Número 4 - Apresentação

 

Este número da Revista MELP, online, está voltado para a publicação de projetos elaborados pelos alunos de Licenciatura da disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa (MELP), da Faculdade de Educação da USP. São todos projetos voltados para classes de 6° ano ao Ensino Médio.

Nem todos os sete professores que ministram a disciplina de MELP trabalham com projetos; quando trabalham, introduzem particularidades ditadas por suas linhas de pesquisa, razão pela qual esta revista, por ora, publica projetos de uma só professora. Futuramente, quando novo número for dedicado a projetos da disciplina, esperamos receber produções de outras turmas.

Por ser uma revista que resulta do trabalho realizado no âmbito da Licenciatura, ela inevitavelmente articula docência, pesquisa e extensão, o tripé sobre o qual se posiciona a universidade.

Tematizar aqui a poesia não significa abandonar estudos da língua, uma vez que as formas de composição, o estilo e as escolhas lingüísticas são inerentes à reflexão sobre os gêneros. Ao contrário, a literatura, além das características intrínsecas a ela – aguçamento da sensibilidade, valores, fruição desinteressada, alimento para a alma, etc. – “leva a língua para onde quer”, como diz Umberto Eco. Ela cria identidade e comunidade, “mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo”, mas também a nossa “língua individual”.

A poesia é, pode-se dizer, o grau máximo de densidade poética e, talvez por se prestar menos explicitamente ao vínculo com a realidade imediata, é menos abordada enquanto gênero na escola, e tradicionalmente relegada a alguns procedimentos que visam a um aprendizado técnico, como métrica e rimas, sem conjugá-los à interpretação.

Por fim, devo dizer que os cinco projetos sobre poesia aqui publicados foram coletados ao longo de uma década. Provavelmente, outros se perderam antes que pudéssemos organizar o nosso banco de projetos. Realizados em grupo em determinados semestres, contaram posteriormente com a ajuda de outros alunos para sua edição, cuja forma final foi dada por esta professora abaixo subscrita, e por Richard Marcello e Gabriela Rodella, alunos da pós-graduação.

Neide Luzia de Rezende 

 

Projeto na Licenciatura: a dupla dimensão

O trabalho com projetos tem sido uma constante no sistema escolar atual. Mas, a exemplo do que disse há dez anos (1996) Hernández, um de seus teóricos mais importantes, parece ter-se tornado uma fórmula, uma receita, não um heurístico, desprovido da carnadura que um projeto requer para ser potencializado: a “pedagogia de projetos” em voga hoje na área educacional, como forma de organizar o conteúdo a ensinar, ao ser transformado em fórmula, já não é capaz de propiciar o conhecimento. Em geral, o que se chama de projeto na escola é um esquema de projeto, em que se enunciam o tema, os objetivos, a justificativa, o cronograma, uma bibliografia, tudo organizado em uma, duas, três páginas no máximo, como se o “como fazer” fosse dominado por todos. É claro que é possível encontrar projetos fortes, bem feitos, bem orientados, com elaboração e condução realizadas com responsabilidade pelos profissionais na escola, mas estes constituem a exceção, não a regra. Em razão disso, a “moda” de projetos tornou-se malvista e para estes torcem o nariz aqueles que já consideram “pedagogos” e “pedagogia” cientistas e ciência de importância menor.

O projeto, no curso de Licenciatura, tal qual é concebido na concepção desta professora, deve se referir a uma experiência imaginada, e isso representa um primeiro obstáculo para a sua elaboração pelos alunos das minhas turmas. Como o professor e o licenciando não estão efetivamente desenvolvendo um trabalho real com os alunos na escola, não estão inseridos de fato no universo escolar e cientes do andamento e da rotina, o projeto parece tecer, pois, uma “abstração revolucionária”, como uma vez disse um aluno – ainda que esse aluno tenha um conhecimento de escola básica (que é um conjunto de referências formado por aquilo que guarda do passado, o que conhece do presente, as representações de escola que construiu e pelas quais se pauta, bem como ter para si uma concepção de língua e de seu ensino).

