Marinheiros de primeira viagem (de água doce) - Uma proposta de leitura interdisciplinar

 

Alexandre Antoniazzi Franco de Souza
Elisabete Marin Ribas

 

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

(João Guimarães Rosa)

 

Este projeto foi concebido visando o incentivo à leitura de obras literárias do cânone brasileiro, através de um trabalho interdisciplinar junto à matéria de Química. A idéia surgiu a partir das aulas de regência ministradas pelo aluno Alexandre Antoniazzi Franco de Souza quando, como estagiário, conseguiu desenvolver parcialmente as atividades aqui propostas junto à professora Flávia Eliza Egydio Leva na Escola Estadual Profª Flávia Vizibeli Pirró.

No decorrer da proposta foram trabalhados vários gêneros literários, mas não tivemos a preocupação com nomenclaturas ou estudos específicos sobre tais gêneros, pois nosso objetivo era o incentivo e despertar para a Literatura de um modo amplo e não apenas em um determinado aspecto. Acreditamos que a pluralidade de gêneros, num momento inicial, auxiliou o alcance de nosso objetivo, já que estavamos diante de alunos tão distantes da Literatura, esta, apresentada por meio de novos cronistas, bem como através de grandes nomes, como Guimarães Rosa, que foi nosso foco final.

Enfim, apoiados nas idéias trazidas por Hernándes, buscamos através de nosso projeto:

a)  estabelecer as formas de pensamento atual como problema antropológico e histórico chave;

b) dar um sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais que nos ajude a compreender melhor a complexidade do mundo em que vivemos e

c) planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

(HERNÁNDEZ, 1998, p. 73)

As propostas acima pareceram-nos ousadas, porém no decorrer da aplicação das atividades, foram abraçadas e refletidas, servindo como fundamental ferramenta em cada passo dado na busca de um trabalho através de projetos que trouxessem um repensar da natureza da Escola e de como desenvolver o saber que leve a um conhecimento significativo dentro deste espaço.

 

Objetivos do projeto

O objetivo foi fazer com que os alunos conhecessem textos literários clássicos/ canônicos, em especial da prosa de Guimarães Rosa. Por fazer conhecer entende-se criar oportunidade para que os alunos lessem textos clássicos, guiando-os nessas leituras, a fim de que delas pudessem extrair significados.

Por que e pra que fazer os alunos entrarem em contato com estes textos?

“... a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os “seus” clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois da escola.”

(CALVINO, Ítalo. “Por que ler os clássicos?”. p. 12-3)

Se por um lado, entre estes textos e os textos com os quais os alunos estavam acostumados, havia um hiato enorme que precisava ser suprimido, por outro lado acreditamos que se fossem apresentados aos alunos e não se somassem a nada que eles já conheciam, não fariam nenhum sentido e seriam rejeitados.

Foi necessário criar elos (para formar uma corrente) entre o conhecimento, partindo do que o aluno já trazia em seu repertório e, a partir daí, cada um tendo um ponto de partida diferente, pretendíamos chegar até onde desejávamos: o contato com a prosa de Guimarães Rosa. Dessa forma o projeto tinha um “mesmo” ponto de chegada (sabendo que na verdade é impossível determinar até onde vão os alunos, que tipo de relação terão com os textos), mas inúmeros pontos de partida, tão vários quanto eram os alunos na sala de aula. Enfim, o nosso papel seria, em sala de aula, conduzir os alunos, incentivando-os, para que mergulhassem no mar da Literatura, mas não “nadassem à toa” ou “morressem na praia”. Assim como disse Hernándes, através de tal proposta com projetos, tem-se uma organização de aulas e conteúdos mais complexos, trazendo uma também maior compreensão da matéria e dos temas, fazendo com que o docente atue mais como guia que como autoridade.

Como já dito, os professores não foram “nortes”, mas condutores de um longo caminho, sem deixarem-se tornar um fim em si mesmos. Nosso foco estava nos alunos e não só no seu desenvolvimento cognitivo, mas, ainda pautados nas palavras do professor espanhol, “os projetos podem contribuir para favorecer nos estudantes, a aquisição de capacidades relacionadas com: a autodireção (...), a inventiva (...), a formulação (...), a integração (...), a tomada de decisões (...) e a comunicação interpessoal (...)”.

