pessoa que não fazia nada e veio do Nordeste” Outro fator de destaque se refere aos “vistos” que a professora dá no caderno. Para conferir se os alunos estão copiando a lição e fazendo as atividades do livro, a professora olha as lições feitas e para cada uma dá um ponto positivo. Ao final do bimestre, esses pontos equivalem a uma parte da nota. Porém, esses pontos positivos são ilusórios, pois não comprovam se o aluno fez a atividade, já que muitos copiam daqueles que já entregaram, já que a professora não tem tempo de olhar caderno por caderno conferindo as respostas. Assim, muitos passam a aula inteira sem fazer a lição e depois, pegam o caderno do outro e copiam as respostas e ganham positivos, pois eles têm o direito de recebê-lo. Penso que nesse caso, podem ser considerados dois aspectos: o primeiro se refere à falta de interesse do próprio aluno em aprender, já que ele mesmo se engana copiando a lição dos colegas. Penso que eles não vêem objetivo algum em fazer essas tarefas. A preocupação é apenas com a nota. E se de um lado tem essa “malandragem” do aluno, de outro existe a aceitação de que o aluno faça isso. Ora, o professor sabe que muitos estão copiando e o que faz? Vale ressaltar que eles são tratados como adultos, eles trabalham e alguns até têm filhos, então penso que não seja obrigação da professora ensinar o que é correto ou não. Porém, sabendo que essa checagem de lição é falsa em muitos casos, qual seria o motivo para continuar fazendo isso?

Esses positivos, muitas vezes, ajudam a aumentar a nota do aluno e a provocar a sensação de aprendizado. Não importa se as atividades estão certas ou não, nem se o aluno corrigirá ou não essas lições, o que importa é que eles já ganharam uma parte da nota e, se têm o positivo, concebem a idéia de que aprenderam o conteúdo.

A professora falou que dá o positivo para ver se dessa forma eles fazem as lições. De alguma maneira isso pode incentivá-los por um tempo, mas é uma nota falsa para a maioria. Acho que um dos caminhos para continuar com essa prática, mas talvez, tornando-a um pouco mais eficiente seja dando o ponto positivo apenas na aula em que passou a atividade e não permitindo que o aluno tenha duas aulas para fazê-las, mesmo porque, com exceção de apenas duas vezes, ela nunca passou exercícios compridos demais. No entanto, a desculpa de usar mais uma aula para fazer os exercícios funciona como perda de tempo e mais um dia sem ela dar aula. Assim, se ela corrige a lição no fim da aula, só não aceitará dar esse positivo depois de ter feito a correção, mas aceita o caderno daqueles que entregaram até o meio da aula. A maioria desses que entregaram o exercício na aula seguinte, ainda que um pouco antes da correção, copiou a lição do outro.

Pude ver isso na minha regência. Passei uns exercícios sobre crase e os alunos tinham uma aula inteira para fazê-los, mas alguns só conversaram. Então, um pouco antes de corrigi-los, uma garota copiou as respostas da sua amiga e me entregou. Eu tive que vistar o exercício e dar o ponto positivo.

Outra característica das aulas é a perda de tempo.

As aulas, à noite, têm duração de quarenta e cinco minutos, mas há duas ocasiões em que os professores demoram bastante para entrar em sala: na primeira aula e depois do intervalo. Teve um dia em que entrei na sala quinze minutos depois do sinal ter tocado.

Esse fator ainda é acentuado nas aulas em que a professora os deixa fazendo os exercícios que não terminaram, dias de fechamento de média em que não existe aula (isto é, os alunos vão até a escola, mas a professora apenas fecha as notas), o espaço de tempo em que ela coloca algo na lousa e dá um bom tempo para eles copiarem, então só no final do período ela explica a matéria. Ou seja, todas essas “enrolações” fazem com que o ritmo noturno seja bem diferente.

Como no primeiro semestre o estágio foi realizado à tarde nas quintas e sextas séries, percebia as turmas caminhando mais rápido, o ritmo era acelerado e eram raros os momentos em que os estudantes não tinham nada para fazer. Essa realidade é inversa no terceiro ano do período noturno.