Portanto, tendo em vista esse contexto, ao elaborarmos um projeto para a escola nas aulas de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, temos de levar em consideração ainda os elementos a seguir.

Uma concepção de projeto. A concepção de projeto na escola é adotada de Hernández (1996), ou seja, os alunos lêem o texto dele e o discutimos em sala, buscando adaptá-lo para o exercício escolar que estamos propondo. Em essência, o projeto, como proposto pelo autor espanhol, deve responder a uma necessidade da escola e a um interesse do professor, e todos – alunos e professores – aprendem; suas etapas podem ser revistas, planejando-se o conteúdo no tempo e antecipando-se os obstáculos; o percurso por um tema-problema favorece a análise, uma vez que se investiga para encontrar uma solução; busca-se sempre estabelecer relação entre a escola e o que acontece fora dela...

Relação do projeto com a disciplina. O projeto é, antes de tudo, um trabalho acadêmico, ou seja, trata-se de um instrumento de ensino e aprendizagem; portanto, deve responder – e talvez mais do que qualquer outro gênero na universidade, por suas características – àquela dupla dimensão: responder a uma prática social e a uma prática escolar. Disso segue-se que é necessário também verificar a que interesse da disciplina o projeto responde.

Na concepção do autor espanhol, o projeto é interdisciplinar, deve ser fruto de um trabalho em equipe e de responsabilidade da escola. Ora, ele se torna, na disciplina de Metodologia, um projeto de língua portuguesa, portanto espoliado de sua natureza interdisciplinar (se se considerar interdisciplinar aqui como uma inter-relação de disciplinas escolares); contudo, propomo-nos manter uma perspectiva interdisciplinar para que se preserve a essência dessa concepção de projeto, procurando estabelecer uma intrínseca relação entre os diferentes domínios do conhecimento e não uma relação exterior com as disciplinas escolares. Assim, ainda que reduzido a uma disciplina, ele guarda a interdisciplinaridade in nuce, o que permite uma abertura para questões mais amplas, suscitadas durante o desenvolvimento do trabalho.

Um ideal de projeto. Os estagiários de língua portuguesa raramente, pela situação do estágio no nosso contexto, têm a oportunidade de colocar em prática qualquer projeto realizado na Faculdade de Educação. O que fazem (e o que se propõe que façam) é observar e ouvir as necessidades apresentadas pelo professor da disciplina na escola, observar o perfil dos alunos e também suas dificuldades na matéria, além de buscar desenvolver um projeto que responda àquelas necessidades em parte reais, em parte supostas. Ao propormos o desenvolvimento em grupo de um projeto, é evidente que as intenções devem ser compartilhadas e as idéias, negociadas para que se transformem num tema comum. Quer dizer, aquelas necessidades que os estagiários identificaram, associadas a interesses deles por determinados temas, frutos de discussão no grupo, vão constituir um projeto, que decerto não é real, no sentido de se ater estritamente a determinada situação de determinada escola e de procurar dar uma resposta didática a isso; trata-se de partir dessa realidade como uma espécie de situação-síntese dos problemas que podem ser observados em outras situações escolares, distanciar-nos por meio da reflexão e da investigação capazes de revelar aspectos do real que muitas vezes não aparecem quando o observamos muito de perto e estamos mergulhados no universo em questão. Com base no vivido e observável, projeta-se uma realidade, da qual se procura imaginar, de certo modo ficcionalizando, os obstáculos, os problemas e suas possíveis resoluções. Trabalha-se com uma representação de escola e de projeto – o que de resto faz-se sempre, ainda que se acredite “retratar” a realidade escolar.