Passemos agora à descrição das propostas de atividades e desenvolvimento.

 

Sequência didática

Nesta viagem pela literatura, traçamos o que chamamos de “mapa” com a síntese dos conteúdos, visando uma melhor orientação ao colega professor. Fica aqui um convite para o “faça você mesmo” e, devido a isso, nossas considerações e resultados estarão apenas ao final.

Duração: 10 aulas (aproximadamente)

Cronograma de aulas

Aula:

Tema:

Conteúdos específicos:

1

Início do projeto: trabalho com frases invertidas – exemplos e elaboração.

•  Vocabulário;

•  marcas de oralidade na escrita;

•  pontuação.

2

Análise das frases elaboradas pelos alunos.

•  Vocabulário;

•  marcas de oralidade na escrita e suas possibilidades de usos;

•  pontuação.

3

Crônica: Da difícil arte de redigir um telegrama .

•  Ambigüidade do enunciado;

•  Figuras de linguagem: Eufemismo.

•  Pontuação.

4

Manchetes de jornal.

•  Gêneros do discurso;

•  Pontuação;

•  Estruturas textuais: crônica, telegrama e textos jornalísticos

5

Camões

•  Escolas literárias: o Classicismo e a poesia de Camões;

•  Inversões;

•  Esquema de rimas.

6

A nossa língua e as outras línguas.

•  Língua materna e língua estrangeira;

•  Comparação entre duas línguas: igualdades e diferenças;

•  Figuras de linguagem: Metáfora . (tendo o foco no rio como metáfora da vida.)

7

Contextualização: Guimarães Rosa – Vida e Obra.

•  Escolas literárias: as tendências contemporâneas na Literatura Brasileira;

 

8

Conto: A terceira Margem do Rio .

•  A sintaxe de Guimarães Rosa.

9

Continuação do conto e criação de textos.

•  Estrutura e característica do Conto;

•  Técnicas de Produção textual.

10

Heráclito – Fim do projeto em sala de aula e início de um novo projeto de vida com a Literatura.

•  Aforismos;

•  Ditados populares;

•  Heráclito e o pensamento grego;

•  Revisão do projeto: como éramos no início e como chegamos ao fim.

 

Na tentativa de facilitar compreensão e aplicação do projeto, as propostas de atividades serão descritas aula a aula, já que ele se organiza dentro destas.

 

Aula 1

Objetivos específicos

•  Descontrair o aluno e fazê-lo empreender o trabalho de reelaboração de suas próprias frases, a partir da desmistificação da idéia de que há só uma forma correta quando se escreve (mito reiterado pela inculcação da gramática normativa).

•  Sensibilizar os alunos para as diferentes formas de se escrever uma mesma informação e para os conseqüentes efeitos dessas modificações.

•  Esclarecer que a idéia de uma frase errada/ inapropriada se refere ao contexto do seu uso e não a suas características intrínsecas.

Conteúdos

Vocabulário, marcas de oralidade na escrita, pontuação.

Estratégias

A aula pode ser começada, pedindo aos alunos que digam o que pretendem aprender nas aulas de Português, com o pretexto de fazê-los falar. Partindo de uma frase dita por eles, de preferência sobre algo interessante que lhes seja significativo, não necessariamente sobre as aulas, incitá-los a jogar com as diversas possibilidades de inversão dos termos dessa frase e com a inclusão ou modificação de palavras nela, para verificar os diferentes efeitos que produzem (sobre qual termo recai a atenção, qual das orações transmite a informação com mais expressividade e por que etc.). Pode-se incitar os alunos com a pergunta recorrente “De que outra forma podemos dizer isso?”.

Feita essa introdução, passar na lousa as seguintes frases:

O telhado da casa foi derrubado por uma violenta tempestade.

Uma violenta tempestade derrubou o telhado da casa.

A violência da tempestade foi tanta que arrancou o telhado da casa.

Uma puta tempestade arrancou a porcaria do telhado da casa.