Parece que existe um acordo entre professores e alunos. Não algo formal e direto, mas um acordo implícito, isto é, o professor já sabe que muitos dos alunos estão cansados e com sono, já que trabalharam o dia inteiro. Por outro lado, os estudantes também têm conhecimento de que o professor deu aulas em outras escolas e que, na maioria das vezes, também está exausto.

Dessa forma, a partir desse conhecimento de ambas as partes, existe a aceitação de que não se tenha aula, mesmo estando na escola. Cabe considerar que esse jogo é perigoso e quem está fora da situação (o estagiário, por exemplo) pode cair na “armadilha”.

Em muitas ocasiões, se os alunos falaram que não fizeram a tarefa proposta, ela os deixou outra aula para eles terminarem, mesmo sabendo que esses alunos foram os que brincaram e não fizeram nada na aula anterior: 

“- Bem, vocês fizeram os exercícios? – perguntou a professora.

- Não.

- Eu vou vistar os cadernos.

- Não, professora.

- Fica para fazer agora então. Eu visto e a gente corrige amanhã.”.

Na aula da TC do dia 21/08/2006 seria a entrega das redações, as quais haviam sido pedidas desde o começo do bimestre. A aula serviu para a recolha das redações e aqueles que ainda não tinham feito tiveram oportunidade de escrevê-las. Mas, esse fator alia-se às aulas dos exercícios, à demora em se explicar um conteúdo, aos dias em que não têm aula e assim, somando tudo isso, perdeu-se muito tempo e por isso, a matéria do ano todo, que já é difícil de dar em apenas quatro aulas semanais, torna-se uma ilusão.

É interessante que o aluno vê esse tempo que não está preenchido como ócio e faz outras coisas que não seja estudar, mas então a professora para proteger a sua face e se afirmar como alguém que não está enrolando, ameaça corrigir os exercícios, por exemplo, a aula na TC, no dia 12/09/06:

“- Boa noite! Pessoal, vou vistar os exercícios da última aula.

- E quem não fez?

- Vai fazer agora e me mostrar.”

Os alunos levaram o caderno até a professora.

De vez em quando ela dizia: “Estou com uma vontade de corrigir”. Então, eles comentavam: “Não.”

O tempo em que muitos estão sem fazer nada precisa ser caracterizado como útil, então ela usa o discurso:

“- Ô turma, quem não está fazendo nada dá uma olhada na matéria e se tem alguma dúvida vem perguntar para mim. Aproveita o tempo. Olha a chamada.”

Chega a ser engraçado quando ela pede que os alunos aproveitem o tempo porque é o oposto do que a própria professora está fazendo.

Essas características provocam um ritmo bem lento na produção e no conteúdo transmitido, porém esse é o ritmo ao qual os alunos já estão adaptados, embora ache que isso poderia mudar. Na verdade, existe um comodismo de ambas as partes.

Pode ser esse dado que permita ao aluno, em todas as aulas, fazer um convite ao professor para não fazerem nada. A quantidade de vezes em que ouvi isso me deixou impressionada:

“- Hoje, nós vamos fazer assim...

- Nada – os alunos responderam.

- A Ingrid vai passar a correção na lousa. Vocês corrijam, hein. Confiram no caderno. Se tiver alguma dúvida, pode vir me perguntar.”

Esse ritmo é um paradoxo em relação àquelas aulas em que os exercícios são corrigidos oralmente. Uma aula quase não é suficiente visto que para responder às questões, os alunos precisam ler os trechos dos textos que há no livro.

Mas, talvez, essa seja a oportunidade em que melhor se aproveite o tempo porque, principalmente na parte de Literatura, a matéria é muito teórica. A única vez em que ela leu poesia ou trechos de obras literárias foi na primeira aula a que assisti. Nas outras o esquema funcionou diversamente. Por exemplo, a aula sobre o Pré-Modernismo no Brasil consistiu em dar as características de cada autor e citar as obras que eles escreveram. O encontro com o texto se deu apenas nos exercícios e foi na correção que ela os explicou de forma prática. Assim, a aula de correção é mais produtiva do que as outras ainda mais porque ela retoma alguns pontos já vistos em aulas anteriores.