Ao se propor a elaboração de um projeto para a sala de aula, busca-se um “ideal de projeto” tanto em relação a sua composição quanto a seu conteúdo: ou seja, que ele tenha, do ponto de vista de sua estruturação, de sua organização formal interna uma extensão e profundidade que permitam visualizar um possível desenvolvimento, em suas diferentes partes (apresentação do tema, pressupostos teóricos e metodológicos, justificativa, objetivos, seqüência didática, mecanismos de avaliação...). No cotidiano escolar essa possibilidade – ou potencialidade – de desenvolvimento e previsão dos obstáculos acaba sendo difícil de ocorrer, uma vez que o tempo se transforma num obstáculo quase intransponível, devido à sobrecarga de trabalho que possuem os professores.

Dessa forma, escrever esses gêneros na universidade pressupõe resgatar esse tempo que a tarefa requer e pensar o trabalho à luz das teorias mobilizadas e das críticas levantadas, buscando repensar os problemas e propor soluções que não aparecem ainda ou aparecem de forma simplificada na prática cotidiana do professor, em geral desgastado pelo excesso de trabalho e desprovido do tempo necessário à reflexão e à mudança.

Aproveitar o ritmo da cultura universitária. A reflexão e a crítica têm um ritmo próprio; ir e voltar sobre o mesmo objeto buscando vê-lo sob ângulos diferentes exige tempo. O ato reflexivo e o crítico estão intimamente associados ao trabalho da escrita – como diz Walter Ong, a escrita permite que se estude. Há um tempo exigido pelo trabalho de leitura e um outro ainda maior exigido pela elaboração escrita. Na escola, parece já não haver esse tempo distendido que o estudo requer. Na fala dos professores, revela-se a ansiedade com a falta de tempo para tudo: cuidar da casa, dos filhos, do cônjuge, de tempo para ler, para preparar aulas, para fazer reuniões pedagógicas (muitas vezes o horário reservado a estas se transformam num surrupiado momento de descontração, quando se queixam dos alunos, da própria escola, se trocam receitas, se comercializam diferentes tipos de produto etc.). A escola não encontra tempo para realizar os seus projetos, só pode fazê-lo no ritmo que adotou, por isso não é de surpreender que o resultado sejam os esquemas desvitalizados, a falta de pesquisa e a dificuldade de escrita por parte dos professores. Por isso, realizar espécies de “projetos ideais” no curso de licenciatura é um modo de se oferecer à atividade o tempo que ela requer e que a universidade pode, em princípio, conceder.

Uma combinação da perspectiva de gênero e de projeto. Sugere-se que seja por meio de um ou mais gêneros que se faça a representação das necessidades supostas ou observadas na escola. Essa temática propicia um trânsito entre a escola e a sociedade, contudo aparecem temas de outra ordem que são igualmente redirecionados para essa perspectiva: é importante que haja no projeto a possibilidade de observar, na escola, por meio da língua, o funcionamento das práticas sociais. Como diz Bakhtin, os discursos respondem às variadas esferas das atividades presentes na sociedade.

Dessa forma, pode-se mobilizar diferentes gêneros discursivos, relativamente estáveis, de modo a serem reconhecidos e apropriados para a comunicação cotidiana. Permite, ademais, a elaboração de seqüências didáticas interessantes, nas quais se incluem atividades de leitura, de escrita, de análise lingüística, de saídas da escola para visitas a lugares de estudo, convites a profissionais de diferentes áreas, escritores etc.