(Adaptado de POSSENTI: 1996: pp. 91)

Repetindo o tratamento dado às frases dos alunos, abordamos a oralidade e os diferentes tipos de registros (registro “mais ou menos” neutro, mais popular, mais vulgar, mais formal, mais rebuscado, etc.), a partir do acréscimo ou troca de palavras (violência, tanta, puta, porcaria) e da inversão sintática das orações acima.

Lição de casa

Como lição de casa, irão partir de outra frase e criarão tantas outras quanto quiserem, contanto que escrevam sobre algo de que gostem, sobre algo que realmente lhes desperte prazer.

 

Aula 2

Objetivos específicos

•  Fazer os alunos notarem os diferentes efeitos estilísticos produzidos nas frases feitas em casa.

•  Investigar e atribuir ao vocabulário e/ou à morfossintaxe das frases esses efeitos.

Conteúdos

Vocabulário, marcas de oralidade na escrita, pontuação.

Estratégias

A aula inteira será dedicada à verificação das frases feitas pelos alunos em casa. Primeiro todos aqueles que querem ler as frases que escreveram, lerão. É importante incentivar aqueles que não fizeram, mas se quiserem, poderão fazer as frases na aula.

Escolher dois ou três alunos que tenham feito frases que contenham grande variedade de registros e escrevê-las na lousa para análise dos colegas, quanto ao efeito que produzem e os recursos (pontuação, letras maiúsculas, escolha do léxico etc.) que foram mobilizados para produzir esse efeito.

Questionar os alunos sobre o efeito que quiseram dar à frase ou o efeito que a frase produz “à revelia” da vontade deles; surgindo embate de interpretação da mesma frase, questionar se o significado está na frase, nas palavras, ou se somos nós que damos significado a elas.

Chamar a atenção para o tipo de registro: formal/informal (vulgar, rebuscado, charmoso, agressivo, etc.) e propor, como coadjuvantes importantíssimos, os recursos para causar esses efeitos. Pedir, então, para cada aluno reescrever as frases que criou numa folha de papel e entregá-la mais tarde ao professor, numa gradação da mais coloquial a mais formal. É importante deixar que eles decidam se começam pelo mais “vulgar” ou a frase com a estrutura mais simples, ou, ainda, a mais próxima à oralidade. Daí em diante verificar o que eles entendem por coloquial e formal.

Lição de casa

Como lição de casa, irão ler a crônica Da difícil arte de redigir um telegrama de Jô Soares. Deverão responder à pergunta “Qual solução deram para a redação do telegrama?”.

 

Aula 3

Objetivos específicos

Prática de leitura.

Conteúdos

Ambigüidade do enunciado, pontuação.

Estratégias

Começar a aula com a leitura feita pelo professor da crônica Da difícil arte de redigir um telegrama. A leitura deve ser deliciada, com calma e prazer, para instigar os sentidos dos alunos e, ao mesmo tempo, explorar os recursos do texto. A partir do efeito das frases, questionar sobre os recursos usados (pontuação, letras maiúsculas, escolha do léxico, etc.), para se produzir esse efeito.

No caso da pontuação como auxílio de compreensão, baseados no que disse Mauro Ferreira, “a língua falada dispõe de recursos muito variados para exprimir suas pausas e entonação. Na língua escrita, essas pausas e entonações são representadas pelos sinais de pontuação”. Isso deve ser demonstrado na leitura inicial do texto em sala.

Depois, chamar o maior número de alunos para ler o texto em voz alta, a fim de evidenciar na leitura os efeitos das diferentes propostas de redação do telegrama. Quando derem a entonação errada ou desrespeitarem a pontuação, o professor deve interromper e ler o trecho, como modelo, para o aluno reformular o modo como leu.

Em seguida, propor a pergunta: “Por que era tão difícil escrever o telegrama?”. Discutir com os alunos a relação entre a organização das frases (escolha de vocabulário e pontuação) e a intencionalidade das personagens da crônica ao redigi-las.

Lição de casa

Como se estivessem escrevendo um e-mail, propor que os alunos elaborem uma nova versão para o texto do telegrama, mas dessa vez, usando todos os recursos que esse suporte (o e-mail) permite.