Por isso, a escolha de apenas escrever a reposta na lousa, como fez em algumas aulas, priva o aluno de aproveitar o conhecimento da professora, porque ele apenas copia tudo o que foi escrito no quadro. Segundo ela essa decisão acaba sendo tomada pelo desinteresse do aluno em aprender.

Penso que em muitas vezes é difícil manter o seu papel de professor vendo que os alunos não correspondem a nada, entretanto, o profissional ainda está recebendo o seu salário para isso, então, mas do que dever explicar, é sua obrigação.

Uma das coisas que tive que realizar no estágio, foi uma atividade em que os alunos deveriam ler uma reportagem e escrever um artigo de opinião a respeito do tema, visto que a professora já tinha passado as teorias da dissertação, argumentação e opinião. Essa lição, na verdade, era a realização de um dos requisitos que outro professor deveria cumprir já que estava fazendo o curso Ensino em Rede. Ele pediu à professora que aplicasse tal atividade e ela me repassou.

Porém, tudo perdeu o objetivo. Foram concedidas a mim duas aulas para eu aplicar o texto sobre História em Quadrinho (HQ) que envolve a Ciência e a Ficção científica , elaborar cinco questões que envolvessem a compreensão textual e ainda, em uma aula deveria ser produzido pelos alunos o artigo de opinião.

Para começar, eu não achei o tema muito adequado. Poucos entenderam o que significava esse uso da ciência na construção dos personagens de HQ. Além disso, a reportagem era grande, cheia de argumentos de autoridades, opiniões diversas e exemplos de história das quais eles nunca ouviram falar.

Não acredito que eles devam ler apenas sobre aquilo que já é difundido, entretanto para produzir um artigo de opinião é necessário ter uma opinião, para que ela seja formada é necessário estar em contato com o assunto. Isso fugiu ao extremo em relação ao conhecimento e prática de leitura dos alunos. Eles encontraram dificuldades até mesmo para reconhecer as justificativas pelas quais os autores defendiam ou não processos científicos nas histórias.

Dessa maneira, as redações que consistiam em defender a opinião do aluno sobre o usar ou não Ciência nas Histórias em Quadrinhos se justificavam com argumentos que acabaram se tornando respostas:

“Se não fosse colocado a ciência nos Quadrinhos ele perderia a graça porque a maioria deles que fazem sucesso hoje dependem da ciência por exemplo o Batman.Sem sua tecnologia de ponta ele não passa de um homem de preto com uma capa,

Enfim, todos os desenhos que dependem de ciência e tecnologia perderiam a graça” .

Nesse texto que o aluno escreveu não existe argumentos, nem a estrutura de um artigo e a mesma coisa que ele disse no primeiro parágrafo, foi dita no segundo. Até a pontuação está errada.

Eles pouco entenderam o tema, pouco se interessaram em construir as estrutura correta de um texto, já que alguns me entregaram apenas um parágrafo e a atividade perdeu o objetivo. Mais tempo que não foi aproveitado.

Fora isso, a atividade proposta teria um contexto de preparar o aluno para o texto, levantar uma discussão, reconhecer alguns elementos textuais, reconhecer as vozes das opiniões para que ao final tudo, os frutos da experiência se convertessem nos artigos deles. Porém, o tempo não era suficiente e, sendo assim, a proposta não atingiu seu objetivo.

Seria necessária uma aula para o levantamento dos dados desses textos, onde as redações seriam devolvidas para correção e discussão com o objetivo de melhorá-las. No entanto, sem esta reflexão sobre a escrita, o aluno apenas verifica sua nota e joga o texto no lixo. E sem a reflexão o questionamento que permanece é: O que melhorou na escrita e argumentação do aluno?