Ter como perspectiva um destinatário para o trabalho. Ter em vista um leitor/interlocutor é essencial para direcioná-lo. Mais do que ser “aplicado” é importante que os autores dos projetos saibam que poderão ser lidos e que seus textos poderão gerar reflexões e outros textos. Como diz Umberto Eco, todo escritor, quando escreve, tem em mente um leitor, empírico ou virtual, e é para essa interlocução que o discurso se modaliza linguisticamente. No caso dos projetos, sua circulação e divulgação indicam quem será esse leitor: 1. os projetos mais bem acabados circularão entre os alunos do ano seguinte e poderão fecundar outros projetos (uma idéia parcial ou integralmente retomada em projeto diferente; uma proposta secundária que se torna principal; um aprofundamento do projeto original etc.); 2. uma seleção mais estrita dos projetos para inclusão nesta revista (antes, eram divulgados num site, já desatualizado, da disciplina), onde poderá ser acessado pelos alunos e, sobretudo, por professores; 3. possibilidade de apresentação dos projetos nas sessões de comunicação tanto dos Seminários de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, quanto da Semana de Educação, na FEUSP, que reúnem licenciandos, pedagogos e muitos professores da rede pública e particular.

Para concluir esta parte, gostaria de enfatizar que a escrita desses trabalhos leva à articulação da pesquisa e da prática na licenciatura, sendo essa prática uma representação da aula de língua portuguesa: busca-se recuperar uma natureza do projeto que tem desaparecido na escola, uma vez que o trabalho escolar promove um achatamento dos seus objetos, reduzindo-os a uma estrutura elementar e descarnada. Busca-se então no projeto realizado em sala de aula recuperar um modelo de projeto capaz de tornar mais aprofundado e efetivo o trabalho. 

  

Os projetos sobre poesia

A natureza histórica do poema se mostra imediatamente no fato de ser um texto que alguém escreveu e que alguém lê. Escrever e ler são atos que se sucedem e que são datáveis. São história. De outra perspectiva, o contrário também é certo. Enquanto escreve, o poeta não sabe como será seu poema; saberá quando, já terminado, o leia. O autor é o primeiro leitor de seu poema e com sua leitura se inicia uma série de interpretações e prazeres. Cada leitura produz um poema distinto. (…) O poema é uma virtualidade transhistórica que se atualiza na história, na leitura. Não há poema em si, mas em mim ou em ti. (...) Cada leitura é histórica e cada uma nega a história. As leituras passam, são história e, ao mesmo tempo, a transpassam, vão mais além dela.

(Octavio Paz, Os filhos do barro,  p. 472)


Na perspectiva metodológica decorrente do conceito de gêneros que adotamos, hoje disseminada pela adoção da teoria bakhtiniana[1] quase hegemônica no ensino, é inevitável que práticas sociais e práticas escolares se enredem. Nessa perspectiva, na aprendizagem dos conteúdos escolares pulsa a vida social. É desse modo que propomos aqui o trabalho com a poesia em sala de aula.

Se, como diz Octavio Paz, a poesia só se realiza pela leitura, esta é outra inevitabilidade com que nos defrontamos: na escola é necessário LER a poesia. É verdade que na cultura escolar do século XX, cada vez mais a poesia foi se adaptando, como, de resto, toda a literatura, a uma pretensa visão cientificista, e não é de admirar que “ensinar poesia” é ensinar procedimentos técnicos de composição. Tal representação do gênero se instalou poderosamente no imaginário de professores de português e de autores de livros didático. Entretanto, ultimamente, diante dos novos paradigmas de ensino de língua portuguesa, que privilegiam a construção do sentido, e das novas idéias pedagógicas, que enfatizam o pólo da aprendizagem, esse império tem sido questionado, embora na prática resista.

A construção do sentido e a ênfase no pólo da aprendizagem levam, portanto, a se privilegiar o aluno e, no caso da literatura, a leitura que ele faz do texto; ou seja, não se trata de tomar como objeto de ensino uma tradição literária, um conjunto de textos, mas ver o que essa tradição e esse conjunto de textos – selecionados em função de um determinado objetivo de ensino – propiciaria para a aprendizagem (o que supõe ver aí também uma concepção de aprendizagem: talvez um lugar para o jovem e para o seu presente na história da cultura).