 

Aula 4

Objetivos específicos

Ao final da aula, o aluno deverá conhecer as características de gêneros como a crônica, textos jornalísticos e a importância da pontuação como recurso para evitar a ambigüidade na escrita. Além disso, através das manchetes e textos jornalísticos, alertar os alunos para a degradação do Rio São Francisco.

Conteúdos

•  Gêneros do discurso;

•  Pontuação;

• Estruturas textuais: crônica, telegrama e textos jornalísticos.

Estratégias

A partir dos dados coletados na aula anterior, verificar as sugestões de conteúdo para o telegrama, lembrando que o objetivo é escrever uma mensagem clara com o menor número de palavra e recursos lingüísticos, como a pontuação.

Visto isso, fazer uma comparação com manchetes de jornais, as quais devem, em primeiro lugar, chamar a atenção do leitor para que tenha curiosidade de ler a notícia. Apresentar como exemplo as reportagens sobre a polêmica da transposição do Rio São Francisco, ocorrida nos meses finais de 2005. As questões que levantamos para nortear o trabalho em sala de aula são:

- Qual a visão de um jornal como a Folha de São Paulo?

- Como é vista por um informativo de fundo religioso? Qual a posição das manchetes? Como se percebe isso?

- Qual das manchetes demonstra maior neutralidade diante da polêmica?

A partir das chamadas, já se prevê os objetivos, características e cunhos textuais, além dos significados embutidos em suas palavras.

 

Folha de São Paulo:

BISPO SE REÚNE COM LULA E ATACA TRANSPOSIÇÃO

 Boletim virtual da CPT – (Comissão Pastoral da Terra):

BISPO QUE FEZ GREVE DE FOME PELA REVITALIZAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO SE REÚNE COM LULA

Estado de São Paulo:

LULA RECEBE BISPO QUE FEZ GREVE DE FOME

Boletim Virtual da Fraternidade Mestre Jesus:

BISPO ENCERRA GREVE DE FOME - ALÍVIO!

 

Lição de casa

Ao final da aula, sugerimos atividades envolvendo pontuação e frases ambíguas. A questão maior para os alunos, neste momento é como escrever dizendo realmente aquilo que se quer dizer. Dependendo da dinâmica da classe, os exercícios podem ser feitos em sala, junto ao professor, desde que este incentive sempre a participação e o registro em caderno dos conteúdos.

Exercícios
(Adaptados de Ferreira, Mauro. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD, 1992)

 

1) Explique as diferenças de sentido entre as duas frases abaixo:

 a) O tribunal condenou: eu não absolvo.

 b) O tribunal condenou: eu não, absolvo.

 

 a) Eis o que lhe dei: champanhe francês, não cachaça.

 b) Eis o que lhe dei: champanhe francês não, cachaça.

 

2) Leia atentamente a seguinte frase

“O rapaz revoltado começou a agredir o advogado.”

Se, usando vírgulas, separamos o termo revoltado, a frase continuará tendo o mesmo sentido? Explique.

 

Aula 5

Objetivos específicos

A modelo das análises que foram empreendidas até agora no nível da frase, investigar as diferentes formas de organização do texto, entendido como unidade mínima de significado.

Conteúdos

Lírica de Camões, esquema de rimas.

Estratégias

Ler com os alunos a paráfrase do soneto de Camões “ Sete anos de pastor Jacob servia”. Se alguém conhecer a história, já que se trata de um episódio bíblico, pedir para contá-la aos colegas. Esse é um bom gancho para a próxima atividade: atribuir adjetivos às personagens da história.

Os alunos devem assinalar as palavras que não compreendem e, no caderno, escrever o significado invocado no texto, após terem consultado dicionários e/ou discutido essas palavras com os colegas.

Em seguida, pedir que digam à turma o resultado da pesquisa. Caso não tenham selecionado os vocábulos “servilmente”, “resignado”, “se submete” e “esposar-se”, solicitar, então, que os pesquise agora.

Após esse trabalho de familiarização com o texto da paráfrase, fazer com os alunos a leitura do soneto de Camões e pedir para explicitarem as diferenças entre os dois textos, uma vez que tratam do mesmo assunto.