 

Conclusão

Por meio do estágio de observação percebi algumas características no discurso da professora que transmitem a idéia da não necessidade de comparecer à escola em alguns dias. Esse fator põe em risco a seriedade da instituição escolar e ainda permite ao aluno conduzir o seu estudo de forma menos séria.

Essa visão é acentuada a partir de momentos durante as aulas em que se perde muito tempo no ócio. Ou seja, os professores demoram a entrar na sala, dão muito tempo para fazer os exercícios propostos, permitem que o aluno faça na sala trabalhos que foram para casa e assim, o ritmo de aula diminui. Esses fatores acarretam uma menor produção em sala de aula e menor transmissão de conteúdo.

Esses problemas se unem à leitura superficial proposta pela própria professora, pois se o livro pedido não foi retomado por ela, subtende-se que qualquer conhecimento mais profundo a respeito do mesmo não será partilhado com os estudantes o que evita uma relação eficaz e estimulante do aluno com o universo literário e, por conseqüência, com o próprio conhecimento.

Outro fator interessante é a ponto positivo dado aos alunos que fazem as tarefas pedidas. Eles compõem uma parte da nota. Assim, os alunos seriam estimulados a fazer a lição. Entretanto, essa estratégia não é eficiente, pois muitos copiam a lição dos colegas. Assim, não existe a garantia de que o aluno exercitará a teoria lecionada.

Entre essas considerações, cabe dizer que o professor não se sente estimulado a dar aula. Na verdade, por não ganhar muito, o profissional se responsabiliza por muitas aulas e não dá conta de manter a disposição e o tempo necessário no preparo e condução das mesmas.

A professora com quem fiz estágio estava, muitas vezes, cansada e preferia passar exercícios para eles fazerem sozinhos. Houve distância entre a teoria e a prática principalmente na matéria de Literatura já que os textos de obras não eram lidos com os alunos. Ela afirmava que os alunos não estavam interessados em aprender e isso pôde ser visto em muitos casos, como, por exemplo, as respostas que eles davam, o pedido para não haver aula, a não realização das lições.

Todos esses fatores contribuem para um acordo implícito na relação entre aluno/professor para que as aulas fossem conduzidas sem profundidade. Essa foi a realidade dos terceiros anos do Ensino Médio no período noturno, na escola onde foi realizado o estágio.

Penso que essas características sejam reflexos dos problemas que a Educação sofre no Brasil. O governo não destina capital suficiente para a formação de professores, manutenção das escolas, aquisição de material, sendo assim, o professor se vê em uma situação em que deve trabalhar em vários lugares. Devido ao desgaste físico, emocional e intelectual não desempenha bem o seu papel em alguma instituição. Dessa forma, o aluno não se sente estimulado, tendo em vista o seu cansaço do trabalho que realizou o dia todo e, por isso passa a imagem de quem não quer aprender. Esse conjunto torna-se muito mais do que um círculo vicioso. Ele se transforma em uma justificativa de todos os lados para que cada um não desempenhe o seu melhor papel na sociedade.

Cabe enfatizar que essas considerações são feitas de maneira geral, pois ainda há alunos que fazem as tarefas, que têm interesse em questionar alguns livros com a professora e que freqüentam as aulas com o objetivo de aprender e não apenas tirar nota.

Portanto, a Escola ainda é a instituição que deve ser preservada, pois ali se formam cidadãos. Pode ser que nem todos tenham essa consciência, mas cada um deve desempenhar o seu papel da melhor maneira possível. Mas, é preciso não se conformar com esse caos nem compactuar com ele.
 
   
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1 Comentário

  • Link do comentário Jeferson Gomes Terça, 03 Abril 2012 17:48 postado por Jeferson Gomes

    Ótimo trabalho com um olhar de criticidade limpa e objetiva realmente explorando a dificuldade do professor em dar suas aulas , porém observa-se que muitas vezes parte dele próprio essa anulação de educar de forma mais objetiva e clara;fazendo-se entender que ele professor é autoridade maxima em sala de aula.Como bem observado pela autora existe sim alunos focados e preocupados com o tipo de educação que querem ter tendo estes uma participação muito mais efetiva do que outros.

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