Adotando esses pressupostos, consideramos que a leitura literária é então fundamental para a construção do sentido e do sujeito. Como diz ainda Paz, a leitura de um só poema nos revelará com maior certeza do que qualquer investigação histórica e filológica o que é toda a poesia”. (O arco e a lira, p. 50)

 É claro que falar em “leitura literária” não significa abandonar o estudo do texto; significa, antes de mais nada, que para se falar de um texto é preciso lê-lo, e que esse ler e falar sobre se assentam em determinados protocolos requeridos pelos próprios textos, como nos leva a pensar nossa idéia de gênero. Assim, ler poesia não é como ler uma notícia de jornal (aliás, é a isso que remete belissimamente o poeta Manuel Bandeira em seu “Poema tirado de uma notícia de jornal”): há um tempo e uma vivência que o poema exige ao apresentar imagens que não revelam todo o sentido de imediato, ao mesmo tempo em que, novamente citando Paz, “a experiência do poema – seu deleite através da leitura ou da recitação – também ostenta uma desconcertante pluralidade e heterogeneidade”, ou seja, por força das necessidades de ensino, voltadas para o coletivo, ocorre na sala de aula uma negociação de sentido que considera as referências comuns do grupo de estudantes (a “comunidade interpretativa”, no dizer de Stanley Fish[2]) e as interpretações críticas já convencionalizadas trazidas pelo professor, mas não deve tampouco ignorar as sugestões individuais que o poema propicia, que são, em suma, a essência de sua existência.

Para uns, o poema é a experiência do abandono; para outros, do rigor. Os jovens leem versos para ajudá-los a expressar ou conhecer seus sentimentos, como se só no poema as confusas, pressentidas facções do amor, do heroísmo ou da sensualidade pudessem contemplar-se com nitidez. Cada leitor busca algo no poema. E não é raro que o encontre: já o levava dentro”. (ibidem)

*

Os projetos aqui apresentados possuíam estruturações as mais diversas, tendo em vista que aos grupos de licenciandos que os confeccionaram não era oferecida uma estrutura muito estrita de composição; esperava-se que explicitassem tema, objetivos, nível de ensino, metodologia e atividades (conteúdo, objetivos, estratégias, desenvolvimento e avaliação). Os quatro primeiros itens ficaram, nesta edição final do trabalho, incluídos na Introdução e a sequência de atividades, sob a rubrica Sequência Didática, com as atividades numeradas. Esta é a configuração formal de quatro dos cinco projetos publicados.

O texto inicial da revista, “Por um outro ensino”, de Dirceu Villa e João Vieira Jr., com estrutura diferente da dos demais, na verdade se apresenta como o relato do projeto desenvolvido por ambos os licenciandos numa escola do estado, tendo sido mantida sua forma original: uma edição mais “didatizada” prejudicaria a elegância da linguagem de seus autores e a fluidez do texto (além do mais, diga-se a bem da verdade, seus autores não autorizaram tal intervenção). Ao decidir abrir a edição com um texto transgressivo e em essência pouco “didático”, é porque compartilhamos da posição manifestada por ambos de que mudanças urgentes na relação professor-aluno e na formação do professor são necessárias, no sentido de torná-los, justamente, professores e alunos, mais livres de uma cultura “canônica” e, sobretudo, de um “ensino canonizado”. Nesse projeto, Dirceu e João enfatizam a surpreendente criação poética de alunos considerados “casos perdidos”.