Se houver longo silêncio ou dificuldade dos alunos em se expressarem, perguntar se ambos os textos comunicam exatamente as mesmas informações ou, ainda, se comunicam as mesmas informações exatamente da mesma forma.

Evidenciar os recursos estilísticos mobilizados por Camões, como as rimas e a escolha do vocabulário.

Lição de casa

Os alunos deverão parafrasear a última estrofe do soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver,”, além de assinalar na poesia as palavras de que desconhece o significado e pesquisá-las, como fez em classe.

 

Aula 6

Objetivos específicos

Mostrar aos alunos que, muitas vezes, uma outra língua traz maior facilidade de compreensão do que um texto em português que utilize demasiado uso de inversões, ou que lance mão de formas indevidas de pontuação, produzindo a ambigüidade. Além disso, salientar a importância de saber uma outra língua, sem deixar de compreender e aprimorar nossa língua materna.

Conteúdos

•  Língua materna e língua estrangeira;

•  Comparação entre duas línguas: igualdades e diferenças;

•  Figuras de linguagem (Metáfora). O rio como metáfora da vida.

Estratégias

Primeiramente apresentar aos alunos a versão em espanhol da música Al outro lado del rio. Após esta etapa, fizemos a leitura textos complementares que serviram para introduzir o trabalho que seria dotado de curiosidades como a origem do cantor e compositor, a indicação ao Oscar 2006 e a encomenda da música feita pelo diretor de cinema Walter Salles. Depois disso, pede-se que os alunos circulem as palavras que conhecem e sabem seu significado, buscando valorizar, como sempre, o conhecimento prévio do aluno. Depois, caso haja a possibilidade, tocar a música para que a conheçam e, se for necessário, tocá-la mais de uma vez.

Feito isso, convidar os alunos a darem opinião sobre o que eles acreditam que fala a música. Anotar as idéias na lousa, mostrando como seria a forma escrita das idéias colocadas oralmente. Em seguida, o professor entrega a tradução da música, e a partir daí, reelaborar a pergunta, questionando se era realmente esse tema que eles acreditavam estar na música em espanhol. Introduzir o conceito de língua materna e língua estrangeira. Apontar a diferença entre as duas línguas, suas igualdades e voltar à questão das formas de se dizer. Perguntar se foi mais fácil desvendar o soneto de Camões ou a música em espanhol? Por quê? Caso haja a possibilidade, utilizar o conceito de mote na lírica e nos textos discursivos.

Ao final da aula, introduzir a conceito de Figuras de Linguagem, apontando sua importância na literatura e seu uso no discurso diário. Mauro Ferreira introduz o tema muito bem em sua gramática, dizendo que:

“As figuras de linguagem mais significativas nascem da intenção ou da necessidade do falante (ou escritor) de dizer as coisas de uma maneira nova, diferente e criativa. O que pretende, quando se usa a linguagem figurada, é fazer com que o ouvinte (ou leitor) se surpreenda, sensibilize-se e, assim, fique mais atento ao que está sendo falado (ou escrito). A utilização de linguagem figurada não é um privilégio dos grandes escritores. Todos nós fazemos uso desse tipo de linguagem. (...) o conhecimento das figuras, obviamente, não tem uma finalidade em si mesmo, isto é, não se trata de conhecer as figuras simplesmente para saber o nome delas. A importância em reconhecer figuras de linguagem está no fato de que tal conhecimento, além de auxiliá-lo a compreender melhor os textos literários, leva-o (...) a descobrir maneiras novas, bonitas e diferentes de dizer muitas das coisas que você pensa, sente e fala.” (FERREIRA: 1992: pp.434)

Tal definição vem ao encontro do fio condutor de nosso projeto, que mais do que acumular conhecimentos, busca despertar no aluno a autonomia da busca pelo conhecer, principalmente através da leitura.

E a figura de linguagem mais significativa em nosso contexto é a Metáfora. Definida como mudança do sentido comum de uma palavra por um outro sentido possível que, a partir de uma comparação subentendida, tal palavra possa sugerir [1], ela surge em nossa música traçando o paralelo entre o rio e a vida. O professor deve mostrar isso ao aluno, sem usar a nomenclatura específica, que pouco nos diz, mas sim com o exemplo do texto. E aproveitar o momento para indicar a diferença entre Metáfora e Comparação.