Outro projeto também colocado em prática na escola é o de Mara Lucia Faria Costa, “Simbolismo e Impressionismo: um apelo aos sentidos”. Este trabalho começou com o grupo em sala, mas ao ir para o estágio e ter a oportunidade de colocá-lo em prática, Mara se viu obrigada a reformulá-lo inteiramente; assim, tendo se perdido o projeto coletivo, optamos por publicar o individual. Para colocá-lo em prática, a autora aproveitou um material que se encontrava esquecido no armário da diretora, um conjunto de reproduções de pinturas do impressionismo, e com ele desenvolveu o projeto relacionando poesia, artes plásticas e música. Tais relações são muito profícuas para o aluno, que vive mais dentro de uma iconosfera povoada por imagens efêmeras da mídia e sons contemporâneos. Aproveitar o encanto da figura e da música, provindas no entanto de uma outra esfera da cultura, age como importante fator de sedução e empatia e contamina com isso também a poesia simbolista, cujas metáforas às vezes se mostram herméticas para o jovem. A ênfase do trabalho recaiu sobre as “sugestões”, que é uma instância pouco mensurável em termos de aprendizagem, mas fundamental para o aguçamento da sensibilidade e para a abertura a novas relações e possibilidades artísticas.

O projeto “Poesia marginal da década de 70” oferece a possibilidade de, como o primeiro, promover uma vivência poética entre os alunos. Aproveita as características da poesia da chamada “geração 70” e suas formas de produção e divulgação “alternativas” ao esquema mercadológico de massa para propiciar aos alunos uma criação poética mais livre ao mesmo tempo em que é capaz de mobilizá-los de um jeito vitalizado, lúdico, permitindo também produzir arte a partir de suportes e materiais menos “nobres”, como se propugna, de resto, desde as vanguardas européias e o modernismo brasileiro.

Os outros dois projetos são, pode-se dizer, mais “didáticos”, no sentido de que recorrem a práticas escolares mais convencionalizadas (ainda que de uma tradição recente): como o varal de poesia ou a abordagem de poemas e letras de música com destaque para a comparação de conteúdo. Com procedimentos didáticos familiares aos professores o “Oficina de poesia” toma o cuidado de não torná-los contudo separados dos procedimentos que a poesia requer, como não desvinculá-los do sentido e da interpretação bem como da leitura fruidora. O último projeto, “Música e poesia”, talvez seja o mais inacabado de todos: o projeto inicial era enorme e desenvolvia de modo extenso mas pouco significativas as comparações entre música e poesia; com muitos cortes, a edição final manteve as atividades com apenas três pares de poemas/letras, manteve-se os outros dois pares como sugestão somente, além de eliminar muito da biografia e comentários históricos, pois acredita-se que o professores e alunos possam fazer disso uma pesquisa bem mais interessante. O projeto foi indicado para publicação principalmente em razão das boas seleções de obras, que oferecem possibilidades inusitadas e ricas de comparação, ainda que vá exigir do professor que a adotar um trabalho intenso de reflexão e planejamento.

Esses projetos nasceram de idéias compartilhadas, de projetos anteriores, de embriões de projetos ou idéias secundárias e decerto ganharão variações nos futuros projetos a serem realizados na disciplina de MELP, são temas que possibilitam infinitas variações. Isso vale também para o professor em exercício que for aproveitar os trabalhos aqui apresentados. As idéias são bens coletivos, das quais nos apropriamos. Portanto, não há nenhum problema em se adaptar uma proposta à realidade de determinada escola ou sala de aula, nem o professor que o fizer deverá se sentir em débito com a produção alheia. Só não queremos que sejam desvitalizados, desvinculados de sentido, reduzidos a um conteúdo mecanizado.

 

Notas

 [1] Entretanto, o conceito de gêneros literários está consolidada há muito (desde Aristóteles) e encontra sua versão mais contemporânea no livro Théorie des genres, que saiu em 1986 na coleção Points, da editora francesa Seuil. Dentre os vários autores que compõem a coletânea de artigos sobre o tema, estão Gérard Genette e Hans Robert Jauss. Lembro também que Tzvetan Todorov escreveu um excelente ensaio (“Tipologia do romance policial”) sobre o gênero policial, publicado em Estruturas narrativas (Trad. de Leyla Perrone-Moysés, Editora Perspectiva, 1979).

[2] FISH, Stanley . "Interpreting the Variorum". In: FISH, S.   Is there a text in this class? : The authority of interpretive communities. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1980.

   

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