Lição de casa

Elaborar frases buscando o sentido metafórico da mensagem. Caso os alunos apresentem dificuldade, devido ao breve período de explicação na aula, pode-se pedir pesquisas de frases em livros didáticos de Português.

 

Aula 7

Objetivos específicos

Apresentar principais fatos da vida e da obra de Guimarães Rosa, buscando despertar nos alunos o interesse por sua literatura.

Conteúdos

• Escolas literárias: as tendências contemporâneas na Literatura Brasileira;

Estratégias

Dependendo dos recursos disponíveis na escola, inicialmente seria feita uma apresentação sobre a vida de Guimarães Rosa. Nestes dados, buscaríamos abordar aspectos curiosos da sua literatura, além do próprio ato de escrever. Um dos pontos principais seria a questão das cadernetas e da importância delas na obra rosiana. Através dos dados descritos nelas, Guimarães Rosa conseguiu transpor para a literatura algumas texturas, odores e cores do que o cercava. Se houvesse tempo, sugeriríamos a visita à exposição sobre o tema, como a dos manuscritos do autor que aconteceu no IEB – Instituto de Estudos Brasileiros, dentro da Universidade de São Paulo.

Além dos elementos da biografia, a literatura que resgata a oralidade é um fator de fundamental abordagem dentro do presente projeto. Porém, vemos a dedicação e importância de tais elementos orais na prosa de Rosa, ou seja, ele escreveu assim, pois é o fruto de uma imensa pesquisa possibilitou a ousadia em sua literatura. É mais do que escrever como se fala.

Lição de casa

Pesquisa biográfica de Guimarães Rosa.

 

Aula 8

Objetivos específicos

Introduzir os alunos à sintaxe da prosa de Guimarães Rosa.

Conteúdos

Primeiro parágrafo do conto “A terceira margem do rio”, vocabulário, regionalismo na linguagem, pontuação.

Estratégias

Ler o primeiro parágrafo do conto, de modo a evidenciar a função da pontuação.

“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa”.

Pedir que os alunos procurem no dicionário as palavras que não entendem. A partir daí discutir o regionalismo na linguagem (“alembrar”, “estúrdio”), o efeito da ordem das palavras na frase (“as diversas sensatas pessoas”) e, enfim, o uso estilístico da pontuação (“Só quieto.”).

Invocar a seguinte citação de Guimarães Rosa (a epígrafe deste artigo):

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."

Explicitar que o presente projeto neste artigo dialoga com o de química, que tem como tema o rio São Francisco. Incitar, então, a curiosidade dos alunos, questionando-lhes sobre qual seria a “terceira margem” do título do conto e o que representa o rio. Indagar-lhes por que o pai manda fazer “para si” uma canoa.

Lição de casa

Depois de familiarizar os alunos com o texto, propor-lhes de dar continuidade à história, imaginando sobre o que o autor estaria contando no texto.

 

Aula 9

Objetivos específicos

Despertar o interesse do aluno para a leitura da obra de Guimarães Rosa, mostrando que uma literatura baseada na oralidade necessita de tanta atenção quanto um outro texto baseado na norma culta, relembrando os gêneros até aqui trabalhados.

Conteúdos

•  Conto: “A outra margem do rio” ;

•  Léxico de Guimarães Rosa.

Estratégias

Assim como feito anteriormente, a leitura em voz alta com os alunos, com pausas em trechos específicos para esclarecimento de léxico e idéias trazidas pelo autor pautará a aula toda. Uma sugestão de atividade é a nomeação de um aluno, que munido do livro Léxico de Guimarães Rosa , poderá buscar os significados dos termos regionalistas usados por Rosa. Vale ressaltar que é de fundamental importância a leitura anterior feita pelo professor, para que este já vá para a sala com um léxico básico preparado, tendo em mente que em determinados momentos, o resgate do significado partirá dele próprio, de maneira que a leitura tenha fluidez e cative os alunos.

Também não se deve incentivar uma primeira tentativa de leitura em silêncio, pois a prosa do autor encontra-se intimamente ligada com o oral, de maneira que a leitura em voz alta facilita a compreensão do texto.

Lição de casa

A leitura será feita até certo ponto do conto. Ao ser suspensa, os alunos deverão ser convidados a terminarem o conto. Como seria o desfecho da história? Os textos serão lidos e entregues na próxima aula.

 

Aula 10

Objetivos específicos

Mostrar aos alunos, através dos textos escritos por eles, como foi valorizado nosso poder de comunicação, apontando que, assim como Rosa, podemos escrever, não só textos literários, mas também crônicas como a de Jô Soares ou textos jornalísticos, como os que traziam a polêmica sobre o Rio São Francisco, alertando que a comunicação é imprescindível nos dias de hoje e que, assim como ela pode nos confundir ou manipular nossas opiniões, por outro lado, ela pode ser um recurso de defesa, principalmente se sabemos utilizá-la a nosso favor quando por nós escrito, ou ainda, quando resgatamos do que lemos o que está implícito sob as entre linhas.

Conteúdos

•  Aforismos;

•  Heráclito e o pensamento grego.

Estratégias

Colocar na lousa a frase: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio” e, a partir dela, incentivar os alunos a opinarem sobre seus significados.

Registrar as idéias na lousa, sempre verificando concordâncias e discordâncias entre os alunos. Ao final, apresentar Heráclito e o conceito de aforismos, que são frases não provindas de textos, incitando à reflexão e trazendo conteúdos claros ou obscuros, que são considerados verdades e versáteis, podendo ser encaixados em vários acontecimentos e fatos da vida. Diferentes dos ditados populares que são anônimos e surgem do coletivo, eles são, em sua maioria, criados por Heráclito e usados em obras de outros grandes pensadores, como Aristóteles.

Como último exercício, pode-se pedir aos alunos que indiquem frases significativas para eles, independentes de origens textuais, ou autores. Aos menos participativos, indicar a possibilidade de versos de música, ou frases familiares, como as famosas lembradas através do jargão: “Minha mãe sempre dizia...”.

A partir desta frase, nosso objetivo é encerrar o projeto, mostrando aos alunos as mudanças pelas quais passaram através das leituras feitas. Como forma de agradecimento pelo empenho e participação no projeto, os alunos receberão cadernetas semelhantes à de Guimarães Rosa, para que anotem dados importantes, registrando-os de maneira que não se percam na “correnteza” da vida. Na capa haverá a inscrição da frase de Heráclito, numa última tentativa nossa de resgatar a reflexão diante de textos, fatos e contextos vividos por esses alunos, a partir de agora.

 

Fim da viagem

Acreditamos que, por meio das atividades e abordagens propostas, alcançamos nossos objetivos. Embora não tenha ocorrido em todas as aulas, ainda assim houve grande participação dos alunos, que em diversos momentos mostraram-se muito estimulados, contribuindo para o sucesso da proposta. Mais que um método, o trabalho com projetos é uma das alternativas de desenvolvimento amplo dentro da Escola, que assim como o conhecimento, que cresce conforme as leituras, estudos e experiências, o projeto embora se apresentando aqui como uma estrutura cristalizada, no seu desenvolver e na prática de cada docente, adequa-se, não ao professor, aos diretores ou à proposta pedagógica da escola, mas sim ao aluno.

 

Notas

[1] (FERREIRA: 1992: 436).

 

Referências bibliográficas

ARANTES, Valéria Amorim (org). Jogo e Projeto. Lino de Macedo e Nilson José Machado. São Paulo: Summus, 2006.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp. 12/ 3.

CEREJA, Willian Roberto. Panorama da Literatura Portuguesa. São Paulo: Atual, 1997.

___________________ . Literatura Brasileira: ensino médio. São Paulo: Atual, 2000.

FERREIRA, Mauro. Aprender e praticar Gramática. São Paulo: FTD, 1992.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação – os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998, pág. 61-91.

MARTINS, Nilce Sant´Anna. O Léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: Edusp, 2ª edição.

PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana. São Paulo: Campus, 2004.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras - Associação de Leitura do Brasil, 1996.

ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

TORRALVO, Izeti Fragata. Sonetos de Camões – edição comentada. Cotia: Ateliê editorial. 2001.

   

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